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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC CENTRO DE ARTES – CEART PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS – PPGAV

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC

CENTRO DE ARTES – CEART

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS – PPGAV

AMANDA CIFUENTE

EMBATES, NUANCES E DESDOBRAMENTOS: questões para pensar a autoria na obra de arte

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AMANDA CIFUENTE

EMBATES, NUANCES E DESDOBRAMENTOS: questões para pensar a autoria na obra de arte

Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do CEART/UDESC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rosângela Miranda Cherem.

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AMANDA CIFUENTE

EMBATES, NUANCES E DESDOBRAMENTOS: questões para pensar a autoria na obra de arte

Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do CEART/ UDESC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais, na linha de pesquisa Teoria e História das Artes Visuais.

Banca examinadora

Orientador: _____________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Rosângela Miranda Cherem

CEART/UDESC

Membro: ______________________________________________________________ Prof. Dr.ª Anita Prado Koneski

CEART/UDESC

Membro: ______________________________________________________________ Prof. Dr.ª Daniela Pinheiro Machado Kern

IA/UFRGS

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Aos meus pais.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais pelo apoio incondicional durante todo o meu percurso acadêmico. Aos meus queridos amigos do mestrado, que atravessaram o mesmo pesar deste percurso. Agradecimento em especial ao Wagner, Carolina e Ana Lúcia, por nossas longas conversas elucidativas. Certamente devo a vocês parte das minhas reflexões, respostas e soluções encontradas. Conhecê-los foi um enorme presente que este mestrado me proporcionou.

À minha grande amiga Ana, por todas as vezes que me acolheu em São Paulo possibilitando a realização de alguns estudos nesta cidade. À Jaqueline, Maria, Ana e Guilherme pelos momentos de alegria e pelos anos de amizade cultivados. Ao Marcelo por demonstrar interesse no campo das artes instigando uma vontade incansável de esclarecimento da minha parte. À querida Kenya, pela amizade e pela ajuda de suas palavras nos momentos tensos que passei. Ao Yuri, pelos e-mails trocados, pela generosidade nos materiais cedidos e pela constante ajuda.

À minha orientadora Prof.ª Dr.ª Rosângela, que esteve presente neste percurso importante da minha vida, por suas palavras e pela enorme biblioteca que sempre esteve à minha disposição. Ao Programa de Pós-Graduação de Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina, por me acolher e possibilitar a realização desta pesquisa. À Prof.ª Dr.ª Anita Prado Koneski e Prof.ª Dr.ª Daniela Pinheiro Machado Kern por aceitarem a participação em minha banca de qualificação e de defesa, assim como, por suas observações e leituras. À Márcia e Doroti, secretárias do programa, por sempre esclarecerem as minhas dúvidas. Ao programa de bolsa Promop, por ter auxiliado financeiramente esta pesquisa a partir do segundo ano acadêmico. A todos os professores do mestrado que estiveram presentes na minha jornada.

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RESUMO

Esta dissertação trata da autoria na obra das artes visuais, tendo como ponto de partida a análise de certos embates, nuances e desdobramentos em torno da mesma. Utiliza-se como referências que estruturam o pensamento desta pesquisa o texto O que é um autor?, de Michel Foucault; e A morte do autor, de Roland Barthes. Considera-se a interlocução com algumas questões levantadas pela literatura do escritor Enrique Vila-Matas. Neste trabalho são delineados alguns embates no século XX e XXI, como, por exemplo: o (não)lugar da autoria e o diálogo com historiadores da arte; nuances a partir do Readymade, Fluxus, Dadaísmo e Arte Conceitual; e desdobramentos de três casos exemplificadores na arte contemporânea da autoria por reconhecimento, articulada e institucionalizada.

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ABSTRACT

This dissertation approach the authorship in the work of visual art, taking as its starting point the analysis of some clashes, nuances and developments around it. Used as reference to structure the thought of this research is the text What is an author?, by Michel Foucault; and The death of the author, by Roland Barthes. Is considering the dialogue with some of the issues raised by the literature writer Enrique Vila-Matas. This work outlined some arguments in XX and XXI century, for example: the (non) place of authorship and dialogue with art historians; nuances from Readymade, Fluxus, Dada and Conceptual Art, and developments of three cases exemplified of authorship in contemporary art by recognized, articulated and institutionalized.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09

BLOCO I 14

SOBRE CERTOS EMBATES DA AUTORIA

1.1.O (não)lugar da autoria 15 1.2.Historiografia abreviada da autoria 21

BLOCO II

SOBRE CERTAS NUANCES ACERCA DA AUTORIA 32

2.1. Readymade 33

2.2. Dadaísmo e Fluxus 43

2.3. Arte Conceitual 59

BLOCO III

SOBRE CERTOS DESDOBRAMENTOS ACERCA DA AUTORIA 68

3.1. Autoria por reconhecimento: Acary Margarida e Eduardo Dias 69

3.2. Autoria articulada: Carla Zaccagnini 79

3.3. Autoria institucionalizada: Yuri Firmeza 89

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 99

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LISTAS DE ILUSTRAÇÕES

Marcelo do Campo: Situ-ação 24

Vincent Van Gogh: Self-Portrait with Bandaged Ear 29

Pablo Picasso: Dora Maar au Chat 29

Marcel Duchamp: In Advance of the Broken Arm 35

Foto de Man Ray: Marcel Duchamp travestido de Rrose Sélavy 39 Foto de Man Ray: Marcel Duchamp travestido de Rrose Sélavy 39 Marcel Duchamp: fotografia do readymade realizada pela irmã de Duchamp 40

Suzanne Duchamp: Le Readymade malheureux de Marcel 41

Francis Picabia: Movimento DADA 46

Manifesto Fluxus 50

Cartaz do Festival Internacional de Música Novíssima 53

George Maciunas: Diagrama n. 2 54

Ben Vautier: Art is only a question of signature & date 57

Ben Vautier: Total Art Match-Box 58

Robert Barry: All things I know but of which I am not at the moment

thinking– 13:36; June 15 61

Lawrence Weiner: Two Minutes of Spray Paint Directly Upon the Floor

From a Standard Aerosol Spray Can 64

Robert Barry: Inert Gas Series. Helium, Neon, Argon, Krypton, Xenon:

From a Measured Volume to Indefinite Expansion 66

Eduardo Dias: Ponte Hercílio Luz 73

Acary Margarida: Ponte Hercílio Luz 76

Carla Zaccagnini: Museu das vistas 82

Carla Zaccagnini: Museu das vistas 83

Carla Zaccagnini: Museu das vistas 88

Dalwton Moura: Arte, natureza e tecnologia 92

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INTRODUÇÃO

Esta dissertação é fruto de questionamentos a respeito da prática de heteronímia e pseudonimia nas artes visuais, um tema que suscitou conjecturas na realização de um Trabalho de Conclusão de Curso, empreendido nesta mesma instituição. O desdobramento desta pesquisa avançou sobre o pensamento autoral de modo mais amplo, viabilizando, assim, a investigação sobre certos regimes de verdade da autoria. Para tanto, optou-se por balizar alguns possíveis embates, nuances e desdobramentos, com intuito de problematizar o pensamento autoral e sua relação com a história da arte. Esta pesquisa visa analisar pontos em torno da autoria artística, problematizando a função e o sujeito autor e suas implicações particularmente nas artes visuais.

Objetiva-se no decorrer desta pesquisa elaborar um cruzamento entre o material teórico utilizado para a abordagem de questões sobre o sujeito autor e sua função. E, deste modo, busca-se compor uma investigação de possíveis problematizações sobre o assunto traçadas no século XX e XXI. A questão da autoria parece ter sido estudada insuficientemente pela teoria e crítica da história da arte, pois a simples relação entre vida e obra dos artistas parece convergir freqüentemente. No entanto, considera-se extremamente pertinente tratar de tais confluências tangenciadas no âmbito da arte visual moderna e contemporânea. Tais pontos e objetos elencados representam um amplo campo de pesquisa, capaz de suscitar interessantes debates nesse entremeio. Diante desse quadro, é possível formular os seguintes problemas: Como investigar determinadas questões intrínsecas que parecem fazer parte da abordagem da teoria e história das artes visuais, tais como a aproximação da vida e obra do autor? Como tomar a questão da autoria como um problema relevante para o repertório da teoria e história das artes visuais?

