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O da filiação socioafetiva e seus efeitos jurídicos

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO

MONALISA MARQUES SANTOS

O RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA E SEUS EFEITOS JURÍDICOS

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O RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA E SEUS EFEITOS JURÍDICOS

Monografia submetida à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Professora Maria José Fontenelle Barreira Araújo.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

S237r Santos, Monalisa Marques.

O reconhecimento da filiação socioafetiva e seus efeitos jurídicos / Monalisa Marques Santos. – 2013.

62 f. : enc. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2013.

Área de Concentração: Direito Civil.

Orientação: Profa. Maria José Fontenelle Barreira Araújo.

1. Adoção - Brasil. 2. Pais e filhos - Brasil. 3. Direito de família - Brasil. I. Araújo, Maria José Fontenelle Barreira (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.

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O RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA E SEUS EFEITOS JURÍDICOS.

Monografia submetida à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito.

Aprovada em: 27 / 11 / 2013

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________ Profª. Maria José Fontenelle Barreira Araújo (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

________________________________________________ Prof. Dr. Francisco Régis Frota Araújo

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________________ Prof. Dr. Marcos Antônio Paiva Colares

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Dedico esse trabalho a minha família, meus

amigos, e a Professora “Mazé”, pelo apoio e

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Agradeço a Deus, que me deu forças para concluir esse trabalho e para conquistar meus objetivos acadêmicos. A minha família, pai, mãe, padrasto e irmão, que sempre acreditaram em mim e me incentivaram durante a faculdade. Ao meu amor, Rodolfo, que com sua paciência esteve comigo nos momentos mais difíceis da vida acadêmica, me aconselhando, sem duvidar da minha capacidade.

A professora Maria José Fontenelle Barreira Araújo, pelos ensinamentos na Cadeira de Direito Civil I e por, embora atribulada por outras ocupações, mostrar-se sempre tão solícita na orientação deste trabalho.

Aos professores Marcos Antônio Paiva Colares e Régis Frota Araújo, por terem aceitado, pronta e gentilmente, o convite para compor a Banca Examinadora.

A todos meus amigos que fiz ao longo desta vida. Aos presentes, que nossa amizade se fortaleça e possa perdurar ainda por muito tempo. Aos já mais distantes, digo-lhes que estarão sempre presentes em minhas lembranças.

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“O merecimento de tutela da família não diz respeito exclusivamente às relações de sangue, mas, sobretudo, àquelas afetivas que se traduzem em uma comunhão espiritual e de

vida.”

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A Constituição Federal de 1988 igualou os filhos, sem distinção de origem, sejam biológicos ou adotivos. No entanto, os filhos socioafetivos, derivados das relações baseadas no afeto não foram ainda reconhecidos. O presente trabalho pretende discorrer sobre como reconhecer a filiação socioafetiva e quais seus efeitos jurídicos. As decisões judiciais mencionadas neste estudo (decisões colegiadas de alguns tribunais, mais notadamente do TJRS) e STJ, foram analisadas e selecionadas de modo a buscar um consenso em relação à prevalência ou não da filiação socioafetiva nas novas famílias e de como ela é construída, através dos três elementos: nome, tratamento e fama. O reconhecimento dessa filiação com a incorporação do conceito de posse de estado de filho como prova de filiação ou como ensejador da paternidade, igualaria os filhos socioafetivos aos biológicos e adotivos, fazendo surgir uma nova espécie de filiação civil, semelhante à adoção civil. A pesquisa realizada classifica-se como essencialmente bibliográfica e jurisprudencial. As bases de consulta bibliográfica foram livros e artigos científicos publicados em revistas virtuais ou em sites jurídicos. As bases de consulta jurisprudencial foram as publicações disponíveis em meio virtual das decisões emitidas pelos Tribunais pátrios, utilizando como palavras-chave: paternidade socioafetiva, desbiologização da paternidade, novas famílias, filho de criação, adoção à brasileira e afeto nas relações familiares.

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The Constitution of 1988 equaled the children, without distinction of origin, whether biological or adopted. However, the children derived from relationships based on affection have not yet been recognized. This paper intends to discuss how to recognize the socioaffective affiliation and what are its legal effects. Judicial decisions mentioned in this study (joint decisions of some courts, most notably the TJRS) and STJ, were selected and analyzed in order to seek a consensus regarding the prevalence or not of socioaffective membership in new families and how it is constructed, through three elements: name, fame and treatment. The recognition of this affiliation with the incorporation of the concept of

“possession of child status” as proof of filiation or creator of fatherhood, socioaffective

children equate to biological and adoptive, giving rise to a new kind of membership status, similar to the civil adoption. The survey is classified as essentially bibliographical and jurisprudential. The bases of bibliographical consult were books and scientific articles that have been published in journals or legal websites. The jurisprudential consultation bases were the virtual publications available through the decisions issued by National Courts, using as keywords: affective paternity, paternity unbiologization, new families, child-rearing, Brazilian adoption and affection in family relationship.

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1. INTRODUÇÃO ... 10

2. FILIAÇÃO ... 12

2.1. Conceito e classificações ... 12

2.2. A filiação no Brasil através dos tempos ... 15

2.3. As novas famílias e a Constituição de 1988. ... 18

2.4. O Código Civil de 2002 e a filiação socioafetiva. ... 19

2.5. Presunção de paternidade e prova da filiação ... 22

2.6. O reconhecimento dos filhos ... 24

3. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA ... 29

3.1. O afeto e a paternidade socioafetiva ... 29

3.2. Posse de Estado de Filho como pressuposto da filiação socioafetiva ... 32

3.2.1. Elementos constitutivos da posse de estado de filho. ... 35

3.3. Tipos de filiação socioafetiva ... 38

3.3.1. Adoção ... 38

3.3.2. Adoção à brasileira e reconhecimento voluntário de filho do cônjuge ... 41

3.3.3. Filiação socioafetiva derivada da técnica de reprodução assistida heteróloga ... 42

3.3.4. Filhos de Criação ... 42

4. OS EFEITOS JURÍDICOS DO RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA. ... 44

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4.3. Direito à Sucessão ... 49

4.4. Demais efeitos jurídicos ... 54

5. CONCLUSÃO ... 57

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1. INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por objetivo analisar a filiação socioafetiva e os efeitos jurídicos decorrentes do seu reconhecimento.

A família brasileira do século XVIII e XIX foi transmitida nos dispositivos do Código Civil de 1916, o qual definiu um modelo matrimonial de família. Esse modelo refletia os valores da época e a filiação não era baseada no vínculo genético, mas sim na proteção da família, criando uma distinção entre os filhos nascidos dentro e fora do casamento. Esse modelo era patriarcal e visava a proteção do patrimônio da família, sendo esta a formada pelo núcleo oriundo do matrimônio. Havia então desigualdade entre os filhos nascidos fora e dentro do casamento, sendo classificados em legítimos e ilegítimos.

Com a evolução da sociedade, surgiram leis assegurando maior igualdade entre os filhos o que foi contemplado, definitivamente, com a Constituição Federal de 1988, que baseada no princípio da dignidade da pessoa humana, proclamou a igualdade entre os filhos, assegurando os mesmos direitos e qualificações aos filhos de qualquer origem.

A partir desse enfoque constitucional o novo Direito de Família baseia-se nas relações de afeto, ampliando a necessidade de análise dos diversos arranjos familiares oriundos do vínculo afetivo, mais notadamente o reconhecimento da filiação socioafetiva, que é o tema central da presente pesquisa.

