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Sumário. Texto Integral. Tribunal da Relação de Guimarães Processo nº 1511/12.0TBVRL.G1

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Tribunal da Relação de Guimarães Processo nº 1511/12.0TBVRL.G1 Relator: HIGINA CASTELO

Sessão: 29 Junho 2017 Número: RG

Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: PROCEDENTE

RESPONSABILIDADE CIVIL

RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL

RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL

RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACTIVIDADE PERIGOSA

Sumário

A empresa que recebe clientes nas suas instalações deve manter os equipamentos perigosos, e de existência e modo de funcionamento

desconhecidos da generalidade dos clientes, protegidos de modo a que um cliente não consiga deles aproximar-se por mera distração, sob pena de

responder pelos danos causados pelo contacto inadvertido de um cliente com o dito equipamento

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães*:

I. Relatório

VITOR, autor na ação declarativa de condenação indicada à margem, por si movida contra COMPANHIA DE SEGUROS, notificado da sentença

absolutória e com ela não se conformando, interpôs o presente recurso.

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O autor intentou a ação pedindo a condenação da ré no pagamento de uma indemnização de € 35.750 correspondente aos danos que sofreu na sequência de um acidente num centro de inspeções de viaturas automóveis que, por sua vez, tinha contratado com a ré um seguro de responsabilidade civil pelos danos decorrentes para terceiros do exercício da sua atividade.

Para tanto alegou ter levado a sua viatura automóvel ao centro de inspeções para ser inspecionada e que, quando a sua viatura estava junto ao frenómetro, foi chamado pelo funcionário que a testava e, no percurso, acabou por entalar os dois pés nos rolos do frenómetro, que não se encontravam vedados nem sinalizados, tendo sofrido diversos danos, que especifica.

Citada, a ré contestou dizendo que foram cumpridas todas as normas de

segurança, tendo o acidente ocorrido por culpa do autor que, sem autorização, saiu da passadeira de segurança e se dirigiu para junto da viatura.

Após julgamento, a ré foi absolvida do pedido, com o que o autor não se conforma.

O recorrente conclui as suas alegações de recurso da seguinte forma:

«1. Mesmo com base na matéria de facto provada, designadamente pela que consta da alínea H) e da última parte da al. BB) ambas dos factos provados da sentença recorrida, devia concluir-se pela responsabilização da empresa e, consequentemente, da R. uma vez que a referida factualidade (inexistência de qualquer vedação que impedisse alguém de se aproximar dos referidos rolos - al. H) e a possibilidade de o condutor acompanhar o veículo submetido à

inspeção - parte final da al. BB) constituía uma situação de risco em termos de o acidente poder acontecer por qualquer contacto involuntário.

2. A justeza deste nosso entendimento não é afastada, nem pela restante factualidade da indicada al. BB), nem pela que integra as als. DD), EE) e FF).

Quanto às três primeiras porque em nenhuma dessas alíneas se faz qualquer referência específica aos rolos ou frenómetro em que o “Autor ficou com os pés entalados”, enquanto que no que respeita à al. FF), embora aí constando que o A. “deu um passo em frente e colocou os seus pés sobre os rolos da máquina ...”, consideramos não assumir qualquer relevância por nada se referir quanto às circunstâncias e por que motivos tal aconteceu.

3. E se assim sempre devia concluir-se, por maioria de razão o mesmo se devia concluir e considerar tendo em conta que, de acordo com o depoimento da testemunha que foi o funcionário que fez a inspeção em causa, o referido acompanhamento podia ser feito com o condutor na proximidade imediata do carro e até encostada ao carro (v.min. 9.16).

Assim sendo, estando o carro na zona dos rolos (frenómetro) bastava um pequeno descuido ou desequilíbrio para o acidente acontecer, tanto que a

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explicação que a mesma testemunha deu para o acidente em causa foi precisamente o A. ter tropeçado ou se ter desequilibrado (v.mins. 1.55 e 13.41).

4. Para o caso de assim não se entender, com base numa, quanto a nós, melhor análise e valoração dos dois meios de prova produzidos em audiência que

versaram a forma e circunstâncias do acidente (declarações do autor e depoimento do próprio funcionário que fez a inspeção, a testemunha Paulo) impõem que se dê como não provada a factualidade das als. DD), EE) e EF) dos factos provados da sentença e a factualidade dos pontos 2 e 3 passe a constar como provada: que quando o funcionário efetuava a inspeção, chamou o Autor para lhe explicar a razão de ser de não ter passado nas duas inspeções anteriores e então já estar em condições de poder ser aprovado (ponto2) e que devido à chamada do funcionário, o Autor dele se foi aproximando para o ouvir melhor chegando mesmo ao frenómetro em cujos rolos acabou por tocar com o pé direito (ponto 3).