Esta dissertação toma como ponto de partida a denominação “autor” de acordo com que o dicionário Houaiss cita: o indivíduo que origina, que causa algo ou que é agente. Mais

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10 científica; (...)”1. Nesta compreensão, a autoria é investigada em dois módulos

problematizadores: a função autoral e o sujeito autor.

Na investigação desenvolvida no primeiro bloco, demonstram-se reflexões para o início da pesquisa acerca da autoria da obra nas artes visuais, tratando de sua função, problematização e tangenciamentos. Para delinear a reflexão, traça-se um percurso para demonstrar os diferentes modos de construção do sujeito autor. As características e as especificidades deste indivíduo são atribuídas brevemente, de acordo com as variações temporais, desde a antiguidade à contemporaneidade. Finalmente, delimita-se o percurso erigido por historiadores da arte, na tentativa de estudar os diferentes modos de abordagens da autoria pelos mesmos.

Para a discussão no segundo bloco assinala-se o modo como se encarou, no século XX, a função autoral e a apresentação do sujeito autor em sua obra. Tais questões são abordadas especialmente na proposição de determinados artistas e como suas articulações foram colocadas através de suas obras. A partir deste referencial, supõem-se a omissão das marcas autorais no momento da realização da obra à manufatura do objeto artístico. Como ponto de investigação para estas reflexões aparecem, em primeiro lugar, estão: o readymade de Marcel Duchamp por se tratar de um conceito que utiliza o gesto autoral da apropriação. Em um segundo momento, reflete-se sobre o grupo Fluxus e as propostas dadaísta, no que diz respeito à produção da arte por todos e ao pensamento antiarte. Por fim, aborda-se a Arte Conceitual, no que se refere à desmaterialização do objeto artístico e a atenção voltada para a ação do autor. Tais colocações afetam o pensamento autoral e os modos de criação e, portanto, são necessárias em virtude do posicionamento de desconstrução dos critérios tradicionais de arte desenvolvidos previamente.

O terceiro bloco da pesquisa, por sua vez, debruça-se sobre os desdobramentos da autoria a partir da análise de obras de arte. Nesta perspectiva, aprofunda-se nas questões da legitimação do artista, objetivando-se refletir sobre os sujeitos que produziram e que, no entanto, não se fizeram reconhecidos como autores. Para elucidar a discussão, são apresentados outros dois artistas, Acary Margarida e Eduardo Dias, ambos pouco conhecidos até mesmo na cidade onde nasceram e viveram. Deste modo, é importante ressaltar que, no entremeio das discussões geradas por este bloco da pesquisa, evidencia-se a possibilidade de tratar de inúmeros outros sujeitos, cujas biografias e narrativas se imiscuem com as ideias

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aqui tratadas. Faz-se necessário, por conseguinte, restringir a alguns poucos artistas o assunto estudado, pois se teme a extensão incalculável do tema. A escolha de sujeitos como Margarida e Dias, artistas da cidade de Florianópolis, problematizar indivíduos pouco reconhecidos e que possuem poucos dados e referências a respeito.

Ainda dentro dessa discussão autoral, incorporou-se a obra Museu das Vistas, de Carla Zaccagnini, evidenciando a relação artista-executor-idealizador e questões referentes à sugerida articulação da autoria. Com o intuito de construir solidamente esta outra faceta da pesquisa, aproxima-se da obra de Yuri Firmeza, intitulada Souzousareta Geijutsuka, também título de seu livro, que apresenta a exposição de um artista ficcional, experiência que gerou conflitos entre a crítica institucional e a vinculação da mídia. Problematizam-se, neste caso, os modos de legitimação de artistas e suas instâncias.

Não são contempladas relações de co-autoria, de acordo com parâmetros tradicionais (um ou mais autores na mesma obra). Isso porque não se objetiva a discussão sobre a propriedade autoral, continuamente bancada por uma propriedade coletiva – da mesma forma como o são as atuações de coletivos de artistas anonimatos, pseudonimias e heteronímias. O anonimato, por outro lado, tem por intenção a ausência total de identificação do autor. A pseudonimia, por conseguinte, apresenta um autor sob nome fictício, ocultando a sua verdadeira identidade. Do mesmo modo, abdicando do nome próprio do autor está a heteronímia, na qual se apresenta também um nome fictício (ou mais de um) com características próprias e autonomia, entretanto diversas à personalidade real do autor.

O ponto de partida desta pesquisa advém de duas leituras importantes: uma de inspiração conceitual, com o ensaio O que é um autor?, de 1969, de Michel Foucault (1926 –

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12 apropriação: abrange a função-autor como um indivíduo que não é dono de um discurso; III

A relação de atribuição: discute a posição do autor e os vários eus pertencentes aos diferentes tipos de discurso;IV –A posição do autor: analisa as diversas funções do autor no discurso, como, por exemplo, no prefácio, na narração, o ser copista, entre outros.

Segundo Foucault, estabelecer uma relação da obra de arte com seu autor exibe, sim, propriedade. No entanto, o analista deve sempre ir além:

(...) analisar a obra em sua estrutura, em sua arquitetura, em sua forma intrínseca e no jogo de suas relações internas. Ora, é preciso imediatamente colocar um problema: „O que é uma obra? O que é pois essa curiosa unidade que se designa com o nome obra? De quais elementos ela se compõe? Uma obra não é aquilo que é escrito por aquele que é um autor?‟ Vemos as dificuldades surgirem. Se um indivíduo não fosse um autor, será que se poderia dizer que o que ele escreveu, ou disse, o que ele deixou em seus papeis, o que se pode relatar de suas exposições, poderia ser chamado de „obra‟?2

No caso tratado, é interessante ampliar tal conceito para o campo da obra e autor. Afinal, o filósofo francês não pretendia abordar na sua apresentação a instituição da valorização do herói autor. Assim, conceitua o desaparecimento do “eu” na experiência do Fora, no qual se mantém exterior a toda e qualquer subjetividade. Este desaparecimento é gerado em virtude de dois fatores: o apagamento do sujeito na obra e o (re)surgimento do ser da linguagem.

Outro referencial teórico fundamental para a elaboração desta pesquisa é Roland Barthes (1915 – 1980), com A morte do autor, texto publicado na revista Aspern em 1967.3 Neste, Barthes ajuíza sobre o ato da leitura/escritura, o qual é entendido como necessário a produção do desligamento do autor e sua origem. Ele teoriza sobre a perda da identidade na escritura, o neutro que esvai o sujeito, começando pelo seu corpo. Enquanto a escritura é iniciada, o escritor entra na sua própria morte. Portanto, o autor em sua obra não é mais eternizado. Ao contrário, há a promoção de seu assassinato. Deste modo, muitos escritores tentam desconstruir o império do autor. Para Barthes, o poder conferido aos escritores surgem de longa data. O pensador aponta o lugar da própria escrita como a escritura de si mesma, é a linguagem que aborda sobre si, não o autor. Barthes aponta o lugar da própria escrita como escritor de si mesma, é a linguagem que aborda sobre si, não o autor.