Tendo em vista não existir dispositivo legal que assegure a filiação socioafetiva, sendo os casos decididos pelos tribunais isoladamente, justifica-se a necessidade de defender o tema, pois a família evoluiu incorporando conceitos de afeto, educação, carinho, não sendo mais uma entidade fechada e a filiação pode ser baseada nessas relações, incluindo a aceitação da pretensão paternal ou maternal pela criança.

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ponto a paternidade sociológica interfere na paternidade biológica? Quais os elementos caracterizadores desse instituto e necessários para comprová-lo? Estes são alguns dos questionamentos suscitados pelo trabalho e para os quais buscou-se respostas.

O estudo que ora se apresenta visa analisar decisões coletadas dos tribunais brasileiros, no sentido de identificar o reconhecimento da filiação socioafetiva, bem como o estudo da doutrina que aborda o tema.

O objetivo geral da pesquisa foi:

Analisar a filiação socioafetiva, sua origem e evolução na sociedade brasileira, o seu reconhecimento, bem como os efeitos jurídicos decorrentes do reconhecimento da paternidade sociológica, como os direitos sucessórios e alimentares do filho socioafetivo.

A pesquisa apresenta também os seguintes objetivos específicos: 1. Estudar a evolução da filiação no Brasil.

2. Pesquisar acerca dos princípios que envolvem o reconhecimento da filiação socioafetiva.

3. Estudar os elementos necessários para o reconhecimento desse vínculo filial. 4. Analisar o direito sucessório bem como alimentar dos filhos socioafetivos. 5. Investigar a evolução jurisprudencial sobre o tema e os procedimentos adotados pelos Tribunais pátrios.

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2. FILIAÇÃO

2.1.Conceito e classificações

Para iniciar o presente trabalho é necessário compreender o significado da filiação para o Direito brasileiro.

A filiação é um vínculo entre pais e filhos, abrangendo o poder familiar, que no Direito Civil moderno significa os deveres que os pais exercem sobre os filhos menores, relacionando-se a responsabilidade e proteção desses. Pais e filhos são parentes em linha reta, ascendentes e descendente conforme assevera o art. 1591, do Código Civil de 2002.

Para Leila Donizetti:

O termo filiação pode ser desdobrado em duas acepções: na primeira, levando-se em consideração a estrutura etimológica da palavra derivada do latim filiatio, filiação significa o liame existente entre um indivíduo e seu pai ou mãe, pelo fato de esses terem dado vida àquele; numa segunda acepção, cujo enfoque dado é o sociológico, deve-se entender a filiação como o resultado auferido nas relações interpessoais estabelecidas em torno do desejo de alcançar a perpetuidade.1

É um vínculo oriundo da fecundação natural ou da técnica de reprodução assistida homóloga (gametas do homem ou mulher envoltos na mesma relação) ou heteróloga (gametas de uma pessoa não pertencente a relação), assim como em virtude da adoção ou socioafetividade decorrente da posse do estado de filho.

Atualmente, quanto à sua origem, pode ser classificada como matrimonial ou extramatrimonial, conforme explícito no art.1607 do atual Código Civil, defendida por alguns doutrinadores, mas insuficiente para explicar a relação filial socioafetiva.

No entanto, para entender melhor o contexto da filiação socioafetiva, é importante a análise de três noções atuais de filiação: a jurídica, a biológica e a socioafetiva.

A filiação jurídica, baseada nas relações familiares oriundas do matrimônio, foi objeto do Código Civil de 1916, cujo objetivo principal era a preservação da família. A aplicação da presunção, pater is est, em que o filho oriundo do casamento era sempre do

marido vigorava nessa época, em que não existia outro meio de designar a paternidade. É importante ressaltar que, antes de 1916, não havia codificação no sentido de disciplinar a filiação no Brasil.

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O critério jurídico de aferição da paternidade é o determinado pelo ordenamento jurídico e permaneceu cogente até a Constituição de 1988 que passou a transmitir valores, a fim de proteger os desiguais, ao afirmar o princípio da dignidade da pessoa humana e no seu art. 226 constatar ser a família a base da sociedade, seja a formada pelo casamento, união estável ou por um só membro. Outrossim, no art.229 tratou do princípio da solidariedade nas relações familiares. 2

Vê-se que a tutela constitucional e o advento do exame de DNA expandem as relações familiares para além do núcleo interno advindo do casamento e que a proteção da família como instituição dá lugar à proteção da dignidade dos seus membros e desenvolvimento da personalidade dos filhos.

Portanto, a filiação jurídica, embora não corresponda sempre à realidade, não pode ser excluída ou retirada do ordenamento, pois beneficia filhos oriundos do casamento ou não, a fim de facilitar o estabelecimento legal da paternidade.3

A filiação biológica ou natural ganhou destaque após a descoberta do exame de DNA. O filho biológico é aquele que possuiu o gene do pai. Segundo Leila Donizetti:

A facilidade trazida pelo reconhecimento dos laços de filiação oriundos da consanguinidade e resultado dos avanços da biotecnologia não propicia, é claro, o estabelecimento dos laços de filiação afetivos, ou seja, não se pode falar numa estruturação afetiva, uma vez que essa pode existir ou não.4

Além da descoberta do exame de DNA, surgem as técnicas de reprodução assistida. Essas possibilitaram a fecundação que não resulta de uma relação sexual. Um exemplo é o do indivíduo gerado através do sêmen de um doador anônimo, com autorização do casal, que possuirá o patrimônio genético do doador anônimo. No entanto, esse doador anônimo, apesar de ser pai biológico, não possuirá nenhum vínculo com o filho. Esse tipo de reprodução não é regulamentado em lei, mas é permitido e realizado seguindo padrões rígidos do Conselho Federal de Medicina, através da Resolução 1.358/925.

2 DONIZETTI. op. cit., p.30.

3 CARVALHO, Carmela Salsamendi. Filiação socioafetiva e “conflitos” de paternidade ou maternidade. Curitiba: Juriá Editora, 2012, p. 101.

4 DONIZETTI. op. cit., p.35.

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Dada esta assertiva, percebe-se que o critério biológico não pode ser o único válido para definir a paternidade ou maternidade, tendo em vista a complexidade das relações familiares atuais e a liberdade existente nesses vínculos, pois o pai afetivo pode ser mais

presente que o pai biológico. Daí decorre a máxima tão conhecida: “Pai é quem cria”.

A filiação socioafetiva surge em um contexto de relações familiares plurais, que abrangem também a união homoafetiva; isso demonstra que essa diversidade evidencia o verdadeiro papel da família que é amparar seus membros não só financeiramente, mas também moral, psíquica e afetivamente. O critério afetivo ganha destaque, pois a paternidade biológica passa a ser insuficiente para expressar os vínculos surgidos das relações afetivas.

A filiação socioafetiva, nas palavras de Jorge Shiguemitsu Fujita:

Filiação socioafetiva consiste na relação entre pai e filho, ou entre mãe e filho, ou entre pais e filhos, em que inexiste liame de ordem sanguínea entre eles, havendo, porém, o afeto como elemento aglutinador, tal como uma sólida argamassa a uni-los em suas relações, que de ordem pessoal, quer de ordem patrimonial.6

Nota-se que a filiação socioafetiva é um vínculo de afeto, carinho, cuidados inerentes à função paterna ou materna, sem ser caracterizada uma obrigação, pois o que une esse laço é a vontade e o desejo sincero de cuidar do filho, independente da origem genética.

