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Docentes negros na universidade pública brasileira : docência e pesquisa como resistência e luta

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MARA FERNANDA CHIARI PIRES

DOCENTES NEGROS NA UNIVERSIDADE PÚBLICA

BRASILEIRA: DOCÊNCIA E PESQUISA COMO

RESISTÊNCIA E LUTA

CAMPINAS 2014

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Faculdade de Educação Gildenir Carolino Santos - CRB 8/5447

Pires, Mara Fernanda Chiari,

P665d PirDocentes negros na universidade pública brasileira : docência e pesquisa como resistência e luta / Mara Fernanda Chiari Pires. – Campinas, SP : [s.n.], 2014.

PirOrientador: Neusa Maria Mendes de Gusmão.

PirTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de

Educação.

Pir1. Associação Brasileira de Pesquisadores Negros. 2. Negros - Vida intelectual. 3. Movimento negro. 4. Saberes do docente. I. Gusmão, Neusa Maria Mendes de,1948-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Black faculty members at the brazilian public university : teaching and research as means of resistance and struggle

Palavras-chave em inglês:

Brazilian Association of Black Researchers Black - Intellectual life

Black movement Knowledge of teaching

Área de concentração: Ciências Sociais na Educação Titulação: Doutora em Educação

Banca examinadora:

Neusa Maria Mendes de Gusmão [Orientador] Sandra de Fátima Pereira Tosta

Dagoberto José Fonseca

Olga Rodrigues de Moraes Von Simson Janaina Damaceno Gomes

Data de defesa: 26-02-2014

Programa de Pós-Graduação: Educação

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Aos meus pais, Lina e Nestor Pires, com todo o meu reconhecimento e meu amor. Para Juliana e Tatiana, Beatriz e Felipe. Vocês dão sentido a tudo. Dedico a vocês meu trabalho. Com muito amor!

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AGRADECIMENTOS

A concepção, realização e finalização deste trabalho contou com a ajuda direta e indireta de muitas e queridas pessoas, muitas das quais, talvez, nunca venham saber de sua existência e nem de que foram fundamentais para que se tornasse possível. Algumas deram seu incentivo confiante, outras o apoio afetivo, outras, as condições estruturais para viabilizá-lo, outras a orientação e a indicação dos caminhos. Deste modo, talvez não consiga nomear todos aqueles queridos amigos que me acompanharam em toda essa jornada. De todo modo, impossível não destacar pessoas a quem eternamente serei reconhecida.

À minha orientadora Profa. Dra. Neusa Maria Mendes de Gusmão, que acompanhou solidária todos os meandros pelos quais conduzi este trabalho. Sem sua competência e empenho, ele não teria acontecido.

Aos professores doutores que compõem a banca, Profa. Dra. Olga Rodrigues de Moraes Von Simson, que, com suas sugestões em minha qualificação, foi de extrema importância para os rumos que este trabalho tomou; Profa. Dra. Janaína Damaceno Gomes, por quem tenho imenso carinho e admiração; Prof. Dr. Dagoberto José da Fonseca, uma referência para este trabalho e Profa. Dra. Sandra Pereira Tosta, pela disposição em participar deste processo.

Aos funcionários da Faculdade de Educação, especialmente Nadir Aparecida Gomes Camacho, sempre gentil e atenta às minhas demandas.

Imensa gratidão aos meus entrevistados, Profa. Dra. Ana Paula Silva, Prof. Dr. Carlos Benedito Rodrigues da Silva, Prof. Isidoro Cruz Neto, que com incrível generosidade dedicaram horas de seu tempo para me fornecer seus depoimentos. Sem eles, este trabalho não teria acontecido.

Aos muitos professores doutores da UNICAMP, com os quais partilhei projetos, sonhos, conhecimentos e amizade. À Profa. Dra. Patrizia Piozzi, amiga querida, Prof. Dr. Oswaldo Giacóia Jr., Profa. Dra. Mariza Correa, grande estimuladora para que eu fosse em frente neste projeto, a querida Profa. Dra. Adriana Gracia Piscitelli, Profa. Dra. Lucia Helena Reily e tantos outros professores amigos, a quem muito devo e serei sempre agradecida.

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Aos muitos amigos que fiz entre colegas de tantos cursos, a querida Reny Schifino, Lívia Lima, Nima Spigolon, Eva Oliveira, Clélia Rosa, Márcio Sampa, Dijanira Santos, entre outros. Obrigada pelo carinho.

Aos meus queridos Conceição Gmeiner (in memorian), Waldemar do Valle Martins (in memorian), José de Sá Porto (in memorian), antigos professores que me apontaram caminhos.

Ao querido Prof. Dr. Mario Ariel Gonzalez Porta, amigo de sempre, que, orientando meu Mestrado, permitiu que chegasse aqui.

A Rosário Garcia, querida amiga, pronta a ajudar, meu muito obrigada.

Às queridas amigas da Casa de Cultura da Mulher Negra, de Santos, pelo apoio inestimável.

A Ruth e Fernando Carvalhaes (in memorian), Fernanda, José Antônio, Pedro, Alvaro e Suzana, que, como uma “família emprestada”, me acolheram em Campinas, apoiando em todos os momentos. Em especial ao meu amigo José Antônio, Prof. Dr. José Antonio Siqueira Dias, com sua ajuda fundamental na formatação deste trabalho.

Aos meus amigos Therezinha e Dirceu (não esquecerei do incentivo), Emma Buzy e Phelippe, Cláudia, Anita e Juliana, Maria Valéria, Beto e Gigi, Fernando e Renata, Gilberto Mendes e Eliane, Laura e Willian, Cláudia e Luiz Fernando, Rachel e Fellipe, Emílio e tantos outros, pelo apoio de sempre.

À minha família, meus pais, Lina e Nestor, irmão, cunhada e sobrinhos, minhas filhas, Juliana e Tatiana, meu genro Rafael, meus netos Beatriz e Felipe pela compreensão de sempre, carinho incondicional e torcida constante.

Em especial ao Edson, meu marido e parceiro querido, que acompanhou de perto todo esse processo, dando-me o apoio necessário para que eu prosseguisse. Jota, esse trabalho também é seu!

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xiii Algumas palavras sobre este trabalho ...