5. Na verdade, em declarações que, tanto pelo seu conteúdo, como pela forma como foram prestadas, entendemos deverem merecer toda a credibilidade, o autor assegurou que só se aproximou do carro por ter sido "gestualmente"

chamado pelo inspetor e foi precisamente por isso que acabou por pôr o pé nos rolos (v.mins. 2.50, 3.45, 6.10, 29.17 e 33.58).

De resto, para além de ser normal que, tratando-se da 3.ª inspeção, o inspetor quisesse dar uma explicação ao autor e para tal o chamasse, do depoimento desse mesmo funcionário se pode inferir e ter como certo que assim

efetivamente terá acontecido, dado ter admitido expressamente ter feito algum gesto que o autor possa ter interpretado como sendo para o chamar (v.min. 13.06).

Ora, conjugando essa resposta com o facto de, conforme também por ele reconhecido, imediatamente antes, o autor ter ficado fora do seu campo de visão ( v.min. 7.37 e 9.16), parece-nos forçoso concluir que nessa

circunstância, a possibilidade por ele admitida implicava que o gesto tivesse sido feito directamente dirigido ao autor.

Tanto mais que, apesar de ao arrancar com o carro para os tais rolos "ter deixado o A. para trás e não saber onde ele estava (v.min. 7.09) começou por espontaneamente dizer que o Autor tinha tropeçado (v.min.1.55), no mesmo sentido afirmou depois que o acidente só pode ter acontecido em virtude de o A. ter tropeçado ou se desequilibrado (v.min. 13.41), o que significa que, afinal, viu como todo aconteceu, tal só sendo possível porque se virou para o autor, precisamente para o chamar.

O que significa que, nessa parte, a testemunha não disse toda a verdade, certamente por receio de ser responsabilizado e pelo facto de ainda ser

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funcionário do mesmo centro de inspeções.

6. Com a ora propugnada alteração da decisão da matéria de facto,

necessariamente que a acção tem que ser julgada procedente, mediante a com a condenação da R. a pagar ao A. a importância que se considere adequada à indemnização dos danos morais por este sofridos em consequência do

acidente, de acordo com a respectiva factualidade provada.

7. Assim não se tendo entendido e decidido, pensamos, com o devido respeito, que a sentença recorrida enferma de errada análise e valoração da prova e desconformidade com as regras da experiência comum, assim como de menos correta interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, nomeadamente dos artigos 483.º, 499.º, 505.º, e 572.º, todos do C. civil (…).»

A recorrida respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.

Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.

Objeto do recurso

Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da

apelação (arts. 635, 637, n.º 2, e 639, n.ºs 1 e 2, do CPC).

Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as questões de saber se a decisão de facto deve ser alterada e se se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil.

II. Fundamentação de facto

Provaram-se os factos a seguir enunciados, que correspondem aos adquiridos em 1.ª instância, com as alterações abaixo justificadas em III.A.:

A. No dia 28 de setembro de 2011, o A. levou o seu veículo automóvel AX ao Centro de Inspeção, sito na zona industrial, em Vila Real, para aí ser objecto da inspeção periódica legalmente obrigatória.

B. Na data referida em A, CF, Lda. tinha em vigor um contrato de seguro celebrado com a ré, titulado pela apólice 0053088TI.

C. Quando decorria a inspeção do veículo referido em A, o autor entalou os pés nos rolos do frenómetro.

D. Logo após o referido em C, o autor foi transportado pelo INEM ao Hospital de Vila Real para aí ser assistido.

E. Na data referida em A, o centro de Inspeções aí referido era explorado por CF, Lda.

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F. Na data referida em A, era a terceira vez que o veículo do autor ia fazer a inspeção, não tendo sido aprovado nas duas primeiras.

F’. Por um gesto que o inspetor fez, o autor convenceu-se de que aquele o estava a chamar e aproximou-se do veículo; ao fazê-lo, pisou a zona dos rolos, acabando por ficar com o pé direito preso.

G. Imediatamente após ter ficado com o pé direito preso nos rolos e porque tentava libertar-se, o autor deu um passo em frente, assim tendo também ficado preso o pé esquerdo.