Nesse contexto:

A definição da paternidade e da maternidade leva em conta, igualmente, conceitos reveladores de um vínculo socioafetivo, construído na convivência familiar por atos de carinho e amor, olhares, cuidados, preocupações, responsabilidades, participações diárias. Investe-se no papel de mãe ou pai aquele que pretende, intimamente, sê-lo e age como tal: troca de fraldas, esquenta a mamadeira, dá-lhe de comer, brinca, joga bola com a criança, ensina a andar de bicicleta, leva-a para escola e para passear, cuida da lição ensina, orienta, protege, preocupa-se quando ela está doente, leva ao médico, contribui para sua formação e identidade pessoal e social.7

Conforme o art. 1601 do Código Civil de 2002, o marido pode contestar a paternidade dos filhos nascidos na constância do casamento, sendo tal ação imprescritível. A ação negatória de paternidade deve analisar se existe filiação socioafetiva, pois o exame de DNA pode concluir que o pai atual da criança não é o pai biológico, mas o juiz não pode deixar de reconhecer a paternidade socioafetiva, caso exista. Conforme expõe Carmela

Salsamendi de Carvalho: “A verificação da razoabilidade da negatória da paternidade

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pressupõe a análise das três noções no caso concreto. Não pode a decisão se basear apenas em

uma vertente e trocar um dogma por outro. Afinal, nenhuma delas é absoluta!”.8

Conclui-se que exame de DNA e a busca incessante pela verdade biológica através da realização de perícias e as decisões baseadas apenas em laudos são um perigo às relações filiais já consolidadas com o tempo. Como já foi mencionado, o pai doador anônimo no processo de reprodução heteróloga, apesar de ser pai genético, não figura como pai com base na busca da verdadeira filiação socioafetiva. O DNA não deve ser o único meio indicado para estabelecer uma relação filial.

Por fim, não se pretende privilegiar um critério em detrimento do outro, pois os três são necessários e complementares, na busca pela verdadeira filiação, seja jurídica, biológica e socioafetiva. Muitas vezes, dois critérios serão utilizados para definir o parentesco como no exemplo da adoção, relação filial estabelecida baseada em critérios jurídicos e socioafetivos, onde não há herança biológica dos pais adotivos.

2.2.A filiação no Brasil através dos tempos

A família brasileira no Código Civil de 1916 reflete a sociedade patriarcal do momento, em que a filiação reconhecida era apenas a oriunda do matrimônio, chamada de legítima, impedindo o reconhecimento da paternidade aos filhos chamados ilegítimos: incestuosos ou adulterinos. A filiação era então classificada como legítima, legitimada, ilegítima e adotiva.

A família brasileira dos séculos XVIII e XIX possui valores identificados nesse Código, como o modelo único de família, formado por marido e mulher, sendo outros arranjos familiares juridicamente irrelevantes, por isso, o sistema codificado era formal, fechado e excludente de família.9

A filiação legítima era a concebida com o matrimônio, valendo-se da presunção

pater is est, em que eram considerados filhos legítimos os nascidos na constância do

casamento. No art. 338 do CC/1916 eram considerados legítimos os nascidos após estabelecida a convivência conjugal, assim como os nascidos dentro dos 300 dias subsequentes ao fim do casamento, por morte, desquite ou anulação. Os filhos nascidos antes

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de 180 dias de início de convivência conjugal, se o marido, antes de casar, sabia da gravidez da mulher ou se assistiu a lavratura do termo de nascimento do filho sem opor-se a paternidade também são considerados legítimos.10

Os filhos legitimados eram os concebidos antes do casamento posterior dos pais, sendo equiparados aos legítimos. Os naturais eram os oriundos de pais não casados, os quais não tinham impedimento para o casamento; os espúrios, dividiam-se em adulterinos, caso houvesse impedimento para o enlace dos pais, por já serem casados; sacrílegos, filhos de religiosos e os incestuosos, filhos de pais com parentesco próximo. Os filhos ilegítimos, espúrios, sacrílegos e adulterinos eram discriminados, não possuindo direito de reconhecimento da paternidade.

Esse modelo de família patriarcal, matrimonial era também patrimonialista, tendo em vista que buscava proteger o patrimônio do núcleo familiar, em detrimento de laços biológicos, discriminando os filhos considerados ilegítimos. Esses não tinham direitos sucessórios, patrimoniais, nem mesmo alimentares; era um critério desigual de distinção entre os filhos, perdurando por quase todo século XX.

Paulo Lôbo ao falar de constitucionalização do Direito Civil, retrata o caráter patrimonialista dos códigos, mais notadamente o Diploma Civil de 1916, em que a desigualdade entre os filhos existia, não para protegê-los, mas para proteger o interesses patrimoniais do matrimônio, que representava mais uma união de bens do que de pessoas.11

A legislação brasileira referente ao tema foi evoluindo até chegar no atual conceito estampado na Constituição Federal de 1988, que no seu art.227. §6º12 adotou o sistema único de filiação, garantindo aos filhos biológicos ou não, o direito à paternidade, eliminando as diferenças entre filhos legítimos e ilegítimos. Hoje sequer é possível ter-se tal qualificação. A filiação passa a ser classificada em biológica e não biológica e os filhos iguais em direitos e deveres. O Código Civil de 2002 reproduz norma equivalente e no seu art.1596 estabelece que os filhos nascidos ou não do casamento, terão os mesmos direitos, proibidas quaisquer designações discriminatórias relacionadas à filiação, no que está conforme a ordem constitucional.

10 FUJITA. op. cit., p.20.

11 LÔBO, Paulo. Constitucionalização do Direito Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n.33, 1 jul. 1999. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/507>. Acesso em: 26 set. 2013.

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O critério discriminante de diferenciação dos filhos foi modificando-se no decorrer do século XX, a começar pela Constituição de 1937 que no seu art.137, equiparou os filhos naturais aos legítimos. Em 1941, o Decreto-lei nº 3.20013, no art.14, determinou a proibição que se fizesse menção no Registro Civil sobre a circunstância de legitimidade ou não da filiação, salvo pedido do próprio interessado e por meio de determinação judicial.

O Dec.-lei 4.73714, de 24.9.1942, em seu art.1º estabelecia a possibilidade de reconhecimento dos filhos naturais, oriundos fora do casamento, após o desquite de seu pai. Esse decreto foi substituído pela Lei 883, de 21.10.1949, que abrandou o art. 358 do CC de 1916, discriminador dos filhos adulterinos e incestuosos, impeditivo do reconhecimento de ambos. Possibilitou o reconhecimento desses filhos, após rompido o matrimônio. No entanto, mesmo reconhecidos, eles não possuíam os mesmos direitos patrimoniais dos filhos legítimos, ficando com apenas metade da herança destinada a esses.

A Lei nº 6.515, de 26.12.1977, chamada de Lei do Divórcio, permitiu o reconhecimento do filho, durante o matrimônio, por testamento cerrado (art.1º). Ademais, concedeu, no seu art. 2º, direito à herança aos filhos ilegítimos em igualdade de condições.

Em 1984, a Lei nº 7.250, acrescentou § 2º ao art.1º da Lei nº 883, de 21.10.1949,

que ficou: “mediante sentença transitada em julgado, o filho havido fora do matrimônio poderá ser reconhecido pelo cônjuge separado de fato há mais de 5 (cinco) anos contínuos.”

