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Kundalini Yoga e a Psicologia Analítica

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Academic year: 2021

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Kundalini Yoga e a Psicologia Analítica

Trainee: Priscilla Wacker (7

ª

turma)

Orientador: Marcos Henrique Penno Callia

São Paulo

2010

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“ Os problemas que devemos resolver não podem ser resolvidos se permanecerem no mesmo nível de pensamento em que foram colocados” Albert Einstein

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Agradecimentos

Aos meus amigos, que fazem a vida valer a pena

Aos meus colegas de formação, pelo convívio e aprendizado nesses anos À Glenda, minha irmã, pelo apoio e suporte

Ao Marcos Callia, meu orientador, por ter me auxiliado e me dado força nesta jornada À Ana Lia, minha supervisora, por ter entendido minhas perguntas

Ao Tito, meu terapeuta, que me acompanha na criação da minha própria história Aos meus pacientes, que trazem vida à teoria

Ao Rui, meu marido, e Theo, meu filho, pelo novo sentido que acrescentaram em minha vida Obrigada.

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3

Resumo

Esta monografia versa sobre os quatro seminários apresentados por Jung em 1932 nos encontros que realizava no Clube de Psicologia, em Zurique. Nesses seminários, intitulados “A Interpretação Psicológica do Kundalini Yoga”, Jung abordou o simbolismo do sistema de chakras do Kundalini Yoga, entendendo-o como uma espécie de intuição da consciência coletiva oriental sobre a existência e o funcionamento do sistema psíquico. Ou seja, Jung enxerga no Kundalini Yoga uma intuição de sua própria teoria, e no despertar da kundalini, o iniciar do processo de individuação. Jung discorre sobre esse processo (do despertar da kundalini), amplificando seus símbolos através de mitos e imagens.

No presente trabalho, busco fazer uma releitura crítica dos pensamentos de Jung a respeito desse tema, com o intuito de renová-los e reposicioná-los dentro de uma perspectiva atual.

Palavras Chave: Psicologia Analítica, Kundalini Yoga, Chakra, Individuação.

Abstract

The purpose of this thesis is to approach Jung’s Four Seminars presented back in 1932, when responsible for organizing meetings at the Psychology Club of Zurich. In those seminars, nominated as ‘The Psychological Interpretation of the Kundalini Yoga’, Jung approached the symbolism of the chakras’ system of Kundalini Yoga, understanding it as a kind of Oriental’s intuition of the collective consciousness regarding the existence and functioning of the psychic system. It means that Jung sees in the Kundalini Yoga’s system an intuition of his own theory, and in the awake of the kundalini, the initialization of the individuation process. He talks about this process (the kundalini’s

awaking) amplifying its symbols through myths and images. In this paper, my quest is to re-read, in a critical way, Jung’s thoughts regarding this

topic, aiming to renew and reposition them on a current perspective.

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Índice Geral

Prólogo...1

Introdução...2

Objetivos...7

Capítulo 1: Yoga...8

1.1. Kundalini Yoga...12

Capítulo 2: Jung e o Oriente...17

2.1. Jung e o Kundalini Yoga...22

2.1.1. As Conferências sobre o Kundalini Yoga...24

O Sistema de Chakras...24

Imagens do sistema de chakras...27

Muladhara, o chakra da base...29

Svadhisthana chakra sacral...34

Manipura, o chakra umbilical...37

Anahata, o chakra cardíaco...39

Vishuddha, o chakra laríngeo...43

Ajna, o chakra frontal...49

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2.1.2. A Interpretação Psicológica do Kundalini Yoga...55

Capítulo 3: Considerações Finais...60

3.1. A Mobilização de Material Inconsciente...62

3.2. O Corpo no Processo de Ampliação da Consciência...64

3.3. A Prática do Yoga como Possibilidade de despotencializar o

Complexo...66

Epílogo...70

Referências Bibliográficas...72

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Prólogo

Esta monografia, baseada nos seminários apresentados por Jung: “A Interpretação Psicológica do Kundalini Yoga” (Shamdasani, 1996), foi sistematizada da seguinte maneira: inicialmente, faço uma breve apresentação do Yoga e do Kundalini Yoga, abordando de forma resumida suas origens e definições. Depois, trago as contribuições de Jung sobre o Kundalini Yoga, amplificando suas ideias com adição de material proveniente de outras fontes. Finalizo com questões que ficam em aberto para futuras reflexões.

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Introdução

Há cinco anos venho intensificando meu contato com o Yoga e, muitas vezes, fiquei impressionada com as correlações que poderia fazer com a Psicologia Analítica. Permaneci circundando o tema por muito tempo, sem conseguir encontrar uma ponta que pudesse desfiar para traçar paralelos com os estudos de Jung a respeito do Yoga. Finalmente, vencida pelo cansaço, desisti de me ocupar desta questão, e só voltei a pensar nela após uma viagem de 40 dias à Índia. Através do contato impactante com este país, pude experienciar o quanto o caldo cultural atua na formação do ser, na interpretação das experiências vividas, no estabelecimento dos referenciais de si mesmo e do mundo.

Seria então possível tentar estabelecer pontes entre uma forma ocidental e uma oriental de enxergar o ser humano1

Em vários momentos, Jung pergunta se deveríamos nos aprofundar nas técnicas e conhecimentos estrangeiros a nós, ou se o mais eficiente seria nos concentrarmos em nossos próprios sistemas de crenças e de conhecimento. Para ele, ao nos desenvolvermos psiquicamente com referências ambientais, culturais, religiosas, familiares etc. relacionadas ao Ocidente, enraizamo-nos em solo ocidental e, assim, não seríamos capazes de assimilar, e de sermos transformados de fato, pelas verdades do Oriente, e vice-versa.

? Tal questionamento se manteve presente em muitas obras de Jung a respeito do Oriente. Ao longo deste trabalho, cito algumas delas.

Durante minha estadia na Índia fui fortemente tocada pelo estrangeiro, pelo outro estranho a mim; e desta forma, pude compreender melhor as reflexões de Jung a respeito de se entregar, ou de ser absorvido, por um sistema cultural diferente.

Se realizada de forma inconsciente, essa imersão em outra cultura poderia levar, na concepção de Jung, a consequências desastrosas para o corpo e/ou psique. Em suas memórias (Jung, 1964), comentou o caso de seu amigo Richard Wilhelm, que, ainda jovem, imergiu na cultura chinesa, sendo totalmente impregnado pelo ponto de vista oriental. Quando retornou à Europa, Wilhelm voltou a sentir as necessidades do espírito

1

Ao longo desse trabalho faço referências ao ocidente e ao oriente, reduzindo desta forma, a ampla variedade humana a dois grupos distintos de pessoas, os ocidentais e os orientais. No entanto é importante notar que o Oriente não deveria ser caracterizado como algo unificado, e sim como um fenômeno de incrível variedade cultural e intelectual, uma vez que existem enormes diferenças entre o hinduísmo, o taoísmo, o budismo e etc.

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europeu, o que lhe gerou um conflito psíquico grave, que Jung associou ao seu falecimento anos depois:

Essa mudança de Wilhelm e sua reassimilação do Ocidente pareceram-me um pouco irrefletidas e, portanto, perigosas. Temia que ele se encaminhasse para um estado de conflito consigo mesmo. Ao que me parecia, tratava-se de uma assimilação passiva, isto é, ele havia sucumbido à influência do meio; havia, pois, o risco de um conflito relativamente inconsciente, de um choque entre a alma Ocidental e a Oriental. Ocorrendo um processo desse tipo, sem que haja uma confrontação consciente profunda, há o risco de um conflito inconsciente que pode também afetar gravemente a saúde do corpo... (Jung, 1964, p. 328).

Da mesma forma, antropólogos ou profissionais de saúde mental que trabalham com psiquiatria étnica reconhecem o quanto pode ser desestruturante o choque entre sistemas culturais diferentes. Há relatos de pessoas (brancos) que, ao permanecerem por longos períodos em tribos indígenas, precisaram de socorro médico por sucumbir a uma vivência paranóica. Provavelmente, a experiência indígena com seus espíritos e rituais, fragilizou o sistema egóico desses indivíduos, que não é adaptado a essa forma de realidade. De modo inverso, sabe-se da desestabilização que o álcool, introduzido aos índios de uma forma não ritualística pelo homem branco, promoveu na estrutura da sociedade tribal indígena.