Aquilo que nos mobiliza para uma pesquisa, principalmente uma pesquisa que envolve anos de dedicação (e no caso desta, muitos e muitos anos...), é da ordem da curiosidade intelectual, mas, inegavelmente, também da ordem dos afetos. Nada nos vincula mais ao nosso tema de pesquisa do que os afetos, os inconformismos e as alegrias que ele nos instiga a viver. Após tantos anos de envolvimento com mestrado e doutorado, acredito que também são eles, os afetos e a curiosidade intelectual, que determinam o lugar de que se fala, daquilo de que se fala. Como mulher, branca, docente universitária, de que lugar me propus a realizar minha pesquisa? De que lugar me proponho a apresentá-la? Talvez de um não lugar...ou de um lugar especial. A condição de ser mãe de uma criança negra garantiu-me a senha e entrada em um universo completamente desconhecido até então para mim, e, como se estivesse fazendo uso de um óculos de 3D ou 4D, desses que nos distribuem nos cinemas, um mundo invisível adquiriu visibilidade, revelando com cores muito fortes uma realidade encoberta pelo manto de uma suposta harmonia, igualdade de direitos, ou seja da absolutamente falsa e inexistente democracia racial propalada aos quatro ventos como grande traço do povo brasileiro. Nada mais falso do que essa democracia! E quantos são aqueles, que em absoluta miopia, ainda a defendem? Aparentemente, continuamos mantendo valores e crenças do Brasil colonial, com uma única diferença: ah! agora somos República...!!!! Mas onde estão os nossos negros? Antes nas senzalas, escondidos de nosso olhar.... e hoje, como resultado da luta de gerações e gerações, ao nosso lado. Mas não os vemos. Vez ou outra, somos alertados para o fato de que homens e mulheres negros estão ao nosso lado, trabalhando em iguais condições, e recebendo salários inferiores aos nossos. Seus méritos são invisibilizados. Poucos conseguem romper as barreiras interpostas por uma cultura radicalmente marcada pelo racismo. Mas nós os conhecemos? Não, não conhecemos... Eles são cotidianamente excluídos de nosso convívio. A mídia brasileira é branca. As novelas que assistimos são brancas, escritas por brancos, com autores brancos, e quando criam espaços para o negro é para, de algum modo, reafirmar os estereótipos ou reafirmar a construção que o branco fez sobre o negro, como nos denunciava Ianni (2004). Os grandes jornais são brancos, e sabem muito bem que espaços reservar para noticiar o negro... Nós sabemos bem em que páginas encontrá-los. E nessas. Apenas nessas. Nossas crianças frequentam escolas brancas. Sim, porque a escola brasileira é branca, machista, católica e

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eurocêntrica. Até pouquíssimo tempo atrás (ou será que ficou mesmo no passado???) nossos livros didáticos não apresentavam imagens de negros. E quando os apresentavam era para reafirmar o espaço que lhes era reservado: na história, no papel de escravos (nunca como escravizados...). Na atualidade, nos papéis de submissão. Na universidade, raros alunos, raríssimos professores, cobertos pelo manto da invisibilidade. Poucos, muito poucos. Ou então presentes em – também poucos- trabalhos de pesquisa.

Procurando entender um pouco mais do que era o universo de que também fazia parte – como ter filhos negros sem ser negra também?- comecei a me indagar sobre como meninas negras constituíam sua identidade. Como psicóloga que sou, tive acesso a algumas escolas de educação infantil de classe média em minha cidade (Santos), e tive permissão de realizar atividades em classes que contavam com crianças brancas e crianças negras (estas poucas. Pouquíssimas. Raríssimas em todas as escolas de classe média em Santos). Uma situação me chamou a atenção:

Era uma sala com um pequeno número de crianças, meninas e meninos. Um era negro. Propus que todos desenhassem todo o grupo de amiguinhos. Uma garotinha sentou-se próximo ao menininho negro e disse a ele que, como era muito sua amiga, ele seria o primeiro que ela iria desenhar. Ele ficou feliz e curioso, e interrompeu seu próprio desenho para observar o da amiga. Imediatamente ela lhe disse: “Olhe, vou pintar você com lápis cor de pele” (e retirou de sua caixa de lápis de cor um lápis rosa claro...). Seu amigo, surpreso, esticou seu bracinho para a amiga e mostrou “ ei, eu não sou dessa cor, eu sou marrom, veja, sou marrom!”. Mas sua amiga, continuando a pintá-lo com o lápis rosa, fapintá-lou segura: “Não, mas você é meu amigo. Eu nunca vou dizer para você que você é marrom, porque você é meu amigo! Eu nunca vou fazer isso com você”...

Esta experiência resultou em um trabalho realizado em 2008, durante curso como aluna especial no Instituto de Artes da UNICAMP, sob orientação da Professora Lúcia Helena Reily, e representou o início do percurso que me trouxe até aqui. Já como aluna do Doutorado da FE-UNICAMP, comecei o levantamento de trabalhos sobre crianças negras, mulheres negras, negros. Trabalhos sérios de pesquisadores sérios! De certa maneira eu identificava, em alguns mais, outros menos, um pouco do que Ianni (2004) falara sobre a construção que se faz sobre o negro. Os trabalhos de Neusa Gusmão apontando para o caráter eurocêntrico do saber veiculado nas escolas

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brasileiras e o texto de C. Achebe (2012), “A educação de uma criança sob o protetorado britânico”, apontaram, definitivamente, para o caminho a seguir: lançar luz sobre o protagonismo negro, que, enfrentando todos os obstáculos e adversidades, batalhando dia a dia por igualdade de direitos, se insere na universidade brasileira, trazendo a marca de sua cultura, do saber que resulta de seu olhar- um novo olhar sobre nossos saberes engessados- e se organiza em instituições, nos permitindo acessar o contra-ponto de nossa história oficial, do saber acadêmico considerado legitimo, da formação de nossos educadores, aqueles que formarão as gerações futuras, em escolas que, esperemos, respeitem a diversidade e sejam abertas à nossa realidade!

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...”invisível e sem substância, voz incorpórea, por assim dizer, que outra coisa me restava fazer? Que outra coisa, além de tentar lhes explicar o que acontecia comigo, nesse tempo todo em que vocês não me viam?” (Ralph Ellison, O homem invisível, p.499)

