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parte 1): análises e desdobramentos – A Revista Malasartes e o circuito de arte brasileira dos anos de 1970 Rio de Janeiro: Traplev Orçamentos, 2011, p.25.

3.2. Autoria articulada: Carla Zaccagnin

A pesquisa da artista argentina Carla Zaccagnini (1973 - ) perpassa pelo interesse em torno de elementos que se assemelham, mas que, sob um olhar mais cuidadoso, acabam

140 BLANCHOT, 1987, p.18. 141 VILA-MATAS, 2009b, p.80. 142 Ibid., p.88.

80 distanciando-se. Ou ainda o caminho inverso, quando elementos que a princípio julgam-se díspares e que, no entanto, apresentam similaridades. O foco da artista segue em direção das percepções atravessadas, da rasteira que ao atilamento é causado, e pode ser deslocado para o assunto caro a esta análise: o (des)limite da autoria. Zaccagnini acaba por testar o julgamento livre da propriedade da obra de arte em seu projeto Museu das vistas, realizado de 2002 a 2007. Trata-se da proposta de desenhos de vistas realizados por retratistas policiais, executados a partir da descrição de participantes voluntários. O retratista não é o artista desta obra, nem mesmo é o responsável pela vista descrita (inventada ou por meio de lembrança). Entretanto, o policial de retratos falados consente com o encargo de transpor a comunicação através do desenho. É ele quem proporciona a “tradução” do discurso para o papel em forma de imagem.

São imagens lembradas, ou ainda imaginadas, que se tornam imagens mentais e, por sua vez, são interpretadas por meio da palavra através do discurso do relator. Prontamente repassada ao papel, de modo a transformar-se novamente em imagem, ela torna-se visível. O desenho é realizado em duas vias, uma versão primária e uma cópia em carbono. O “original” destina-se ao sujeito que descreve a vista, enquanto a cópia passa a pertencer à coleção Museu

das vistas. Eis que surge um ponto crucial: a versão primária pode ser compreendida como esta desenhada sobre a cópia em carbono, ou, também, ser aplicada à vista real, a paisagem lembrada. Nesse entremeio, é impossível averiguar o que se perde, na tradução e interpretação de imagens; tampouco se pode saber o que se mantém dessas imagens. E, durante esse processo, podemos incluir o que se conhece como traição da tradução143.Conforme o release do Museu Victor Meirelles – que acolheu o projeto em 2006 – descreve que trata-se “[m]ais que um conjunto de desenhos de vistas, o MdV é uma coleção de maneiras de olhar, lembrar, descrever, compreender e registrar”144.

Neste exame sobre a autoria articulada, busca-se uma investigação acerca da possível ampliação de alguns dos limites da arte, impostos no século XXI, e que se apresentam no estudo da obra Museu das vistas, de Zaccagnini. E da mesma maneira se pretende averiguar a articulação da autoria da obra supracitada e analisar seus aspectos problematizantes na arte contemporânea. Isso porque esta pesquisa aborda alguns dos contornos autorais excedidos na

143

A designação da tradução como traição se deve ao modelo que afirma a impossibilidade de uma exatidão na equivalência dos idiomas.

144 Release divulgado para a exposição em 2005 no Museu Victor Meirelles, em Florianópolis/SC. Disponível

81 história da arte, de maneira a indagar certas modificações no juízo do sujeito autor. Tal relação evidencia-se no bojo da relação artista-executor-idealizador de arte, campo no qual é possível indagar a diluição da autoria ou, ainda, o provável esvaziamento da referente autoridade. Neste ínterim, elabora-se um cruzamento entre as questões teóricas do sujeito autor e a ampliação deste campo, após os movimentos de vanguarda. Para tanto, é preciso percorrer, brevemente, por questões históricas da arte.

Como se sabe, as fissuras no julgamento da autoria provocam, ainda hoje, produções artísticas que exigem do espectador uma maior cautela para se efetivar o acesso à obra e ao entendimento comum. Por conseguinte, testam o limite da existência da própria autoria. Interroga-se, diante do limite desta constituição, se a sua legítima propriedade, hoje, conquista-se da mesma maneira pela qual foi caracterizada em outros períodos: por intermédio de uma simples assinatura. Ou seja, talvez não seja mais suficiente ater-se somente ao sujeito da assinatura. No intuito de dirimir tais dúvidas, a investigação centra-se na obra intitulada Museu das vistas, pois se trata de um projeto capaz de abordar questões significativas e pertinentes a este estudo.