Observando-se então, a complexidade de se aventurar em outro continente, retorno às minhas próprias reflexões sobre os indianos. Eles se diferenciam de nós (ocidentais) em muitas questões; no tocante à forma de se vestir, de comer, de se expressar, de reagir, de relacionar-se com o humano e com o divino, com a realidade e a fantasia. Até mesmo sua linguagem corporal é diferente; mexem a cabeça com bastante frequência, num movimento regular de translação lateral. Não tenho certeza do significado de tal gesto, mas transmite uma tentativa de cooperação, podendo dizer sim, não ou talvez. Aliás, essa cooperação, essa abertura para o outro desconhecido, mesmo que, muitas vezes, com o intuito de obter vantagens, é evidentemente oposta à atitude ocidental, fechada em relação a esse outro.

As reações dos indianos, suas respostas, sua forma de viver a vida são tão diferentes das minhas e das pessoas com quem convivo que, como médica, comecei a formular hipóteses sobre possíveis diferenças biológicas. Será que com estímulos tão diversos dos nossos, seus cérebros também não podem funcionar, em níveis mais sutis,

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de uma forma diferente? Sabe-se que após o nascimento, o cérebro ainda não está inteiramente formado, tem apenas um terço do volume que alcançará um dia, e a comunicação neuronal, que se faz do ponto de vista anatômico via sinapses (estruturas que conectam axônios e dendritos formando uma rede neuronal), também se encontra em desenvolvimento (Kandel, 2001). Será que este desenvolvimento não poderia se orientar de forma diferente, privilegiando ou negligenciando outros grupos neuronais? Será que análises do funcionamento cerebral, com técnicas de mapeamento por meio de ressonâncias magnéticas funcionais2 e testagens neuropsicológicas3

Tais especulações médicas e técnicas invadiram meus pensamentos quando ainda estava na Índia, e as compartilho aqui para exemplificar características do pensamento ocidental. De um modo geral, nos parece mais natural e reconfortante acreditar e incorporar o novo quando podemos explicá-lo no “mundo concreto”. Assim, se alguns dos caminhos neuronais dos orientais fossem diferentes dos nossos, como uma técnica deles poderia “caber” em nós?

não apresentariam padrões diferentes daqueles encontrados entre possíveis voluntários ocidentais?

Para Jung (apud Aion, 1990, p.273):

Não se pode comparar a evolução histórica do espírito Ocidental com a do espírito indiano. Por isso, quem acredita que pode assumir diretamente certas formas conceituais do Oriente, desenraiza-se, pois estas formas não exprimem o passado Ocidental; são simplesmente conceitos teóricos e sem sangue, incapazes de fazerem vibrar as cordas profundas do nosso ser. Nossas raízes mergulham em solo cristão.

Para Hauer (apud Shamdasani,1996,p.xIii):

Esta questão, do quanto e em qual extensão o caminho de salvação do Oriente é válido para o homem Ocidental, continua em suspenso e me preocupa seriamente. Não seria um erro e até perigoso se o homem Ocidental se dedicasse ao Yoga para obter a salvação? Por que esse homem não adere às pesquisas cientificas, a reflexões filosóficas da maneira Ocidental, como um caminho de salvação? Será que o

2 Ressonância Magnética Funcional é uma técnica de exame de imagem em que não somente a anatomia

macroscópica cerebral é visualizada, mas também as regiões cerebrais que estão utilizando mais oxigênio ou glicose. Dessa forma, podemos observar quais regiões estão reagindo mais ou menos aos estímulos estabelecidos pelo examinador, sejam eles fotos, sons, palavras, cheiros, emoções...

3 A neuropsicologia é uma interface ou aplicação da psicologia e da neurologia que estuda as relações

entre o cérebro e o comportamento humano. Dedica-se a investigar como diferentes lesões causam déficits em diversas áreas da cognição. Para isso, faz uso de Testes Neuropsicológicos que avaliam, identificam e detectam a integridade das funções nervosas superiores (Atenção, Consciência, Memória,

Linguagem e Cognição), através do exame de processos lógicos e de linguagem.

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Ocidental não tem seu próprio caminho místico que o leve ao encontro de si mesmo, que seria de mais utilidade para ele do que o Yoga? Por que a Psicologia Profunda e a Psicoterapia em desenvolvimento não seriam suficientes para isso? Será que, de fato, precisamos de um novo impulso do Oriente?

Apesar de entender e, até certo ponto, aceitar as observações de Jung sobre a não validade prática dos caminhos do Oriente para um ocidental, sentia em mim mesma os efeitos do Yoga; tanto do Hatha Yoga, que pratico há cinco anos, quanto do Kundalini Yoga, que pratiquei por apenas seis meses.

Através da prática do Hatha Yoga, pude, aos poucos, acalmar minha mente, alcançando mínimos momentos de “silêncio”. Quando esta se “calava”, parecia haver espaço para “sons” de outros lugares, minha consciência era então tocada por imagens, emoções e até sensações físicas antes silenciadas pelo “alto volume” da mente. Esses novos “sons” podiam então ser reelaborados e integrados pela consciência.

Relato aqui uma dessas experiências para proporcionar ao leitor uma maior clareza sobre o que procuro descrever: após uma prática na qual alcancei um grau maior de silenciamento da mente, entrei em contato com a imagem de uma mulher que percebi ser minha mãe. Ela segurava um cartaz com letras grandes escritas: “EU TE ENTENDI!”. Não pretendo aqui dissecar a simbologia dessa imagem por não ser esse o objetivo deste estudo, mas busco demonstrar que através da prática do Yoga, me foi possível, e é para muitas outras pessoas que vivem experiências similares, entrar em contato com material inconsciente. O acesso da consciência às imagens inconscientes é um mecanismo psíquico natural, compartilhado por todos nós, e que tem sido utilizado desde tempos ancestrais, por povos diferentes, de maneiras diversas, com intuitos diferentes... Portanto, é um processo natural do psiquismo humano.

Essa profunda vivência poderia ser trabalhada com o uso da Imaginação Ativa, processo descrito por Jung em 1916 (Jung, 2000, v. VIII), no qual o indivíduo deve concentrar-se em um ponto específico (o material de um sonho, ou no caso acima descrito a própria imagem), e, em seguida, permitir que uma cadeia de fantasias associadas se desenvolva. As imagens, aos poucos, “ganham” vida de acordo com uma lógica própria, criando cenas que suscitam emoções e que podem, então, ser elaboradas pelo ego consciente. Este deve participar ativa e criativamente da cena, gerando uma nova situação psicológica que pode estimular a cura de uma neurose. No entanto, a questão central neste momento não é a Imaginação Ativa, mas sim o fato de que uma técnica oriental (a prática do Yoga) foi capaz de “vibrar cordas profundas do meu

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ser...”. Desta forma, discordo de Jung sobre a não validade prática do Yoga para um ocidental, tema que será mais profundamente discutido no decorrer deste trabalho.

Acredito que a forma de se estimular o sistema psíquico varia de método para método, mas a reação desse sistema (neste caso, a de promover uma comunicação entre consciência e inconsciente) deveria ser a mesma, se confiarmos na base arquetípica da teoria junguiana. Assim, teoricamente, imagino ser possível a um ocidental caminhar em direção à individuação através do Yoga, no entanto,talvez cada indivíduo seja mais ou menos tocado por uma ou outra técnica, dependendo de sua estruturação egóica, de seus mecanismos de defesa, dos traumas vividos, de sua tipologia, de seu momento de vida, e etc. E por que não acrescentar como uma hipótese a ser refletida, que, possivelmente, técnicas diversas toquem de formas diferentes as estruturas egóicas defensivas, com isso, o ego teria que fazer um esforço novo para tentar impedir a entrada desses novos conteúdos, podendo com essa nova reação desestabilizar suas defesas, e na sua reestruturação acabar por integrar partes destes conteúdos. É importante ressaltar, que para que isso ocorra é necessário um ego saudável e flexível, pois um ego frágil, enrijecido poderia quebrar frente a esta necessidade de reestruturação.

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Objetivos

1- Rever os seminários de Jung “A Interpretação Psicológica do Kundalini Yoga” (Shamdasani, 1996) realizados em 1932, com o intuito de ampliar suas reflexões e de inseri-las no contexto atual de um mundo globalizado.

2- Estudar a filosofia do Yoga e compará-la com a Psicologia Analítica, esta como uma teoria ocidental que busca entender a psique e o Yoga como um conjunto de práticas capaz de intervir no sistema psíquico. Ambas inseridas em paradigmas diferentes daqueles pertencentes à ciência cartesiana-newtoniana de nossa cultura, ou seja, além dos conceitos de espaço, tempo e de causalidade; e com o mesmo objetivo: o de ampliação de consciência em direção ao Todo.