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RESUMO

O acesso à educação sempre foi uma reivindicação dos movimentos negros no Brasil, na luta por uma sociedade mais igualitária e justa. Esta luta incessante e a mobilização contínua, ainda que pouco divulgadas pela mídia, resultaram nas medidas governamentais que definiram os programas de ações afirmativas, garantindo maior condição de ingresso na vida universitária aos alunos negros. Se estas conquistas devem ser garantidas e protegidas, como nos sugere Norberto Bobbio, este trabalho é uma reflexão sobre a necessidade de novos avanços, para sua efetivação, no interior da universidade. Em especial, aponta para a necessária revisão epistemológica do conhecimento construído e perpetuado no interior da academia, que vem mantendo valores discriminatórios em nome de uma suposta “universalidade” do saber e da ciência. Estes valores vêm interpondo obstáculos à vida escolar de alunos negros nos diferentes graus de ensino, em uma sociedade que há séculos defende sua hegemonia branca. Para esta pesquisa foram tomados os depoimentos de três professores universitários de instituições públicas que, como tantos alunos negros, também se depararam com esses múltiplos obstáculos para o ingresso e progressão na vida escolar, e, posteriormente, como docentes universitários. Os depoimentos foram confrontados com os obtidos por outros pesquisadores junto a estudantes e docentes negros, e ofereceram elementos de análise para uma reflexão sobre se é suficiente a garantia de ingresso nos cursos superiores na luta contra o racismo e a discriminação, ou se a ideologia que os mantém não exige uma revisão de currículos e conteúdos, e a proposta de constituição de um novo saber intercultural, tecido horizontalmente na trama das relações interraciais. Neste sentido, é feita uma revisão da luta por educação dos movimentos negros, e analisada a contribuição da Associação Brasileira de Professores Negros, a ABPN. Abrindo espaços para a divulgação de trabalhos de jovens pesquisadores negros e não negros sobre temáticas de interesse dos grupos negros em sua revista eletrônica, seus cadernos temáticos e nos COPENE – Congresso de Pesquisadores Negras e Negros – a ABPN participa da construção de um novo olhar sobre a realidade do negro e sua inserção na sociedade brasileira.

Palavras chave: movimento negro – intelectuais negros – Associação Brasileira de Pesquisadores Negros – diálogo hermenêutico de saberes

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ABSTRACT

Black Faculty Members at the Brazilian Public University: teaching and research as means of resistance and struggle.

Access to education has always been a strong claim among black population movement groups in Brazil, on the fight for a fairer and more egalitarian society. This constant struggle and ceaseless mobilization, though still little reported by the media, have resulted in governmental measures that have defined programs of positive actions, providing better conditions for black students to be admitted in universities. If such conquers must be ensured and protected, as Norberto Bobbio suggests, this paper is a reflexion over the need of new advances, for its effectiveness, within superior education. It points specifically to the need of epistemological revision of constructed and perpetuated knowledge within the academic environment, which has been keeping prejudicial values, for the sake of a “universality” of knowledge and science. Such values have posed obstacles to school life of black students on the different educational levels, in a society that has, for centuries, defended its white hegemony. For this research, three college professors from public universities were interviewed. Like many other black students, these teachers have also faced several barriers in order to enter university and develop their academic life and, afterwards, as college professors. Their accounts have been aligned with those collected by other researchers who interviewed both black students and teachers and offered analytical elements for later reflexion over how effective the guarantee of admission of black students in higher education courses is, on the fight against racism and discrimination, or whether the ideology keeping them does not require a review on the academic curricula and content, and the proposal of building new cultural knowledge, horizontally woven on the interracial relations tapestry. On that note, the topic of fighting for formal education of black groups is addressed, and the contributions from the ABPN – Brazilian Association of Black Teachers – are analyzed. By offering room for publication of papers written by black and non-black researchers about topics of interest for black groups in its electronic magazine, as well as in the COPENE – Congress of Black Researchers – ABPN participates in the construction of a fresh look on the current reality of black individuals and their insertion in the Brazilian society.

Key-words: black movement – black intellectuals – Brazilian Association of Black Researchers - hermeneutical dialogue of knowledge

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABA: Associação Brasileira de Antropologia.

ABPN: Associação Brasileira de Pesquisadores Negros.

AMPEAFRO:Associação Maranhense de Pesquisas Afro-Brasileiras.

CADARA: Comissão Técnica Nacional de Diversidade para Assuntos Relacionados à Educação dos Afro-brasileiros.

CAPES: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

CBE: Conferência Brasileira de Educação.

CCN: Centro de Cultura Negra.

CEAA: Centro de Estudos Afro-Asiáticos.

CEAB: Centro de Estudos Afro-Brasileiros.

CEAP: Centro de Articulação de Populações Marginalizadas.

CECAB: Centro de Estudos do Caribe no Brasil.

CEERT: Centro de Estudos das Relações do Trabalho e Desigualdade.

CNCD: Conselho Nacional de Combate à Discriminação.

CNPQ: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

COJIRA: Comissões de Jornalistas pela Igualdade Racial.

COPENE: Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros.

DCG: Disciplina Complementar de Graduação.

GTEDEO: Grupo de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no Emprego e na Ocupação.

GTI: Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra. IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

IFCS: Instituto de Filosofia e Ciências Sociais.

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xxvii MNU: Movimento Negro Unificado.

NAPEC: Núcleo de Apoio à Pesquisa e Educação Continuada.

NEAB: Núcleo de Estudos Afro-brasileiros.

NIREMA: Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente.

NUCEPE/UFMA: Núcleo de Estudos e Capacitação dos Estudos do Processo de Envelhecimento na Universidade Federal do Maranhão.

NUMAS: Núcleo de Estudos sobre Marcadores Sociais da Diferença.

ONG: Organização Não Governamental.

OXFAM: Oxfan Great Britain.

PCN: Parâmetros Curriculares Nacionais.

PEA: Programa de Estudos da África.

PICs: Projetos Inovadores de Cursos.

PNDH: Programa Nacional dos Direitos Humanos.

PPGSA/IFCS/UFRJ: Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

ProUni: Programa Universidade para Todos.

PVNC: Pré-Vestibular para Negros e Carentes.

SBPC: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

SECAD: Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade.

SESU: Secretaria de Educação Superior.

TEN: Teatro Experimental do Negro.

UFF: Universidade Federal Fluminense.

UFMA: Universidade Federal do Maranhão.

UFMG: Universidade Federal de Minas Gerais.

UFRJ: Universidade Federal do Rio de Janeiro.

UFSCar: Universidade Federal de São Carlos.

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UNESP: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.

UNICAMP: Universidade Estadual de Campinas.

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Sumário

Introdução 4

A pesquisa e seu desenvolvimento 19

Aspectos metodológicos 22

Os depoentes 24

Estruturação deste trabalho 31

Um aporte inesperado 34

Capítulo 1

O movimento negro e seus intelectuais na luta por educação: conquistas negras

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1.1 - Mobilização negra no Brasil e luta por educação 36

1.2 - Conquistas do presente 53

1.3 – ONGs, NEABs e Ações Afirmativas 56

1.3.1 - ONGs 1.3.2 - NEABs 56 58 1.3.3 - Ações Afirmativas 67 Capítulo 2

Negros, intelectuais e docentes da universidade brasileira 73

73

2.1 - “Tomando a palavra...” 77

2.1.1 - Da militância à docência 84

Capítulo 3

Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN): caminhos e lutas

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92

3.1 - Como atua a ABPN 92

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3.2.1 - Revista da ABPN 98

3.2.2 - Coleção Negras e Negros: pesquisa em debate 104

3.3 - A ABPN e a luta antirracista

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3.3.1 - Relatório de Perfil - 2010 114