Nos desenhos elaborados, também são identificados o nome do responsável pela descrição, o nome do profissional que registra, o local e a data. Tal catalogação é fator constituinte na formação deste arquivo do Museu que, no entanto, não é propriedade do relator, do desenhista, ou mesmo da instituição que a apresenta. A autoria aqui tende a se apresentar de modo articulado, mas, ainda, esta coleção de vistas torna-se propriedade de Zaccagnini. Um coletivo de desenhos que repercutem em uma diversidade de olhares e interpretações de vistas, agrupadas num arquivo sem autores “legítimos”. É Zaccagnini que volta ao jogo novamente, encenando a possessão da vista, da organização e de toda a ação.

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Carla Zaccagnini: Museu das vistas, 2004. Dimensões variáveis.

Seu hábito de pedir assessoria e participação de outros para a realização de suas obras gera a passividade para uma suposta diluição/repartição de autoria. Ainda, em alguns casos, acaba por provocar uma atribuição do status de coordenadora para si própria, no qual propõe ações a serem executadas por outros artistas, especialistas ou participantes da obra.145 Este procedimento é freqüentemente observado em suas obras, como é o caso de Duas margens

[Atlântico], de 2003. Zaccagnini solicitou a dois artistas, familiarizados com a produção em vídeo arte, que realizassem uma produção para este projeto. Wagner Morales, do Brasil, e Sofia Ponte, de Portugal, foram os escolhidos para o encargo de filmar a sua respectiva costa do Oceano Atlântico. Os vídeos exibem a água do mar lambendo a areia da praia, um capturado no extremo oposto geográfico do outro. A instrução de montagem da obra ordena que o díptico deve ser projetado sobre paredes vizinhas e no mesmo período de tempo.146 Fato similar acontece na obra Duas margens [Pacífico], de 2005, tratando-se obviamente de uma nova instrução voltada ao Oceano Pacífico.

Metodologia semelhante também é demonstrada em Sobre la igualdad y las

diferencias II: a casa ao lado, de 2006. Duas arqueólogas, Liesbet Sablon e Sofie Geelen,

145 Participações realizadas desde 2001, pelo menos, de acordo com o seu trabalho Restauro, no qual conta com a

colaboração de um restaurador em conjunto com o Centro Cultural São Paulo. Ou ainda, 2002, através da sua obra Assentos, desenvolvida com o auxilio da arquiteta Keila Costa.

146 Conforme o portfólio da artista disponível no site:

<http://www.galeriavermelho.com.br/sites/default/files/artistas/pdf_portfolio/ZACCAGNINI_2010.pdf> Acesso em 23 mar. 2011.

83 foram convidadas a realizarem uma investigação em duas residências sem habitação de uma mesma rua em Assenede, na Bélgica. Foram feitas escavações arqueológicas, nas quais se buscavam elementos semelhantes presentes em ambas as casas. Voltando para a sua pesquisa de um modo mais amplo, observam-se os interesses de Zaccagnini percorrendo o caminho da aproximação e da separação, entre o que se coloca sobre a mesma vista e encontra-se em locais opostos. Por conseguinte, vale-se daquilo que, pelo olhar de diferentes pessoas, pode se assemelhar. A tradução, ou ainda a mediação, através da visão de um terceiro junto ao seu recorte, o emprego deste olhar e o que o sujeito faz com isto, são questões pertinentes aos projetos de Zaccagnini.

Carla Zaccagnini: Museu das vistas, 2005. Dimensões variáveis. Museu Victor Meirelles. Florianópolis/SC.

O tema da participação do espectador foi compreendida de dois modos distintos pelo artista brasileiro Hélio Oiticica (1937 – 1980): a de “manipulação, que acarreta na „manipulação sensorial‟; e a „semântica‟. A participação, que deriva de uma simples ação contemplativa do espectador, converte-se em um envolvimento total.147 Onde antes continha- se em uma atitude passiva, transforma-se em atitude ativa, participando, tocando, sentindo, vestindo, entre outros. “Seria a procura interna fora e dentro do objeto, objetivada pela proposição da participação ativa do espectador nesse processo: o indivíduo a quem chega a obra é solicitado à contemplação dos significados propostos na mesma – esta é pois uma obra aberta”148.