Esses foram os principais diplomas que culminaram com os valores da nova família, conforme estampados na CF/88.

Nas palavras de Julie Cristine Delinski:

O comportamento matrimonial a partir de meados do século XX (nossos antepassados mais próximos) demonstra que o casamento deixou de apresentar aquela estrutura patriarcal e hierarquizada, aproximando-se mais de uma parceria sentimental do que uma instituição impessoal estabelecida pela autoridade marital. A realização afetiva (sexual) dos cônjuges tornou-se a função primordial da família, que não exclui, pelo contrário, reclama a tarefa de educação, sustento e boa formação da prole.15

Portanto, as mudanças na sociedade, a partir da era da industrialização, fizeram com que a mulher participasse do mercado de trabalho, adquirindo autonomia financeira. Isso contribuiu para o fim da estrutura hierarquizada de família, pois essa passou a considerar seus membros em um patamar de igualdade.

13 Dispôs sobre a organização e proteção da família. 14 Tratou do reconhecimento dos filhos naturais.

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2.3.As novas famílias e a Constituição de 1988.

A Constituição de 1988 inaugurou diversos artigos relacionados ao Direito de Família e a filiação, refletindo a lenta mudança de valores por que passou o século XX, tanto que, no seu art.227 § 6º, acabou com a discriminação entre os filhos. O sistema unificado de filiação possibilitou igualdade entre os tipos de filiação, mas os filhos matrimoniais continuaram com a presunção pater is est e a paternidade fora do casamento necessitaria ser

provada por meios jurídicos e técnicos.

A verdade jurídica, civil, que até então perdurava na sociedade, passou a ser substituída ou acrescida pela verdade biológica, devido ao advento do DNA. Isso possibilitou a igualdade de direitos entre os filhos, para fins sucessórios, alcance alimentar, direito ao nome, dentre outros decorrentes do vínculo paterno. No entanto, ainda não foi suficiente para suprir a necessidade de reconhecimento da verdade socioafetiva.

Com a Constituição de 1988 houve um grande avanço no Direito de Família, na medida em que trouxe uma nova racionalidade jurídica, baseada em princípios, como o da igualdade entre os filhos, o da igualdade entre os cônjuges, do pluralismo das entidades familiares e da dignidade da pessoa humana, tudo contribuindo para o surgimento do princípio da afetividade que explica as atuais relações familiares.16

Com efeito, protege a família, em todas as formas de configuração, quais sejam: a união estável e família monoparental, formada por um só membro, pai ou mãe, representando o fim do paradigma de que a família só poderá existir com o casamento, a partir do reconhecimento da união estável:

Art.226. […]

§3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. (família monoparental). Grifo nosso.

Essa nova família plural é afastada da rigidez dos modelos normativos anteriores, pois expressa relações baseadas na solidariedade, companheirismo, respeito, liberdade e

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dedicação. A família homoafetiva também entra nesse cenário de novas famílias, representando um avanço com relação ao modelo tradicional, formado por marido e mulher.

Ademais, a CF/88 declara a igualdade jurídica entre homens e mulheres, em direitos e obrigações, proclamando, em seu art.226, §5°, que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

No seu art. 226, §7º, estabelece que fundado nos princípios da paternidade, como de suma importância no Direito de Família, e na dignidade da pessoa humana o livre planejamento familiar por conta do casal.

Por fim, representando o princípio da solidariedade famíliar, o art.229, traz o dever dos pais de assistir, educar e criar os filhos menores, bem como o dever dos filhos de amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

2.4.O Código Civil de 2002 e a filiação socioafetiva.

O Código Civil reproduz a norma constitucional que determina a igualdade de direitos e qualificações dos filhos, independentemente de sua origem. No entanto, considera-se que o dispositivo mais importante, possibilitando aos doutrinadores discorrerem sobre a

filiação socioafetiva, é o art.1593, nestes termos: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”.

Conforme expressou Washington de Barros Monteiro, o art.1593, ao mencionar o

termo “outra origem”, abriu espaço para o reconhecimento da paternidade socioafetiva, sem

vínculo de sangue, mas com laços de afetividade, por ele considerado como mais importante do que o elo consanguíneo.17

O problema em torno da filiação socioafetiva ocorre porque inexiste dispositivo no Código Civil responsável por definir a posse de estado de filho, que é um meio de prova construído pela doutrina, essencial no reconhecimento dessa filiação. Existe uma lacuna no nosso ordenamento jurídico sobre o reconhecimento da filiação socioafetiva e as decisões sobre o tema são exaradas pelos tribunais de forma casuística, ou seja, não há uma orientação uniforme sobre o que seja essa filiação e quais os elementos aptos a declará-la, sendo as soluções vistas no caso concreto e a jurisprudência, responsável por expandir esse conceito.

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As normas do CC/2002 devem ser aplicadas à luz da Constituição, a fim de obter efetividade social das normas de Direito de Família. O art.1596 do CC/2002, ao reproduzir a igualdade constitucional entre os filhos, sejam adotivos ou biológicos, alberga não ser o vínculo biológico decisivo na existência da filiação. O que importa atualmente é a relação afetiva entre pais e filhos, independente da origem.

Paulo Luiz Netto Lôbo18 afirma que toda paternidade é necessariamente socioafetiva, seja biológica ou não biológica e como o atual Código Civil manteve a presunção de paternidade no casamento, pater is est, resquício do Código Civil de 1916 que

privilegiava a vertente jurídica da filiação (filhos oriundos do casamento eram sempre legítimos), a paternidade biológica coincide com a socioafetiva. No art. 1597, o CC/2002 trouxe presunções de paternidade baseadas em critérios biológicos de paternidade, com o avanço ocorrido com o exame de DNA, podendo demonstrar se o pai jurídico é ou não pai biológico.

Depreende-se do art.1597, incisos I e II, presunção de paternidade jurídica, advinda do modelo clássico de filiação, Código Civil de 1916, bem como os incisos III, IV e V, refletem a paternidade biológica:

Art. 1597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II – nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III –havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

O novo Diploma Civil expandiu as relações de parentesco antes restritas às relações consanguíneas e de adoção, ao alcance de um novo parentesco originado em laboratório, com o auxílio de médicos especialistas em reprodução humana, seja por reprodução humana artificial ou assistida. No art. 1.597, V, o marido ao consentir a

18 LÔBO, Paulo. Socioafetividade em família e a orientação do STJ. Considerações em torno do REsp

709.608. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3760, 17 out. 2013 . Disponível

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inseminação de sua esposa, presume-se pai do filho dela, mesmo que a técnica utilizada não contenha seu gameta.

Os avanços nos testes de paternidade permitiram exames com uma taxa superior a 99,9999% de confiança, sendo considerados pela jurisprudência uma prova científica incontestável. Com isso, esse exame possibilitou conhecer a identidade genética das pessoas, em uma verdadeira busca da verdade biológica, aliando-se a filiação jurídica (civil), já conhecida pelo sistema clássico.19

No entanto, o critério biológico não é mais o único hábil a estabelecer a paternidade, pois essa não é apenas um laço de sangue, mas sim um conjunto de gestos que simbolizam a dedicação e o cuidado que um pai deve ter em face do filho no cotidiano; não

pode ser limitada a verdade biológica esclarecida através de um exame de DNA. “A chamada

verdade biológica nem sempre é adequada, pois a certeza absoluta da origem genética não é suficiente para fundamentar a filiação, especialmente quando esta já tiver sido constituída na

convivência duradoura com pais socioafetivos ou quando derivar da adoção”.20

É importante mencionar que, antes do novo Código Civil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) disciplinou a doutrina da proteção integral, da criança e do adolescente, representando a tutela de seus interesses (art. 1º). No seu art. 26, ratificou a igualdade entre os filhos nascidos e o reconhecimento dos nascidos fora do casamento, através do registro de nascimento, por escritura pública ou outro documento público.