2 FOUCAULT, 2006, p.269.

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13 Mas há outra coisa: essa relação da escrita com a morte também se manifesta no desaparecimento das características individuais do sujeito que escreve; através de todas as chicanas que ele estabelece entre ele e o que ele escreve, o sujeito que escreve despista todos os signos de sua individualidade particular; a marca de escritor não é mais do que a singularidade de sua ausência; é preciso que ele faça o papel do morto no jogo da escrita.4

Por tratar-se de um tema bastante teórico, optou-se menos por uma estrutura de encadeamento e mais por uma estrutura modular de raciocínio, onde a relação de causa e conseqüência dão lugar a faces ou ângulos que dizem respeito a uma mesma temática. Essa característica tem, também, a finalidade de problematizar distintamente os exemplos que se pretendem avaliar. Os temas analisados surgem como uma proposta que se aproxima da literatura, transitando na fronteira existente entre conjuntos de raciocínio da teoria das artes visuais e contos literários. A apresentação em blocos repercute em um estado em movimento perante tal problematização da autoria nas artes visuais, e que se encontram em eterno modo de deslocamento. Este estudo parte de um tema em processo de transformação e que, por si só, é inconstante, pois se entende a constituição da função autoral como modo variável de acordo com as circunstâncias temporais.

Diante da falta de referências bibliográficas capazes de enfrentar criticamente o problema da autoria nas artes visuais, optou-se por contornar este empecilho através da busca de diálogos em campos de pesquisa aproximados, como, por exemplo, na filosofia e na literatura. Desenvolveu-se, por meio destes, reflexões aptas a serem desdobradas para a pesquisa em artes visuais, embora nem sempre as aproximações aconteçam de modo direto e conclusivo, sendo necessário projetar pontes de raciocínios que auxiliem no exame de interesse. Por este motivo também a presente abordagem pode ser reconhecida mais como um mapeamento ou prospecção destinada a uma abertura para novos desdobramentos.

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SOBRE CERTOS EMBATES DA AUTORIA

BLOCO I

Este bloco, por ser o conjunto introdutório de uma dissertação, traça alguns apontamentos acerca da autoria da obra de arte, construídos por historiadores e filósofos. E, norteada por estes apontamentos, tal investigação procura pensar como se compreendeu e localizou o pensamento autoral, em alguns momentos da história da arte, tal como abordado por filósofos e teóricos. Compreende-se que, desde que a história da arte surge como alguns regimes de verdades para entender a obra de arte, a autoria é vinculada de modo natural, ainda que esta questão não se torne um questionamento para os historiadores.

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condução sintetizada com historiadores acerca da abordagem da arte, construindo um texto que narra a compreensão da autoria por parte desses historiadores. A seleção de tais pesquisadores não implica em abordar de uma forma ampla o pensamento de cada um, mas parte-se de obras específicas e casos particulares, destinados a contemplar o foco desta pesquisa em particular.

1.1. O (não)lugar da autoria

A história da arte, como um regime de verdades necessário à compreensão da obra de arte, surge da possibilidade de construir uma narrativa de acordo com obras de arte e a vida do artista. Atribuiu-se à autoria uma naturalidade inerente ao sujeito artista, sem, contudo, problematizar esta relação. As noções que tangenciam a natureza do que é ser um artista parece não terem sido estudadas suficientemente neste período histórico. A existência de um sentido de singularização diante da imagem do artista é, sob a concepção de outros indivíduos (ditos comuns), a afirmação sociológica de diferença pelo ato da criação. As conexões entre a vida e a produção do artista surgiram a partir do momento que se começou a relacionar a obra com o sujeito autor.

Observa-se, portanto, que, em grande parte das vezes, quando se pensa em alguma obra, constrói-se uma a relação com o seu criador - o autor. Porém, sabe-se que no período que se estende da Antiguidade à Idade Média, não se estabelecia a autoria das obras. Todas elas estavam abertas, em processo contínuo de produção. Preocupava-se em melhorar e modificar o que se escrevia nos textos, epopéias, teatros, entre outros modos de expressão. Este possível anonimato permitia a autonomia completa dos textos que circulavam livremente. As narrativas gregas aproximavam-se a tentativa de eternizar a imortalidade do herói. Ou seja, as narrativas tratavam de reaver a morte aceita dos heróis. Mais ainda, falava-se para afastar a morte, adiando o aforamento que emudeceria o autor.

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neste período, imortalizava o autor, através do seu discurso, metamorfoseando a narrativa em sacrifício. O autor manteve-se em estado de permanência enquanto seu discurso era reproduzido. Aqui se insere o pensamento de Michel Foucault e sua compreensão acerca da função autor5, sobre o qual tratar-se-á nas páginas seguintes.

Tradicionalmente, há anos se destaca o interesse em estudar a existência dos artistas vinculando-a à sua produção, fato este evidenciado na obra do pintor e arquiteto italiano Giorgio Vasari (1511 – 1574), que se tornou conhecido como o primeiro historiador da arte, ou ainda, um biógrafo de artistas. Com a obra intitulada Le Vite de' più Eccellenti Pittori, Scultori e Architettori, escrita em 1550, Vasari tentou catalogar a vida dos mais importantes artistas italianos. Nesta ambição, o autor registrou a biografia de trinta e um sujeitos, abordando detalhadamente as técnicas utilizadas pelos mesmos. Provavelmente, foi este historiador italiano quem primeiramente empregou o termo Renascimento. O termo viria, posteriormente, a determinar o período no qual surgiram maiores quantidades de estudos sobre as práticas artísticas. A história da arte contada por Vasari entende que cada obra corresponde ao seu autor.6

Em 1568, se publicou uma segunda edição da sua obra, ampliada e revisada pelo próprio autor, no qual pôde incluir alguns artistas dos quais tomou conhecimento após a primeira publicação do seu livro, como, por exemplo, Ticiano Vecellio (c.1485 – 1576).

Vasari realizou uma catalogação de artistas, onde previa uma determinada “seleção” de

artistas a serem incluídos enquanto outros ficavam incógnitos. Ele se ocupou das personalidades ilustres, ou seja, dos grandes nomes da pintura italiana do século XIII em diante.

O historiador italiano acreditava que, ao inseri-los em sua catalogação, estes artistas estariam livres de cair no esquecimento do público, fixando-os na história da arte. Ao que parece, Vasari possuía a convicção de que, ao se adentrar no rol de artistas excelentes (conforme cita o título da obra), estaria concretizando um desejo: de que aquelas vidas nunca fossem esquecidas. Esta foi, provavelmente, uma preocupação que atingiu os critérios de seleção: um artista ser apto a ser reconhecido, em virtude de seu livro, enquanto que outro –

incapaz disso – estaria suscetível ao esquecimento. Embora se observe que Vasari não estava

realmente interessado a pensar os critérios de avaliação desta “seleção”. “Con el propósito de

5 FOUCAULT, 2006, p.274.

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defenderlos en lo posible de esta segunda muerte, y mantenerlos el mayor tiempo posible en la memoria de los vivos (…)”7.

Vasari realiza uma determinada “seleção” de artistas na sua obra – qualificando pintores, escultores e arquitetos -, enquanto propõe algumas críticas ou juízos a respeito dos seus critérios de catalogação. Ele utiliza a biografia, ao dedicar atenção sobre o indivíduo artista. Busca a articulação de alguns casos particulares da vida do autor para evidenciar algumas características pessoais do mesmo, demonstrando, deste modo, um maior interesse na sua construção de vida. Analisando um caso particular, Vasari retratou Leonardo da Vinci como uma figura de dom transcendente.

In arithmetic, for example, he made such rapid progress in the short time during which he gave his attention to it, that he often confounded the master who was teaching him, by the perpetual doubts he started, and by the difficulty of the questions he proposed.8

Este autor italiano propõe uma história da arte aproximando o artista a uma divindade, dotado de qualidades especiais. Ao produzir tal modelo de análise, Vasari procurava vangloriar a arte do seu tempo, tecendo elogios e deslocando a atenção para o período renascentista (contemporâneo ao autor). O historiador, diante dessa desejosa significação da arte, promoveu estudos biográficos sobre autores e, neste intuito, ele percorreu dados particulares e teceu elogios e declarações aos investigados, bastante próximos a ele. O método de Vasari, por estes aspectos, ultrapassou o simples estudo histórico, assemelhando-se significativamente a estudos diretamente biográficos.