3.3.2 - Relatório de Perfil – 2012

3.3.3 - Conhecendo um pouco mais sobre os pesquisadores da ABPN

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Capítulo 4

Relações interraciais e a construção de um novo saber

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4.1 - Formação do negro e seus desafios 141

4.2 - Repensar o saber acadêmico 150

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Introdução

A segunda metade do século XX assistiu à irrupção de profundas reflexões nos diferentes campos do saber, a partir de novas correntes de pensamento e novos paradigmas, que imprimiram uma necessária revisão nas formas de se pensar o social, a política, a cultura. Segundo Mbembe (2000), essas correntes foram os estudos de gênero, os estudos sobre o póscolonialismo, a circulação contemporânea da cultura e os estudos críticos sobre questões raciais, que alertaram para a urgência de se repensar a ordem democrática, as condições éticas de vida em comum, e as relações estabelecidas com o outro e com o mundo, uma revisão das formas de pensar a diferença e a alteridade (p.III). Conduzida principalmente por intelectuais originários de ex-colônias, estes novos estudos têm por foco comum a defesa de uma nova democracia, fundada em relações inter-culturais de reconhecimento e respeito mútuo e em uma crítica ao “ocidental-centrismo”. Segundo Mbembe,

“cette sorte de sujet singulier qui, cherchant à passer pour l´universel tout court, finit par produire une notion perverse de la différence comme alibi destiné à legitimer la domination” (2000, p. IV)1.

A crítica ao ocidental-centrismo, encabeçada inicialmente por Edward Said, e os novos paradigmas que a ela se vinculam na constituição de novas possibilidades para as relações interraciais e interculturais dão o tom para este estudo, que, ao focar no ingresso de alunos e professores negros na universidade brasileira, aponta para a importância dessa conquista, não apenas tendo em vista o novo perfil de relações raciais no interior da academia, mas a promessa de novos referenciais teóricos e uma nova constituição de saberes nesse espaço institucional, como indicam Boaventura Santos (2008) e Neusa M.M.de Gusmão (2003).

1

Tradução livre: esta espécie de sujeito singular que, procurando de todo modo se passar por universal, acaba

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No Brasil, onde o movimento negro, ainda que invisibilizado em toda a sua história, sempre se manteve na luta por direitos e justiça, o início do século XXI definiu um marco significativo na luta pela desnaturalização das desigualdades e defesa das igualdades raciais. Reunidos para a preparação da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, que aconteceria em Durban no período entre 30 de agosto a 07 de setembro de 2001, o Comitê Impulsor Pró-Conferência do Brasil, formado por lideranças de organizações negras e organizações sindicais, denunciou publicamente as ações diretas e omissões inegáveis do Estado brasileiro no descumprimento e violação sistemática da Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Em 1996, durante o Seminário Internacional Multiculturalismo e Racismo: o papel da ação afirmativa nos Estados democráticos contemporâneos, organizado pelo Ministério da Justiça, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, reconheceu a existência de discriminação racial contra os negros no Brasil, uma condição evidente, porém encoberta sob o manto de uma fictícia “democracia racial”. Algo que, segundo Santos (S.A., 2007), não somente os conservadores brasileiros, mas uma parte significativa dos progressistas recusava-se a admitir.

Segundo esse autor, em 2000, estudo sobre o Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil realizado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro indicava-nos que há dois países no Brasil, quando analisados os dados obtidos a partir de cor/raça da população:

“o Brasil branco, não discriminado racialmente, e o Brasil negro, discriminado racialmente, que acumula desvantagens em praticamente todas as esferas sociais, especialmente na educação e no mercado de trabalho, em função do racismo” (p. 15).

Para Santos (S.A., 2007),

“A indiferença moral em relação ao destino social dos indivíduos negros é tão generalizada que não ficamos constrangidos com a constatação das desigualdades raciais brasileiras. Elas não nos tocam, não nos incomodam, nem enquanto cidadãos que exigem e esperam o cumprimento integral da Constituição Brasileira. É como se os negros não existissem, não fizessem parte nem participassem ativamente da sociedade

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3

brasileira. A “invisibilidade” do processo de discriminação racial reaviva o mito da democracia racial brasileira , impedindo uma discussão séria, franca e profunda sobre as relações raciais brasileiras e, mais do que isso, inibe a implementação de políticas públicas específicas para os negros. Aliás, a negação da existência dos negros ou, se quiser, a sua desumanização, é da essência do racismo. E é essa negação dos negros enquanto seres humanos que tem nos “anestesiado” quanto às desigualdades raciais”.(p.16)

Neste sentido, Gomes, J.B. (2007) destaca que é necessário que o Estado brasileiro renuncie a qualquer tentativa de neutralidade frente às questões vividas pela população negra, sob pena de não conseguir reverter uma “percepção generalizada de que a uns devem ser reservados papéis de franca dominação e a outros, papéis indicativos do

status de inferioridade, de subordinação” (p.54). Nos diferentes indicadores estatísticos,

como na saúde e na educação, o segmento negro vive, em sua grande maioria, uma condição de precariedade e segregação. Em estudo de 1993, há exatos 20 anos, Pinto (1993) denunciava que

maior número de crianças negras em idade escolar está fora da escola. Maior número de escolares negros se evade da escola ou apresenta atraso escolar, seja pela entrada tardia na instituição, seja devido às contínuas repetências [...] o perfil do estudante universitário negro também revela as maiores dificuldades que ele teve – e tem que enfrentar- para cursar uma universidade. Em comparação com os estudantes brancos do mesmo nível, eles são mais velhos, prestaram vestibular um maior número de vezes, uma proporção menor teve acesso aos cursos preparatórios (os chamados cursinhos) e mais frequentemente trabalham e estudam (p.26).

Passadas duas décadas, podemos dizer que esses dados sofreram grande mudança?

A partir da Conferência de Durban, a questão racial brasileira entrou definitivamente na agenda nacional e nas pautas da imprensa brasileira, dando maior visibilidade às prerrogativas e lutas protagonizadas desde séculos por grupos negros. Em resposta a essas demandas, foram implementadas pelo governo brasileiro medidas de maior acesso da população negra à educação e ao ensino superior, na forma de Ações Afirmativas. Em dezembro de 2001, o então presidente do Supremo Tribunal Federal

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4

(STF), ministro Marco Aurélio Mello reafirmaria a constitucionalidade das ações afirmativas. Para Mello (2001),

falta-nos, [...] para afastarmos do cenário as discriminações, uma mudança cultural, uma conscientização maior dos brasileiros; urge a compreensão de que não se pode falar em Constituição sem levar em conta a igualdade, sem assumir o dever cívico de buscar o tratamento igualitário, de modo a saldar dívidas históricas para com as impropriamente chamadas minorias, ônus que é de toda a sociedade. [...] É preciso buscar a ação afirmativa. A neutralidade estatal mostrou-se um fracasso. Há de se fomentar o acesso à educação [...] Deve-se reafirmar: toda e qualquer lei que tenha por objetivo a concretude da Constituição não pode ser acusada de inconstitucional (p. 23).