No seu art.27, estabeleceu a possibilidade de investigação de paternidade pelo

filho: “O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e

imprescritível, podendo ser exercido contra os pais e seus herdeiros, sem qualquer restrição,

observado o segredo de justiça”.

Portanto, nota-se que o novo Código Civil passa a implementar em seus dispositivos a proteção da dignidade da pessoa humana, princípio fundamental na Constituição Federal de 1988 e norteador no Direito de Família, de suma importância na resolução de conflitos de paternidade no caso concreto.

19 DONIZETTI. op. cit, p.14.

20 LÔBO, Paulo. Socioafetividade em família e a orientação do STJ. Considerações em torno do REsp 709.608. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3760, 17 out. 2013 . Disponível

(24)

2.5.Presunção de paternidade e prova da filiação

O nosso Direito Civil baseia-se em presunções para reconhecer a filiação, mesmo diante de avanços como o ocorrido com a descoberta do exame de DNA. Isso ocorre diante da dificuldade em fixar o momento da concepção para atribuir a paternidade a alguém. A doutrina divide as presunções em: presunção pater is est, presunção mater semper certa est e

a presunção de paternidade a quem teve relação sexual com a mãe à época da concepção. O art. 1.597, conforme já explicitado, prevê expressamente hipóteses de presunção da paternidade na constância do casamento. Essas hipóteses, com o avanço da biotecnologia, discutem a importância da origem genética do indivíduo, mas não seriam presunções absolutas, cabendo prova em contrário quando existir vínculo socioafetivo. A presunção biológica não contestada permanecerá, caso não haja nenhuma modalidade socioafetiva constituída, como na adoção e quando houver posse de estado filial.21

A presunção da maternidade é sempre certa e o casamento gera presunção de paternidade, pater is est quem nuptiae demonstrant (pai é quem núpcias demonstra). Isso

remonta dos tempos antigos, onde não era possível identificar a paternidade, mas continua válida atualmente para atender ao caráter afetivo da família, bem como para manter o dever de fidelidade oriundo do casamento. Para Paulo Lôbo:

A mudança do direito de família, da legitimidade para o plano da afetividade, redireciona a função tradicional da presunção pater is est. Destarte, sua função deixa de ser a de presumir a paternidade em razão do estado de filiação, independentemente de sua origem ou de sua concepção. A presunção da concepção relaciona-se ao nascimento, devendo este prevalecer.22

Esse pensamento decorre do fato de ser difícil definir a paternidade quando não existe convivência do homem e da mulher na mesma casa, mais fácil seria definir pela posse de estado de filho na época do nascimento da criança, posição já adotada em países como a Alemanha.

Os filhos advindos da união estável não gozam da presunção pater is est, tendo

em vista não constar no art. 1724 do CC/2002, o dever de fidelidade entre os companheiros. O art.1.597, I, presumiu filho o nascido após 6 meses do início do casamento. Ademais, o art. 1523, II, não aceita o casamento da viúva até 10 meses depois do começo da viuvez, ou da

(25)

mulher cujo casamento se desfez, por igual período. Tal artigo visa proteger a presunção de paternidade do filho gerado no casamento anterior.

A presunção da paternidade originária da manipulação genética, presente nos três últimos incisos do art. 1597, são a fecundação por inseminação artificial de embriões excedentários, a fecundação por inseminação artificial heteróloga ou homóloga. Pode ser feita a inseminação post mortem, e a I Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça, 2002,

estabeleceu o seguinte enunciado:

Interpreta-se o inciso III do art. 1.597 para que seja presumida a paternidade do marido falecido, que seja obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja ainda na condição de viúva, devendo haver autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após a sua morte.

A presunção de paternidade nas técnicas de reprodução assistida decorreu devido aos avanços no campo da ciência, o embrião é o ser originado da junção dos gametas e atualmente há duas maneiras de reprodução artificial: a fertilização in vitro, em que ocorre a

fecundação fora do corpo da mulher e a inseminação artificial, que introduz o gameta masculino na mulher e espera a fecundação natural. Esse pai que aceitou a inseminação de sua mulher por um material genético de outro homem é o pai socioafetivo da criança.

Quanto a prova, no Brasil, a filiação é constatada pela certidão do registro de

nascimento, CC art. 1603. Nos termos do art. 1.604 “ninguém pode vindicar estado contrário

ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade”. É possível invalidar por meio de ação de investigação de paternidade, a ser requerida somente pelo suposto pai. Nas palavras de Paulo Lôbo:

O registro produz uma presunção de filiação quase absoluta, pois apenas pode ser invalidado se se provar que houve erro ou falsidade. A declaração do nascimento do filho, feita pelo pai, é irrevogável. Ao pai cabe apenas o direito de contestar a paternidade, se provar, conjuntamente, que esta não se constituiu por não ter sido o genitor biológico e não ter havido estado de filiação estável.23

O registro possui, portanto, fé pública, sendo uma presunção de verdade, juris

tantum (relativa), que pode ser afastada quando, por exemplo, uma pessoa declara como seu o

filho de outra pessoa.

(26)

No art. 1.605 do CC/2002, consta que na falta ou defeito do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito: I- quando houver começo de prova por escrito, proveniente dos pais, conjunta ou separadamente; II- quando

existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos”. O exemplo clássico dado pela

doutrina é de quando o filho não é registrado no tempo certo ou quando o livro em que consta o registro fora objeto de extravio.

O direito de saber quem é o pai é personalíssimo e toda pessoa pode buscar sua origem genética através de investigação de paternidade.

2.6.O reconhecimento dos filhos

A filiação socioafetiva deverá ser reconhecida por meio de uma ação declaratória de existência desse vínculo e compete ao filho socioafetivo. Os filhos extramatrimoniais equiparados aos matrimoniais pela CF/88 podem ser reconhecidos voluntária ou judicialmente conforme será analisado nesse tópico. Conforme o art. 27 da Lei 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): “O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça”.

Como já visto no tópico anterior, os filhos oriundos do casamento gozam de presunção de paternidade, no entanto os filhos extramatrimoniais deverão ser reconhecidos, revelando a paternidade ou maternidade. Esse reconhecimento pode ser dado de forma voluntária ou espontânea, sem precisar de intervenção judicial ou por decisão judicial coercitiva, o que implica em obrigatoriedade de aceitação da filiação por parte do genitor.

O art.1.609 do CC/2002 enumera as hipóteses de reconhecimento voluntário: I - no registro do nascimento; II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório; III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado; IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém. O art. 26 do ECA nesse sentido afirma: “Os filhos havidos fora

do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante escritura ou outro documento público,

(27)

Tem se então que o reconhecimento conforme o inciso I do art. 1.609, pode ser feito por ambos os pais conjunta ou individualmente, no assento de nascimento com assinatura ou por meio de procuração. A Lei 8.560/92 estabelece que quando a mãe faz menção ao suposto pai, terá início à averiguação judicial da paternidade pelo Oficial do Cartório e caso a informação seja confirmada pelo pai o oficial lavrará o termo.

