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A reserva do possível como limite dos direitos fundamentais sociais

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CRISTINE ELISABETH LOCKS GHISI

A RESERVA DO POSSÍVEL COMO LIMITE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

Tubarão 2009

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A RESERVA DO POSSÍVEL COMO LIMITE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel.

Orientador: Prof. Narbal Antônio de Mendonça Fileti, MSc.

Tubarão 2009

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CRISTINE ELISABETH LOCKS GHISI

A RESERVA DO POSSÍVEL COMO LIMITE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

Este trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Tubarão, 22 de junho de 2009.

______________________________________________________ Professor e orientador Narbal Antônio de Mendonça Fileti, MSc.

Universidade do Sul de Santa Catarina

_____________________________________________________ Professora Maria Nilta Ricken Tenfen, MSc.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Professor Fábio Abul-Hiss, Esp.

(4)

À minha mãe, Marville Cargnin Locks (in memorian), ao meu marido, José Sylvio Ghisi, e ao meu filho, Daniel Locks Ghisi.

(5)

AGRADECIMENTOS

A Deus, pela força e oportunidade de realizar mais esta etapa em minha vida.

Ao Professor Narbal Antônio de Mendonça Fileti, pela orientação, paciência e dedicação ao longo de todo o trabalho.

Aos Professores Maria Nilta Ricken Tenfen e Fábio Abul-Hiss, pelo empenho e pela participação na banca examinadora.

Aos Professores do Curso de Direito da UNISUL, pelos conhecimentos compartilhados.

Aos colegas, por não terem desistido de mim. Aos meus amigos e amigas pelo carinho.

À minha mãe (in memorian), pelo incentivo e pelo amor incondicional. Ao José Sylvio Ghisi, pelo amor e companheirismo.

Ao Daniel Locks Ghisi, pela compreensão em todos os momentos de ausência.

Enfim, aos meus irmãos e a toda minha família, que estiveram sempre presentes ao longo dessa caminhada.

(6)

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, pra sempre, à margem de nós mesmos. (Fernando Pessoa)

(7)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...10

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS...13

2.1 CONCEITO...13

2.2 HISTÓRICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...15

2.3 DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUAS DIMENSÕES...20

2.4 FUNÇÕES OBJETIVA E SUBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...24

2.4.1 Função objetiva dos direitos fundamentais ...24

2.4.2 Função subjetiva dos direitos fundamentais...25

2.5 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...25

2.5.1 Direitos fundamentais como direitos de defesa...28

2.5.2 Direitos fundamentais como direito a prestações...30

3 DIREITOS SOCIAIS COMO DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA...32

3.1 CONCEITO DE DIREITOS SOCIAIS...32

3.2 HISTÓRICO DOS DIREITOS SOCIAIS...35

3.3 FUNÇÕES OBJETIVA E SUBJETIVA DOS DIREITOS SOCIAIS...41

3.3.1 Função objetiva dos direitos sociais ...42

3.3.2 Função subjetiva dos direitos sociais...43

3.4 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS SEGUNDO SUA FUNCIONALIDADE...44

4 RESERVA DO POSSÍVEL...49

4.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS...49

4.1.1 Conceito...49

4.1.2 Colisões entre princípios e conflito entre regras...52

4.1.3 Funções dos princípios...55

4.2 A RESERVA DO POSSÍVEL COMO LIMITE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS...56

4.2.1 Delimitação conceitual da reserva do possível...57

4.3 A RESERVA DO POSSÍVEL NOS TRIBUNAIS...60

4.3.1 A Reserva do possível na Alemanha...60

4.3.2 A aplicação da reserva do possível na jurisprudência brasileira...62

10 13 13 15 20 24 24 25 25 28 30 32 32 35 41 42 43 44 49 49 49 52 55 56 57 60 60 62

(8)

4.4 LIMITES À APLICAÇÃO DA RESERVA DO POSSÍVEL NA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS... 67

5 CONCLUSÃO... 70 REFERÊNCIAS ... 73

(9)

RESUMO

A presente monografia refere-se à pesquisa sobre a reserva do possível como possibilidade de limite na efetivação dos direitos sociais. Os direitos fundamentais sociais presentes na Constituição brasileira de 1988 têm sua fundamentalidade garantida no texto constitucional positivo e na sua relação com valores e objetivos estampados na carta constitucional, especialmente com a dignidade da pessoa humana. De acordo com o que dispõe a Constituição Federal de 1988, no § 1° do artigo 5°, as normas definidoras de direitos fundamentais são de aplicação imediata. A pesquisa objetiva o estudo dos direitos sociais como direitos fundamentais, de maneira que se possa obter a realização plena destes. Como método de abordagem utiliza-se o dedutivo e a técnica empregada a bibliográfica. Para tanto, faz-se a análise dos conceitos e antecedentes históricos dos direitos fundamentais e, especialmente, dos direitos sociais como direitos fundamentais. Explicitam-se, ainda, as principais classificações doutrinárias imprescindíveis para a compreensão do tema, bem como a multifuncionalidade dos direitos fundamentais. Em seguida, discorrem-se sobre os princípios constitucionais em sentido amplo, averiguando, primeiramente, a conceituação e as funções. Após, passa-se a investigar a reserva do possível, com a sua conceituação e interpretação doutrinária, verificando-se sua aplicação como fator restritivo dos direitos fundamentais sociais. Nesse sentido, a atuação restritiva da reserva do possível, que, na maior parte dos casos, diz respeito a recursos escassos em virtude de escolhas alocativas promovidas pelo Estado, deve respeitar o núcleo essencial do direito fundamental social, aferível nos casos concretos, bem como a proporcionalidade como vedação da insuficiência. Os tribunais, sempre que demandados, têm legitimidade para decidir racionalmente pelo cumprimento dos direitos fundamentais sociais e suas decisões devem observar os dados da realidade. Nesse diapasão, conclui-se que a ponderação e a proporcionalidade como proibição da insuficiência podem representar parâmetros de constitucionalidade da alocação de recursos, para determinar o afastamento da reserva do possível como restrição dos direitos fundamentais sociais.

Palavras-chave: Direitos fundamentais. Direitos sociais. Reserva do possível. Efetividade. Concretização. Ponderação. Princípios constitucionais.