H. Não existia vedação que impedisse alguém de se aproximar dos referidos rolos.

I. Imediatamente após o referido em C, o autor foi acometido por dores lancinantes.

J. Foram diagnosticadas ao autor fratura do pé esquerdo e golpes nos dedos do pé direito.

K. Para acorrer à fratura do pé esquerdo, logo lhe foi aplicado um aparelho de gesso que se prolongava pela perna.

L. Com o qual teve que se manter durante cerca de 2 meses.

M. Por ter o pé direito suturado, também não o podia pôr no chão, tendo ficado totalmente impossibilitado de andar.

N. Só podia deslocar-se arrastando-se pelo chão ou com ajuda de pessoas amigas que o transportavam ao colo.

O. Só passando a ter alguma autonomia de movimentos através do uso de uma cadeira de rodas que lhe foi emprestada por uma pessoa amiga.

P. Situação que se prolongou durante cerca de 2 meses.

Q. Depois de tirar o gesso ainda teve que usar canadianas durante cerca de 2 meses.

R. Atualmente, o autor tem que despender mais esforço.

S. Logo no momento referido em C e durante várias horas, o autor sentiu fortes dores em ambos os membros atingidos.

T. Dores essas que, embora diminuindo gradualmente de intensidade, se prolongaram durante mais de um mês.

U. Em virtude de necessitar da cadeira de rodas, o autor passou a só poder conviver com amigos e familiares em casa ou muito próximo dela.

V. Não podendo sair para passear ou para se divertir, como antes sucedia.

W. O autor viveu abatimento moral.

X. Dominado por desgosto e tristeza.

Y. Pela data referida em A, o autor, embora estivesse desempregado, ia trabalhando em terrenos agrícolas da família.

Z. Durante cerca de oitenta e seis dias ficou totalmente incapacitado para o trabalho.

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AA. O local do acidente referido em C, encontrava-se, à data referida em A, sinalizado.

BB. Existindo, à entrada das linhas de inspeção, placas afixadas na parede, com a informação das regras de segurança / cuidados que os condutores devem respeitar quando acompanham o veículo submetido à inspeção.

CC. Nessas placas é mencionado que o responsável pelo veículo em inspeção deve utilizar a passadeira ao longo da linha, após esta fará o favor de aguardar na sala de fim de linha a recepção dos documentos.

DD. O referido em C ocorreu em virtude do autor ter saído da passadeira e se dirigido para junto do veículo, que na altura estava a ser inspecionado aos travões da frente.

FF. No decorrer destes testes aos travões da frente do veículo do autor,

encontrando-se o inspetor no interior do veículo, olhando atentamente para o monitor da máquina, o autor deu um passo em frente e colocou os seus pés sobre os rolos da máquina, caindo e aí ficando com os pés entalados.

GG. O inspetor, ao aperceber-se que o autor tinha caído, de imediato arrancou com o veículo para a frente, para que os rolos da máquina parassem uma vez que a máquina, denominada de “frenómetro” é de funcionamento automático.

HH. Tendo o inspetor avançado o veículo e tendo este saído de cima dos rolos, estes pararam automaticamente.

III. Apreciação do mérito do recurso

A. Da reapreciação da prova e alteração da matéria de facto O recorrente entende que a ação deve ser julgada procedente no que à indemnização por danos de natureza não patrimonial respeita, mesmo considerando os factos selecionados pelo tribunal a quo.

No entanto, para o caso de assim não se entender, impugna subsidiariamente a matéria de facto, pedindo que se considerem não provados os factos DD, EE e FF, e provados os factos 2 e 3 do elenco dos não provados. Sustenta as

pretendidas alterações nas declarações de parte do autor e no depoimento da testemunha Paulo, técnico que estava a inspecionar o seu veículo no momento do acidente.

O recorrente pode impugnar a decisão sobre a matéria de facto, caso em que deverá observar as regras contidas no art. 640 do CPC.

Segundo elas, e sob pena de rejeição do respetivo recurso, o recorrente deve especificar:

- Os pontos da matéria de facto de que discorda;

- Os meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida;

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- A decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

O recorrente cumpriu, ainda que perfunctoriamente, estes ónus que

entendemos deverem ser interpretados com a razoabilidade que decorre dos seguintes sumários de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.

Ac. STJ de 31/05/2016, proc. 889/10.5TBFIG.C1-A.S1:

«IV – Trata-se, no entanto, de um ónus secundário [indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso], que deve ser

interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade.