147 OITICICA, 1986, p.91.

84 Ilumina-se, portanto, o procedimento utilizado por Zaccagnini. As proposições, segundo Oiticica, seguem cada vez mais na ordem da obra aberta, sejam estas provenientes de experiências individualizadas ou coletivas. Ainda assim, possibilita-se que o indivíduo invente a mesma.149 Observa-se que o espectador tem a oportunidade de incorporar-se na obra, fazendo parte da invenção, da “materialização”, “construção” da mesma. Embora esta atribuição não envolva a função autoral, pois ainda quem responde pela idealização da obra é o seu propositor, no caso aqui estudado, Zaccagnini. Remete-se, portanto, ao conceito propor

propor de Oiticica.

(...) propor ao indivíduo que êste crie suas vivências, que consiga ele liberar seus contrários, seus temores e anseios reprimidos. O psicanalista faz algo semelhante com seu paciente, mas sua proposição é exclusiva ao paciente que o procura. Para o artista propositor o paciente não é aquele mas sim o mundo das individualidades ou seja, o homem.150

Esses processos de colaboração, às vezes, são responsáveis por praticamente toda a execução da obra e, para muitos, estes são indícios daquilo que se entende por diluição/repartição da autoria de obras. E esse é um fato bastante freqüente quando se trata da arte contemporânea. Diante dessas constatações, é interessante citar a Lei Brasileira de Direitos Autorais (Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998), em particular o art. 11 desta lei, que esclarece: “Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica”151. Ao que parece, esta delimitação feita pelo art. 11 da Lei 9.610 não é capaz de cercear os caminhos percorridos da instabilidade contemporânea. Por conta da multiplicidade de ações e práticas artísticas, fica cada vez mais complexa a definição autoral, por vezes mostrando-se completamente indefinível. A respeito disto Glória Ferreira, crítica de arte brasileira, pontua:

Na realidade parece haver um paradoxo, pois conhecemos os “autores” (ou conhecê- los não é tão difícil), sem, contudo, dominar as condições dos direitos que regem a autoria, enquanto as leis continuam atualizando-se e vigorando de fato. Esses direitos são de certa forma velados, ao mesmo tempo em que a prática artística questiona a própria ideia de autor.152

149 Id.

150 OITICICA, Hélio. À busca do suprasensorial. Programa Hélio Oiticica, 192/67, 10 out 1967, p.3.

Disponível em: < http://www.itaucultural.org.br/> Acesso em maio 2011.

151 Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2008/02/lei_9610-direito-autoral.pdf>

Acesso em: 23 mar. 2011.

85 É neste questionamento acerca do autor que se apropria este estudo. Afinal, não se consente com a imposição da função de co-autoria às praticas de colaboração, pois esta se coloca distante de um pensar junto, que condiz com a derivação co-laborar, ou seja, laborar

com. Também desta afirmação de Ferreira surge a designação do ato criativo por Marcel Duchamp, artista que compreendia claramente o necessário papel exercido pelo participador da obra de arte: “(...) o público estabelece o contato entre a obra de arte e o mundo exterior, decifrando e interpretando suas qualidades intrínsecas e, desta forma, acrescenta sua contribuição ao ato criador”153. Tais relações de compartilhamento autoral são amplamente discutidos na contemporaneidade em virtude da própria ideia de cri-ação. Esses modelos, ampliados no início da Idade Moderna, entendem a maior imposição na inscrição de uma assinatura. “De certo modo, é possível fazer uma narrativa historiográfica sobre a arte pela simples assinatura, de sua presença a seu desaparecimento, e, assim, do papel do autor”154.

Diante desses argumentos, sobreleva-se a importância fundamental na concepção da obra destinada a um retratista policial. Seu cargo não se distancia do de um tradutor de discursos para imagens, um conversor de palavras em desenhos. Claramente é lembrado o fator de perda neste caminho entre o que se escuta e o que se exterioriza, e entre o que se perde nas palavras e figuras mentais. Afinal, toda tradução traz consigo uma perda. O tradutor, conforme afirma o teórico Marcio Seligman155, é um escritor da sombra, e não será um escritor da verdade, apenas da esquiagrafia156. De acordo com Seligmann seriam dois os módulos da teoria da tradução:

1) O modelo que defende a possibilidade de tradução e enfatiza a adaptação do original ao “gosto” do público de chegada.