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ABSTRACT

The present monograph mentions the research about the reserve of the possible as possibility of limit in the efetivação of the social rights. The social basic rights present in the Brazilian Constitution of 1988 have its fundamentality guaranteed in the positive constitutional text and its relation with values and objectives printed in the constitution, especially with the dignity of the human being. In accordance with what dispose the Federal Constitution of 1988, in §1° of the article 5°, the defining norms of basic rights are of immediate application. The research objectives the study of the social rights as basic right, thus if it can get the full accomplishment of these. As boarding method is used the deductive and the the employed technique it was the bibliographical one. Therefore, it was made an analysis of the concepts and historical antecedents of basic rights and, especially, of the social rights as basic rights. It demonstrates, still, the main essential doctrinal classifications for the understanding of the subject, yonder the multifunctionality of the basic rights. After that, it discoursed about the constitutional principles in ample direction, inquiring, first, the conceptualization and the functions. After, is transferred to investigate it the reserve of the possible, with its conceptualization and doctrinal interpretation, verifying its application as restrictive factor of the social basic rights. In this way, the restrictive performance, the reserve of the possible, that, for the most part of the cases, it says respect to the scarce resources in virtue of destined choices promoted by the State, must respect the essential nucleus of the social basic right, confronted in the concrete cases, as well as the proportionality like prohibition of the insufficience. The courts, whenever demanded, have legitimacy to decide rationally for the fulfilment of the basic social rights and its decisions must observe the data of the reality. In this precept, it concludes that the balance and the proportionality as prohibition of the insufficience can represent parameters of constitutionality of the allocation of resources, to determine the removal of the reserve of the possible as restriction of the basic social rights.

Keywords: Basic rights. Social rights. Reserve of the possible. Effectiveness. Concretion. Balance. Constitutional principles.

(11)

1 INTRODUÇÃO

O tema do presente trabalho refere-se à reserva do possível como limite dos direitos fundamentais sociais, analisando-se, essencialmente, a eficácia das decisões judiciais relativas aos direitos sociais garantidos constitucionalmente, em face da escassez de recursos públicos destinados a este fim. A reserva do possível vem a ser uma argumentação jurídica trazida da doutrina alemã, que tem como fundamento a falta de recursos públicos para justificar a não-efetivação dos direitos sociais.

A Constituição brasileira de 1988 trouxe uma das mais importantes inovações, que foi o enquadramento de uma série de direitos como autênticos direitos fundamentais: os chamados direitos fundamentais sociais, que se encontram previstos no Capítulo II do Título II (Dos Direitos Sociais), bem como nos Títulos VII e VIII. Além disso, pode-se verificar que os direitos sociais são imprescindíveis para a concretização da dignidade da pessoa humana.

A efetividade e a aplicabilidade, especialmente, dos direitos sociais, exigem conduta estatal. Entretanto, na concretização desses direitos não há como escapar da sua adequação à realidade e à possibilidade fática da própria atividade prestacional. A falta de consenso existente na doutrina e na jurisprudência, acerca da possibilidade de aplicação imediata das normas atinentes aos direitos sociais, tem gerado inúmeras discussões, tendo em vista os limites, especialmente os financeiros, impostos ao Estado. É na aplicação desses direitos, com exigências frente ao poder público, que surgem as questões quanto à real concretização dos direitos sociais, sendo necessária, portanto, a busca de soluções possíveis e viáveis a harmonizar os direitos assegurados no texto constitucional com as condições financeiras públicas.

Assim é que no presente trabalho pretende-se examinar a reserva do possível como limite dos direitos fundamentais sociais, além de abordar os conceitos, fazer contextualizações históricas, explicitar as funções e classificações atinentes aos direitos fundamentais e aos direitos sociais, investigar a aplicabilidade dos direitos sociais, considerando que, para sua concretização, são necessárias prestações estatais positivas. Terá, ainda, o objetivo de analisar os princípios constitucionais atinentes aos direitos fundamentais sociais, conhecer os argumentos utilizados pela jurisprudência brasileira acerca dos direitos fundamentais, discorrer sobre o posicionamento da doutrina frente à aplicabilidade dos princípios constitucionais e identificar as razões pelas quais se questiona a plena eficácia de defesa dos direitos sociais, especialmente quando considerada a sua dimensão prestacional.

(12)

Para tanto, as seguintes questões serviram de indagação à pesquisa:

a) Qual o posicionamento da doutrina frente à aplicabilidade dos princípios constitucionais atinentes aos direitos sociais?

b) Em que medida os direitos sociais de cunho prestacional mostram-se diretamente aplicáveis, conforme dispõe a Constituição brasileira, no § 1° do artigo 5°?

c) Por que se questiona a plena eficácia da defesa dos direitos sociais, especialmente quando considerada a sua dimensão prestacional?

d) Quais os limites impostos pela reserva do possível na concretização dos direitos sociais quando exigidos do poder público?

e) Como a reserva do possível vem sendo aplicada pela jurisprudência brasileira? Dentre os vários temas que têm sido objeto de grandes discussões na atualidade, destaca-se a capacidade limitada do poder público de prover todas as necessidades ilimitadas da coletividade, no que se refere aos direitos sociais. O problema da escassez de recursos como limite para o reconhecimento, pelo Estado, do direito às prestações, tem sido alvo de muita controvérsia jurisprudencial e doutrinária.

Diversos fatores contribuem para o distanciamento entre a pretensão normativa garantida constitucionalmente e a sua operacionalização efetiva para todos os que anseiam por essa concretização. Dessa forma, observa-se, de um lado, os poderes públicos (Executivo e Legislativo), que não conseguem implementar as políticas públicas referentes aos direitos fundamentais sociais de maneira satisfatória, e, de outro, a sociedade, carente de tais prestações.

A delimitação justifica-se, de outra parte, em face da espécie de direitos fundamentais, notadamente por serem os direitos sociais os que mais têm suscitado controvérsias no que diz respeito à sua eficácia e efetividade, inclusive quanto à problemática da eficiência e suficiência de recursos disponíveis para lhes outorgar a plena realização. No mesmo sentido, faz-se relevante a análise do tema com o fim de possibilitar uma reflexão acerca dos posicionamentos doutrinários, já que a busca pela efetivação dos direitos fundamentais sociais envolve a atual realidade brasileira, repleta de problemas como o desemprego, a fome, a miséria, a má distribuição de renda, entre outros, que certamente impedem que muitos cidadãos vivam com o mínimo de dignidade de seres humanos.

Sem a pretensão de esgotar o assunto, tamanha sua complexidade e relevância, o presente trabalho procura expressar a preocupação com os problemas sociais, buscando

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subsídios teóricos que possam contribuir para reflexões acerca da argumentação jurídica baseada na reserva do possível como restrição para a concretização dos direitos sociais.

O método a ser utilizado, ou seja, a linha de raciocínio que se procurará estabelecer na pesquisa será o dedutivo, por meio do qual, a partir de proposições universais, atingir-se-á conclusões específicas, levando-se em conta os vários posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários sobre o tema. A pesquisa será bibliográfica, por meio de abordagem teórica em livros, artigos, legislações e jurisprudência.

O trabalho, assim, foi estruturado em três capítulos.

No primeiro capítulo, será abordada a questão dos direitos fundamentais, sua conceituação, bem como o histórico social dos direitos fundamentais e dos direitos humanos, tendo em vista que tiveram suas origens atreladas uns aos outros. Em seguida, passa-se a fazer referência doutrinária sobre os direitos fundamentais, discorrendo sobre as funções dos direitos fundamentais como direitos com funções objetivas e subjetivas, e também a sua classificação. Nesse sentido, aborda-se a multifuncionalidade apresentada por esses direitos, pois alguns podem apresentar mais de uma função.