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Capítulo 1

Yoga

O Yoga vem se tornando cada vez mais popular no Ocidente. Ao mesmo tempo em que essa popularização permite à nossa sociedade entrar em contato com uma prática milenar, que durante muito tempo foi mantida em círculos fechados de eruditos, também leva a distorções e interpretações equivocadas, já que se dissemina em uma cultura completamente diferente.

Assim, definir o Yoga não é uma tarefa fácil, a começar por sua origem: além de muitos textos terem sido perdidos ou destruídos, no passado esse conhecimento era transmitido oralmente na tradição Parampará4

Talvez o Yoga esteja ligado ao início da própria sociedade como a conhecemos hoje. “O Yoga nasce a partir da compreensão das manifestações externas da natureza e suas influências subjetivas sobre a consciência humana” (Kupfer, 2001, p.12). O Homem, desde o desenvolvimento da consciência, tinha sede em conhecer-se, e suas dúvidas e questionamentos levaram alguns a uma investigação quase (e para muitos) exaustiva a respeito de questões ontogênicas: quem ou o que sou? Muitos se retiravam nas florestas, cavernas e outros lugares isolados para vivenciarem um mergulho em algo “mais profundo”, procurando experimentar, na prática, estados de consciência superior. Tais experiências a respeito do Ser lhes serviam de base para a construção de todo um conhecimento filosófico/teórico que pudesse ser transmitido. Assim, primeiramente, surge o Yoga como algo essencialmente prático, adquirido pela experimentação, e depois surge sua base filosófica (Kupfer, 2001).

. Nela, o discípulo memorizava grande quantidade de versos que lhe eram passados por seu mestre, e assim sucessivamente, sem qualquer alteração, para manter preservados e intactos seus conhecimentos.

As mais antigas evidências históricas do Yoga associam-no ao ritualismo dos povos pertencentes a uma civilização denominada Indo-Sarasvati, que habitava cidades ao longo dos rios Indo e Sarasvati (Feuerstein5

4 Parampará é a cadeia de transmissão de poder e conhecimento do mestre para o discípulo (Feuerstein,

1997).

, 1997). Importantes registros desta

5 Georg Feuerstein, Ph.D., é doutor em História da Religião e desenvolve estudos sobre o Yoga. É

fundador e diretor do Yoga Research Center e editor do boletim bimestral Yoga World. Membro do conselho diretor da Healing Buddha Foundation, na Califórnia, e colaborador dos periódicos Yoga

Journal, Inner Directions e Intuition. Dr. Feuerstein já publicou vários livros, entre os quais, A tradição

do yoga, The Shambhala Encyclopedia of Yoga, The Shambhala Guide to Yoga, Teachings of Yoga e

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civilização foram descobertos em escavações do século passado, em duas principais cidades, hoje no atual Paquistão: Mohenjo Dharo e Harappa, que se revelaram muito avançadas para seu tempo. Estima-se que viviam, somente em Mohenjo Dharo, mais de 200 mil pessoas. As cidades eram organizadas, havia sistema de esgoto, ruas definidas e outros indícios de planejamento urbano. Foi esse povo que deixou um legado, não só para a Índia, mas para a humanidade: os Vedas (Feuerstein, 1997).

Os Vedas, que em Sânscrito significa conhecimento, são livros sagrados da espiritualidade indiana, considerados os mais antigos do mundo. Foram escritos por volta de 3500 a.C., mas sua composição parece ser ainda mais antiga devido à perpetuação do conhecimento via tradição oral, estimando-se 6500 anos a.C. Nesses textos o Yoga já era citado, mas não da forma como o conhecemos hoje. O Yoga Védico era ritualístico e envolvia ascese, concentração mental, cânticos, adoração e controle da respiração (Feuerstein, 1998).

Em essência, os Vedas acreditam que por trás de toda manifestação, só existe um Ser, Brahman. Tal ideia é mais bem desenvolvida nas Upanishads, outros textos sagrados que vieram depois dos Vedas, nos quais as diferentes realidades são emanações de uma realidade singular e transcendente, Brahman.

Segundo Ravindra (2000, p.5):

Brahman é o absoluto, supremo, impessoal, infinito, eterno. A fonte

pré-cósmica da divindade, a causa de todas as causas, sem começo e sem fim, do qual tudo emana e ao qual tudo retorna. Ele não se manifesta, mas está presente no maior corpo celestial e, também, na indivisível partícula, em tudo que é animado e não animado. Ele é a razão da consciência e da substância.

Então, Brahman é a essência não só de todo o universo como também do manifesto e do imanifesto. Segundo os textos hindus, não existe um conceito de começo ou fim do universo, o mesmo seguiria um processo contínuo de expansão e retração; quando o ciclo tem início o universo começa a existir, expandindo-se, ao final desta expansão se dá uma retração até a dissolução novamente no todo. “Antes da criação do universo só existia Brahman em sua forma não manifesta, nem espaço, nem tempo, nem sóis nem planetas. Por vontade própria ele se manifestou, e sua energia operativa entrou em ação, começando o ciclo de expansão” (Ravindra, 2000, p.10).

A personalidade humana denominada atman também é uma manifestação de

Brahman; no entanto, presa ao corpo (matéria), atman se confunde, através de maya

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(ilusão), com uma consciência inferior condicionada e distorcida, impossibilitando a realização em Brahman. A ilusão, maya, é causa de sofrimento na medida em que confunde os estados psicomentais (consciência inferior) com o Si Mesmo Transcendente. Com isto, a consciência inferior se identifica com o corpo e suas dores, com a mente e suas aflições (duhkha, sofrimento em qualquer nível), enquanto o estado de transcendência, quando se retorna a Brahman, é representado por Sat, Cit, Ananda (existência plena, consciência transcendente e bem aventurança) (Eliade, 1998).

Si Mesmo Transcendente, ou Purusha na tradição Samkhya ou atman na tradição vedântica é o âmago do próprio ser. É a identidade autêntica de cada um, separada de todos os papéis, imortal e imutável. É considerada supra-sensorial, consciência pura. Em todas as tradições hindus, a realização do Si Mesmo Transcendente é o mais nobre e valioso objeto da aspiração humana. Para Feuerstein, o Si Mesmo Transcendente é diferente da noção de Self de Jung, que corresponderia mais a um chamado “controlador interior”, sendo um dos aspectos do Si Mesmo Transcendente (Feuerstein,1997). No entanto, entendo que Jung não faz esta distinção, usando a terminologia Self, Si Mesmo, como equivalente ao Si Mesmo Transcendente, Purusha e Atman do Yoga, dessa forma, também usarei esses termos como equivalentes no transcorrer do texto.

As linhas do Yoga podem receber influências de duas correntes filosóficas distintas; o Samkhya (que traz os conceitos de Purusha e de Prakrti) e o Vedanta (que traz os conceitos de Brahman e atman). Penso que Jung misturou essas duas filosofias em seu texto. O âmago desses conceitos, quando misturados, poderia causar confusão naqueles versados no Yoga, mas os termos usados por Jung são compreensíveis dentro do contexto da Psicologia Analítica.

Em uma entrevista com Serrano, Jung deixa clara sua correlação do Si Mesmo com Purusha ou atman (Serrano, 1970, p. 67):

“... Aquilo que chamo de Si Mesmo é um centro ideal, equidistante do ego e do inconsciente, equivalendo, de certa forma, à expressão máxima e natural de uma individualidade, seu complemento ou complementação, sua totalidade. A natureza anseia por expressar-se esgotando suas possibilidades. O Homem também. O Si Mesmo é essa possibilidade de complementação, de totalidade. Por isso é um centro ideal, uma criação, um sonho da natureza. Os hindus são sábios nesse assunto. O Purusha é o Si Mesmo. Também atman é algo semelhante”.

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Mas, se a dissociação entre o todo, Brahman, e a personalidade humana, atman, causa sofrimento, o que fazer para cessar todas as aflições (duhkha)? É para responder a tal pergunta que surge o Yoga.

Yoga vem do Sânscrito, e significa unir, jungir, atrelar, cangar. Sua tradução mais usual é união, ou seja, uma técnica para unir ou religar a consciência inferior à Realidade (Brahman). Portanto, Yoga é tanto um estado, um fim, como um meio, ou uma técnica adequada para se alcançar o mais nobre objetivo da vida humana: a libertação dos condicionamentos e de todo o sofrimento(Taimini, 2004).

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1.1 . Kundalini Yoga

O Yoga surgiu em uma cultura na qual os mestres se isolavam para buscar seu crescimento pessoal através da introspecção. Com a observação de si mesmo, desenvolveram, ao longo dos anos, diferentes técnicas, todas com o objetivo de transformar e elevar estados mais baixos de consciência.