2) O modelo que afirma a impossibilidade da tradução, a intraduzibilidade:

a) quer porque se valoriza no texto (e sobretudo na escrita dita poética) justamente os seus aspectos mais sensuais e, portanto, indissociáveis da língua de partida; b) quer porque se afirma o relativismo cultural e a intraduzibilidade entre as culturas;

c) quer porque, como no caso dos românticos alemães Friedrich Schlegel e Novalis, se afirma não apenas a impossibilidade de separação entre os significados e os significantes, mas se define o próprio significante e as identidades de um modo geral como sendo um resultado de um jogo diferencial.157

153 Marcel Duchamp em seu texto intitulado O ato criador, apresentado à Convenção da Federação Americana

de Artes, em 1957. In: BATTCOK, 2008.

154 FERREIRA, 2009, p.6

155 Em sua palestra Um tradutor é um escritor da sombra: variações sobre a teologia da tradução, na

Universidade Federal de Santa Catarina em 14 mar. 2011.

156 Do grego, escrita das sombras. 157 SELIGMANN, 2003, p.176-177.

86 Em Museu das vistas discute-se a impossibilidade da tradução, que desta tentativa traz consigo a sua sombra. Por treinamento profissional, o retratista policial atua com descrições físicas de pessoas, utilizando técnicas adequadas e específicas para este fim. Então, por qual motivo convidar-se-ia um policial retratista a exercer esta função? Talvez Zaccagnini procure um tradutor neste momento de ultrapassagem dos limites do discurso falado e imaginado. Neste caso, este profissional sente-se confortável por estar certamente habituado a aprisionar as imagens descritas por outros. Ainda assim, o fato de uma pessoa sem habilidades artísticas voltar-se à produção de arte parece ser decisiva. Ou seja, não se refere aqui a um artista, ou desenhista se preferir: a diferença está na descrição da vista, e como esta captação de palavras é convertida em imagem.

Eis uma nova ocorrência notável: insere-se um sujeito não-artista para desenhar dentro de uma instituição oficializadora de arte. Há, portanto, um confronto de contextos. Colocar um retratista dentro de uma instituição legitimadora de arte, não o tornaria um artista? Este é um dos limites da provocação causada por Zaccagnini. O desenhista não é um artista, e nem mesmo tem a pretensão de se tornar um e, para que esta vontade fosse realizável, outras ordens integrantes seriam necessárias. Do mesmo modo que o desenho não é completamente propriedade do seu realizador, pois advém de um segundo sujeito compartilhador. Constrói- se uma tensão em torno da identificação autoral da obra de arte.

Esta crise de identificação do autor advém dos herdeiros do período mimético, sobrevindos da obrigatoriedade na apresentação de assinaturas. O rompimento destas estruturas possibilitou o engano, a criação ficcional e o questionamento do sujeito autor. Proveniente destas aberturas está o pensamento de Blanchot, quando afirma o apagamento do sujeito na literatura, enfatizando a linguagem como ser da sua própria realidade. Segundo essas aproximações, chega-se a um ponto: não é preciso fixar os estudos sobre o sujeito em uma linguagem, mas ir além e abrir caminhos pra o ser que está em eterno modo de suspensão. O que fala, agora, não é mais a sua subjetividade, é a própria obra em sua dobra sobre si mesma.158

Auxiliando neste raciocínio também está Foucault e Barthes, ambos voltados para as investigações na linguagem, mas que assessoram este processo reflexivo autoral. Para

158

87 Foucault, em O que é um autor?159, o conceito de autor é tirano e restringe o pensamento do

leitor, enquanto o anonimato na literatura não é suportável aos leitores. Também é analisada a função autor, no que tange ao fundamento de discursividades160. Barthes, em A morte do

autor161, teoriza sobre a perda de voz, o desligamento do autor quando a escritura é iniciada,

dando início à sua própria morte. Ele busca explicar a presença de biografias de autores nos manuais de história literária, que exaltam este indivíduo na Idade Moderna. Contudo, apresenta a linguagem ausente de “pessoa”, bastando apenas um sujeito para exauri-la, fornecendo assim a destruição autoral. Para tanto não se deve impor um autor ao texto, é preciso ausentar-se dele para abrir a obra.