Já no segundo capítulo será analisada a questão dos direitos sociais. Inicialmente se discutirá sobre seu conceito, seus antecedentes históricos, assim como as funções inerentes aos direitos sociais e à sua classificação.

Enfim, examinar-se-á, no terceiro capítulo, a reserva do possível. Preliminarmente, serão identificados o conceito e as funções dos princípios constitucionais, bem como os aspectos que se destacam na doutrina. Em seguida, far-se-á a análise das definições da reserva do possível, sua origem e aplicação no direito alemão. Dedicar-se-á, ao final, a análise da aplicação da reserva do possível e dos limites à sua aplicação na efetivação dos direitos sociais.

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2 DIREITOS FUNDAMENTAIS

Este capítulo pretende estudar, de forma mais aprofundada, o significado do termo "direitos fundamentais" na Constituição brasileira. Optou-se por esta terminologia por considerá-la a mais adequada, já que a presente monografia busca justificar os direitos sociais como direitos fundamentais.

2.1 CONCEITO

O termo direitos fundamentais não encontra unanimidade na doutrina. Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, são utilizadas as expressões "direitos humanos", "direitos do homem", "direitos subjetivos públicos", "liberdades públicas", "direitos individuais", "liberdades fundamentais" e "direitos humanos fundamentais", entre outras, com significados muito próximos.1

Nesse sentido, o autor citado salienta ainda que, na própria Constituição brasileira, diversas expressões são utilizadas para caracterizar os direitos fundamentais, tais como, "direitos humanos", presente no artigo 4º, inciso III, "direitos e garantias fundamentais", que aparece em epígrafe no Título II, no artigo 5º, § 1º, "direitos e liberdades constitucionais", no artigo 5º, inciso LXXI, ou, ainda, "direitos e garantias individuais", no artigo 60, § 4º, inciso IV. No entanto, embora estes termos sejam utilizados como sinônimos, há algumas distinções relevantes a serem consideradas, especialmente no tocante às expressões "direitos fundamentais" e "direitos humanos".2

Para Antonio Enrique Perez Luño, os direitos humanos devem ser entendidos como um conjunto de faculdades que, em um dado momento histórico, concretizam as exigências de direitos, como a dignidade humana, a liberdade e a igualdade, que devem ser reconhecidas e positivadas. Já os direitos fundamentais são aqueles positivados no ordenamento jurídico, na maioria das vezes, em sede constitucional.3

1 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

2004. p. 37.

2

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 37.

(15)

No mesmo sentido é o entendimento de José Joaquim Gomes Canotilho, para quem os direitos humanos são aqueles utilizados por todos os povos e em todos os tempos, e os direitos fundamentais são os direitos institucionalmente garantidos, limitados no espaço e no tempo.4

Acrescenta-se, ainda, o posicionamento de Ingo Wolfgang Sarlet, para quem os direitos fundamentais:

[...] possuem sentido mais preciso e restrito, na medida em que constituem o conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo direito positivo de determinado Estado, tratando-se, portanto, de direitos delimitados espacial e temporalmente, cuja denominação se deve ao seu caráter básico e fundamentador do sistema jurídico.5

Narbal Antônio Mendonça Fileti também segue o mesmo entendimento, afirmando que os direitos fundamentais são os "direitos do ser humano que foram reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado".6

Por outro lado, Jorge de Miranda amplia ainda mais a conceituação até então discutida, afirmando que:

[...] admitir que direitos fundamentais fossem em cada ordenamento aqueles direitos que a sua Constituição, expressão de certo e determinado regime político, como tais definisse seria o mesmo que admitir a não consagração insuficiente ou a violação reiterada de direitos como o direito a vida, a liberdade de crenças ou a participação na vida pública só porque de menor importância ou desprezíveis para um qualquer regime político; e a experiência, tanto da Europa dos anos 30 a 80 deste século como doutros continentes, aí estaria a mostrar os perigos advinientes dessa maneira de ver as coisas.7

Dessa forma, para o autor supracitado os direitos fundamentais não estão restritos aos direitos declarados, estabelecidos ou atribuídos pelo legislador; trata-se de uma ideia dominante, uma concepção de Direito, um sentimento coletivo.8

Apreende-se, portanto, que a conceituação dos direitos fundamentais não é unânime na doutrina, mas mantém estreita relação no que se refere aos direitos, garantias e liberdades reconhecidas num determinado tempo e espaço.

Quanto à diferenciação entre direitos fundamentais e direitos humanos, percebe-se que os termos não se excluem. Ao contrário, e conforme o entendimento de Ingo Wolfgang Sartlet, devem ser considerados em dimensões cada vez mais inter-relacionadas, embora em suas distintas esferas de positivação. Os direitos fundamentais, em tese, alcançariam um grau

4 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 393. 5

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 37.

6 FILETI, Narbal Antônio Mendonça. A fundamentalidade dos direitos sociais e o princípio da proibição do

retrocesso social. Florianópolis: Conceito, 2009. p. 32.

7

MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo IV: direitos fundamentais. 3. ed. Coimbra: Coimbra, 2000. p. 9.

(16)

de efetividade maior, já que se encontram positivados, enquanto os direitos humanos teriam um grau de efetividade menor, por carecerem de fundamentalidade formal.9

2.2 HISTÓRICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Este subitem apresentará um breve relato histórico dos direitos fundamentais, visto que se trata de um tema amplo que, por si, ensejaria inúmeras discussões. Procurar-se-á abordar as questões relevantes trazidas pelos autores Antonio Enrique Perez Luño, Ingo Sarlet Wolfgang, Jorge Miranda, João Caupers e Paulo Bonavides.

Conforme ensina Ingo Wolfgang Sarlet, os valores da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da igualdade entre os homens, têm suas raízes na filosofia clássica10 e

no pensamento cristão11. De Atenas herdou-se o modelo político fundado na figura do homem

livre e dotado de individualidade e, do Antigo Testamento, a ideia de que o ser humano representa a criação máxima de Deus que o fez à sua imagem e semelhança.12

Segundo Antonio Enrique Perez Luño:

De todos os documentos medievais, sem dúvida, o que alcançou maior significação para a posteridade foi a Carta Magna, contrato entre o rei João Sem Terra, os bispos e os barões da Inglaterra, no ano de 1215.13

Assinala o autor, ainda, que, com fulcro nessa carta, outros documentos importantes tutelaram a liberdade dos súditos ingleses, tais como "Pettion of Rights" de 1628 e o "Habeas Corpus" de 1679.14

A esses documentos, Ingo Wolfgang Sarlet, acrescenta a "Bill of Rights" (1689) e lembra que os direitos previstos nessas e em outras cartas e declarações não podem ser considerados marcos para os direitos fundamentais, pois, apesar de limitar o poder dos

9 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 41.

10 Filosofia clássica começa com Sócrates e Platão (em 470 a.C.), passando por Aristóteles e indo até a Idade

Média, por volta de 500 d.C., onde se consolida o conceito de filosofia relacionado ao uso do saber em proveito do homem. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução de Alfredo Bosi. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 442.