II- “por escritura pública ou escrito particular”: não é necessário que tenha o fim específico da filiação, pois pode ocorrer até em uma escritura de compra e venda, desde que seja claro e evidente o reconhecimento da paternidade. Esse documento será arquivado no cartório. No entanto, doutrinadores divergem sobre a possibilidade de aceitação do reconhecimento feito em documento sem finalidade de perfilhação, mas convergem ao admitirem que tal escrito poderá ser usado na ação de investigação de paternidade.

No inciso III do art.1.609, o reconhecimento por testamento possui caráter declaratório e é irrevogável, salvo vício ou defeito na manifestação de vontade.24 Afirma Sílvio de Salvo Venosa:

Sabido é que o ato de última vontade visa especificamente às disposições patrimoniais. No entanto, esse negócio bilateral pode conter cláusulas que não têm mira, de forma direta, o patrimônio. É o que ocorre com o reconhecimento de filiação, com expresso na lei, bem como a nomeação de tutor ou curador, concessão de títulos honoríficos et. Aliás, independentemente da menção da lei, nunca se duvidou que o testamento pudesse conter cláusulas não patrimoniais e especificamente servisse para reconhecimento de filiação e que, nesse ponto, o reconhecimento não pode ser revogado (art.1.610). O testamento, por sua natureza, é negócio jurídico essencialmente revogável.25

Por fim, o inciso IV, dispõe sobre a perfilhação por manifestação direta ao juiz, poderá ser tomada por termo e equivale a uma escritura pública, pois foi manifestada perante uma autoridade que possui fé pública; pode ocorrer mesmo que o reconhecimento não seja o

objeto principal do ato. Ressalta Paulo Lôbo: “Se o ato for confissão do réu em ação de

investigação de paternidade ou maternidade, não será considerado reconhecimento voluntário, pois depende de sentença transitada em julgado”.26

Através do art.1610, infere-se que o reconhecimento feito por meio de testamento não poderá ser revogado, pois identifica a vontade do testador, mesmo na constância de um

24 PEREIRA. Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 256.vol.5: Direito de Família.

25 VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil. 10º ed. São Paulo: Atlas, 2010. p.254. Vol.6: Direito de Família.

(28)

novo testamento. Ademais, conforme o art. 1.607: “O filho havido fora do casamento pode ser

reconhecido pelos pais, conjunta ou separadamente”.

O reconhecimento é ato solene27 e irrevogável. Para Venosa, a modalidade de reconhecimento voluntário é usada com mais frequência para designar a paternidade, tendo em vista a maternidade ser um fato mais perceptível, devido a gravidez e ao parto. Pode ser que ocorra a falta do nome materno no registro da criança, em caso de abandono, por exemplo. Disso, resulta ser a paternidade uma presunção e a maternidade um fato, podendo essa ser reconhecida também de acordo com as hipóteses previstas no art.1609.28

Esse ato é unilateral, pois gera direitos a partir da manifestação de vontade do declarante, mas não está sujeito a condição ou a termo para ser válido, art. 1613. O art. 1614 estabelece a necessidade de consentimento do filho maior, sendo que o menor poderá impugná-lo após quatro anos da maioridade, ou após a emancipação. Esse artigo demonstra um caráter sinalagmático do reconhecimento, devido à possibilidade de impugnação, apesar de ainda ser classificado como unilateral.29

Conforme doutrina majoritária, no mundo contemporâneo a origem biológica da paternidade não é a única causa do direito à filiação, pois com o advento da inseminação heteróloga, adoção e a paternidade socioafetiva, o vínculo sanguíneo fica em segundo plano, para os efeitos jurídicos. Volta-se, então, aos primórdios do Direito Romano, quando o caráter consanguíneo não era relevante.30

As certidões de nascimento não poderão possuir ressalvas que indiquem ser a filiação extramatrimonial ou qualquer tipo de discriminação que classifique a origem filial, a fim de garantir a igualdade entre os filhos.

Conforme afirma Caio Mário da Silva Pereira: “O reconhecimento, atribuindo

status a um filho, não terá validade se este já tem um pai no registro de nascimento, pois que é

incivil a dualidade de filiações na mesma pessoa”.31 Verifica-se, então, que o filho só poderá ser reconhecido se não tiver perfilhação, mas é possível a desconstituição do registro anterior em caso de erro ou falsidade, conforme entendimento da doutrina e jurisprudência.

Sobre o reconhecimento judicial da filiação, poderá ocorrer quando o pai não quer registrar espontaneamente o filho, deverá, então, ser proposta a ação de investigação de

27 VENOSA. op.cit., p.251. 28 VENOSA. op. cit., p. 252. 29 VENOSA. op. cit., p.252. 30 VENOSA. op. cit., p.251.

(29)

paternidade pela mãe, caso o filho seja menor, ou pelo próprio filho, caso maior. Segundo o art.1.606, poderá ser promovida contra o pai e até mesmo contra seus herdeiros, caso o genitor seja falecido. Tal ação poderá ser iniciada pelo Ministério Público ou acompanhada por ele, por ser uma ação de estado (art.82 CPC).

É imprescritível o direito de pleitear a filiação judicial, segundo a súmula 149 do

STF: “É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança”. O rito dessa ação é ordinário e o pedido poderá ser cumulado com alimentos e herança. Deverá ser ajuizada pelo filho, pois trata-se de uma ação personalíssima, no entanto, poderá ser representado ou assistido pelo genitor já reconhecido. No caso de investigação oficiosa, poderá ser intentada pelo Ministério Público, quando possuir elementos que comprovem a paternidade, nesse caso, atua como substituto processual, defendendo interesse dos menores. No polo passivo da ação, além do pai, caso tenha falecido, poderá estar seus herdeiros. Quando não houver ascendentes ou descendentes, figurará no polo passivo a esposa

herdeira do suposto pai. Conforme o art. 1.615, do CC/2002: “Qualquer pessoa, que justo interesse tenha, pode contestar a ação de investigação da paternidade, ou maternidade.”

A sentença nessa ação é de eficácia declaratória e possui efeitos erga omnes, pois

declara fato preexistente; terá efeito ex tunc, retroativos à data do nascimento. O

reconhecimento da filiação gera direitos patrimoniais, hereditários, podendo o recém-reconhecido pleitear alimentos. Além disso, o filho menor recém-reconhecido ficará sujeito ao poder familiar, mas o art. 1.611, do CC/2002, estabelece que o filho extraconjugal reconhecido não poderá residir na mesma casa do cônjuge, caso esse não o aceite. Desse fato, conclui-se que o direito personalíssimo do filho de ser reconhecido, direito de saber sua origem genética, não pressupõe direito a convivência familiar na mesma residência do genitor que o reconheceu.