Caminhando em sentido oposto às propostas da relação de vida e obra de artistas, aparece o romancista inglês William Beckford (1760 – 1844). Beckford conta a história de artistas admiráveis, catalogados na obra Memórias biográficas de pintores extraordinários - possivelmente escrito em 1777 e publicado em 17809. De acordo com o título da obra, a investigação tem por objetivo focar a vida de pintores de grande reconhecimento. A respeito disto, curiosamente, as vidas/obras são tratadas em uma relação de verdade e ficção. São artistas importantes para o período abordado e, no entanto, estão longe de terem suas biografias relacionadas à sua obra, pois são artistas ficcionais.

7 VASARI, 1996, p.30.

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Tal modelo de literatura, conseqüentemente, gera provocações aos tradicionais escritores biógrafos de artistas. Segundo Beckford: “O mais interessante, contudo, (...) é

justamente através da ambigüidade, da dúvida pairando sobre nossas certezas, que o texto

adquire seu caráter provocativo”10

. Trata-se de uma sátira aos modelos criados por historiadores e colecionadores de arte, pois julga-se ser necessária a atenção particular à conduta de vida dos artistas. Interessava a Beckford suscitar a dúvida e gerar declarações de vidas incertas. Sua obra ilumina o pensamento em torno dos nomes incógnitos de possíveis vidas e de prováveis sujeitos.

É desta dúvida, criada nas biografias apresentadas, que se edifica o estilo provocativo de Beckford. De sua ação derivam questionamentos acerca da veracidade das vidas retratadas e os critérios estabelecidos na averiguação destas. Mais ainda, desafirma a crença nas biografias, tecendo declarações com elementos de descrições reais, citando fontes que diz ter consultado, insinuando a realização de uma pesquisa de caráter realista. Por exemplo, se explicita nas abordagens de técnicas artísticas utilizadas pelos biografados:

Esses jovens, que já haviam adquirido considerável reputação por seu singular estilo de pintura, (...) tentaram depreciar através de uma baixeza notável em diversos grandes artistas (...). Eles a consideravam absurdas e sem significado, viam grande defeito no peculiar verniz de Aldronandus, condenavam os óleos em geral e, com ardor, recomendavam a clara de ovo.11

Correlacionado esta biografia incerta, introduz-se, também, a literatura do francês Marcel Schwob (1867 – 1905). Em seu livro Vidas imaginárias, publicado em 1896, Schwob desenvolveu textos biográficos acerca de existências reais, ainda que com feitos inventivos e até mesmo fantásticos. O escritor faz um relato de personagens diversos, que alcançaram a fama através de atos infames. São personagens reais, retirados de biografias já existentes, mas que fazem parte de uma ficção, contendo referenciais e detalhes inventados na vida destes sujeitos.

De modo singular, este escritor francês satiriza com os antigos historiadores, os quais, segundo o mesmo, só revelam os dados que melhor couberem sobre os indivíduos, para confirmar o relato que desejam. O escritor afirmava que a arte do biógrafo consiste na escolha de fatos a serem abordados sobre a vida investigada. “Ele não tem que se preocupar em ser

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19 verdadeiro; deve criar dentro de um caos de traços humanos”12. Schwob lamenta a prática dos

antigos biógrafos, que se consideravam historiadores e, logo, avaliavam somente a vida dos grandes homens, deixando a existência de sujeitos medíocres, ou menos interessantes, cair no esquecimento. Portanto, obliquam, marginalizam a vida dos indivíduos não aceitos (ao menos até o determinado momento), dos medíocres e infames.

São estas vidas que, também, merecem a atenção desta dissertação. Para tratar da autoria não basta enfocar somente no feito dos grandes homens, mas também de todos os que ousaram desta função autor nas artes visuais. Os diferentes modos de autoria demandam zelo, além de uma investigação por dados acerca desta atuação. Portanto, raciocinar sobre a autoria não é investigar somente as biografias, fato este exposto e repensado por Beckford e Schwob. Há muito que se decifrar neste exame conflituoso entre o indivíduo autor e sua ação nas artes visuais, começando por períodos férteis do século XX, quando muitos critérios estabelecidos anteriormente foram interrogados.

Seguindo no estudo da autoria, é possível remeter-se ao pensamento filosófico pertinente e elucidante dos franceses Michel Foucault e Roland Barthes. Foucault problematiza o desaparecimento da função autor ao longo do século XX, questão que persiste até os dias atuais. Ele observa que, antes a obra trazia a imortalidade e permanência do autor através das narrativas, porém, a partir da modernidade obtém o direito de matá-lo. É preciso exorcizar a morte na escrita. Relaciona-se, deste modo, com a sua individualidade manifestada em obra. Ou seja, é necessária a promoção de sua morte no ato da escrita para que a leitura seja possível. Para Foucault, “(...) o sujeito que escreve despista todos os signos

de sua individualidade particular; a marca do escritor não é mais do que a singularidade de

sua ausência; é preciso que ele faça o papel de morto no jogo da escrita”.13

Auxiliando nesta reflexão, aparece Barthes, o qual entende que tal assassinato seja necessário, para que o espaço da obra seja ampliado, fazendo com que ela mesma fale, em uma dobra sobre si. Segundo o filósofo, impor um autor ao texto é fechar a escritura. A definição de um autor à obra provoca a sua “explicação”, impregnando uma dimensão

biográfica do percurso traçado pelo autor. Conforme Barthes propõe o pensamento em torno

do autor, “A explicação da obra é sempre buscada do lado de quem a produziu, como se

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através da alegoria mais ou menos transparente da ficção, fosse sempre afinal a voz de uma só pessoa, o autor, a entregar a sua „confidência‟”14.

Para compor a construção desse raciocínio, utiliza-se o conceito do Fora do filósofo francês Maurice Blanchot (1907 – 2003). Esta concepção aponta para a própria realidade da literatura e, portanto, suprime o seu sujeito e a sua realidade, bastando-se na criação de um

próprio “eu” da linguagem. Neste movimento, a intimidade do sujeito é voltada para fora da

linguagem, decretando-se a sua impessoalidade. Em seu livro intitulado A conversa infinita: a palavra plural, Blanchot assinala: “- A ausência de obra, um outro nome para a loucura. – A ausência de obra onde cessa o discurso, para que venha, fora da palavra, fora da linguagem, o movimento de escrever atraído pelo exterior”15. Em sentido contrário à idéia proposta por

Blanchot, pode-se admitir a possível e contínua presença do artista em sua arte no momento de idealização e constituição. A obra de arte contém parte do seu autor, embora tenha vida própria e autonomia para sustentar-se por si só.

Parte-se para as contribuições de Blanchot, deslocando o seu pensamento literário para as artes visuais, no qual se pretende encontrar as aproximações e diferenças entre estas áreas. Isso ocorre em um momento particular: quando o filósofo aborda o ser da linguagem, que só aparece enquanto há o desaparecimento do sujeito escritor. Transgredindo a morte, o sujeito desaparece na própria escrita, na própria obra, fingindo sua ausência permanente. “O que fala

no escritor é que „ele não é mais ele mesmo, ele já não é ninguém‟: não o universal, mas o anônimo, o neutro, o fora”.16

A relação de abandono do próprio sujeito pode ocorrer quando se está no mais íntimo e, no entanto, no mais exterior.

A autoria se apresenta como um procedimento de verdade. É ela que atribui uma veracidade garantida através da voz do seu autor. A origem do discurso promove o julgamento da realidade sobre aquilo que se lê. Não há o requerimento da anulação do sujeito autor por Foucault e Barthes. No entanto, os filósofos entendem a reserva que o nome do autor provoca na obra, fechando-a a através da subjetivação do mesmo. É preciso desligar-se da origem de voz para o eu da linguagem emergir.