11 O pensamento cristão estava ligado à ideologia que sustentava a monarquia absoluta por meio da tese da

origem divina do poder, em contrapartida ao cristianismo primitivo que continha uma mensagem de libertação do homem, na sua afirmação da dignidade eminente da pessoa humana. SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 29. ed. São Paulo: Malheiros. 2006. p. 173.

12 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 44.

13 LUÑO, Antonio Enrique Perez. Los derechos fundamentales. p. 34. “De todos los documentos medievales,

sin duda, el que há alcazado mayor significación em la posteridad há sido la Carta Magna, contrato suscrito entre el rey Juan Sin Tierra y los obispos y barones de Inglaterra em el año 1215”.

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governantes, não obrigavam o Estado em relação a seus indivíduos, ou seja, os direitos eram garantidos somente a uma parte da sociedade, geralmente a Igreja e os senhores feudais.15

Jorge Miranda ressalta que os direitos fundamentais têm origem no surgimento do moderno Estado constitucional, cuja essência e razão de ser residem no reconhecimento e na proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais do homem. Afirma, assim, que a história dos direitos fundamentais está ligada à história da limitação do poder.16

De acordo com João Caupers, "a limitação do poder do Estado é uma ideia cara à ideologia liberal e tem como origem explicações de natureza contratual quanto a origem do próprio Estado."17

Ainda segundo João Caupers, quando os homens perceberam que seria impossível viver em estado livre, celebraram entre si o contrato mediante o qual renunciavam parte de seus direitos naturais, conservando, porém, certos direitos fundamentais, a saber: a vida, a liberdade e a igualdade.18

Nesse sentido, Ingo Wolfgang Sarlet pontifica como decisiva a contribuição de John Locke (1632-1704), que foi o primeiro a reconhecer aos direitos naturais e inalienáveis do homem uma eficácia oponível, inclusive aos detentores do poder; este, por sua vez baseado no contrato social.19

No entendimento de Antonio Perez Enrique Luño, a partir de Locke a defesa dos direitos naturais converteu-se na finalidade principal da sociedade civil e em princípio legitimador do governo.20

Ingo Sarlet Wolfgang salienta que Locke desenvolveu ainda mais a teoria contratualista, no sentido de que o homem tem o poder de organizar o Estado e a sociedade, lançando, dessa forma, as bases do pensamento individualista21

e do jusnaturalismo iluminista22 do século XVIII, que, por sua vez, desencadeou o constitucionalismo e o

15 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 43. 16 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. p. 13.

17 CAUPERS, João. Os direitos fundamentais dos trabalhadores e a constituição. Lisboa: Aldemina. 1985. p.

13.

18 CAUPERS, João. Os direitos fundamentais dos trabalhadores e a constituição. p. 13. 19 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 46.

20 LUÑO, Antonio Enrique Perez. Los derechos fundamentales. p. 31. 21

Pensamento individualista atribui ao indivíduo humano um preponderante valor de fim em relação às

comunidades de que faz parte. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução de Alfredo Bosi. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 554.

22

Jusnaturalismo iluminista relaciona-se às ideias sobre a ordem natural e sua crença nos valores individuais do homem acima dos valores sociais, firmando o individualismo que se encontra desde as primeiras declarações dos direitos do homem. SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. p. 174.

(18)

reconhecimento de direitos e liberdades dos indivíduos considerados como limites do poder estatal.23

Na lição de Antonio Perez Enrique Luño, as ideias defendidas por Kant foram importantes como marco histórico dos direitos humanos, pois, para ele, todos os direitos estão abrangidos pelo direito de liberdade, direito natural por excelência, que cabe a todo homem em virtude de sua própria humanidade, encontrando-se limitado apenas pela liberdade coexistente dos demais homens.24

Entende, o autor, que o termo "direitos fundamentais" surgiu na França, em 1770, e foi o marco do movimento político que culminou com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.25

No entanto, José Damião de Lima Trindade entende que vários aspectos de importante interesse para o povo, tais como o sufrágio universal, a igualdade entre os sexos, a escravidão, o direito ao trabalho, entre outros, não foram contemplados na Declaração dos Direitos do Homem, contrariando os preceitos da almejada sociedade igualitária, que, mais uma vez, não passou de um sonho.26

Para Ingo Wolfgang Sarlet, o marco inicial dos direitos fundamentais encontra-se nas Declarações de Direitos do Bom Povo de Virgínia (1776) e na Declaração de Independência dos Estados Unidos da América (1776), porque vinculavam todos os poderes públicos e afirmava sua supremacia normativa.27

Independente da discussão cronológica e da relevância dos documentos, a contribuição francesa foi decisiva para o processo de constitucionalização e reconhecimento de direitos e liberdades fundamentais como base das Constituições do século XIX, assim como as declarações norteamericanas, influenciadas pelo jusnaturalismo28

, reconhecendo ao ser humano direitos naturais, inalienáveis, invioláveis e imprescritíveis, direitos de todos e não de uma casta. Foram, portanto, de suma importância para a evolução no campo da positivação dos direitos fundamentais.29

23 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 46. 24 LUÑO, Antonio Enrique Perez. Los derechos fundamentales. p. 32. 25 LUÑO, Antonio Enrique Perez. Los derechos fundamentales. p. 29.

26 TRINDADE, José Damião de Lima. História social dos direitos humanos. São Paulo: Peirópolis, 2002. p.

53-59.

27

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 50.

28Jusnaturalismo (direito natural): consiste em atribuir ao indivíduo direitos originários e inalienáveis que ele

conserva, mesmo que de maneira diferente ou limitada em todas as esferas sociais de que faz parte. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996. p. 442.

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Pode-se deduzir, então, que a contribuição dos norteamericanos se deu mais na esfera dos direitos fundamentais, enquanto a dos franceses na esfera dos direitos humanos.30

Conforme Antonio Enrique Perez Luño, não se deve perder de vista a circunstância de que a positivação dos direitos fundamentais é o produto de uma dialética constante entre o desenvolvimento das técnicas de seu reconhecimento na esfera do direito positivo e a gradativa afirmação, no âmbito ideológico, das ideias de liberdade e da dignidade humana.31

Segundo Paulo Bonavides, enquanto a Constituição do Estado Liberal é 'antigoverno' e 'anti-Estado', a Constituição do Estado Social é uma Constituição de “valores refratários ao individualismo no Direito e ao absolutismo no Poder”.32 O Estado de Direito foi

um produto da Revolução Burguesa. O Estado ameaçava os valores dominantes (vida, liberdade e propriedade). Já o Estado Social passa a constituir produto da sociedade industrial, sendo que a ameaça em relação àqueles valores não procede mais do Estado, mas da sociedade e de suas estruturas injustas. Neste, o Estado aparece como aliado, protetor de novos valores, ao passo que a sociedade figura como o reino da injustiça e das desigualdades.33

Nesse sentido, observa Antonio Enrique Perez Luño que a Constituição do México de 1917 foi a primeira tentativa de conciliar os direitos de liberdade com os direitos sociais, superando, dessa forma, os polos opostos entre o individualismo34e o coletivismo.35

Na história mais recente, e com o mesmo objetivo de conciliar direitos fundamentais e sociais, outros documentos alcançaram destaque, tais como, na Alemanha, em 1919, a Constituição de Weimar, cujo sistema de relações entre o indivíduo e o Estado aparece como fundamento de todo ordenamento jurídico-político, a Constituição Espanhola de 1931, a Francesa de 1946, a Italiana de 1947 e a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha de 1949. Ampliando ainda mais a integração dos direitos fundamentais e sociais surgiram as Constituições da Grécia em 1975, de Portugal em 1976, e da Espanha, em 1978.36

30 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 53. 31 LUÑO, Antonio Enrique Perez. Los derechos fundamentales. p. 31.