Como o ser humano, em seus diversos perfis, aprende e apreende a vida de forma distinta, muitas técnicas foram desenvolvidas, havendo mais de 200 escolas de Yoga que se baseiam em sete ramos principais: Raja Yoga, Hatha Yoga, Jnana Yoga,

Bhakti Yoga, Karma Yoga, Mantra Yoga e Tantra Yoga. Existem, ainda hoje,

definições discordantes sobre o que seria Tantra Yoga, Kundalini Yoga e Laya Yoga; alguns acreditam serem escolas diferentes, ou seja, cada uma delas conteria, em sua prática ou em sua filosofia, algum quesito diferente da outra linha; enquanto outros estudiosos atestam que essas três formas de Yoga seriam, na verdade, o mesmo sistema de pensamento e de prática (Feuerstein, 2003).

Neste trabalho vamos seguir os estudiosos que unificam as três linhas (Tantra Yoga, Kundalini Yoga e Laya Yoga). Para o Tantra Yoga, corpo e mente são

considerados unos, sendo o corpo um veículo da mente para se atingir a transcendência. O sistema de trabalho com a kundalini é basicamente tântrico em sua origem; age através da união da psique com a matéria, e da mente com o corpo físico.

Conforme Shamdasani (1996, p.xxii): 6

O tantrismo foi um movimento religioso e filosófico que se tornou popular a partir do séc. IV, sendo influenciado pela filosofia, ética, arte e literatura indiana. Segundo Agehananda Bharati, o que distingue o tantrismo do hinduismo ou do budismo, é sua ênfase na identidade do absoluto e do fenomenal em suas formas de adoração. Em seus rituais são usados elementos normalmente banidos de outros rituais religiosos tradicionais, tais como o vinho, a carne, o peixe, grãos secos e a relação sexual, pois o Tantra acredita no espiritual e sagrado de todas as coisas. O tantrismo é anti-ascetismo7 e anti-especulativo8

6 Tradução livre.

, rejeita o sistema de castas e celebra o corpo (reconhecido como o microcosmo do universo), representando uma corrente transgressiva ao hinduismo. No Tantra, se reconhece pela primeira vez na história

7 Ascetismo é o movimento no qual a iluminação deve se dar através de uma forma de vida de reclusão

dos prazeres do corpo e da matéria.

8

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da Índia a importância da deusa e a redescoberta do mistério da mulher9.

O sistema Tântrico propõe sete centros de energia, com seus respectivos campos de atividade, denominados chakras10

Os chakras estão conectados entre si por canais de energia, as nadis

. São eles: Muladhara, Svadhisthana, Manipura,

Anahata, Vishuddha e Ajna, e o sétimo centro que transcende a existência corporal,

denominado Sahashara, no topo ou acima do topo da cabeça (Feuerstein, 1997). 11

A kundalini é representada na forma de uma serpente que deita adormecida em

Muladhara. Feuerstein (1989) a define como uma manifestação no microcosmo (o corpo) da energia primordial do universo, que, através do corpo, se conecta com o corpo-mente finitos.

, estrutura que significa canal, conduto, veia ou artéria. Portanto, nadis são qualquer uma das veias ou artérias por onde circula o sangue e/ ou qualquer um dos canais sutis por onde circula a força vital. Afirma-se que há 72.000 nadis, mas três são mais significativas para o

Kundalini Yoga: ida (energia da lua, representação do poder feminino, conectada à

narina esquerda); pingala (energia do sol, representação do poder masculino, conectada à narina direita) e sushumna (um canal neutro situado empiricamente no centro da medula espinhal, por onde a energia da kundalini pode subir desde a base da coluna, localização empírica do primeiro chakra, até o topo da cabeça, localização empírica do sétimo centro psicoenergético, sahashara) (Pandit M. D., 2007).

Microcosmo significa “pequeno arranjo ou pequeno universo”, e refere-se ao ser humano que é a imagem de seu criador. O microcosmo contém tudo que o macrocosmo possui, é parte inseparável dele; por isso, o microcosmo contém em si o evoluído e o não evoluído, o implícito e o explícito, o ativo e o latente, energia, força, matéria, substância, qualidades e tudo mais. A origem dos dois é a mesma e seu futuro também (Ravindra, 2000).

O objetivo do Kundalini Yoga é despertar a energia da kundalini através de técnicas meditativas e práticas específicas do Yoga. Assim, a energia ascende através de

9 O Tantrismo deu legitimidade filosófica ao princípio psicocósmico feminino (chamado shakti), que já

era reconhecido havia muito tempo nos cultos locais a divindade feminina (Feuerstien, 1998).

10No sub-capítulo: “ O Sistema de Chakras”, aprofundo esse conceito e faço uma descrição detalhada de

cada chakra.

11 Os chakras e as nadis são considerados por autores ocidentais como Feuerstein (1989, p.258): “versões

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uma passagem estreita na medula espinhal (o sushumna nadi12

Para Pandit M. D. (2007, p.201):

), e passa pelos seis centros de energia (os chakras), antes de atingir sua residência final, o sétimo centro,

sahashara. Aí se dará a união da energia feminina (a energia da kundalini, ou seja, a

manifestação da energia primordial do universo) com a masculina (a energia da consciência), e nesse contexto, haverá a transformação da personalidade em um sentido evolucionário de supraconsciência. “Aqui ambos os hemisférios cerebrais tornam-se calmos, cessa o diálogo interior, perde-se o sentido de tempo e espaço, e as falsas noções do mundo fenomenológico se fundem ao todo” (Johari,1990, p.106).

O despertar da kundalini não se refere a uma simples modificação glandular ou a um desvio na atividade hormonal do organismo. Envolve, nitidamente, a operação de um novo poder no corpo, e a ativação de uma área silente no cérebro, chamada a cavidade de

Brahma (Deus). É o alvo da prática do yoga e o verdadeiro objetivo

das disciplinas espirituais.

Segundo Avalon13 (1964, nota da contra-capa):

A kundalini, a serpente de poder, é mitologicamente falando, um aspecto de Shakti14, esposa de Shiva15

; filosoficamente é a energia criativa que forma a mente e a matéria, o poder fundamental que dá vida a todo o organismo. Ela é a energia cósmica divina que repousa na área mais baixa ou densa da matéria; no corpo estaria localizada na base da coluna vertebral, em muladhara, o chakra da base. Ela é o poder da matéria para se saber a si mesma. Ela é a Deusa, o coração de muitas religiões Orientais, não somente do hinduismo.

12

Sushumna nadi é o canal central através do qual a força vital flui do chakra na base da coluna até o topo da cabeça. É o caminho secreto pelo qual se transcende a dinâmica da polaridade entre as correntes psicoenergéticas direita e esquerda, conquistando a realização do Si Mesmo (Feuerstein, 1997).

13 Sir John Woodroofe, pseudônimo de Arthur Avalon, foi Procurador Geral em Bengali e diretor da

Suprema Corte de Justiça em Calcutá, e também lecionou advocacia na Universidade de Calcutá. Quando voltou para a Inglaterra, se tornou orador das leis indianas na Universidade de Oxford.

Além de seus deveres judiciais, estudava o Sânscrito e a filosofia Hindu, especialmente o sistema Shãkti

Tantra. Como o primeiro ocidental a ter um profundo conhecimento sobre o Tantra, teve um importante

papel na popularização do assunto. Seu mais popular e influente livro, uma grande contribuição ao entendimento da filosofia e espiritualidade indiana, é o The Serpent Power_ The secrets of Tantric and

Shaktic Yoga (1964), que é a fonte da maioria das práticas de Kundalini Yoga no Ocidente.

http://pt.wikipedia.org/wiki/john_Woodroffe (acesso em julho de 2009).

14

Shakti é o princípio dinâmico e criativo da existência, feminino e personificado por Shakt, a divina consorte de Shiva. (Feuerstein,1997).

15 Shiva é um dos deuses da trindade da Índia medieval. É concebido como o destruidor do universo, mas,

em uma perspectiva espiritual, seu poder destrutivo tem como objetivo o descondicionamento do ego para que ele se torne permeável à luz (Feuerstein, 1997).