O autor é compreendido, a partir do século XX, como alguém provido de consistência e possuidor de uma linha de raciocínio única. Observa-se, a presente diferença: a contínua presença do nome do autor enquanto o nome próprio obliqua-se. Em referência à

14 BARTHES, 1988, p.66

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maneira de desvinculação do relacionamento entre sujeito autor e sua biografia, passam a ser considerados o nome de autor e o nome próprio. Nos termos de Foucault, o nome do autor labora na classificação de um ser do discurso, enquanto o nome próprio anuncia o ser nomeado.17 É desta nomeação que os artistas buscam infringir.

Comumente acredita-se que o nome do autor seja seu nome próprio, e é possível criar conexões entre estas designações, porém esta questão apresenta algumas dificuldades, de

acordo com Foucault: “(...) a ligação do nome próprio com o indivíduo nomeado e a ligação do nome do autor com o que ele nomeia não são isomorfas nem funcionam da mesma

maneira”.18 Caso se perceba que a história de vida do autor não é verídica, este fato não

alterará a sua produção artística ou literária. No entanto, caso se descubra que este autor não é de fato o criador desta obra, ocorrerá uma mudança drástica no percurso da recepção de outros, mesmo não afetando o funcionamento do nome do autor. Acredita-se, portanto, na singularização da designação deste sujeito. Claramente é possível observar que o nome do autor não se aproxima igualmente do nome próprio.

A condição de autor instaura um determinado status. A possibilidade de determinar que o livro escolhido seja escrito por este sujeito, ou ainda, indicar o autor responsável pela sua publicação, dedica ao produtor um maior peso. A partir destas manifestações, o nome do autor aproxima-se em certa medida do nome próprio, indicando sua singularidade, seu discurso, seu modo de conduta interior. No entanto, a relação estabelecida entre a função autor e sua conduta de vida deve-se à tentativa de explicação da obra, buscando uma verdade sobre aquilo que se lê.

1.2. Historiografia abreviada da autoria

Pensar a autoria é, também, remeter-se à forma como se concebeu a abordagem acerca da mesma. Neste caso, em particular, averigua-se o modo como esta foi conduzida por historiadores da arte em determinados períodos. Por tratar-se, a princípio, de uma proposta de grandes dimensões, é preciso direcionar o recorte a alguns referenciais significativos, capazes

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22

de contribuir nesta pesquisa. Do mesmo modo, não se subestima o mérito dos demais historiadores da arte, nem mesmo seus possíveis reforços neste raciocínio. Trata-se de um método de construção por vezes opostos, problematizados de acordo com o alcance desta pesquisa e demanda de tempo suficiente. Por esse mesmo motivo optou-se por uma pequena seleção de exemplos.

A partir da Idade Média, em virtude da forte censura e possível condenação da Igreja, tornou-se imprescindível a elaboração de um regime de propriedade. Necessitava-se reconhecer a identidade da autoria e determinar, dessa maneira, a responsabilidade dos possíveis transgressores de leis religiosas ou políticas. Seguindo este posicionamento de norma diante da punição, os textos e obras passaram a incluir assinaturas, sujeitos que, identificados, poderiam responder pelos mesmos. Mais ainda, eram estas assinaturas que firmavam a verdade do discurso que estava sendo lido, fato que, posteriormente, foi diluído na importância da atribuição do sujeito idealizador do pensamento.

No fim do século XVIII e início do século XIX, o autor, obrigatoriamente colocado como proprietário de discurso, utilizava seu novo status com o intuito de obter benefícios da propriedade. Surge a relação dos direitos autorais, o copyright. Tal regime de propriedade foi iniciado por Felipe e Maria Tudor, na Inglaterra do século XVI. Os dois escritores decretaram livre a comercialização dos seus textos a uma associação de livreiros e papelarias. Tal ação transformou-se em um catalisador para a realização de uma campanha de controle de imprensa pelo governo. O termo copyright – denominação inglesa – decorre da concessão da execução de cópias. Ele originou-se do direito de domínio de obras literárias pelos livreiros e somente séculos depois passou a designar propriedade do autor.

O campo da arte veio a alcançar seu espaço apenas em meados do século XVIII, enquanto que, no século XVI, o artista já ocupava um status social definido, em virtude de seu fazer.19 Essa posição não pertencia mais ao campo dos simples artesãos (que possuíam habilidades manuais, tais como marceneiros ou construtores). Ao contrário, iniciou-se um período de valorização de um sujeito, cujos valores eram supostamente supremos e decorrentes de estudos aprofundados de matemática e anatomia (inclusive humana). A execução das obras ampliou-se na precisão das leis da perspectiva, assim como no detalhamento da apresentação do corpo humano.

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23 O artista deixou de ser um artífice entre artífices, pronto a executar encomendar de sapatos, armários ou pinturas, conforme fosse o caso. Era agora um mestre dotado de autonomia, não podendo alcançar fama e glória sem explorar os mistérios da natureza e sondar as leis secretas do universo20.

A sociedade do período moderno foi além: ela sentiu a necessidade do conhecimento da biografia do sujeito que assina a obra, queria saber detalhes da sua vida, buscando compreender a obra através do autor. A noção de artista atribuído de valores supremos, um ser genial, criou uma esfera de valorização e interesse biográfico. Com a Renascença, foram desenvolvidos distintos fatores que colaboraram para a consagração do indivíduo e sua imagem de autor. O desejo exacerbado de conhecimento da biografia dos artistas, dos autores, teve o seu grande ápice na Renascença, em decorrência do interesse surgido na época e também, da extrema valorização destinada aos mesmos. Buscava-se compreender o sujeito detentor de habilidades manuais capaz de criar uma obra de arte e descrito como “gênio”.21

Na Modernidade do fim do século XIX e início do século XX, a desaparição do autor foi problematizada a partir da transgressão do status de proprietário do discurso. Produziu-se uma instância de desvinculação da obra e do autor, a partir de um possível desejo de desligamento da produção artística e literária, para uma análise biográfica. Renovaram-se, então, as práticas de reinvenção pelo anonimato, pseudonímia, heteronímia, entre outras ordens de complexidade. É possível pensar os pontos cegos da autoria através da literatura. Exemplo disto é o poeta português Fernando Pessoa (1888 – 1935) e seus fiéis companheiros, os heterônimos: Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro; e o semi-heterônimo, conforme ele mesmo gostava de chamar: Bernardo Soares.

A prática de transgressão da propriedade da fala autoral é apresentada na contemporaneidade por interessantes modos de articulação. Para o artista norte-americano Joseph Kosuth (1945 - ), com seu pseudônimo Arthur R. Rose, o interesse não era fugir totalmente de sua identidade, mas criar outra. Desta relação, Kosuth chega a ser entrevistado por Rose em Cuatro entrevistas22.

20 Id.

21 A respeito disto, a crítica de arte brasileira Glória Ferreira observa o emprego da lei de direitos autorais na modernidade: “A esses deslocamentos da concepção de artista e de sua função não correspondem, contudo, modificações essenciais na lei que define os direitos do autor. (...) Em traços gerais sobre os direitos do autor, vale destacar dois fatores: a distinção do autor dos demais trabalhadores, bem como do trabalho cultural do industrial; e o fato de o direito de autor reger a economia do mercado da cultura separando-a da economia normal”. In: FERREIRA, 2009, p.1-10.

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24

Outro caso pertinente a ser apresentado é o da artista brasileira Dora Longo Bahia com seu heterônimo Marcelo do Campo23, um artista brasileiro atuante na década de 70. Seu abalizado posicionamento torna-se evidente, quando Bahia é solicitada a vender alguma das obras de Do Campo para instituições de arte: a sua designação no termo de contrato de venda é assinada como colecionadora, anulando, então, seu lugar de autora e proprietária do discurso. Tal ato de distanciamento do arrolamento entre Bahia e Do Campo é essencial para a articulação de uma subjetividade outra.

Marcelo do Campo - Situ-ação, MAC-SP, 1972.