32 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 336. 33

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 345.

34

Individualismo denota ao indivíduo valor preponderante em relação à comunidade de que faz parte. O coletivismo se opõe ao individualismo e defende a abolição da propriedade privada e a coletivização dos meios de produção. O primeiro é o pressuposto do liberalismo e o segundo do socialismo. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução de Alfredo Bosi. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 153 e p. 554.

35 LUÑO, Antonio Enrique Perez. Los derechos fundamentales. p. 39. 36 LUÑO, Antonio Enrique Perez. Los derechos fundamentales. p. 29.

(20)

No âmbito da evolução histórica da proteção dos direitos fundamentais em nível internacional, Alexandre de Moraes afirma se tratar de uma questão relativamente recente, iniciando-se com importantes declarações sem caráter vinculativo, para se transformarem depois em tratados internacionais.37

Ressalta, ainda, a importância da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, como importantes conquistas dos direitos humanos fundamentais em nível internacional, uma vez que reafirmaram os princípios da dignidade humana, da igualdade, da liberdade, do direito à vida, da vedação absoluta da discriminação, entre outros.38

A partir daí, a proteção internacional dos direitos humanos passou a se intensificar com a aprovação de inúmeras declarações e tratados internacionais, ratificados, em sua maioria, pelo Brasil.39

O Brasil, inserido neste contexto, em todas as suas constituições contemplou um rol de direitos e garantias fundamentais, certamente adaptados às características políticas preponderantes em cada época.40 Ressalta-se como de fundamental importância o atual

regramento constitucional brasileiro, que consagra, no Título II, artigos 5º a 17, os direitos e garantias fundamentais, em consonância com o regramento ratificado nos pactos internacionais.41

Em suma, a partir do breve relato histórico, pode-se perceber que os direitos fundamentais, independente da terminologia adotada, fez parte da luta dos indivíduos em todas as etapas de sua história. As conquistas, muitas vezes mínimas, foram sendo acumuladas e positivadas gradativamente. Acrescenta-se, ainda, que a positivação dos direitos humanos e fundamentais não foi suficiente para a garantia de sua efetivação. Necessário se faz, portanto, um estudo mais aprofundado acerca das suas dimensões.

37 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos artigos 1° a 5° da

Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.18.

38 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. p. 18-19. 39 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. p. 20. 40

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. p. 15-16.

41 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Repúplica Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:

<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 15 abr. 2009 - Além dos direitos e garantias expressos no título II da Constituição outros se encontram contemplados nos próprios princípios desta carta, bem como em legislações infraconstitucionais e tratados internacionais ratificados pelo Brasil.

(21)

2.3 DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUAS DIMENSÕES

Como se verificou no item anteriormente abordado, os direitos humanos e fundamentais sofreram várias modificações históricas desde seu reconhecimento nas primeiras constituições, no tocante ao conteúdo, à titularidade, à eficácia e à efetivação. Nesse contexto, a doutrina analisa a existência de três dimensões de direitos e até mesmo de uma quarta dimensão.

No entanto, atualmente muitas críticas têm surgido em relação ao termo "geração de direitos", por conduzir ao entendimento equivocado de que os direitos fundamentais se substituem ao longo do tempo; daí a opção de parte da doutrina pela expressão "dimensão de direitos". Acompanhando essa tendência, optou-se pelo termo "dimensão", por considerá-lo mais apropriado, já que os direitos fundamentais foram sendo conquistados de forma gradativa e cumulados ao longo do tempo, sem que um fosse substituindo o outro.

Esse é o entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet:

Em que pese o dissídio na esfera terminológica, verifica-se crescente convergência de opiniões no que concerne à ideia que norteia a concepção das três (ou quatro, se assim preferirmos) dimensões dos direitos fundamentais, no sentido de que estes, tendo tido sua trajetória existencial inaugurada com o reconhecimento formal nas primeiras Constituições escritas dos clássicos direitos de matriz liberal-burguesa, se encontram em constante processo de transformação, culminando com a recepção, nos catálogos constitucionais e na seara do Direito Internacional, de múltiplas e diferentes posições jurídicas, cujo conteúdo é tão variável quanto as transformações ocorridas na realidade social, política, cultural e econômica ao longo dos tempos. Assim sendo, a teoria dimensional dos direitos fundamentais não aponta, tão-somente, para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, para além disso, sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e, de modo especial, na esfera do moderno ‘Direito Internacional dos Direitos Humanos’.42

Os direitos fundamentais da primeira dimensão têm sua origem na doutrina iluminista e jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII, bem como nas revoluções políticas do final do século XVIII, que marcaram o início da positivação das reivindicações da classe burguesa nas primeiras Constituições escritas.43

De acordo com Alexandre de Moraes, "os direitos fundamentais de primeira geração são os direitos individuais clássicos (liberdades públicas), surgidos institucionalmente a partir da Magna Charta."44 Constituem-se nos chamados direitos de cunho negativo, já que

denotam a característica de não-intervenção do Estado em relação à autonomia do indivíduo.

42

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 50.

43 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 54. 44 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. p. 27.

(22)

Nesta categoria destacam-se os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei, que delimitam a chamada igualdade formal. No decorrer da história, complementam-se pelas liberdades de expressão coletiva, tais como de expressão, de imprensa, de reunião, de associação, dentre outras; pelos direitos de participação política, como o direito de voto e a capacidade eleitoral passiva; e também algumas garantias processuais: devido processo legal, direito de petição e habeas corpus.45

No entender de Paulo Bonavides, os direitos da primeira dimensão, ou direitos da liberdade, apresentam como titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e detêm uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, constituem-se em direitos de resistência ou de oposição ao Estado.46

A segunda dimensão de direitos, segundo Ingo Wolfgang Sarlet, são os direitos econômicos, sociais e culturais, e surgiram no decorrer do século XIX, como fruto dos movimentos reivindicatórios que exigiam do Estado uma atuação efetiva na realização da justiça social. Ressalta-se a dimensão positiva desses direitos, uma vez que não se pretende mais evitar a intervenção estatal no plano da liberdade individual, mas, sim, de propiciar o direito de participação no chamado bem-estar social, realizando-se, por conseguinte, a liberdade e a igualdade, ambas em sentido material.47

Antonio Enrique Perez Luño preleciona que os direitos econômicos, sociais e culturais tornam-se, juntamente com as liberdades públicas, o eixo comum em torno do qual gira todo o sistema de direitos fundamentais, especialmente nas constituições democráticas posteriores a Weimar.48

Nesta categoria estão os direitos a prestações sociais estatais, como à assistência social, à saúde, à educação, ao trabalho, dentre outros, que se reportam à pessoa tomada individualmente. Além dos direitos sociais, econômicos e culturais de cunho positivo, abarcam também as denominadas liberdades sociais, como a liberdade de sindicalização, o direito à greve, os direitos fundamentais dos trabalhadores, dentre eles férias, repouso semanal remunerado, salário mínimo, jornada de trabalho limitada, etc.49

Com o advento dos direitos fundamentais da segunda geração descobriu-se o aspecto objetivo, a garantia de valores e princípios com que escudar e proteger as instituições. Os direitos sociais originaram o despertar de uma consciência acerca da importância de

45 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 54. 46 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 514-531. 47

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 55.