(21)

Para proporcionar ao leitor uma percepção mais clara do que se acredita possível com o despertar da kundalini, cito a seguir um trecho do livro de Gopi Krishna (2004),16 no qual ele relata os sintomas pelos quais passou durante esse processo, como alterações bruscas de humor, apatia, percepções “estranhas” de si e do mundo e etc. O livro é permeado de descrições suas e de outras pessoas que passaram por experiências similares:

... Com o despertar da kundalini inicia-se uma espantosa atividade em todo o sistema nervoso, do alto da cabeça aos dedos dos pés. O corpo se torna um laboratório em miniatura, funcionando em alta velocidade, noite e dia. Nos documentos chineses, tal fenômeno é descrito como a “circulação da luz”, e nos manuais indianos, como a “subida de Shakti”, ou energia vital. Por todas as partes do corpo, nervos cuja existência jamais é percebida ordinariamente, são agora forçados por algum poder invisível, a um novo tipo de atividade, que pode ser percebida pelo indivíduo tanto de maneira imediata quanto gradual.

Através de todas as suas inumeráveis terminações, os nervos começam a extrair uma essência semelhante ao néctar dos tecidos vizinhos. Esta essência apresenta-se de duas formas distintas, uma como radiação, outra como essência sutil, que flui para a medula espinhal. Uma porção desta essência inunda os órgãos reprodutores, tornando-os anormalmente ativos, como se para manterem o mesmo ritmo de atividade de todo o sistema nervoso. A radiação, aparecendo como uma nuvem luminosa na cabeça, flui para o cérebro, e, ao mesmo tempo, corre através dos nervos, estimulando todos os órgãos vitais, em particular os da digestão, a fim de ajustá-los às funções da nova vida introduzida no organismo. Em outras palavras, o despertar da

kundalini denota o fenômeno do renascimento, aludido em termos

claros ou velados no saber religioso da humanidade17. Uma conexão mais poderosa e direta é então estabelecida entre o indivíduo e a consciência universal (Gopi Krishna, 2004, p.56)...

Ainda para Gopi Krishna (2004, p.126):

Minha humilde contribuição pessoal à antiga tradição da kundalini - não uma hipótese especulativa, mas o resultado direto de minha experiência - é que esse reservatório adormecido de bioenergia não somente é responsável pela experiência mística, e os ainda desconcertantes fenômenos psi, como pelo atualmente não localizado e ainda questionado mecanismo evolucionário nos seres humanos, e também pela fonte originária do gênio e do talento extraordinário.

16 Gopi Krishna (1903-1984) nasceu próximo a Caxemira, Índia. Devotado ao Yoga e à meditação,

escreveu 16 livros, apresentando para o Ocidente uma visão clara do fenômeno da kundalini (Krishna, G., 2004).

17

Esse fenômeno de transformação ou renascimento é mencionado por Cristo em linguagem metafórica quando de seu diálogo com Nicodemus: “Em verdade, vos digo que aquele que não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é Espírito. Não vos maravilheis em vos ter dito: necessário vos é nascer de novo” (Bíblia Sagrada: João 3.6. apud Krishna, G., 2004, p.52).

(22)

Gopi Krishna deixa bem clara sua crença de que o despertar da kundalini, possibilidade inerente a todo ser humano, contém indicações preciosas sobre as normas de vida e organização da sociedade, necessárias à satisfação do impulso evolucionário da espécie que caminharia na direção de uma supraconsciência. Trata-se de uma consciência cósmica, um estado perene de percepção, isento de altos e baixos, desprovido de complexos, tensões, ansiedades, neuroses e medos, com um firme controle da mente e do corpo, um estado de êxtase inexcedível e supra-humano.18

18

O filme Ram Dass: Fierce Grace (2002) do diretor Mickey Lemle proporciona uma bela imagem dessa chamada consciência cósmica.

(23)

Capítulo 2

Jung e o Oriente

Este capítulo tem por objetivo introduzir ao leitor uma visão mais profunda da vida e obra de Jung no que diz respeito ao Oriente.

Já em 1912, Jung fez interpretações sobre os Upanishads19 e o Rig Veda20, textos ancestrais para o hinduísmo, em sua obra “Símbolos da Transformação” (Jung, v.V, 1986). A partir de 1920, passou a frequentar a Escola de Sabedoria21, fundada por Hermann Keyserling22, onde conheceu e realizou colaborações com pensadores dos sistemas orientais, tais como Richard Wilhelm23, Heinrich Zimmer24, Walter Evans-Wentz25, Wilhelm Hauer26 entre outros. Em 1929, publicou em conjunto com Richard Wilhelm “O Segredo da Flor de Ouro, um Livro de Vida Chinês”27

19 Os Upanishads são consideradas a essência filosófica da mais antiga sabedoria dos Vedas; alguns

autores acreditam que foram escritas mais de 1.180 Upanishads, com data de elaboração provável variando de 800 a 200 a. C. Não se admite que as Upanishads possam ser compreendidas da mesma forma que um texto de filosofia ocidental; ela é entendida por meio de uma transformação daquele que a escuta ou lê, uma vez que fala sobre aquilo que não pode ser descrito (Brahman, Atman) e transporta o leitor para vivenciar essa realidade (Tinoco, 2005).

, sendo que,

20 Rig-Veda ou o Conhecimento de Louvor é a mais antiga das coleções védicas. Não se sabe ao certo,

mas pode datar de 3000 a.C. ou antes disso. Embora ainda não houvesse um caminho sistemático do Yoga, várias ideias e práticas importantes são prenunciadas nesse hinário, e seus ensinamentos podem ser chamados de “Yoga Arcaico” (Feuerstein, 1997).

21A Escola de Sabedoria foi fundada em Darmstadt, na Alemanha, em 1920. Era designada para facilitar

e promover o entendimento individual sobre o sentido da vida numa abordagem holística e multicultural. O objetivo da Escola não era o acúmulo de conhecimento, mas a transformação do ser. Entendia a aquisição de sabedoria como uma percepção pessoal do seu papel no infinito e no mundo. www.schoolofwisdom.com (acesso em julho de 2009).

22 Hermann Keyserling foi o primeiro pensador ocidental que concebeu uma “cultura planetária”, além

do nacionalismo e da cultura etnocentrista baseada no reconhecimento da igualdade de valores das culturas e filosofias não ocidentais. http;//pt.wikipedia.org/wiki/hermann _keyserling. (acesso em julho de 2009).

23Richard Wilhelm, sinólogo, traduziu para o alemão muitos textos filosóficos chineses. Em 1929,

publicou com C.G.Jung “O Segredo da Flor de Ouro”, um livro de vida chinês. Sua tradução do I Ching é considerada um de seus melhores trabalhos. http;//pt.wikipedia.org/wiki/richard _wilhelm. (acesso em julho de 2009).

24Heinrich Zimmer, indólogo alemão, procurou interpretar os símbolos arcaicos segundo as experiências

contemporâneas. Combinava Mitologia e Psicologia em seus trabalhos. Autor de obras conhecidas como “Mitos e Símbolos na Arte e na Civilização Indiana”, “A Conquista Psicológica do Mal”, entre outras. http;//pt.wikipedia.org/wiki/heinrich _zimmer. (acesso em julho de 2009).

25 Walter Evans-Wentz, antropólogo e escritor, pioneiro no estudo do Budismo Tibetano, traduziu,

compilou e editou os textos do “Livro Tibetano dos Mortos”. http;//pt.wikipedia.org/wiki/ walter _evans_wentz. .(acesso em julho de 2009).

26 Wilhelm Hauer, indólogo alemão e teólogo, foi fundador do “movimento de fé alemã”, estabelecendo

uma doutrina religiosa fortemente influenciada pelo hinduísmo. http;//pt.wikipedia.org/wiki/wilhelm_hauer. (acesso em julho de 2009).

27

(24)

anteriormente, no mesmo ano, ambos haviam publicado uma versão resumida do mesmo livro – “Dschang Scheng schu: a Arte de Prolongar a Vida Humana”.

Entre 1930 e 1932, Jung realizou seminários intitulados “Paralelos Ocidentais28”, nos quais discorreu sobre os paralelos psicológicos entre o Ocidente e o Oriente, já abordando o Kundalini Yoga e as interpretações simbólicas dos chakras. Em 1932, o indologista Wilhelm Hauer, após uma fértil correspondência com Jung, apresentou seis seminários no Clube de Psicologia em Zurique, intitulados “Yoga, significado dos chakras”29

Jung manteve por toda a vida uma produção dedicada ao tema: comentou sobre o “Yoga Sutra”

, sendo seguido por Jung, que apresentou quatro seminários intitulados “A Interpretação Psicológica do Kundalini Yoga”. Nestes seminários, que são usados como referência do presente trabalho, Jung procura estabelecer um encontro entre o sistema de chakras e a Psicologia Analítica, aprofundando a ideia do Kundalini Yoga como fonte de representação simbólica da experiência interna e do processo de individuação.