Ademais, em decisão inédita o STJ, seguindo o voto da ministra Nancy Andrighi, por unanimidade, decidiu que a paternidade socioafetiva não afasta o direito ao reconhecimento do filho biológico. É importante trazer a baila dois trechos do processo, que teve seu número ocultado por ser sigiloso:

Se é o próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico com outrem, porque durante toda a sua vida foi induzido a acreditar em uma verdade que lhe foi imposta por aqueles que o registraram, não é razoável que se lhe imponha a prevalência da paternidade socioafetiva, a fim de impedir sua pretensão”

(30)

insurgência, ao tomar conhecimento de sua real história, de ter acesso à verdade biológica que lhe foi usurpada, desde o nascimento até a idade madura 32

Dessa decisão é possível concluir que a existência da filiação socioafetiva, mesmo que já reconhecida, não impede que o filho socioafetivo busque sua verdadeira identidade genética. No caso da adoção civil, poderá ter acesso à sua verdade biológica, sem os efeitos jurídicos dela. Já na adoção à brasileira, que é o caso julgado pelo STJ, em que a adoção é fruto de um ilícito, o filho poderá impugnar a filiação socioafetiva e buscar a sua verdade biológica, optar por ela e ser favorecido com todos os direitos inerentes à paternidade, sejam patrimoniais ou pessoais.

32 Paternidade socioafetiva não afasta direito ao reconhecimento do vínculo biológico. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=111773&utm_source=agenci

a&utm_medium=facebook&utm_campaign=Feed%3A+STJNoticias+%28STJNoticias%29>.Acesso em: 17 out.

(31)

3. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA

3.1.O afeto e a paternidade socioafetiva

O novo Direito de Família surgido após as transformações na sociedade, como a emancipação feminina, refletiu nas relações paterno-filiais, que agora são baseadas em vínculos que ultrapassam o critério biológico já mencionado. Observa-se que:

A família patriarcal perpassou a história deste país e marcou, profundamente, a formação do homem brasileiro. Suas funções mais evidentes eram econômico-patrimoniais, políticas, procracionais e religiosas. A função de realização da comunidade afetiva, que passou a ser determinante ao final do Século XX, era secundária. A filiação biológica, desde que originada na família matrimonializada, era imprescindível para o cumprimento dessas funções e papéis, notadamente de preservação da unidade patrimonial.33

A palavra afeto, de origem latina, affectus, significa “feitos um para o outro”,

representa o sentimento, afeição, afinidade de uma pessoa para com a outra. Hoje, o critério da paternidade socioafetiva já está presente nas decisões dos tribunais, no entanto há divergências sobre o tema, o que será mostrado no capítulo seguinte. Esse instituto decorre não apenas do sentimento do pai para o filho, mas também do reconhecimento social e da convivência familiar. É considerado, portanto, um verdadeiro parentesco, pois prevalece diante da filiação biológica em determinados casos.

O afeto é ligado ao princípio da solidariedade, presente na CF/88 no art.229, nas

relações entre pais e filhos, no dever de mútua assistência. Para Paulo Luiz Netto Lôbo, “O

afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência

familiar, e não do sangue”.34

O princípio da afetividade nas relações familiares já existe mesmo antes da atual Constituição, o exemplo clássico é a adoção, modalidade de filiação socioafetiva, como veremos a seguir, que se funda em laços de afeto e na vontade, pois não há vínculo consanguíneo.

33 LÔBO, Paulo. Princípio jurídico da afetividade na filiação. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 41, 1 maio 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/577>. Acesso em: 9 out 2013.

(32)

Esse princípio não está explícito na Carta Magna, mas possui seus fundamentos inseridos nela. Primeiro ao falar da igualdade entre os filhos, proibida qualquer designação discriminatória a eles, art. 227, §6º. Do segundo fundamento, presente no art.227, §§ 5º e 6º, depreende-se que a adoção é uma escolha afetiva e o filho adotivo conseguiu a igualdade de direitos com os demais. O terceiro elemento que fundamenta a afetividade é a proteção da família, incluindo a monoparental, art.226, §4º.35

Um dos grandes desafios que envolvem a temática é conciliar o direito de personalidade ao conhecimento da origem genética, desvinculada da paternidade de fato, com o direito a relação de parentesco, base da filiação socioafetiva. O presente estudo defende o direito ao reconhecimento da filiação socioafetiva, mesmo que implique atribuição de uma paternidade diferente da biológica, quando resultar de um ato voluntário de quem pretende ser pai ou mãe, incluindo os requisitos necessários para que ocorra a filiação socioafetiva, conforme será exemplificado nesse capítulo.

Sobre a paternidade socioafetiva, para Paulo Luiz Netto Lobo: “Toda paternidade

é necessariamente socioafetiva, podendo ter origem biológica ou não; ou seja, a paternidade

socioafetiva é gênero do qual são espécies a paternidade biológica e a não biológica”.36

Vários questionamentos podem ser feitos em torno da filiação socioafetiva, como no caso do homem que registra filho de sua mulher, sabendo ser de outro; poderia esse pai socioafetivo pleitear a posterior anulação do registro em caso de arrependimento? Outro exemplo é quando o filho socioafetivo deseja anular o registro de nascimento em que consta pai não biológico.

Diante disso, Washington de Barros Monteiro37 e Maria Berenice Dias38 defendem que a paternidade assumida sem vício de consentimento (erro ou dolo) não poderá ser desfeita. O presente trabalho também defende que a paternidade deverá ser reconhecida e mantida, quando não haja vício de consentimento, erro, dolo ou coação, sempre que estiverem

presentes os elementos ensejadores da “posse de estado de filho” perpetrados através do

tempo e o pai biológico for desconhecido. Ademais, caso haja vício, a pessoa enganada poderá propor uma ação de reparação por danos morais contra o cônjuge ou ex-cônjuge que omitiu a verdadeira filiação da criança.

35 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 41, 1 maio 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/527>. Acesso em: 9 out 2013.

36 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A paternidade socioafetiva e a verdade real. Revista CEJ, n.34, jul./ set. 2006. p.16.

37 MONTEIRO. op. cit., p. 386.

(33)

Deve-se ressaltar que a paternidade socioafetiva não excluirá a biológica, até porque isso estimularia a paternidade irresponsável. A verdade socioafetiva deve ampliar os laços de filiação e não restringi-los. Se o pai biológico sabia da existência do filho e não o assumiu deverá arcar com seus deveres, caso o filho necessite, mesmo que esse já possua um pai socioafetivo. O filho não poderá ser prejudicado por um ato de terceiro, seja pai ou mãe e poderá buscar a verdade biológica quando souber da sua real condição de filho afetivo. Ademais, o filho socioafetivo de pai biológico desconhecido, morto ou sem condições de sustentá-lo poderá manter a filiação sociológica, caso ela exista.

Quando houver vício de consentimento, defendemos o desfazimento registral,

conforme jurisprudência do Tribunal de Justiça de Sergipe:

Civil - Ação negatória de paternidade cumulada com anulação de registro civil - DNA excludente de paternidade - Registro realizado sob vício de consentimento - Impossibilidade de reconhecimento de paternidade sócio-afetiva - Decisão mantida. I - Configurado o vício de consentimento por parte do apelado, que registrou a criança pensando que era sua filha, caracterizado está o impedimento ao reconhecimento da paternidade sócio-afetiva; II- Recurso conhecido e desprovido.(TJ-SE - AC: 2012201346 SE , Relator: DESA. MARILZA MAYNARD SALGADO DE CARVALHO, Data de Julgamento: 09/04/2012, 2ª.CÂMARA CÍVEL).