48 LUÑO, Antonio Enrique Perez. Los derechos fundamentales. p. 183. 49 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 55.

(23)

salvaguardar o indivíduo e de proteger a instituição. Surgiu, então, um novo conceito dos direitos fundamentais: as garantias institucionais.50

Na fase da primeira geração, os direitos fundamentais consistiam basicamente no estabelecimento das garantias fundamentais da liberdade; a partir da segunda geração, tais direitos passaram a compreender, além das garantias, também os critérios objetivos de valores, bem como os princípios básicos que animam a lei maior, projetando-lhe a unidade e fazendo a congruência fundamental de suas regras.51

A concepção de objetividade e de valores relativamente aos direitos fundamentais fez com que o princípio da igualdade, tanto quanto o da liberdade, tomasse também um novo sentido, deixando de ser mero direito individual que demanda tratamento igual e uniforme para assumir uma dimensão objetiva de garantia contra atos de arbítrio do Estado.52

Antonio Enrique Perez Luño entende que os "direitos sociais, no sentido objetivo, são o conjunto de normas através das quais o Estado cumpre sua função equilibradora das desigualdades sociais".53

De acordo com Ingo Wolfgang Sarlet, os direitos de terceira dimensão, dotados de alto teor de humanismo e universalidade, diferem-se dos demais no tocante à titularidade que, em princípio, se deslocaria do homem-indivíduo para grupos humanos, caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade difusa ou coletiva.54

Nesse particular, porém, com entendimento diverso, Paulo Bonavides preconiza que os direitos sociais têm por titular precípuo "o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta".55

Os direitos sociais, também chamados de direitos de fraternidade ou de solidariedade, por vezes revelam-se de titularidade indefinida e indeterminável, por exemplo, o direito ambiental e qualidade de vida, que, apesar de serem dirigidos a indivíduos, exigem formas de proteção diferenciada.56 Dentre os mais citados, encontram-se os direitos à paz, à

autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação.57

50 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 516. 51 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 519. 52 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 522.

53 LUÑO, Antonio Enrique Perez. Los derechos fundamentales. p. 183-184. “Así, pueden entenderse tales de

rechos, em sentido objetivo como el conjunto de lãs normas a través de lãs cuales el Estado lleva a cabo su función equilibradora de lãs desigualdades sociales.” (tradução livre).

54 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 56-57. 55

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 522.

56 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 57. 57 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 523.

(24)

Para Paulo Bonavides, os direitos sociais resultam de reivindicações fundamentais do ser humano, decorrentes do impacto das novas tecnologias, dos desgastes provocados pelas guerras e pelos conflitos, do processo de descolonização pós-guerra, bem como de outros fatores. Os direitos de terceira dimensão são considerados como direitos de solidariedade ou fraternidade em face de sua implicação universal ou, no mínimo, transindividual, e porque exigem esforços e responsabilidades em escala até mesmo global para sua efetivação.58

No que diz respeito à positivação, Ingo Wolfgang Sarlet ressalta que, com raras exceções, grande parte dos direitos fundamentais da terceira dimensão ainda não obteve o respaldo constitucional, encontrando-se, porém, no âmbito internacional em fase de reconhecimento, especialmente por meio de tratados e outros documentos.59

Há, ainda, a tendência de se reconhecer a existência de uma quarta dimensão, sendo esta o resultado da globalização dos direitos fundamentais. Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, giram em torno dos direitos da quarta dimensão severas discussões acerca de sua existência. Isto porque sua essência está muito próxima dos direitos fundamentais como a vida, a liberdade, a igualdade e a fraternidade, embasados no princípio maior da dignidade humana.60 Dentre tais direitos pode-se mencionar o direito à democracia, à informação e ao

pluralismo.61

Desses direitos depende a concretização da sociedade aberta para o futuro, na sua dimensão de universalidade, para a qual inclina-se o mundo no plano de suas relações de convivência. A globalização de direitos fundamentais significa universalizá-los institucionalmente.62

A constituição confere uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais, que repousa na dignidade da pessoa humana, ou seja, na concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado.63

De acordo o entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet, os direitos de quarta dimensão encontram-se longe de obter o devido reconhecimento, tanto no âmbito do direito interno como externo, não passando, na maioria das vezes, de justa esperança de um futuro melhor para a humanidade.64

58 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 523. 59

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 57.

60 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 59. 61 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 59 62

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 525.

63 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 525.

(25)

2.4 FUNÇÕES OBJETIVA E SUBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Tendo em vista se tratar de um assunto cujas características e terminologia ainda sejam motivos para sérias controvérsias doutrinárias, far-se-ão breves considerações acerca das características inerentes às funções objetiva e subjetiva, segundo o entendimento de Antonio Enrique Perez Luño e Ingo Wolgang Sarlet.

2.4.1 Função objetiva dos direitos fundamentais

Segundo Antonio Enrique Pérez Luño, os direitos fundamentais passaram a se apresentar no âmbito da ordem constitucional como conjunto de valores objetivos básicos e fins diretivos da ação positiva dos poderes públicos, e não apenas garantias negativas dos interesses individuais.65

Nesse sentido, Ingo Wolfgang Sarlet afirma que o reconhecimento da perspectiva objetiva dos direitos fundamentais não se limita apenas a considerá-la o reverso da função subjetiva; ao contrário, significa que às normas que prevêem direitos subjetivos é dada função autônoma, que ultrapassa esta perspectiva subjetiva, e que, além disso, recai no reconhecimento de conteúdos normativos e, portanto, de funções distintas aos direitos fundamentais.66

Ainda de acordo com Ingo Wolfgang Sarlet, esta dupla perspectiva trata-se de "uma função objetiva reflexa de todo direito fundamental subjetivo que, todavia, não exclui os efeitos jurídicos adicionais e autônomos inerentes à faceta objetiva [...]".67

O autor aponta, ainda, alguns desdobramentos acerca da função objetiva, relacionados à dimensão objetivo-valorativa dos direitos fundamentais, quais sejam: o primeiro, diz respeito à eficácia dirigente que estes possam ter em relação ao Estado, e significa afirmar que os direitos fundamentais contêm uma ordem dirigida ao Estado no sentido de que a este incumbe uma obrigação permanente de concretização destes direitos; o

65

LUÑO, Antonio Enrique Perez. Los derechos fundamentales. p. 21.