V – Deste modo, tendo a recorrente, no caso, fornecido a indicação da sessão na qual foram prestados os depoimentos e do início e termo dos mesmos, conforme o estabelecido em ata, e tendo, ainda, apresentado a respetiva transcrição, da qual consta, relativamente a cada depoimento, a sua

localização no instrumento técnico que incorpora a gravação da audiência, haverá que entender que está adequadamente cumprido o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes.»

Ac. STJ de 21/04/2016, proc. 449/10.0TTVFR.P2.S1:

«I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorretamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.

II – Servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de

impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.

III – O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a

reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado.

IV – Nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adoção de

entendimentos formais do processo e que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, maxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coartando à parte Recorrente o direito de ver

apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica.»

Vamos, então, proceder à reanálise dos meios probatórios. Preliminarmente, lembramos que as únicas restrições que a lei impõe à reapreciação da prova

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pela Relação são as que resultam do art. 640 do CPC: a reapreciação está limitada a determinados aspetos da matéria de facto dos quais o recorrente discorda e implicará a reanálise de elementos probatórios dos quais o

recorrente entende resultar outra solução.

Fora destas balizas, o CPC confere aos tribunais de 2.ª instância poderes- deveres semelhantes aos dos tribunais de 1.ª instância no que concerne à criação da convicção pela livre apreciação da prova. Tanto significa que os juízes desembargadores apreciam livremente as provas segundo a sua

prudente convicção acerca de cada facto, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão (art. 607, n.º 5, do CPC).

Na sua livre apreciação, os juízes desembargadores não estão condicionados pela apreciação e fundamentação do tribunal a quo. Ou seja, o objeto da apreciação em 2.ª instância é a prova produzida (tal como em 1.ª instância) e não a apreciação que a 1.ª instância fez dessa prova. Esta pode ter sido

formalmente correta, bem como exaustiva e logicamente fundamentada, e, não obstante, a Relação formar diferente convicção.

Logo, este tribunal apreciará não apenas os depoimentos indicados pelo recorrente, mas também todos os demais, bem como os outros elementos probatórios dos autos, pois só dessa forma poderemos emitir juízo seguro sobre os factos postos em crise.

A posição que acabámos de expressar sobre a disciplina processual da

reapreciação da prova em 2.ª instância vai ao encontro de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça – v.g., Acs. STJ de 11/02/2016, proc.

907/13.5TBPTG.E1.S1, e de 10/12/2015, proc. 2367/12.9TTLSB.L1.S1.

Como referimos, a matéria de facto apenas foi impugnada a título subsidiário.

Porém, a procedência da ação, mantendo-se os factos DD, EE e FF afigura-se- nos discutível, pelo que passamos antes do mais a aferir da bondade da

decisão de facto.

Ouvida a prova e concatenados os depoimentos com os demais meios de prova juntos ao processo, concluímos que, para os factos ora em causa, relevam essencialmente as declarações do autor e o depoimento da testemunha ocular, que se encontrava a interagir com o lesado aquando do sinistro. As partes relevantes destes depoimentos são as transcritas nas alegações de recurso.

Considerando o depoimento da testemunha, inspetor empregado da empresa segurada da ré, não podemos considerar provados os factos DD (no que respeita à falta de autorização) e EE. No que respeita ao DD, não podemos afirmar que o autor tenha saído da passadeira sem autorização, pois tal facto

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só faria sentido se expressamente lhe tivesse sido transmitido para não sair da passadeira. A testemunha Paulo não deu pela queda nem pela aproximação do autor, pelo que muito menos o advertiu para que não se aproximasse; além do mais, a mesma testemunha admite que possa ter feito algum gesto que o autor tenha interpretado como chamamento. No que respeita aos factos não

provados 2 e 3, fica-nos a firme convicção (pelo depoimento da mesma testemunha e pelas declarações, aparentemente sinceras e seguramente lógicas, do autor) de que o autor percebeu que o inspetor lhe estava a fazer sinal para se aproximar, e o autor obedeceu, andando e olhando em frente, sem se aperceber dos rolos.

Pelo exposto, retiramos do facto DD o trecho «sem autorização para tal», excluímos o facto EE e acrescentamos um facto F’ com o seguinte teor:

F’. Por um gesto que o inspetor fez, o autor convenceu-se de que aquele o estava a chamar e aproximou-se do veículo; ao fazê-lo, pisou a zona dos rolos, acabando por ficar com o pé direito preso.