Os anos 60 parecem ter contribuído para o pensamento de Foucault e Barthes, através de artistas que utilizavam a apropriação como meio de criação. A apropriação de obras de arte e o questionamento acerca da identidade do autor vão de encontro às colocações de Foucault, quando este interroga a importância da identificação do autor. “Que importa quem fala, alguém disse que importa quem fala”162, diria o escritor Samuel Beckett. No primeiro trecho, é possível pensar em um autor. Na segunda parte, alguém disse, que importa quem fala, trata-se do ser de uma fala. Em todo caso, quem seria este sujeito? Não importa. O sujeito está fadado a este retorno circular sobre si mesmo. Um exemplo desta prática seria o poeta Stéphane Mallarmé (1842-1898) que afirma: “(...) suprimir o sujeito autor em proveito da escritura (o que vem a ser, como se verá, devolver ao leitor o seu lugar)”163. A desaparição do escritor é um acontecimento infinito para o poeta, para o qual a linguagem – e não o autor – fala por si. De acordo com Mallarmé, o surgimento do ser da linguagem abriu uma fenda para o apagamento visível do sujeito que fala.

159 FOUCAULT, 2006, p.264-298. 160 Ibid., p.280. 161 BARTHES, 1988, p. 65-70. 162 BECKETT, 2006, s/p. 163 Apud. BARTHES, 1988, p.66.

88

Carla Zaccagnini: Museu das vistas, 2002-2007. Folder de exposição. Dimensões variáveis.

Em contrapartida, a identificação do sujeito autor, decorrente do ato de apropriação de uma obra de arte, traz também a sua importante afirmação. Isso porque, se a ação artística é fundada na apropriação de algo - tomá-la apresentando-a como sua - é fato determinante para sua constituição, isto não lhe confere o juízo de não-autor. Embora a suposta obra apropriada não tenha diferenças entre a obra “originária”, a declaração de toda a ação artística está na identificação deste ato realizador. Esta afirmação será exposta somente com a viabilidade da identidade do autor “usurpador”. Portanto, neste caso importa saber quem é o autor da obra, ressaltando ser este o ponto chave para a compreensão e acesso da obra.

É na ação agenciada que a autoria de Zaccagnini se atém. Conforme o conceito de

Escultura Social defendido pelo artista alemão Joseph Beuys (1921 – 1986), a invenção se abrolha em pensamento, é a prática de esculpir em pensamento que começa a realização de uma escultura. Cabe ao artista a ideia da escultura social, com a função de estabelecer uma aproximação entre arte e vida, capaz de oferecer instrumentos suficientes aos outros. Desta forma, a obra de arte torna-se o centro da ação, deixa de ser o objeto artístico. E é pertinente tecer estas afirmações, pois novamente o foco volta-se ao sujeito que promove – um propositor – o debate, como uma espécie de coordenador e ordenador de mudanças e eventos.

Neste sentido, a diferença existente entre o nome do autor e o nome próprio – de acordo com a teorização de Foucault – é um ponto fundamental para a averiguação. Ainda conforme Foucault: “O nome do autor não é, pois, exatamente um nome próprio como os

89 outros”164. O filósofo assinala, além disso, uma função e um modo de discurso. Em contrapeso a isto, para toda uma nova geração moderna, o nome próprio continua a afirmar a autenticidade da obra. É ele que corrobora a sua garantia de origem. Embora os policiais retratistas envolvidos no projeto supracitado, em várias ocasiões, apresentem-se como nomes próprios, há de se pensar nesta alteração diante da presente função autor. Até onde se sabe, no caso da obra O Museu das Vistas, o nome autoral continua a configurar-se somente com o de Carla Zaccagnini.

Para entender os limites calcados pela autoria, é necessário explorar até onde a vista alcança, como sugere o próprio título da exposição de Zaccagnini Até onde a vista alcança - realizada em 2004, na Galeria Vermelho. Contudo é sábio entender que na arte contemporânea não há como prever a instituição de limites, do mesmo modo como a própria compreensão e conceito de arte se estabelecem para todos. É neste ponto de instabilidades, talvez, que se deva tentar apalpar a autoria da obra de arte.

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