66 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 153. 67 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 155.

(26)

segundo, refere-se à qualidade dos direitos fundamentais de servirem como parâmetro para o controle de constitucionalidade das leis e demais atos normativos.68

Em suma, conforme leciona Antonio Enrique Perez Luño, em sua significação axiológica objetiva, os direitos fundamentais representam o resultado de um acordo básico das diferentes forças sociais, obtendo, a partir das relações de tensão e dos conseguintes esforços de cooperação, encaminhamentos para a efetivação de objetivos comuns.69

2.4.2 Função subjetiva dos direitos fundamentais

Ingo Wolfgang Sarlet refere-se aos direitos fundamentais subjetivos como:

[...] à possibilidade que tem o seu titular (considerado como tal a pessoa individual ou ente coletivo a quem é atribuído) de fazer valer judicialmente os poderes, as liberdades ou mesmo o direito à ação ou às ações negativas ou positivas que lhe foram outorgadas pela norma consagradora do direito fundamental em questão.70

O autor acima citado entende, também, que os direitos fundamentais são, em princípio, direitos individuais, uma vez que, encontrando-se protegidos constitucionalmente como direitos individuais, terão proteção sob a forma de direito subjetivo.71

Há nesta perspectiva, portanto, o predomínio do aspecto subjetivo justificado pelo valor outorgado à autonomia individual, expresso na dignidade humana. Além disso, a perspectiva subjetiva dos direitos fundamentais enseja maior grau de realização do que as obrigações de cunho objetivo, já que a mera previsão legal não garante sua concretização.72

2.5 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Em continuidade ao estudo das funções dos direitos fundamentais, brevemente apresentadas no item anterior, far-se-ão considerações complementares acerca de alguns de

68 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 156.

69 LUÑO, Antonio Enrique Perez. Los derechos fundamentales. p. 20-21. “Em su significación axiológica

objetiva los derechos fundamentales representan el resultado del acuerdo de las diferentes fuerzas sociales, logrado a partir de relaciones de tensión y de los consiguintes esfuerzos de cooperación encaminados al logro de metas comunes.” (tradução livre).

70

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 164.

71 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 164. 72 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 165.

(27)

seus desdobramentos, inseridas numa classificação doutrinária, a fim de evidenciar a multifuncionalidade dos direitos fundamentais.

Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, a constatação da multifuncionalidade dos direitos fundamentais não vem a ser uma novidade, pois esta perspectiva já foi abordada no século passado por Georg Jellinek, na obra intitulada "Sistema dos Direitos Subjetivos Públicos" (System der subjektiv öffentlichen Rechte) que, pela sua relevância, continua sendo utilizada como classificação doutrinária até hoje.73

Robert Alexy retoma a teoria de Jellinek, ressaltando não só sua importância histórica, mas também jurídica, conceitual e teórica.74

A teoria dos status de Jellinek, segundo Robert Alexy, diferenciava quatro status: o status passivo ou status subjectionis, o status negativo ou status libertatis, o status positivo ou status civitatis e o status ativo ou status da cidadania ativa. 75

Georg Jellinek caracteriza status como "uma relação com o Estado que qualifica o indivíduo", ou seja, "status é alguma forma de relação entre o cidadão e o Estado". Robert Alexy compreende que, como qualificação do indivíduo, o status deve ser uma situação e, como tal, tem como seu conteúdo o "ser" e não o "ter" jurídico da pessoa.76

Segundo Robert Alexy, Georg Jellinek caracteriza os quatro status da seguinte forma: status passivo ou status subjectionis (refere-se à sujeição do indivíduo em relação ao Estado; dessa forma, significa que o Estado possui competência para estabelecer algum dever ou proibição ao indivíduo)77

; status libertatis ou status negativus (refere-se à esfera individual de liberdade, na qual os fins estritamente individuais encontram satisfação por meio da livre ação do indivíduo)78

; status positivus ou status civitatis (diz respeito à possibilidade que o cidadão tem de garantir suas pretensões frente às instituições estatais, exigindo certas ações positivas do Estado;79 enquadram-se neste status “direitos a prestações estatais”, incluindo os

direitos sociais)80 e status activus (refere-se à esfera na qual o cidadão é considerado titular de

competências que lhe garantem a participação ativa da formação da vontade estatal, como, por exemplo, por meio do voto)81.

73 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 166.

74 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:

Malheiros, 2008. p. 254.

75 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 254. 76

JELLINEK, Georg apud ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 255.

77 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 256. 78 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 258. 79

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 263.

80 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 183. 81 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 267.

(28)

Conforme o entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet, apesar da teoria dos status de Jellinek ser utilizada, ainda hoje, como referencial teórico para a classificação dos direitos fundamentais, não escapou de severas críticas, algumas pertinentes, levando-se em consideração o contexto histórico em que fora concebida.82

Nesse sentido, algumas lições, segundo Ingo Wolfgang Sarlet, merecem destaque, dentre elas a de que o status negativus de Georg Jellinek deve ser encarado não mais como uma sujeição das liberdades individuais à liberdade infraconstitucional, mas, como um status negativo dos direitos fundamentais, no qual a liberdade é concebida como liberdade de quaisquer intervenções inconstitucionais.83

Além disso, Ingo Wolfgang Sarlet também sugere outras críticas que considera relevantes, como elas a que se refere ao alargamento do status activus com a integração do status processualis, que diz respeito ao aspecto procedimental e organizatório dos direitos fundamentais. O autor acrescenta, ainda, como de extrema importância "o reconhecimento de um status positivus socialis, expressão da consagração dos direitos sociais, econômicos e cultural de natureza prestacional, assim como as demais funções decorrentes da perspectiva subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais [...]".84

Apesar dos múltiplos posicionamentos doutrinários acerca da classificação dos direitos fundamentais, esta se torna imprescindível na medida em que permite obter uma visão global e sistemática sobre o conjunto de direitos fundamentais, bem como alguns parâmetros objetivos para sua interpretação.85

Tendo como base a classificação adotada por Robert Alexy e Ingo Wolfgang Sarlet, qual seja, a teoria dos status elaborada Georg Jellinek, far-se-á um estudo do direito constitucional positivo brasileiro, que divide os direitos em dois grandes grupos: o primeiro referente aos direitos fundamentais como direitos de defesa e o segundo aos direitos fundamentais como direitos a prestações. Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, não se trata de uma tarefa fácil, porque a Constituição brasileira de 1988 resguardou direitos fundamentais que exercem todas as funções anteriormente abordadas, de forma que se vinculam tanto à dimensão objetiva como à subjetiva.86

82 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 169. 83 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 168. 84

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 169.

85 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 170. 86 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 170.