Quando há ausência de vício de consentimento e o pai socioafetivo registra espontaneamente a criança como sua, o entendimento que coadunamos é no sentido de manter a paternidade registral:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE. PEDIDO DE RETIFICAÇÃO DO REGISTRO. AUSÊNCIA DE PROVA DO ALEGADO VÍCIO DE CONSENTIMENTO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA CONFIGURADA. PRECEDENTES. 1. Inexistindo demonstração do vício de consentimento quando do reconhecimento da paternidade por meio de registro do nascimento dos filhos, não há que se falar em anulação, tampouco retificação registral. 2. Caso concreto em que a instrução processual cabalmente demonstrou a existência da posse de estado de filho. APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJ-RS - AC: 70043071695 RS , Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Data de Julgamento: 29/09/2011, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 04/10/2011).

A impossibilidade de desconstituição da paternidade socioafetiva, é um efeito jurídico do reconhecimento voluntário da filiação socioafetiva, que será tratado com mais detalhes no capítulo 3 desse trabalho.

Diante de conflito de jurisprudências, é inegável a necessidade de reconhecimento

(34)

de unificar as decisões. Nota-se que, somente a ausência de vínculo biológico, não é suficiente para desconstituir uma paternidade, caso existam elementos ensejadores da paternidade socioafetiva.

As decisões deverão reconhecer valor jurídico ao afeto, valorizando o novo modelo de filiação em detrimento até mesmo da comprovação por meio de DNA, da não paternidade biológica.

Foi firmado entendimento doutrinário sobre o reconhecimento da paternidade socioafetiva através dos enunciados 103 e 108, da I Jornada de Direito Civil39, coordenada pelo ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ruy Rosado de Aguiar Júnior, realizada pelo Centro de Estudos Judiciários (CEJ) do Conselho da Justiça Federal (CJF), com as seguintes redações:

103 – Art. 1.593: o Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho.

108 – Art. 1.603: no fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603, compreende-se, à luz do disposto no art. 1.593, a filiação consanguínea e também a socioafetiva.

3.2.Posse de Estado de Filho como pressuposto da filiação socioafetiva

A posse de estado de filho ocorre pelo vínculo da aparência, maneira que a paternidade ou maternidade se exteriorizam para o meio social, em que não necessariamente expressam a verdade. Esse instituto é essencial para caracterizar a filiação socioafetiva, mas também não está previsto no sistema jurídico brasileiro, apesar de ter sido utilizado no direito anterior como prova para suprir o registro de filhos nascidos no casamento.

Afirma Paulo Luiz Netto Lôbo:

constitui-se quando alguém assume o papel de filho em face daquele ou daqueles que assumem os papéis ou lugares de pai ou mãe ou de pais, tendo ou não entre si vínculos biológicos. A posse de estado é a exteriorização da convivência familiar e da afetividade, [...], devendo ser contínua.40

39 Evento realizado no período de 11 a 13 de setembro de 2002, em Brasília.

(35)

Para provar a posse de estado de filho não é necessário saber a origem da filiação, mas a existência de convivência duradoura, exercício dos direitos e deveres inerentes a função paterna e conhecimento social. Esses requisitos precisam estar presentes em conjunto, a fim de provar o estado de filho. O instituto da posse de estado de filho é essencial no reconhecimento não apenas dos filhos matrimoniais, mas também dos socioafetivos, como os

adotivos, “filhos de criação” e os oriundos da adoção à brasileira.

O enunciado n. 256 formado na III Jornada de Direito Civil41 estabeleceu o seguinte entendimento: “Art. 1593: A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil”.

Segundo Julie Cristine Delinski:

a posse de estado de filho surgiu no Direito Português das Ordenações, o qual distinguia os filhos legítimos e ilegítimos, e em que: o pai podia, ainda reconhecer a qualidade de filho a alguém que naturalmente o fosse (perfilhação) podendo até ser forçado a isso, mediante ação posta pelo filho e baseada em posse de estado de filho ou em qualquer outras conjecturas […].42

Essa noção “posse de estado” foi inserida no direito brasileiro através do Código

Civil de 1916, ao referir-se explicitamente a “posse de estado” no casamento, a fim de provar a existência desse em face dos filhos em comum do casal.43 O nosso atual Código Civil

também traz essa noção, no art. 1547, por exemplo: “Na dúvida entre as provas favoráveis e

contrárias, julgar-se-á pelo casamento, se os cônjuges, cujo casamento se impugna, viverem ou tiverem vivido na posse do estado de casados”. No entanto, não há nenhuma definição ou artigo que remeta a posse de estado de filho no antigo nem no atual Código. Atualmente é usada por doutrinadores e juristas, a fim de evidenciar a verdadeira filiação.

Nas palavras de Carmela Salsamendi de Carvalho: “O estado é, indubitavelmente, importante, pois se constitui num pressuposto ou fonte de direitos e deveres, bem como fator

determinante da capacidade e legitimidade do sujeito para a prática de certos atos jurídicos”.44 A importância desse instituto ocorre quando a paternidade biológica ou jurídica forem insuficientes para presumir a paternidade, valendo-se da relação pai-filho. O verdadeiro

41 Realizada nos dias 1 a 3 de dezembro de 2014, em Brasília. 42 DELINSKI. op. cit., p.38.

43 “Art. 203. O casamento de pessoas que faleceram na posse de estado de casadas não se pode contestar em prejuízo da prole comum, salvo mediante certidão do registro civil, que prove que já era casada alguma delas, quando contraiu o matrimônio impugnado (art. 183, VI).”

(36)

pai cumpre seus deveres de sustento, educação e formação moral, sem descuidar do afeto, dando um sentido real e verdadeiro à paternidade.45

O novo Direito Civil evoluiu para a noção de que a paternidade é um direito de todos. A busca por esse direito trouxe a classificação quanto a natureza da filiação, biológica, jurídica e socioafetiva, como explicitado no capítulo 1 desse trabalho. A paternidade seria a comunhão dessas espécies, sem privilegiar uma em detrimento da outra. Esse novo direito valoriza os princípios da afetividade, que decorre da valorização da dignidade da pessoa humana, da igualdade e do melhor interesse da criança.

Apresentam-se como um novo modelo as famílias recompostas, formadas por pai

e mãe que possuem filhos de um casamento anterior. “O enteado, a depender do caso, se

apresenta como mais um filho para este padrasto ou madrasta, sendo um filho, não do sangue,

mas do coração, ou melhor, do amor [...]” 46

Um exemplo que identifica o melhor interesse da criança e do adolescente em face da situação originada de uma família recomposta é a possibilidade de inclusão do sobrenome do padrasto. A Lei de Registros Públicos47, prevê o seguinte no seu artigo. 57, §8º (Incluído pela Lei nº 11.924, de 2009):

O enteado ou enteada, havendo motivo ponderável, e na forma dos §§ 2º e 7º deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância desta, sem prejuízo de seus apelidos de família.

No entanto, esse fato não corresponde a direito aos alimentos ou sucessórios, mas representa a expansão do princípio da afetividade norteando as relações familiares. Trata-se de uma homenagem do enteado ao padrasto, não do reconhecimento filial em si.

Outra situação que representa a importância da paternidade socioafetiva é aquela do padrasto que se separa da mulher, mas que possui vínculo afetivo com o filho dela, construído ao longo dos anos de convivência, em que, muitas vezes, foi o verdadeiro pai da criança. Esse padrasto ou madrasta poderá pleitear a regulamentação das visitas, o que já está sendo aceito por alguns tribunais:

45 DELINSKI. op. cit., p.39

46 CALADO. Aline Vieira. Parentesco por afinidade socioafetiva e obrigação alimentar. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7288. Acesso em 12.10.2013.

Referências

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