Em referência às colocações acima expostas, pode-se dizer que, na literatura da modernidade, a figura imprescindível do autor – como sujeito capaz de criar algo inovador –

foi desconstruída durante a mudança do século XIX para o XX. Emergia aí o sujeito da

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linguagem, o eu que não carrega identidade de si, mas a própria linguagem. Neste aspecto, partia-se da ruptura determinada com o realismo literário, propondo, então, a ênfase no ato de criação e na própria literatura. Em decorrência do ressurgimento do ser da linguagem, a obra volta-se a si mesma, forçando o desaparecimento do eu. Nesta perspectiva, a literatura moderna ocorre somente com a saída do eu.

Ernst Hans Joel Gombrich (1909 – 2001), nascido em Viena, foi um dos historiadores da arte mais conhecidos do século XX. Sua obra mais exemplar, A história da arte, é aqui estudada em virtude de sua característica pessoal de análise aos indivíduos artistas. Tamanho foi seu reconhecimento, e tantas foram as pesquisas nele embasadas, que o livro (publicado em Londres, 1950), foi reeditado diversas vezes e traduzido para várias línguas. Gombrich é proveniente de uma escola formalista da sua cidade natal, Viena. Entretanto, em 1936, ingressou no Instituto Warburg, em Londres, enquanto fugia da ascensão ao nazismo.

Em outra vertente, introduz-se Arnold Hauser (1892 – 1978), historiador de arte nascido na Hungria. Sua obra mais difundida, História social da arte e da literatura, foi publicada em Munique três anos após a obra de Gombrich, em 1953. No período de sua publicação, a obra causou grande repercussão devido ao seu teor político imbuído na história da arte e literatura. Hauser foi aluno de Henri Bérgson, no período que estudou em Paris. Em seguida, desenvolveu pesquisas na Itália, em Berlim, em Viena, até mudar-se para Londres em 1938. Foi na capital inglesa que Hauser iniciou a produção de História social da arte e da literatura, obra que, até a conclusão, consumiu dez anos de sua vida.

Trata-se de abordagens dispares acerca da história da arte. Gombrich propõe uma avaliação singular do sujeito autor e de sua obra, direcionando a sua pesquisa para um novo público carente de informações. O historiador elege um artista significativo e já consolidado pela história da arte, ao tratar de um período e estilo artístico, observando peculiares obras deste indivíduo. Tal método é descrito no seu prefácio, ao mesmo tempo em que explana o desejo de evitar abordagens genéricas em amplos contextos. Gombrich relata alguma de suas regras auto-impostas para o desenvolvimento de sua pesquisa:

(27)

26 verdadeiras obras de arte e em suprimir tudo o que pudesse ser apenas interessante, espécimes de gosto efêmero ou moda passageira.24

É possível diagnosticar a sua tentativa de abster-se da legitimação de obras a partir de suas colocações. Ou seja, cai no convencionalismo da história da arte, o qual prefere não arriscar em obras que posteriormente possam ter o caráter artístico questionado. Hauser, por sua vez, propõe uma ampla história da cultura ocidental - da arte e da literatura - enquanto preocupa-se com o status social do autor e o modo como a sociedade afeta as ideologias artísticas. Para ele, o artista não representa a alienação da sociedade refugiando-se em suas obras, conforme se poderia cogitar na época. Interessa-se, também, pela produção econômica da arte. Hauser opta por uma abordagem coletiva da história da arte, na qual é possível compreender a não identificação individual do sujeito nas forças sociais. Tal posicionamento é elucidado pelo historiador:

O ateliê do artista no começo da Renascença ainda é dominado pelo espírito comunitário da loja dos pedreiros e da oficina da guilda; a obra de arte ainda não é a expressão de uma personalidade independente, que realça a individualidade do artista e o exclui de todas as influências externas. (...)

Até o final do século XV, o processo de elaboração artística ainda ocorre inteiramente em formas coletivas.25

A respeito do novo status do artista, adquirido no início da Idade Moderna, Hauser enuncia a constituição de um mercado de artes e expõe a relação entre a aristocracia e o artista em condição de ascensão. No Renascimento, ocorreu o aumento de requisições da manufatura de obras de arte, o que causou a elevação do nível social do artesão, figura que passou a pertencer a uma nova classe. Para Hauser, é necessária a compreensão do contexto mercadológico para abordar o indivíduo artista. Neste período o artista surge como um

trabalhador intelectual livre. O historiador ainda afirma: “(...) uma classe que anteriormente nunca tivera raízes, mas que começou agora a constituir-se num grupo economicamente

seguro e socialmente consolidado, embora longe de ser uniforme”.26

Do mesmo modo, as observações particulares de Gombrich expõem a nova categoria do artista no início do século XVI. Segundo este historiador, o artista deixou de ser reconhecido como um mero artesão, em conseqüência da apresentação de suas qualidades

24 GOMBRICH, 2009, p.7.

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27

técnicas, explorando os estudos na matemática, regras de perspectiva e anatomia humana. Eis uma pontuação contraditória à analise de Hauser. Para Gombrich, a luta pela valia de um novo status social para os artistas não é abordado especificamente a partir da relação com o mercado. Houve um processo no qual o artista não teve êxito imediato, suportando preconceitos, pois estavam subordinados à aristocracia. Gombrich ainda confirma:

É difícil decidir se esse novo poder foi, a longo prazo, uma pura benção para a arte. Mas no início, de qualquer modo teve o efeito de uma libertação que soltou uma quantidade tremenda de energia represada. Finalmente, o artista se tornara uma criatura livre.27

Enquanto Hauser entende a autoria como uma manifestação social, Gombrich a avalia com certa proximidade de um ato elevado e único, necessitando, contudo, desenvolver a distinção entre arte e Arte.28

Para Hauser, o autor e sua obra estão lúcidos dos acontecimentos na sociedade, e são capazes de participarem da esfera de produção relativa à realidade que se encontram. Em outra face, Gombrich descreve o autor e a sua obra correlacionando-os à biografia do indivíduo. Ele entende os eventos da vida do artista como fator constituinte para a realização de suas produções, distante de uma condição social.

Ambos os livros aqui referidos foram publicados no mesmo período, em 1950 e em 1953 - por Gombrich e Hauser respectivamente. Conclui-se, portanto, que ambos poderiam ter abordagens semelhantes acerca da arte do seu tempo. Tratando-se de meados do século XX, é possível supor que estes pesquisadores estivessem interessados nos novos caminhos que a arte tomara. Cogita-se que ambos tenham tomado conhecimento das manifestações dadaístas, do expressionismo abstrato, assim como dos readymade de Duchamp. No entanto, todas estas atuações estão ausentes nas duas obras - exceto no último capítulo adicionado por Gombrich em sua 11ª edição, publicado em 1966. Neste período posterior a primeira publicação, alguns novos exemplos já haviam se consolidado pela crítica de arte, possibilitando, assim uma melhor recepção e tratamento. Ainda sim, Gombrich abordou muito brevemente os casos citados acima.

Em sua primeira edição, Gombrich segue analisando o século XX, citandoexemplos a partir de determinados artistas e de suas inserções em movimentos artísticos. Porém, não percorre o raciocínio do movimento em um plano amplo ou trazendo uma condução

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28

panorâmica. A autoria foi tratada por Gombrich de modo singular, buscando traços biográficos do indivíduo no exercício da autoria. Ele deixou em segundo plano as propostas e aspectos dos novos horizontes da arte. Nesta perspectiva, a autoria fica restrita ao sujeito, nos desejos e pensamentos que o levaram a produzir determinada obra. Gombrich elucida:

As pessoas que adquiriram algum conhecimento de história da arte arriscam-se, algumas vezes, a cair numa armadilha semelhante. Quando vêem uma obra de arte não param para olhá-la, preferindo sondar a memória em busca de um rótulo apropriado29.