(29)

2.5.1 Direitos fundamentais como direitos de defesa

Os direitos fundamentais como direitos de defesa, segundo a lição de Robert Alexy, referem-se a um "direito em face do Estado a que ele zele para que terceiros não intervenham", portanto, direito a ações negativas.87

No entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet, os direitos de defesa têm por objetivo limitar a atuação do Estado, garantindo ao indivíduo certas liberdades e dando-lhe o direito subjetivo de buscar soluções contra interferências indevidas no âmbito de proteção do direito fundamental.88

Na síntese de José Joaquim Gomes Canotilho,

[...] os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos.89

Embora existam controvérsias doutrinárias a respeito da dimensão objetiva ou subjetiva dos direitos de defesa, cumpre salientar que, quanto à sua identificação, aquelas não prosperam. Pacífico é o entendimento de que os direitos fundamentais de defesa sejam integrados pelos direitos de liberdade e igualdade, ao lado dos direitos à vida e do direito de propriedade, e parte dos direitos políticos.90

Na Constituição brasileira de 1988 os direitos fundamentais encontram-se divididos em individuais e coletivos. Segundo José Afonso da Silva, individuais são aqueles que reconhecem a autonomia aos particulares, garantindo a iniciativa e independência diante dos demais membros da sociedade e do Estado, enquanto os coletivos são os direitos fundamentais reconhecidos ao indivíduo-membro de uma coletividade.91

Tanto os direitos individuais como os coletivos previstos na Constituição brasileira de 1988 correspondem aos direitos de liberdade e estão enquadrados no status negativus e libertatis característico dos direitos de defesa.92

Nesse sentido é o entendimento de Narbal Antônio Mendonça Fileti, para quem:

87

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 456.

88 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 181. 89 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. p. 408. 90

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 182.

91 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. p. 183- 184. 92 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 183.

(30)

Os direitos de defesa são oponíveis também aos particulares, entre eles, encontram-se os chamados direitos fundamentais de primeira dimensão, isto é, as liberdades fundamentais (manifestação do pensamento, locomoção, associação e outros); aqui, incluem-se também alguns direitos sociais que, em vez de exigirem prestações positivas do Estado, estabelecem posições jurídicas relativas à proteção do indivíduo em face da interferência do Estado e dos particulares: limitação da jornada de trabalho (artigo 7º, incisos XIII e XIV da Constituição Brasileira de 1988); proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores (artigo 7º, inciso XXXIII); liberdade de associação sindical (artigo 8º); e direito de greve (artigo 9º), entre outros.93

No tocante aos direitos sociais, Ingo Wolfgang Sarlet explica que há, entre estes, tanto direitos sociais a prestações como os de defesa, embora aponte que boa parte dos direitos dos trabalhadores, previstos do artigo 7º ao 11º da Carta Magna brasileira, de acordo com o critério da função desempenhada, contém típicos direitos de defesa.94

Quanto à classificação dos direitos políticos, pode-se observar que a doutrina pátria não é convergente. A discussão gira em torno da questão dos direitos de nacionalidade e cidadania, cujos conceitos são muito próximos, porém não idênticos. Os primeiros regulam os pressupostos que o indivíduo deve ter para conseguir a nacionalidade brasileira (não sendo direitos de todos, só dos que atendem os requisitos); os segundos têm sua titularidade atribuída a um específico grupo de pessoas, formado por nacionais e cidadãos.95

Dessa forma, depreende-se que os direitos políticos não podem ser desvinculados dos direitos pessoais de liberdade, sendo considerados, para fim deste estudo, como direitos de defesa, sem, porém, desconsiderar que seus desdobramentos assumem caráter prestacional, a exemplo do artigo 17, § 3º, da Constituição Federal, que se refere aos partidos políticos.

Em suma, pode-se afirmar que os direitos fundamentais previstos na Constituição brasileira de 1988 podem ser classificados como direitos de defesa; mas, apesar de em sua maioria estarem elencados no artigo 5º, encontram-se também dispersos em outros artigos do texto constitucional. Além disso, percebe-se também a dificuldade de enquadrar certos direitos na classificação abordada devido aos vários desdobramentos que apresentam, sendo, portanto, de fundamental importância considerar a função preponderante de cada um deles.

93 FILETI, Narbal Antônio Mendonça. A fundamentalidade dos direitos sociais e o princípio da proibição do

retrocesso social. p. 58-59.

94 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 188. 95 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 189.

(31)

2.5.2 Direitos fundamentais como direito a prestações

O direito a prestações, em sentido amplo, diz respeito a toda ação do Estado, ou seja, todo direito a uma ação positiva. Esse direito engloba desde a proteção dos indivíduos contra outros indivíduos, por meio de normas penais, até o estabelecimento de normas organizacionais e procedimentais e, ainda, de prestações em dinheiro ou outros bens.96

Acompanhando, em parte, a posição de Robert Alexy, Ingo Wolfgang Sarlet analisa os direitos a prestações sob duas formas: a primeira em sentido amplo e a segunda em sentido estrito. Para o autor, enquanto os "direitos a prestações em sentido estrito podem ser reportados à atuação dos poderes públicos como expressão do Estado Social, em sentido amplo dizem respeito às funções do Estado de matriz liberal, dirigido principalmente à proteção da liberdade e igualdade na sua dimensão defensiva."97

De acordo com a lição de José Joaquim Gomes Canotilho, os "direitos a prestações significam, em sentido estrito, direito do particular em obter algo através do Estado (saúde, educação, segurança social)".98

Nesse sentido, Ingo Wolfgang Sarlet afirma que os direitos fundamentais sociais (de natureza prestacional) são identificados como direitos a prestações em sentido estrito e estão intimamente atrelados às tarefas exercidas pelo Estado, especialmente na condição de Estado Social, que tem por função buscar a justa e adequada distribuição de bens. Diferentemente dos direitos de defesa, os direitos fundamentais sociais buscam garantir, através da ação positiva do Estado, a liberdade e igualdade real e efetiva para todos, que só será alcançada mediante a redução das desigualdades sociais.99

Em suma, pode-se verificar que os direitos fundamentais possuem íntima conexão entre suas categorias, já que, como foi apresentado anteriormente, um direito de defesa pode ter uma dimensão positiva, assim como os direitos prestacionais podem ter uma dimensão negativa. Conclui-se, então, que os direitos fundamentais podem apresentar uma ou várias funções, especialmente as funções positivas e negativas.

Da mesma forma, os direitos fundamentais sociais podem ser enquadrados tanto como direitos de defesa, já que exigem prestações positivas do Estado e estabelecem posições concernentes à proteção do indivíduo em face da interferência do Estado e dos particulares,

96 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 442. 97

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 206 .

98 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. p. 408.

(32)

assim como direitos a prestações em sentido estrito, pois exigem prestações materiais e demandam atuações positivas do Estado como agente de justiça social.100

A partir dessas abordagens conceituais, histórica e classificatória dos direitos fundamentais, far-se-á o estudo dos direitos sociais para, posteriormente, alcançar o real objetivo do presente estudo, qual seja, a verificação do princípio da reserva do possível como limite das pretensões dos direitos sociais.

100 FILETI, Narbal Antônio Mendonça. A fundamentalidade dos direitos sociais e o princípio da proibição

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