30

de Patãnjali31; o “Amitayur-Dhyans-Sutra”32 e o “Shrichakrasambhara”33

Em 10 de maio de 1930, em Munique, no discurso comemorativo de morte do seu amigo pessoal Richard Wilhelm, Jung (apud Shamdasani, 1996) pronunciou:

, entre 1938 e 1939, em palestras ministradas na Eidegnossische

Technische Hochschule (Instituto de Tecnologia Federal da Suíça). Também publicou

dois artigos com suas impressões a respeito da viagem que fez à Índia - “O Mundo de Sonhos da Índia” e “O que a Índia Pode nos Ensinar” (Jung, v.X/3, 2000); artigos específicos em relação à religião indiana: “Yoga e o Ocidente” (Jung, v.XI/5, 1980) e “A Psicologia da Meditação Oriental” (Jung, v.XI/5, 1980) ), além de um prefácio para o trabalho de Heinrich Zimmer, “O Caminho para o Self “ (Jung, v.XI/5, 1980).

... Quando Roma subjugou politicamente o Oriente, o espírito do Oriente penetrou em Roma; assim, sem que os romanos percebessem,

28 O leitor pode encontrar esse texto no livro The Psychology of Kundalini Yoga, de Shamdasani, S.,

1996, apêndice 2.

29

O leitor pode encontrar esse texto no livro The Psychology of Kundalini Yoga, de Shamdasani, S., 1996, apêndice 3.

30 Yoga-Sutra é uma exposição do Yoga clássico que formalizou a tradição Yogue tornado-a uma das

principais escolas, ou sistemas filosóficos do hinduísmo ( Feuerstein, 1997).

31

Patanjali foi uma grande autoridade em Yoga que viveu provavelmente no século II d. C.(Feuerstein, 1997).

32 Amitayur-Dhyans-Sutra é um texto do hinduísmo indiano (Feuerstein, 1997).

33 Shrichakrasambhara é um texto tântrico que oferece métodos para a criação de imagens mentais

(25)

Mithras34 se tornou seu deus da milícia. ... Atualmente a Europa subjuga politicamente o Oriente, será que o espírito do Oriente não estaria da mesma forma penetrando em nossa cultura? Sei que nosso inconsciente está abarrotado de simbolismos do Oriente, e acredito que haverá um grande impacto do pensamento oriental sobre a psicologia ocidental...

Em 1938, foi convidado pelo governo britânico para participar das festividades do 25º jubileu da Universidade de Calcutá, quando viajou por três meses pela Índia. Em suas memórias (1963), conta que estava profundamente convencido do valor da sabedoria oriental. Jung teve a oportunidade de falar com representantes da mentalidade indiana, evitando propositadamente “homens santos”, por acreditar que “devia contentar-se com sua própria verdade, não aceitando nada que não pudesse atingir por si mesmo” (Jung, 1963, p.242).

Ele ficou muito impressionado com o fato de a espiritualidade indiana conter tanto o Bem quanto o Mal, uma vez que identificava na mentalidade cristã uma busca pelo Bem e uma aversão ao Mal. Assim, a espiritualidade indiana não lidaria com esta polarização, mas sim com o todo, estado que procura obter através da meditação, ou do Yoga. Portanto, a forma de se entender o mundo já é diferente desde o início: nós (ocidentais) enxergamos os polos e os orientais, o todo.

Em suas memórias Jung (1963) relatou que durante sua estadia na Índia, após ter sido internado por uma crise de disenteria, teve um sonho (citado abaixo) que o fez entender que deveria voltar às “preocupações negligenciadas” há muito tempo, e que interessavam ao Ocidente. A aparição do mito do Graal no sonho sugeriu-lhe que deveria se voltar para as coisas de sua própria cultura: “era como se o sonho me perguntasse: que fazes na Índia? É melhor que procure para teus semelhantes o cálice da salvação, o salvator mundi de que tens tanta necessidade. Não está a ponto de demolir tudo o que os séculos construíram?” (op. cit., p. 248). Com esta conclusão, conta que optou por apagar suas impressões hindus, intensas como eram, e mergulhar em seus textos alquimistas latinos.

Apresento abaixo o sonho em versão resumida (Jung, 1963, p.246):

34 Caso o leitor tenha maior interesse no deus Mithra, cf. o link www.farvardyn.com/mithras2.php (acesso

em dez de 2010). Baseada nas informações contidas nessa referência, faço uma breve compilação: As primeiras referências ao deus Mithra foram encontradas na Ásia e datam do século 14 a.C. As referências mais antigas de uma adoração ao deus no Ocidente datam do século 5 d. C. Mithras seria considerado o “grande mestre de dez mil olhos, o mais poderoso entre os deuses, o mais forte dos mais fortes”. Conta-se que teria sido trazido a Roma, onde se tornou o grande deus das milícias, por piratas da Ásia Menor no século 1 a.C.

(26)

Era uma ilha desconhecida perto da costa sul da Inglaterra, estávamos (eu e um grupo de turistas) no pátio de um castelo medieval; na sua frente elevavam-se torres com escadas que desembocavam numa sala com colunas iluminada por velas, onde seria a Celebração do Graal. Tinha um professor alemão que impressionava pela sua erudição e inteligência, mas falava sem cessar de um passado morto e expunha sabiamente as relações entre as fontes inglesas e francesas da história do Graal. Ele parecia ignorar o ambiente imediato e real, comportava-se como comportava-se estivescomportava-se em uma sala de aula, não via a escada, nem as luzes, nem a festa que estava por vir.

A cena mudou e todos nós, com exceção do professor alemão, estávamos fora do castelo, íamos para o norte em busca do Graal; após uma extenuante caminhada, já era noite e só havia rochedos, e o grupo se deitava sonolento. Descobri que um braço de mar dividia a ilha em duas metades, em sua parte mais estreita a largura do braço de mar era de uns 100 metros, refleti que eu deveria atravessar o canal a nado em busca do Graal, e quando ia me despir, acordei.

Ao ler esse sonho e a respectiva interpretação de Jung, ficou ainda mais clara sua dificuldade de se despir de seus valores e ideias e mergulhar nas águas em busca do Graal. O quanto, defendido, não pôde se reconhecer no professor alemão sábio e erudito que não era capaz de ver toda aquela realidade impressionante que se manifestava a sua frente? Como Jung, que acredita em uma estrutura psíquica arquetípica compartilhada pela humanidade, pôde entender que a busca do Graal é algo que só se relaciona com o Ocidente?

Enfim, esses questionamentos, que são re-abordados no decorrer deste trabalho, não têm o intuito de desmerecer o mestre, mas sim de relativizar suas considerações sobre o Kundalini Yoga, construídas sob a perspectiva de um ocidental que, aparentemente, não se deixou tocar pelas águas do Oriente. Mesmo assim, e apesar das críticas dos pensadores orientais (abaixo citadas), entendo que Jung pôde dar ao Ocidente, como sempre, uma grande contribuição em relação ao sistema de chakras, ainda que de forma racional; afinal, a razão é uma função da consciência que auxilia o ser humano, nesta grande obra da vida, que é dar luz à escuridão...

Ao ler sobre o Kundalini Yoga em textos de Yoga escritos por orientais, tive a oportunidade de conhecer suas opiniões sobre a visão de autores da Psicologia Ocidental frente a esse conhecimento. Quando nós (ocidentais) nos deparamos com o desconhecido, tendemos a racionalizar, categorizar, julgar..., ações que talvez não favoreçam o entendimento real da sabedoria oriental, cujo grande valor está exatamente na não racionalização, na não categorização, no não julgamento, e sim na experimentação, na aceitação, no todo...

(27)

Gopi Krishna (2004, p. 139):

Uma vez que a experiência mística e os conceitos da religião não se ajustavam à sua hipótese, Freud empreendeu tranquilamente a tarefa de demolir todo o edifício da religião e do sobrenatural. Em sua opinião, as duas coisas nada mais eram senão estados patológicos da mente, uma regressão ao narcisismo infantil...

Gopi Krishna (2004, p. 57):

...Uma antiga obra chinesa, O segredo da Flor de Ouro, contém indicações indiscutíveis sobre o processo do despertar da kundalini, e ninguém com algum conhecimento sobre o tema deixaria de percebê-las. Não obstante, C.G. Jung, em seu comentário sobre o livro, inteiramente preocupado com suas próprias teorias a respeito do inconsciente, encontra na obra apenas material para confirmação de suas ideias, nada além disso. O mesmo aconteceu em um seminário feito por ele sobre o tema kundalini. Nenhum dos homens cultos presentes, segundo fica evidente pelos conceitos que expressaram, exibiu o menor conhecimento sobre o real significado do antigo documento que discutiam no momento.