B. Da responsabilidade da ré

A questão jurídica dos autos é indubitavelmente de responsabilidade civil – trata-se de saber quem deve arcar, em última instância, com as consequências do dano causado: se o autor, que o sofreu em primeira linha; se a segurada da ré que o terá causado e, por via da transmissão operada pelo contrato de seguro, a ré.

O acesso e permanência na atividade de inspeção técnica de veículos a motor e o funcionamento dos centros de inspeção estão regulados pela Lei 11/2011, de 26 de abril, com as alterações introduzidas DL 26/2013, de 19 de fevereiro.

Trata-se de uma atividade regulada desde o seu início e que, aliás, só nasceu com a sua imposição pelo Estado (v. DL 550/99, de 15 de dezembro, revogado pela lei anteriormente referida).

Os requisitos técnicos a que devem obedecer os centros de inspeção

obrigatória de veículos estão presentemente definidos pela Portaria 221/2012, de 20 de julho, retificada pela Retificação 49/2012, de 18 de setembro, e

alterada pela Portaria 378-E/2013, de 31 de dezembro.

À data dos factos, esses requisitos eram os constantes da Portaria 1165/2000, de 9 de dezembro. Nos termos desta, os centros de inspeção devem estar equipados com frenómetro de rolos (Anexo I, 3.3a)), que é um aparelho para medir a força, o equilíbrio e a eficiência de travagem dos veículos, encastrado no solo, com rolos de dimensões e características pormenorizadamente

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definidas em 3.5 do Anexo I.

Entre essas características realça-se o sistema de segurança que deve dispor de dispositivo de paragem automática em caso de bloqueio de uma das rodas ou quando o deslizamento entre as rodas do veículo e os rolos atinja 20%;

sistema que impeça o arranque dos rolos sem que ambas as rodas estejam devidamente colocadas em cima dos rolos; e botão de emergência de corte rápido (Anexo I, 3.5.1j) e 3.5.3). Trata-se de aspetos essencialmente dirigidos à integridade dos veículos e não à segurança dos peões.

Não foi discutida nos autos a conformidade dos equipamentos com a regulação, o autor não invocou uma eventual desconformidade, pelo que presumivelmente o equipamento em causa – frenómetro de rolos – estaria instalado e a funcionar de acordo com as normas aplicáveis. Portanto, não será esse o fundamento da responsabilidade da segurada da ré.

Percorrida a citada Portaria não se vê que houvesse obrigatoriedade de

vedação ou sinalética além da existente, pelo que não está em causa a violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios.

Tão pouco se provou um comportamento ativo da segurada da ré (dos

colaboradores desta) no sentido de provocar a conduta do autor que conduziu ao acidente. O ilícito terá sido praticado por omissão.

O tipo de responsabilidade em causa não é necessária e simplesmente extracontratual, como foi entendido pelo tribunal a quo. A relação que se estabeleceu entre o autor e a empresa segurada da ré foi, antes de tudo, contratual: o autor dirigiu-se à segurada da ré para realizar a inspeção obrigatória à sua viatura; a segurada da ré é uma empresa que se dedica a efetuar inspeções obrigatórias a veículos automóveis; quando o autor agendou a sua inspeção, se dirigiu ao local e a segurada da ré aceitou inspecionar o veículo, estabeleceu-se entre eles um contrato de prestação de serviço. Foi enquanto a segurada da ré realizava a sua prestação contratual, verificando o estado do veículo, e no local onde a segurada da ré opera que o autor, seu cliente, sofreu o desafortunado incidente.

Na relação obrigacional complexa que se estabelece no âmbito contratual, os deveres de prestação (principais, ou primários, e secundários) convivem com deveres de proteção (também ditos laterais ou acessórios), sendo estes a concretização do princípio da boa-fé na execução do plano contratual – art.

762, n.º 2, do 2CC. Visam a proteção da integridade física e patrimonial da contraparte; integram-se na relação obrigacional complexa quando

estreitamente relacionados com o cumprimento do programa obrigacional.

Pretende-se com isto dizer que o comerciante ou o industrial (modernamente, a empresa) que tem a sua porta aberta aos clientes e lhes franqueia as suas

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instalações, tem de garantir no seu espaço que a circulação destes se efetua em segurança, não os expondo a perigos imprevistos, com os quais não contavam.

Poderá argumentar-se que o autor só de si se pode queixar uma vez que caminhou sem ver onde colocava os pés e não deu atenção à sinalética e às linhas delimitadores do equipamento. Porém, há que ponderar também que os donos dos veículos inspecionados se encontram numa situação de tensão – sujeitando o seu veículo a uma inspeção obrigatória da qual pode resultar a necessidade de efetuar despesas no mesmo e de dele serem privados durante algum tempo –, e num ambiente estranho que tem ao nível do chão

equipamentos desconhecidos da generalidade das pessoas e com os quais, como tal, estas não estão a contar.