Para Piovesan (2005),

as ações afirmativas, enquanto políticas compensatórias adotadas para aliviar e remediar as condições resultantes de um passado discriminatório, cumprem uma finalidade pública decisiva para o projeto democrático, que é a de assegurar a diversidade e a pluralidade social. Constituem medidas concretas que viabilizam o direito à igualdade, com a crença de que a igualdade deve se moldar no respeito à diferença e à diversidade. Através delas transita-se da igualdade formal para a igualdade material e substantiva (p.40).

Segundo essa autora, o direito à igualdade2 envolve duas vertentes, necessariamente complementares. Uma delas, repressivo-punitiva deve combater toda forma de discriminação. A segunda, promocional, envolve a implementação de políticas compensatórias que acelerem a igualdade enquanto processo. Isoladas, não são garantias de igualdade e inclusão.

O que se percebe é que a proibição da exclusão, em si mesma, não resulta automaticamente na inclusão. Logo, não é suficiente proibir a exclusão, quando o que se pretende é garantir a igualdade de fato, com a efetiva inclusão social de grupos que sofreram e sofrem um consistente padrão de violência e discriminação. Neste sentido, como poderoso instrumento de inclusão social, situam-se as ações afirmativas (Piovesan, op. cit., p.40).

2

Ao mesmo tempo, segundo Piovesan (2005), a igualdade como direito deve enfatizar o respeito às diferenças e suas especificidades.

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5

Deve-se lembrar, contudo, que políticas compensatórias de inclusão, valorização da diversidade e da pluralidade racial não buscam apenas reverter processos históricos de discriminação, mas acabam por beneficiar toda a sociedade brasileira. Segundo Junqueira (2007),

“não se pode esquecer que, tendo em vista a complexidade das relações sociais e a dimensão relacional das identidades, o que afeta um grupo social diz respeito ao conjunto de uma sociedade, de tal modo que, ao se assegurar, em todos os espaços e em todas as manifestações, lugar a um determinado grupo social, até então dela excluído ou incluído de maneira subalternizada, implica uma transformação global da sociedade em que ele vive. Desse modo, políticas de ação afirmativa para garantir uma maior presença de negros (as), indígenas e outros grupos populacionais nas escolas, nas universidades, na mídia, no mercado de trabalho, na burocracia estatal e, ao mesmo tempo, assegurar-lhes maiores oportunidades e uma renda melhor devem ser encaradas e empreendidas como medidas concretas voltadas a promover um melhoramento do quadro global de nossa sociedade, uma vez que visam fazer que todos os seus grupos passem a participar dela ativamente e contribuir, de maneira democrática, para sua transformação” (p. 23).

Visando aumentar a possibilidade de acesso de alunos carentes, dentre os quais uma grande maioria de negros, às vagas do ensino superior público, e também conscientizá-los de sua condição histórica e social, foram criados, na década de 1990, os cursinhos pré-vestibulares destinados especificamente a esse grupo. A Lei 10.558, de novembro de 2002 oficializou a criação do Programa Diversidade na Universidade, no âmbito do Ministério da Educação, com a finalidade de implementar e avaliar estratégias para a promoção do acesso ao ensino superior de pessoas pertencentes a grupos socialmente desfavorecidos, especialmente a população negra e indígena; a Lei Federal 10.639/033, de 9 de janeiro de 2003, tornou obrigatório, no currículo oficial da Rede de Ensino, o ensino de História e

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Lei de 09 de janeiro de 2003, que torna obrigatório o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. Estabelece também a inclusão no calendário escolar do dia 20 de novembro como Dia da Consciência Negra.

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Cultura Afro-Brasileira; foi criada a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, SECAD - em 2004.

Dentre outras medidas, o programa de ações afirmativas também definiu a criação do ProUni (Programa Universidade para Todos), que estabelece bolsas em estabelecimentos de ensino superior comunitários e particulares para alunos oriundos de escolas públicas e bolsistas de escolas particulares, sendo 30%, das bolsas, reservado para negros e indígenas. Em 2012, a Lei 12.7114 passou a determinar que as instituições federais vinculadas ao Ministério da Educação reservassem em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo cinquenta por cento de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, inclusive em cursos de educação profissional técnica, sendo que no mínimo cinquenta por cento dessas vagas deveriam ser reservadas a estudantes com renda familiar bruta igual ou inferior a um inteiro e cinco décimos salário-mínimo per capita, além de proporção de vagas no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação do local de oferta de vagas da instituição, segundo o último Censo Demográfico divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, que será reservada, por curso e turno, aos autodeclarados pretos, pardos e indígenas.

Segundo Henriques e Cavalleiro (2007),

há de se considerar que a implementação das políticas públicas pode enfrentar ações contrárias, na medida em que muitos profissionais da educação – brancos e também negros – não percebem as ações afirmativas como um elemento imperativo para a igualdade de resultados entre brancos e negros no sistema de ensino. Perpassa ainda a idéia de que as políticas públicas afirmativas correspondem a um privilégio dado à população negra, e que desconsideram as desigualdades sociais como o

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Lei n. 12.771 de 28 de dezembro de 2012 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12771.htm), consulta em 30 de novembro de 2013.

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elemento potencializador das disparidades vividas pelos grupos branco e negro (p.211).

Conseguir, através de ações afirmativas, o ingresso da população negra na Universidade, ainda não é o suficiente, caso se pense em um projeto de transformação social. Para Reis (2007) as ações afirmativas em si não asseguram a permanência bem sucedida de jovens negros no ensino superior, mas dependem também de laços afetivos e a interlocução com professores e intelectuais na universidade (p.51). Embora de extrema importância, as cotas não são suficientes para a democratização da educação superior, que ainda se ressente de políticas públicas que estimulem a permanência do aluno negro em sala de aula.