Shankar (2008, p. 50):

Normalmente nós nos limitamos. Dizemos: - eu sou do Oriente, eu sou do Ocidente. - Quando nos identificamos com algo limitado, a habilidade para amar também se torna limitada. O saber também se torna limitado.

(28)

2.1 . Jung e o Kundalini Yoga

Jung conta que teve seu interesse despertado pelo Kundalini Yoga após o atendimento de uma paciente que crescera no Oriente, cujos sonhos e fantasias só foram adequadamente entendidos por ele após seu contato com o livro de Avalon (1964), “A Serpente do Poder”.

Jung insistia na tentativa de demonstrar de formas diferentes e em culturas diferentes a dualidade da psicologia humana - de um lado, o aspecto pessoal, no qual somente as questões pessoais teriam significado; de outro, uma psicologia na qual o aspecto pessoal seria desinteressante e ilusório, valorizando-se a experiência humana impessoal, ou arquetípica, ou seja, aquela que está presente nas raízes compartilhadas que formam a espécie.

Segundo Jung (apud Shamdasani, 1996, p.26):

Você deve à existência destes dois aspectos (o pessoal e o impessoal) o fato de ter conflitos fundamentais, de ter a possibilidade de um outro ponto de vista, de modo que você possa criticar e julgar, reconhecer e entender a si mesmo. Pois quando você é só um com uma coisa, você é completamente idêntico, você não pode compará-la, você não pode discriminar, você não pode reconhecê-la... ...seria impossível julgar este mundo (pessoal) se você não tivesse também um ponto de vista de fora (impessoal), e isso é dado pelo simbolismo das experiências religiosas.

O despertar da kundalini pode então ser percebido como esta experiência religiosa ou mística que, de um ponto de vista simbólico, alude ao processo do despertar da parte impessoal que se passava na paciente acima citada, e que se passa, potencialmente, em todos nós. Portanto, para Jung, a descrição do despertar da

kundalini através do sistema de chakras é uma rica fonte de representações simbólicas

da experiência interna e do processo de individuação, assim definindo-o em termos psicológicos:

O Kundalini Yoga foi originalmente um processo de introversão, esta introversão proporcionou a percepção e a caracterização de processos internos de transformação. Após muitos milhares de anos, esta percepção se tornou uma metodologia organizada que atua através de vários caminhos diferentes. O conceito de kundalini tem para nós somente um uso; descrever nossas próprias experiências com o inconsciente, as experiências que têm a ver com a iniciação dos processos supra-pessoais (apud Shamdasani, 1996, p.xxix).

(29)

É importante ressaltar que Jung sempre fez questão de reafirmar seu posicionamento no tocante a manter-se na interpretação psicológica da filosofia yogue, não acreditando que as técnicas yogues surtissem efeito prático em um ocidental. Argumentava que tais técnicas não teriam correlação com nossa (dos ocidentais) psique profunda; assim, estaríamos apenas imitando um comportamento, sem sermos de fato tocados por ele. Jung acreditava que a prática do Yoga poderia fazer mal a um ocidental, podendo, inclusive, causar estados de loucura. Assim, “os Ocidentais criariam, ao longo dos séculos, sua forma própria de Yoga baseada nos princípios do cristianismo” (Jung apud Shamdasani, 1996, p.xxx).

Outros autores ocidentais que se interessavam pela cultura oriental também não acreditavam que os exercícios de Yoga, que estavam sendo popularizados por Vivekananda35 na América, estivessem proporcionando um bem. Keyserling (apud Shamdasani, 1996, p. xxxi), por exemplo, afirmou: “... nenhum americano tinha, por conta dos exercícios de respiração, atingido um estágio de iluminação, mas, ao contrário, muitos teriam ficado loucos...”. Na mesma publicação, Keyserling acrescenta:

Os conceitos indianos são “aliens” para nós Ocidentais. A maioria das pessoas é incapaz de se relacionar profundamente com eles. Além disso, psicologicamente nós somos cristãos, tendo ou não consciência do fato, assim qualquer doutrina que estiver embasada pelo cristianismo terá uma chance maior de nos tocar internamente do que uma doutrina, por mais profunda que seja, mas estrangeira (op. cit, p.xxxi).

Tal questão sobre a validade das técnicas yogues para um ocidental será mais profundamente discutida nas conclusões do presente trabalho.

35 Swami Vivekananda foi um monge, yogue e filósofo hindu. Propagador da filosofia Vedanta, assim

como dos quatro principais ramos do Yoga, Karma Yoga, Bhakti Yoga, Jnana Yoga e Raja Yoga, além de inovador no esforço de examinar os pontos de convergência do pensamento ocidental e oriental acerca de temas ligados à ética e espiritualidade. Participou de um congresso de Religiões Mundiais em Chicago em 1893, onde conquistou notoriedade. http://pt.wikipedia.org/wiki/ Swami_Vivekananda (acesso em julho de 2009).

(30)

2.1.1

As Conferências sobre o Kundalini Yoga

Como já relatado anteriormente, Wilhelm Hauer apresentou seis seminários intitulados “Yoga, Significado dos Chakras” no Clube de Psicologia em Zurique, sendo seguido por Jung, que conduziu quatro seminários, intitulados “A Interpretação Psicológica do Kundalini Yoga”, nos quais discorreu sobre o simbolismo do sistema de

chakras. Esses seminários foram compilados por Mary Foote, e o material ficou

acessível por muito tempo apenas em edições mimeografadas privadas, sendo publicado em 1996 por Sonu Shamdasani, dando origem ao livro: The Psychology of Kundalini

Yoga- Notes Of The Seminar Given In 1932.

O sistema de chakras

Partindo do princípio de que o microcosmo (o ser humano) surgiu do macrocosmo (o Universo), podemos aferir que ambos são a mesma coisa, compartilhando das mesmas energias, elementos e tudo o mais. Desta forma, o corpo humano troca continuamente energia com o cosmo, que é processada por centros de energia, ou vórtices psicoenergéticos chamados de chakras (Ravindra, 2000).

Chakra em sânscrito significa roda, círculo e ciclo. Os chakras se localizam no

corpo sutil36

Conforme Jung (apud Shamdasani, 1996, p.8): “Para a mente Oriental uma abstração é uma realidade já em existência completa, que poderia realmente tornar-se visível para eles, uma vez que eles podem visualizar qualquer conceito, mesmo que abstrato”.

do ser humano, formando o corpo composto de energia vital. Por não serem tridimensionais não podem ser observados fisicamente no corpo. Através do Yoga e da meditação, seria possível visualizá-los em sua forma, cor e outras propriedades. Os chakras são considerados por autores ocidentais como Feuerstein (1989, p.258): “versões idealizadas de estruturas do corpo sutil, criadas para guiar a visualização do yogue”.

A representação gráfica dos chakras é usualmente feita por flores de lótus, cujos círculos em cores foscas contêm de dentro para fora: uma letra do alfabeto sânscrito; um

36

Corpo Sutil: O Yoga concebe o corpo humano como um complexo sistema hierárquico de “invólucros”, cada um vibrando em uma frequência ou grau de sutileza diferente. No nível mais baixo está o corpo físico, no mais elevado o “corpo” da Realidade Transcendente. Entre esses dois extremos há uma série de involtórios corporais intermediários, que não são normalmente acessíveis à percepção consciente (Feuerstein, 1997).

(31)

animal; uma forma geométrica; duas divindades, uma feminina e uma masculina; além de um número específico de pétalas para cada chakra, inscritas também com letras em sânscrito.

Cada detalhe gráfico é analisado nos textos clássicos (Avalon, 1964; Leadbeater,1985), sendo um rico material para amplificações simbólicas. A letra no centro do chakra representa seu som ou bija (a semente), ou seja, tudo que o chakra é em potencial; o animal denota o caráter, a motivação do respectivo chakra; já as

formas geométricas têm explicações extensas e variáveis. Destaco abaixo um trecho

em que Leadbeater (1985, p.125) expõe o seu ponto de vista sobre elas:

...assim como existe um éter luminoso que transmite a luz aos olhos, há uma modalidade especial de éter para o olfato, paladar, ouvido e tato. Esses sentidos estariam relacionados com as formas geométricas; o olfato com o elemento sólido (quadrado), o paladar com o líquido (meia lua), a vista com o gasoso (triângulo), o tato com o aéreo (hexágono) e o ouvido com o etérico (círculo)... ..., pois o som se propaga em círculos, a luz em forma de triângulo, e as propagações para as vibrações do paladar, olfato e tato acabam gerando as formas correspondentes nas representações dos

chakras.