No caso dos autos, ver a situação como de mera responsabilidade extracontratual ou vê-la como integrada na relação contratual não tem consequências de regime. A diferença que no caso poderia relevar entre a disciplina da responsabilidade contratual e a da responsabilidade

extracontratual é que no primeiro caso a culpa se presume (art. 799 do CC) e no segundo, regra geral, não (art. 487 do CC). Esta regra comporta exceções, entre as quais a prevista no art. 493 do CC: quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade perigosa pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de as prevenir. O frenómetro de rolos é um equipamento perigoso, pelo que os acidentes causados por ele devem imputar-se à empresa, visto que esta não demonstrou ter tomado as

providências mais adequadas para os evitar e que passariam por um cordão, barreira ou murete que impedisse a aproximação inadvertida.

Ponderadas as circunstâncias do caso, cremos que os efeitos nefastos

decorrentes da consumação do dano devem, in casu, recair sobre o centro de inspeções, que beneficia da atividade que aí desenvolve, e que não cuidou de vedar convenientemente o local de perigo constituído pelo frenómetro de rolos.

A contribuição do autor para o sinistro, objetivamente importante (afinal foi o autor que, pelo seu próprio pé, se deslocou para cima dos rolos), afigura-se- nos desculpável por não ser exigível que o inspecionado esteja com todos os sentidos alerta, num espaço regulado e supostamente controlado, onde está num espírito de alguma contrariedade, tensão e nervosismo, para mais no caso, em que a aprovação do veículo já tinha sido rejeitada duas vezes.

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O recorrente pediu a revogação da sentença absolutória em matéria de indemnização por danos de natureza não patrimonial, pedindo agora que o tribunal a fixe no montante que entenda adequado. Na petição tinha pedido € 17.500 para ressarcimento desses danos.

Na fixação da indemnização, devem ser atendidos os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – art. 496, n.º 1, do CC.

Estão aqui em causa todos os danos de natureza não patrimonial reconduzíveis ao teor do art. 496, n.º 1, do CC, incluindo aqueles que decorrem do dano biológico.

Os danos descritos nos factos I a R correspondem a esta norma. Com efeito, provado ficou que o autor fraturou um pé, tendo passado 4 meses de grandes limitações.

A questão que se coloca é a da medida da indemnização adequada a estes danos.

Não sendo os danos não patrimoniais suscetíveis de quantificação, o seu ressarcimento tem uma função essencialmente compensatória: permitir ao lesado dispor de uma soma de dinheiro que lhe permita adquirir bens ou serviços que lhe deem alguma satisfação, compensando, ainda que

sofrivelmente, o mal padecido. O montante pecuniário será fixado com recurso à equidade, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a sua

situação económica e a do lesado, e as demais circunstâncias do caso (art.

494, ex vi do art. 496, n.º 4, ambos do CC).

No caso dos autos a responsabilidade funda-se em mera culpa (presumida) e o lesado é de condição económica baixa. Não obstante, e como tem sido

reiteradamente dito nas decisões dos tribunais superiores, a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser meramente simbólica, sob pena de não se mostrar adequada aos fins a que se destina – atenuação da dor sofrida pelo lesado e reprovação da conduta do agente – v. a título meramente

exemplificativo, Acs. do STJ de 07/07/2009, proc. 1145/05.6TAMAI.C1, e de 20/11/2003, proc. 03B3528.

Considerando todos os dados referidos julgamos adequada a indemnização de

€ 12.000, acrescida de juros de mora a contar da citação até integral pagamento.

IV. Decisão

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e, em consequência, condenando a Ré, recorrida, a pagar ao Autor, recorrente, a quantia de € 12.000 (doze mil euros), acrescida de juros de mora a contar da citação até integral pagamento.

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Custas pela recorrida seguradora.

Guimarães, 29/06/2017

Higina Orvalho Castelo João Peres Coelho Pedro Damião e Cunha

* Escrevemos todo o texto, incluindo citações de obras ou trechos de decisões escritas à luz do Acordo Ortográfico de 1945, em conformidade com a grafia vigente, do Acordo Ortográfico de 1990.

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- “Ao invés, “não obstante não discordar totalmente” da aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, a Mmª Juíza opinou, sem que, contudo, o fundamentasse,