O interesse pela biografia dos autores demonstra um olhar particular direcionado aos episódios que caracterizam a existência destes sujeitos, assim como os de suas produções artísticas. Mais ainda, muitas vezes se procura justificar obras a partir da conduta de suas existências, gerando, assim, um determinado automatismo. Um exemplo desta prática é a constante relação pessoal atribuída às obras do pintor holandês Vincent Van Gogh, alistando-as à sua constituição de vida. E, para citar outro calistando-aso, a análise biográfica do pintor espanhol Pablo Picasso, condicionada à produção das telas nas quais retratava suas esposas. A razão da busca por uma compreensão biográfica do autor em seus trabalhos contribui para o esvaziamento da obra de arte.

Para aqueles que se debruçaram sobre artistas e suas obras, torna-se complexo distanciar-se e elaborar um olhar “isento” - caso seja possível considerar um eventual olhar

“isento”. Ao se depararem com objetos que, por um motivo ou outro, estão carregados de significados e elementos biográficos de seus autores, os estudiosos precisam exercitar a

“apreciação” da obra, distanciando-a de rotulações e preconceitos, construídos anteriormente.

(30)

29

Vincent Van Gogh - Self-Portrait

with Bandaged Ear

1889. Óleo sobre tela, 60 x 49 cm.

Pablo Picasso - Dora Maar au

Chat, 1941. Óleo sobre tela, 128 x 95 cm.

De acordo com os estudos biográficos acerca do artista seria necessário compreender o enigma que se ocupa do sujeito artista e do seu fazer. Investigar a capacidade natural do ser humano de criar obras de arte admiráveis, assim como avaliar o modo pelo qual um homem pode ser respeitado e valorizado por seus próprios contemporâneos, a partir de uma produção considerada de grande qualidade. Para tanto, é necessário estabelecer uma especial condição ao papel do artista, pois a existência de análises subentendem a presença de um enigma sobre o sujeito autor de obras de arte. Tal concepção pode ser compreendida – como fruto de uma herança histórica – através do domínio da técnica. Ele advém, ainda, da avaliação do grupo

social, admirador do talento, “dom” ou estudo. Ou seja, por intermédio de habilidades pessoais exercidas no ato de criação/execução da obra de arte.

(31)

30

Gombrich opta pela não problematização da função autoral e do seu discurso, movendo argumentos de caráter subjetivo em relação à produção. O historiador contextualiza, brevemente, mas volta seu foco principalmente no sujeito e em sua obra. Gombrich almejava produzir um guia/manual da história da arte. Embora tenha publicado em um período de intensas construções nas artes visuais, preferiu abordar a arte de um modo habitual, ausentando-se do risco de inserir obras de arte não consagradas pela história e crítica. Talvez seja este o motivo pela opção de não inserir estudos sobre as manifestações artísticas contemporâneas à publicação do livro, em 1950.

Nada existe realmente a que se possa dar o nome Arte. O que existe são os artistas – isto é, homens e mulheres favorecidas pelo maravilhoso dom de equilibrar formas e cores até ficarem “corretas” e, mais raro ainda, que possuem aquela integridade de caráter que jamais se contenta com meias soluções, (...).30

Mais ainda, no seu capítulo adicionado posteriormente, Gombrich justifica o seu modo de abordagem acerca da arte contemporânea:

Quanto mais próximos chegamos de nosso tempo, mais difícil, inevitavelmente, se torna distinguir modos passageiros de realizações duradouras (...). Foi por esta razão que me senti pouco à vontade a ideia de se poder escrever a história da arte “até os dias de hoje”. É verdade que se pode documentar e analisar as modas mais recentes, as figuras que se destacam na época mesmo em que se escreve, mas só um profeta poderá dizer se esses artistas realmente “farão história” – e, de um modo geral, os críticos têm, comprovadamente, sido maus profetas.31

Contrapõe-se, neste caso, com o método de Giulio Carlo Argan (1909 – 1992), também historiador italiano. Aproxima-se do seu texto Preâmbulo ao estudo da história da arte, disponível na obra Guia de história da arte, em 1977 - publicado em conjunto com o crítico de arte e conterrâneo Maurizio Fagiolo. Neste livro, Argan construiu pequenos textos elucidativos a respeito do campo das artes, citando, entre outros: a função da história da arte, a autenticidade da obra de arte, os instrumentos do historiador de arte e a crítica de arte. Nesta publicação, é possível examinar, em um contexto mais recente, o posicionamento de um historiador diante das avaliações da autoria. Como resultado dessa posição, - e considerando os objetivos desta pesquisa, impera criar um deslocamento de interesse nesses dois últimos autores, os quais não dedicaram atenção aos sujeitos idealizadores e às suas funções.

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31 Pelo meio do século XVI surge, com o desenvolvimento orgânico dos factos artísticos por um período de cerca de três séculos, ilustrando os contributos originais das personalidades emergentes, de Cimabue a Miguel Ângelo.

Na literatura sobre arte, ocupa um lugar importantíssimo a tratadística, que fixa normas e dá instruções segundo as quais os artistas evitariam erros e aproximar-se-iam da arte que constantemente é mencionada como a ideal, a perfeita.32

Talvez por ter presenciado um período de efervescência, de questionamentos, na arte do século XX, Argan pôde ponderar a aceitação do objeto artístico e do seu valor de modo mais preciso. Segundo este, a história da arte trata seguramente da história das obras de arte. Ressalta que, em todos os períodos artísticos, o juízo crítico acerca das obras operou de acordo com os parâmetros do seu contexto. No entanto, dificilmente encontra-se alguma afirmação ou investigação acerca do seu autor. Neste caso, opta-se pelo exame da obra e sua verificação histórica sem problematizar a ação de seu ato autoral, ainda que se compreenda que através de toda obra persiste um ato autoral. Argan problematizou alguns exemplos de literaturas artísticas, suas determinações e valores artísticos, através da inclusão de verdades sobre artistas importantes na história.

Ainda no posicionamento de Argan:

Se o trabalho do historiador de arte consistisse simplesmente em andar à caça de inéditos e em colar nas obras etiquetas com nomes e datas, os estudiosos não teriam motivo para se ocupar de obras de que se sabe com segurança serem obras-primas, quando e por quem e em que exactas circunstâncias foram feitas. Ou, quando muito, essas obras seriam estudadas como pontos de referência para a atribuição e datação de outras. Pelo contrário, é justamente nessas obras incontestáveis e famosas que se concentra a atenção dos estudiosos interessados nos grandes problemas da história da arte.33

Neste trecho, Argan afirma a importância do pensamento em torno da atribuição de valores às obras, propondo uma atenção àquelas ainda não legitimadas. Ou seja, não trabalha somente com o sistema de verdades. Aplica-se, contudo, o mesmo questionamento acerca do sujeito autor e sua função. São reflexões coerentes ao período estudado e demasiadamente importantes. Trata-se da segunda metade do século XX, quando artistas já não são somente artistas, quando a origem do discurso é repensada. E, por isso, as atenções se voltam para a figura do autor.

(33)

32

SOBRE CERTAS NUANCES ACERCA DA AUTORIA

BLOCO II

Neste bloco, abordar-se-á a maneira pela qual a história da arte encarou a questão da autoria em relação à produção artística ao longo do século XX. Isso porque este foi o momento em que essa relação acabou problematizada pelos próprios artistas e se assentou na obra de arte. Neste sentido, era parte dos propósitos vanguardistas romper com os cânones e a tradição da arte, problematizando novos objetos e ultrapassando as fronteiras e limites precedentes. Assim, são lançadas as seguintes proposições: a suposta omissão de marcas autorais; a ausência de manufatura do objeto artístico por conta do sujeito autor; as propostas dadaístas de antiarte que sugeriam a possibilidade de tudo ser arte; as indicações Fluxus no que diz respeito à aproximação da arte e vida, distanciando-se da fabricação de objetos e coisas, além da promoção da realização da arte por todos, não necessitando - e/ou ampliando - uma função autor; e, também, as atividades da arte conceitual na perspectiva da desmaterialização total do objeto artístico, intervindo, deste modo, na compreensão tradicional do sujeito autoral.