Na verdade, a ação do governo é importante, mas não decisiva quanto à sua aplicabilidade (Ribeiro, 2001), na medida em que, se insere o educando na universidade, também não possui em si mecanismos que lhe garanta uma experiência universitária interracial, que respeite a diversidade. Pesquisas apontam para a grande evasão5 de alunos negros em todos os momentos da vida escolar, mas, como afirma Túbero (2008), não é habitual a discussão sobre o que leva alunos e alunas a desistirem de estudar, não consta do planejamento, no início de cada ano letivo, nem do replanejamento, após as férias de julho, questões que envolvam a evasão escolar. Menos frequente ainda é essa discussão no ensino superior e, que tenha por centro a população negra.Para Reis (2007)

nesta nova estrutura que se apresenta nas universidades brasileiras, qual seja: o sistema de reserva de vagas, se não temos uma sólida política de permanência, podemos ter um sistema falido daqui a quatro ou cinco anos, em que pese o fato de mais uma vez as vítimas serem culpadas pelo processo; ou seja, os alunos negros(ingressos pelo sistema de reserva de vagas) podem ser culpabilizados por não terem sabido responder às

oportunidades que lhes foram dadas [destaque do autor], assim como foi

feito no período pós-abolição (p.64)

5

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8 Neste sentido,

com vistas a assegurar a permanência (e, especialmente, uma permanência de qualidade) de estudantes negros(as) no ensino superior, um dos primeiros interrogativos que costuma vir à mente se refere à necessidade de entendermos como tais experiências e estratégias se definem. Mais que isso, é preciso ver em que medida tais experiências e estratégias se articulam e se de maneira institucionalizada ou não. Além disso, importa considerar possíveis modalidades informais que, antes do ingresso na universidade, se delineiam, em termos de formação de redes de solidariedade. (Lopes e Braga, 2007, p.17).

A transformação da universidade brasileira em um espaço que acolha, integre e valorize efetivamente as múltiplas identidades que constituem o povo brasileiro, suas experiências, histórias e culturas, envolve atenção especial às relações intersubjetivas aí presentes (seja nas relações entre alunos, alunos e professores e destes com a instituição). Relações intersubjetivas e interraciais têm sido pesquisadas por diferentes autores, em especial naquelas que ocorrem em séries iniciais do ensino.

Túbero (2008), em estudo com alunos e professores do ensino fundamental ao médio, pesquisou como a raça/cor de pele interfere na visão que professores, gestores e alunos fazem sobre o desempenho escolar e expectativas da permanência desses alunos. Para a autora,

o silenciamento promovido pela escola desde as séries iniciais, reforçando muitas vezes discriminações aprendidas com a família e/ou na convivência com os colegas, poderá ser respondido pelos alunos do ensino médio, segundo os sentidos atribuídos por eles a esta discriminação, em forma de reivindicação de direitos e tratamento igual, de enfrentamento, de atitudes violentas ou, quando ele se vê e se sabe sem forças para lutar, em forma de evasão (Túbero, p. 138).

Esta não seria também a condição de alguns universitários negros, ao experimentarem situações de “não-pertencimento” e “invisibilidade”?

Os estudos de Laborne (2006), Souza, F.M. (2006), Gomes, J.D. (2008) e de Santos, E.F.dos (2011), sobre universitários negros procuraram identificar como estes

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percebem a disposição de professores e demais alunos frente à sua condição etnicorracial, e quais estratégias utilizam para esse enfrentamento.

Laborne (2006), a partir de entrevistas, denunciou os obstáculos encontrados por mulheres negras para concluírem seus cursos universitários, e os mecanismos utilizados para esse fim. Segundo a autora, no ambiente racializado da universidade, a experiência de “não pertencimento” presente nos depoimentos das entrevistadas era reforçada pela sub-representação de negros tanto entre o corpo discente, quanto ao corpo docente da Universidade.

Souza, F.M. (2006) analisa as trajetórias sociais de alunos negros na Universidade Estadual de Campinas. Seu trabalho se propôs a refletir sobre como o estigma da cor da pele interfere nas vivências escolares e acadêmicas de estudantes negros da Universidade Estadual de Campinas, na medida em que, ao chegar à universidade o estudante se depara com reduzido número de estudantes negros. Os dezenove depoimentos obtidos nos oferecem muitas referências à importância que na vivência acadêmica, a relação professor-aluno tem aos olhos do aluno, e, neste caso, do aluno negro. Segundo a autora,

“em nenhuma fala encontramos a associação entre dinâmica racial da sociedade brasileira e o número de negros no sistema superior de ensino, o que demonstra que os entrevistados consideram que a pouca presença de negros nas universidades brasileiras está diretamente relacionada à condição socioeconômica do estudante e, na avaliação de alguns entrevistados (de classe social mais pobre), ao interesse/desempenho nos estudos. [...] muitos relataram um certo incômodo com o pouco número de estudantes negros na universidade. Grande parte dos entrevistados quando chegou à Unicamp não encontrou seu lugar no ambiente acadêmico, conhecendo uma sensação de solidão e de inadequação ao espaço da universidade, muito embora não perceba este lugar como reprodutor das práticas raciais existentes na sociedade brasileira e, assim, como na avaliação do espaço escolar, se acredita que a universidade é espaço do conhecimento, por isso os racistas não estão na universidade. ” (Souza, 2006, p. 86).

Até que ponto um maior número de professores negros no ensino superior, conscientes de seu papel emblemático frente aos alunos negros, não diminuiria essa

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10

vivência de “não pertencimento” e exclusão desses alunos, garantindo a eles uma vida universitária mais plena? Até que ponto professores universitários negros, com seu olhar crítico sobre conteúdos e currículos, não estimulariam um repensar sobre o saber eurocêntrico de nossas universidades, favorecendo aos alunos de diferentes trajetórias, dentre eles alunos negros, a possibilidade de desconstrução e reconstrução desses saberes, tornando-os, efetivamente, protagonistas de sua formação? Não será o momento de se questionar uma prática pedagógica que sustenta o seu saber sobre o referencial do homem branco, euro-descendente, masculino, adulto e cristão?

Gomes, J.D. (2008) também fez uso de entrevistas de estudantes negras da UNICAMP, propondo-se a analisar o modo como experiências de raça, gênero e classe social se articulavam no cotidiano acadêmico de estudantes negras universitárias de graduação e pós-graduação na UNICAMP entre os anos de 1989 até 2006. Gomes, J.D. destaca em suas conclusões

“o esforço de estudantes negras que, não tendo modelos negros de referência na academia, faziam a si mesmas modelos positivos para seus estudantes de cursinhos pré-vestibulares ou de alfabetização” (2008, p.139).

Ao mesmo tempo,

“embora a universidade não tenha uma representatividade grande de negros [...] a universidade passa a ser um lugar para se conhecer outros negros. Quem só estudou com brancos ou quem os viu desaparecendo, pode ver na universidade outros modos de ser negro e de moldar práticas de inclusão de novos sujeitos” (2008, p.141).

Esses esforços de estudantes citado por Gomes, J.D. em fazer de si mesmos modelos de referência, em moldar novas práticas de inclusão na academia não poderiam também ser direcionados a práticas envolvendo pesquisas e construção de novos saberes, caso houvesse uma representatividade maior de professores negros e mesmo não negros, comprometidos com temáticas de interesse de grupos negros?