As Divindades variam segundo a fonte estudada, e carregam em seus inúmeros braços objetos diversos que representam os atributos necessários ao yogue para conquistar a energia associada ao chakra. O número de pétalas seria determinado pela potência de energia que passa pelo respectivo chakra. As letras em sânscrito desenhadas nas pétalas indicam o som que o praticante deve meditar, seguindo a sequência na qual aparecem, da direita para a esquerda (Avalon, 1964).

Leadbeater (1985) complementa relembrando que, para o Yoga, o alfabeto sânscrito inclui a soma total dos sons da voz humana, podendo ser a manifestação material da Palavra Criadora. O alfabeto sânscrito contém cinquenta letras - 49 e mais a letra ksha - que estão presentes no conjunto formado pelos seis chakras. A meditação sobre elas (nota-se que à medida que se ascende na ordem dos chakras há maior número de pétalas, portanto, maior número de ramificações da energia primária) influiria no alcance do som interno que apagaria o som externo.

Para Avalon (1964), esses símbolos têm a função de apresentar as qualidades energéticas que reinam em cada um desses centros de energia. Já Leadbeater (1985) afirma que nem todos os símbolos contidos na representação dos chakras seriam parte integrante deles, uma vez que símbolos de sabedoria e devoção apareceriam de forma

(32)

recorrente, com o intuito de lembrar ao praticante dos esforços necessários para se atingir o estado de Yoga (união da alma com Deus). Seriam eles: o amor perfeito (devoção a Deus em todo o tempo), o pensamento perfeito (estudo das coisas espirituais) e a ação perfeita (esforços de purificação).

Segundo Jung (apud Shamdasani, 1996, p.60-1):

Os chakras são símbolos; juntam na forma de imagem grupos de ideias e fatos complexos e múltiplos. ... Eles simbolizam fatos psíquicos altamente complexos que no momento presente não nos é possível expressar, exceto em imagens. Os chakras são, portanto, de grande valor para nós, porque representam um esforço real de fornecer uma teoria simbólica da psique. A psique é algo tão altamente complicado, tão vasto em extensão e tão rico em elementos desconhecidos para nós, e seus aspectos se sobrepõem e se entrelaçam em um grau tão surpreendente, que nós sempre nos voltamos para símbolos para tentar representar o que sabemos sobre ela. Qualquer teoria sobre isso seria prematura, porque se tornaria emaranhada em particularidades e perderia a visão da totalidade que decidimos considerar. Os símbolos dos chakras nos proporcionam um ponto de vista que se estende além do consciente, são intuições sobre a psique como um todo, sobre suas várias condições e possibilidades. Eles simbolizam a psique de um ponto de vista cósmico.

(33)

Imagens do sistema de chakras

(34)

(35)

Muladhara, o chakra da base

“Há cinco elementos: terra, água, fogo, ar e éter. A região da terra abrange desde os pés até os joelhos. É de forma quadrada, da cor amarela e tem a letra Lam. Deve-se meditar sobre esta região aspirando com a letra lam ao longo da região dos pés até os joelhos, e contemplando o quadrifaceado Brahma cor de ouro” (Upanishad Yogatattwa apud Leadbeater, 1985, p.128).

(36)

Aquele que medita em muladhara torna-se o lorde da palavra, o rei dos homens, competente para adquirir qualquer tipo de conhecimento. Ele também fica livre de todas as doenças, e seu espírito se enche de alegria (Avalon, 1964, p.354).

Muladhara tem como tradução literal “o suporte das raízes”; é onde se localiza a

raiz de sushumna e de todos as nadis37. É também em muladhara que a kundalini, representada na forma de uma serpente enrolada três vezes e meia ao redor de um

linga38

Muladhara, localizado na base da coluna vertebral, é representado por uma flor

de lótus com quatro pétalas, nas quais há letras escritas em dourado (vam, sam, sam e

sam). Sua essência é prthivi ou a terra. Seu centro está inserido em uma forma

quadrangular. Seu bija é lam, que está apoiado sobre um elefante e carrega a imagem de

Brahma

, encontra-se adormecida, com sua cabeça apoiada na entrada de sushumna

(Avalon, 1964).

39

Abaixo do bija e sobre o elefante está o trikona ou triângulo invertido, que é uma representação da Yoni, a genitália feminina. O trikona aparece nos chakras da base, no cardíaco e no frontal. Símbolo do princípio feminino, representa o poder da vontade, da sabedoria e da ação. Em cada trikona há três nós especiais ou granthis, através dos quais a kundalini tem que abrir passagem. Compara-se a perfuração desses nós pela

kundalini à perfuração dos nós de uma vara de bambu por uma barra de ferro quente.

(Feuerstein, 1997). O primeiro nó costuma ser chamado de “o nó de Brahma”; o segundo, “o nó de Vishnu

, o criador. A deusa ao seu lado é a portadora da revelação, do conhecimento e da essência das coisas (Avalon, 1964).

40

Para Feuerstein (1997), esses nós significam desejo, ou mesmo dúvida, que devem ser removidos para que ocorra a realização do Si Mesmo.

” e o terceiro, “o nó de Shiva”.

Dentro de cada trikona, a Deidade masculina está representada na forma de um

linga (Avalon, 1964).

37Caso o leitor tenha esquecido essa conceituação (nadis e sushumna), pode rever o capitulo sobre o

Kundalini Yoga, situada na página 13.

38Linga é a representação da genitália masculina, a Deidade masculina associada à Shiva.

Metafisicamente, representa a potência ou poder inimaginável da criatividade antes da criação do mundo (Feuerstein, 1997).

39Brahma é o criador na trindade clássica do hinduísmo, sendo os outros dois deuses Vishnu e Shiva. Não

deve ser confundido com Brahman, o absoluto impessoal além de todas as distinções (Feuerstein, 1997).

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(37)

Para Jung (apud Shamdasani, 1996), em muladhara a consciência está emaranhada nas raízes deste mundo, na realidade que tocamos, no aspecto sthula41. Trata-se de um estágio no qual os deuses dormem (na imagem da flor de lótus, a

kundalini está adormecida); ou seja, aqui tudo que concerne aos deuses, a possibilidade

de troca do ego42

com o Si Mesmo está adormecida. Em muladhara o Homem parece ser a única força ativa, e os deuses, ou o impessoal, ou as forças de não-ego são forças ainda não despertadas, em estado de energia potencial.

Vivemos em muladhara, pois estamos emaranhados nas causalidades terrestres, dependentes da nossa vida consciente como ela realmente é, e condicionados por ela. Muladhara é a consciência total de todas as experiências pessoais externas e internas (Jung apud Shamdasani, 1996, p.12).

.

Também em muladhara, ou seja, nas raízes, na terra sobre a qual estamos, no mundo consciente, em nossa existência pessoal e corpórea, quando estando cientes apenas da realidade egóica, somos vítimas de tudo que seja não-ego. Tudo além do ego é escuridão e inconsciência, somos vítimas dos impulsos, dos instintos, da inconsciência, da participação mística. Segundo Jung (apud Shamdasani, 1996, p.15): “...somos apenas racionais, ou tão irracionais quanto animais inconscientes...”.

Jung sugere que o elefante, animal ilustrado neste chakra, representa força, solidez e firmeza, características necessárias ao ego neste estágio, para que ele não sucumba e se dissolva no inconsciente:

...o elefante representa aquele impulso tremendo que suporta a consciência humana, a força que nos faz construir tal mundo consciente. Para o hindu o elefante funciona como o símbolo da libido domesticada, como funciona conosco a imagem do cavalo. Ele significa a força da consciência, o poder da vontade, a capacidade de se fazer o que se quer fazer (Jung apud Shamdasani, 1996, p.51).

41 O aspecto sthula diz respeito às coisas como as vemos, o mundo concreto, seria o que supomos das

coisas, as abstrações ou conclusões filosóficas que tiramos a respeito do que foi observado (Shamdasani, 1996). Para Feuerstein (1997), sthula é o denso, o aspecto mais externo, visível e material de uma coisa; enquanto que suksma refere-se ao sutil, à dimensão interior ou psíquica da existência que não é visível aos olhos físicos, mas que pode ser experimentada na meditação.

42 A definição de ego para o Yoga me parece concordante com a definição de ego para Jung. Conforme

Feuerstein (1997): “o ego se refere ao princípio psicológico pelo qual a pessoa se experimenta como um indivíduo separado de todos os outros seres”. Por isso, usei o termo livremente durante todo o texto.

Referências

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