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33

de manifesta-ações de importância na relação artista-obra e que geraram amplos desdobramentos para a arte.

2.1. Readymade

Pode alguém fazer obras

que não sejam obras de “arte”?34

Neste estudo, a investigação procura delinear aspectos acerca da compreensão da autoria a partir da obra de arte. Conforme se indicou anteriormente, um dos conceitos que orienta o processo é o desenvolvido pelo artista francês Marcel Duchamp (1887 – 1968), o readymade. Nessa perspectiva, pode-se cogitar a provável ausência/presença da subjetividade do autor em sua obra, utilizando como articulação norteadora duas obras de Duchamp: In advance of a broken arm (Em antecipação ao braço quebrado), de 1915, e Unhappy Readymade (Readymade infeliz), de 1919.

Duchamp foi um artista de poucas obras, contudo abundante na capacidade de gerar reflexões sobre o próprio objeto artístico. Passou anos executando relevantes obras como, por exemplo, O grande Vidro, também conhecido como A noiva despida por seus celibatários (La mariée mise à nu par sés célibataires, même), iniciada aproximadamente em 1912 até ser abandonada em 1923, considerando-a incompleta. Desejava romper com a pintura por ele descrita retiniana35

, buscando uma concepção de arte ligada ao exercício do pensamento,

almejando “(...) pôr a pintura „a serviço da mente‟”.36

A reflexão acerca da identidade da autoria na sua obra de arte é analisada no terceiro readymade de Duchamp, In advance of a broken arm, de 1915. O objeto, uma pá de neve, foi comprado em uma loja de utensílios domésticos, empilhado junto a diversos outros idênticos. Em sua lateral, o artista pintou o título da obra e assinou [from]Duchamp. A indicação from junto à sua assinatura constitui enlaço de importância ao conceito da obra. O procedimento sugere que a mesma não é feita “por”, mas procede “de”. Esta ação significativa retira todo

34 TOMKINS, 2004, p.135.

(35)

34

possível julgamento de confecção deste objeto pelo artista. Mais ainda, permite lançar a ideia da não presença de subjetividade do seu idealizador através do ato de produção. Do mesmo modo que sugere a não manufatura do objeto, reforça a figura presente do artista como sujeito responsável pela cri-ação da obra.

Nesta perspectiva, o crítico de arte norte-americano Calvin Tomkins (1925 - ) cita determinadas ações de Duchamp levam a crer que ele, o artista, aspirava descolar-se de si mesmo: sua prática de criação de pseudônimos, vestir-se como uma figura feminina, suas várias viagens e trocas de moradia entre Paris e Nova York, sua abdicação da arte pelo xadrez, a invenção do readymade, entre outros exemplos.37

Segundo Tomkins, a autoria de Duchamp, na tentativa de resgatar o foco mental acerca do olhar sobre o artista, engajava-se no distanciamento, aspirando a ausência de sua subjetividade.38

De acordo com Rosalind E. Krauss (1941 - ), crítica de arte norte-americana, - na sua obra intitulada Caminhos da Escultura Moderna, de 1977 – a história da arte pontuou a crença de que a autenticidade do autor é conferida pelas marcas apresentadas em sua obra, completando-se com a sua assinatura. “É nesse sentido que parece haver uma correspondência

entre o espaço da imagem que podemos enxergar e o espaço interior, psicológico e, portanto,

invisível, do autor da imagem”39

. O autor, neste sentido, faz-se presente na elaboração de imagens. Contrário a isto, a apropriação de objetos proposto por Duchamp não carregaria suas marcas subjetivas do ato criativo.

Ainda segundo Krauss, “(...) o objeto não surgia como algo proveniente do manancial de ideias e emoções pessoais do artista”40

. Ainda que ausente de marcas autorais, a ação do readymade não se desconstrói com a função autoral de Duchamp. Pelo contrário, o autor é evidenciado, pois não se examina mais o objeto apresentado como obra, mas o ato de nomeação criativo.41

Por este motivo, deixa-se de se ater às questões formais da obra de arte e debruça-se sobre as implicações nela contidas pelo seu autor.

37 Ibid., p.8.

38 Ibid., p.7.

(36)

35

Na análise aqui proposta, a possibilidade da ausência de subjetividade do autor em sua obra é considerada do ponto de vista do readymande, como se destacou de antemão.Em uma carta destinada à sua irmã Suzanne Duchamp, em torno de 15 de janeiro de 1916, o artista

utilizou pela primeira vez o termo. Ele, na epístola, explica o episódio: “Aqui, em N.Y.,

comprei alguns objetos com esse mesmo espírito e tratei-os como readymade. Você sabe bastante inglês para compreender o sentido de readymade que dou a esses objetos. Eu os assino e dou-lhes um título em inglês”42

. Em sua carta, a ação é comparada ao encontro com esculturas já prontas, deslocando-as de sua função e, por conseguinte, nomeando-as como objeto artístico. Seu gesto gerou polêmicas até hoje não resolvidas completamente. O ensaísta e crítico literário alemão, Peter Bürguer (1936 - ), examina tais manifestações extremas da vanguarda e aponta, também, a categoria individual do sujeito da criação. Para Bürger,

42 Ibid., p.179.

Marcel Duchamp: In Advance of the Broken Arm, 1964. Pá de neve

(37)

36 A assinatura – que justamente retém o individual da obra, ou seja, o fato de que ela se deva àquele artista -, impressa num produto de massas qualquer, transforma-se em signo de desprezo frente a todas as pretensões de criatividade individual43

.

Considerando que um dos objetivos é investigar os possíveis modos de diluição e/ou presença das marcas autorais na obra de arte visual, inicia-se do pressuposto da subjetividade como parte integrante do autor inserida em sua produção. No contexto deste trabalho, a

expressão “subjetividade” é entendida como aquela pertencente ao “eu” ou ao sujeito,

contendo aproximações da própria identidade em relação com o mundo.

No texto endereçado à sua irmã Suzanne, Duchamp passou uma instrução para a construção de um readymade por ele desenvolvido, demonstrando uma determinada problematização de autoria e possível ausência da sua subjetividade na confecção da obra. Entende-se, contudo, que a obra continua sendo de autoria de quem a concebeu como formato de instrução e, por isso, prossegue com as propriedades do seu idealizador. Porém, é observado o precedente instituído por este ato de criação artística através da apropriação de objetos já existentes. Avalia-se o papel do participador ao realizar a obra-instrução44

, cabendo a este sujeito uma possível classificação, talvez erroneamente, de co-autoria45

.

Duchamp observa: “O curioso sobre o readymade é que eu nunca arrumei uma definição ou explicação que me deixasse totalmente satisfeito”46

. No mesmo sentido, o escritor mexicano Octavio Paz (1914 – 998) também se arriscou a definir o conceito:

O ready-made não postula um valor novo: é um dardo contra o que chamamos de valioso. E crítica ativa: um pontapé contra a obra de arte sentada em seu pedestal de adjetivos. A ação crítica se desdobra em dois momentos. O primeiro é de ordem higiênica, um asseio intelectual: o ready-made é uma crítica do gosto; o segundo é um ataque à noção de obra de arte.47

Mais ainda:

Os ready-mades são objetos anônimos que o gesto gratuito do artista, pelo único fato de escolhê-los, converte em obra de arte. Ao mesmo tempo este gesto dissolve a noção de obra. A contradição é a essência do ato; é o equivalente plástico do

43 BURGER, 2008, p.109-110.

44 Termo que utilizo para designar obras que operam por meio de instruções ou proposições a ser realizada pelo espectador.

45 As questões de co-autoria e colaboração serão investigadas no bloco seguinte desta dissertação. De modo geral o co-autor é designado ao indivíduo que assina a propriedade autoral em conjunto com outro.

Imagem

Foto de Man Ray, 1921. Marcel Duchamp  travestido de Rrose Sélavy. 5-7/8" x 3"-7/8

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