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Santos, E.F dos (2011) realizou entrevistas individuais e coletivas em que foram pesquisadas as relações existentes entre o senso de pertencimento, a identidade étnicorracial e as representações que são engendradas sobre as relações raciais e as ações afirmativas entre universitários negros da UFSCAR. Para a autora, a dificuldade desses alunos para falar sobre racismo era evidente, como também o era a tensão verificada pelo baixo número de negros na vida universitária, a percepção de um racismo institucional e a própria identificação étnicorracial. E a uma maior consciência de uma identidade étnicorracial, corresponderia uma maior condição de enfrentamento e superação dos obstáculos impostos.

A análise de entrevistas e suas conclusões apontam para a sub-representação de negros nas universidades (seja no quadro discente ou docente). Revela ainda, a experiência de não pertencimento ao espaço da universidade, uma grande dificuldade em se auto-definir como negro, os obstáculos e dificuldades muitas vezes não superados e as raras possibilidades de se deparar com professores negros, que possam servir de modelo e referência. Frente a esta condição, os trabalhos de Gomes, J.D. e Santos, E.F. indicam diferentes posturas assumidas por universitários negros frente a essa ausência de referências negras entre os docentes na academia. Se alguns alunos atuam na docência e militância em cursinhos engajados, responsabilizando-se não apenas pelo preparo de outros negros para o ingresso na universidade, mas também, e principalmente, para um olhar crítico sobre a realidade das relações raciais, outros esbarram e são paralisados pelos obstáculos do preconceito e do racismo institucional. Reafirma-se, desse modo, a importância de docentes universitários negros que possam ser tomados como referência. Referência que inspire na superação das barreiras históricas interpostas na trajetória escolar de negros desde sempre. Professores parceiros na luta pelas políticas que garantam a permanência desses alunos na universidade. Professores lúcidos frente ao processo de neocolonização presente em diferentes cursos universitários, e parceiros na construção de um novo saber intercultural no interior da academia.

Mas será que professores universitários negros estariam prontos para assumir a própria condição etnicorracial no interior da universidade? A simples condição de negritude

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o prepararia para uma postura crítica frente às relações raciais? Poderiam, assim, tornar-se referência e serem parceiros da superação dos obstáculos interpostos pelo racismo? Além disto, deve-se considerar que a universidade brasileira possui um histórico de alheamento frente às questões etnicorraciais. Ao mesmo tempo, se nos voltarmos para a produção de conhecimento sobre estas questões raciais, não poderíamos acusar a universidade brasileira de estar racionalizando e teorizando sobre o aluno negro, sem estar efetivamente aberta à percepção de que se mantém elitista, branca e alheia à complexidade de condições que vinculam ou não o aluno a ela?

A tese de Belletati (2011) parece confirmar o fato, quando procura identificar dificuldades de alunos ingressantes da Universidade de São Paulo, e em nenhum momento chega a sugerir questões etnicorraciais como geradora dessas dificuldades. Para o autor, as dificuldades que são vinculadas basicamente a empenho pessoal: pressões econômicas, conciliação de trabalho e estudo, ensino básico de baixa qualidade, atitudes inadequadas frente ao estudo como não saber estudar, não saber organizar o tempo, não saber preparar-se para uma prova (p.209). A escola acaba por naturalizar a atribuição do fracasso ao aluno, sem questionar as práticas docentes.

Diante destas evidências, não estaríamos correndo o risco real de repetir no ensino superior o mesmo fenômeno observado no ensino fundamental e médio ao criarmos estratégias de inserção do aluno negro na universidade (mantida elitista e branca) para posteriormente naturalizarmos seu fracasso e reafirmarmos os estigmas discriminatórios?

Neste caso, não seriam professores negros e não negros protagonistas inquestionáveis no processo de fixação do aluno negro na universidade? Não seria necessário que além de estarem preparados em sua formação teórica específica, os docentes também apresentassem condições para uma inserção política e uma leitura ética e engajada do momento histórico da universidade brasileira, para concretamente atuarem por sua transformação? Não exigiria a Lei 10.558 de todo professor (negro ou não) repensar sua prática? Não imporia ela, uma revisão dos valores, uma superação de pré-conceitos e respeito às diferentes origens etnicorraciais, além de uma maior consciência histórica e política da construção das desigualdades em nosso país? Mas, basta a existência das leis?

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Nesse sentido, como repensar a questão étnicorracial e abrir espaço maior para se refletir sobre todas as outras formas de exclusão de grupos operadas dentro da universidade?

Ao mesmo tempo, na medida em que “não existem leis no mundo que sejam capazes de erradicar as atitudes preconceituosas existentes nas cabeças das pessoas” (Munanga, 2005, p.17), se faz necessária uma nova prática docente que, somada às exigências teóricas, implique no encontro e compartilhamento de experiências, projetos e histórias de vida, refletidos no contexto político e conjuntural do processo educativo. A quem caberia esse processo? Uma possibilidade de resposta: aos docentes, em especial aos docentes negros, num trabalho de resistência no sentido de conscientizar um número maior de professores e alunos negros (e não negros) da importância histórica da construção de uma nova universidade, pela sua presença questionadora e por uma proposta alternativa de construção de conteúdos didáticos.

Insere-se aqui a discussão a respeito das experiências vividas por docentes universitários negros, já que a universidade brasileira se apresenta como espaço privilegiado das elites econômicas e culturais desde sua formação e excludente em relação a grupos de menor poder.

Ribeiro, M.S.P.R. (2001) resgata a trajetória escolar e profissional de docentes negros de universidades públicas do Estado de São Paulo, ou seja, a memória de suas experiências tanto como alunos, como no papel de docentes. Destes, a grande maioria fez sua formação inicial em escolas públicas, em meados dos anos de 1970, período em que estas eram reconhecidas como de excelente qualidade. O desempenho escolar destes alunos, segundo a autora, apesar da necessidade de conciliar educação com trabalho, era exemplar, o que, ainda assim, poucas vezes lhes conferia visibilidade. O bom rendimento, lembra ainda, muitas vezes é visto como anteparo que ameniza a ação do racismo e a desqualificação. Em muitos dos relatos desse professores a discriminação era nítidamente vivida:

“... eu era a menina negra e feia, você é sempre a coisa errada. Então você procura ser mais certinha, a que estuda mais...” (Professora 10) (Ribeiro, 2001, p.91).

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“... a universidade como um todo é racista, no sentido em que não dá as mesmas condições para todas as etnias.” (Professor 15) (Ribeiro, 2001, p.104).

Em estudo realizado na Universidade Federal de Minas Gerais, Praxedes e colaboradores (2009), recolheram depoimentos sobre a trajetória vivida por professores negros da instituição:

“Eu sou a única professora negra da história dessa Escola. Então, tanto os alunos, os funcionários, os professores, por motivos distintos, acompanham muito do que eu faço, o que eu escolho, por onde eu caminho. É muito legal você ir para a sala de aula e ter aqueles olhinhos brilhantes, os alunos negros, principalmente, e de repente é como se eu estivesse dando aula só para eles, porque o olho brilha e eles se identificam”. (Profa. M.A.M) (Praxedes, 2009, p.110).

Carneiro (2007) alerta para a condição de que a consciência do ser negro ou de uma negritude vivida subjetivamente pode, contudo não ser acompanhada de uma negritude vivida políticamente no espaço da universidade:

“uma coisa é ter a consciência de ser negro, ser discriminado e defender a dignidade do ser negro. Outra coisa é essa consciência se politizar e se transformar em uma perspectiva de ação política, no tornar-se militante. Isso pode acontecer ou não” (p.40).

Uma consciência politizada do professor negro não implicaria em uma revisão crítica do saber construído e partilhado na universidade? Não seria a construção desse saber decisiva para que a universidade se constitua como espaço interracial e intercultural?

Uma produção relevante sobre conteúdos que vão da questão da saúde à ocupação dos espaços, de temas sobre educação ao ativismo negro sob a perspectiva negra vem sendo produzida pela Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN). Ainda que pouco numerosos, alguns dos docentes negros de nossa universidade pública estão associados à ABPN, ou participam com seus trabalhos de pesquisa dos congressos por ela organizados.

A Associação foi criada como resultado da necessidade de se conhecer a presença e a produção acadêmica sobre a temática racial e a produção de pesquisadores negros. Foi possível a partir de um primeiro encontro no período de 21 a 23 de setembro de

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1989, na Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista (UNESP) – campus de Marília, e em todos que se seguiram já na forma de COPENE (Congresso de Pesquisadores Negros) atualmente em sua oitava edição. É também um resultado do fortalecimento do Movimento Negro no Brasil que a partir de novos espaços conseguidos no painel político brasileiro desde o Encontro de Durban, em 2001, passou a contar com mecanismos jurídico-politicos de criminalização da discriminação e racismo, como para exigir políticas públicas compensatórias pelos danos espirituais e materiais causados pelo racismo e pela discriminação6.

A Associação foi efetivamente constituída no segundo COPENE, que aconteceu em agosto de 2002 em São Carlos (SP), com o objetivo principal de congregar e fortalecer laços entre pesquisadores negros e não negros que, direta ou indiretamente, tratem da problemática racial e se identifiquem com os problemas que afetam a população negra, e estejam interessados, não apenas teoricamente, em equacioná-los. Busca-se rever, recriar, ressignificar a participação dos negros, enquanto coletividade distinta, na história presente e passada do Brasil. A Associação também dá apoio a publicações, como a Revista da ABPN e a Coleção Negras e Negros: Pesquisas e Debates.

Diante desse contexto, pergunta-se: a ABPN, os COPENEs e as pesquisas por eles veiculadas são referências na reflexão de docentes negros sobre seu papel decisivo neste momento em que as ações afirmativas respaldam a entrada de maior número de alunos negros na universidade? Em questão a possibilidade de compreender se tais ações passam a fazer parte da luta contra o racismo e se fortalecem na organização coletiva do segmento negro, em formas associativas institucionalizadas (entre elas a ABPN - Associação Brasileira de Pesquisadores Negros). Trata-se ainda, de estabelecer na postura individual do docente, os mecanismos capazes de implementar na sua prática docente as conquistas legais, representada por diferentes leis tais como a Lei 10.558, a Lei 10639/03 ,

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Pesquisado no site da ABPN, em 08/09/2012

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a Lei 11.645/087 e a Lei 12.177/12 contribuindo assim, para a transformação da realidade social e institucional existente. Neste caso, quais as mudanças que o docente negro imprime à sua prática em termos de formar criticamente seus alunos diante da realidade racial no Brasil?

A pesquisa e seu desenvolvimento

Esta pesquisa se orientou a partir de conceitos e definições expostos pelo Estatuto da Igualdade Racial, a Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010.

Por população negra, conforme este Estatuto, tomamos o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Por desigualdade racial, segundo o mesmo Estatuto, considera-se toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica.

Como discriminação racial ou étnicorracial entende-se toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural, ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada.

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Torna obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados.

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Por políticas públicas devem-se entender as ações, políticas e programas adotados pelo Estado no cumprimento de suas atribuições institucionais, dentre as quais as

ações afirmativas representam os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e

pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades. São medidas especiais e temporárias, com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, e de garantir a igualdade de oportunidade e tratamento, bem como compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, por motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros (Rosemberg, 1991). São instrumentos poderosos de inclusão social. Mais do que a igualdade de oportunidade e tratamento, o que se pretende com as ações afirmativas é o tratamento específico, para sujeitos com história específica e singular 8.

Assumem-se os conceitos de raça, racismo e racismo institucional conforme descritos por Munanga (2004; 2007), ou seja, o conceito de raça, segundo Munanga (2004) tal como o empregado hoje nada tem de biológico. É um conceito carregado de uma ideologia essencialista, que postula a divisão da humanidade em grandes grupos com características físicas hereditárias comuns, sendo estas o suporte das características psicológicas, morais, intelectuais e estéticas e se situam numa escala de valores desiguais. Como todo produto de ideologias, esconde relação de poder e de dominação.

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Para Gomes, J.B (2005) (as ações afirmativas) constituiriam um mecanismo institucional de criação de exemplos vivos de mobilidade social ascendente. Vale dizer, os representantes de minorias que, por terem alcançado posições de prestígio e poder, serviriam de exemplo às gerações mais jovens, que veriam em suas carreiras e realizações pessoais a sinalização de que não haveria, quando chegada a sua vez, obstáculos intransponíveis à realização de seus sonhos e à concretização de seus projetos de vida. Em suma, com essa conotação, as ações afirmativas atuariam como mecanismo de incentivo à educação e ao aprimoramento de jovens integrantes de grupos minoritários, que invariavelmente assistem ao bloqueio de seu potencial de inventividade, de criação e de motivação ao aprimoramento e ao crescimento individual, vítimas das sutilezas de um sistema jurídico, político, econômico e social concebido para mantê-los em situação de excluídos (p.59).

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Visto deste ponto de vista, o racismo, para Munanga é uma crença na existência das raças naturalmente hierarquizadas pela relação intrínseca entre o físico e o moral, o físico e o intelecto, o físico e o cultural.

Por racismo institucional entende-se aquele

ligado à estrutura da sociedade e não aos seus indivíduos isoladamente. O racismo institucional engendra um conjunto de arranjos institucionais que restringem a participação de um determinado grupo racial, forjando uma conduta rígida frente às populações discriminadas. No caso das políticas educacionais, nota-se uma fixidez de comportamento negativo frente a propostas de implementação de políticas de ação afirmativa (Munanga, 2007, p. 211).

O conceito de identidade segue a definição dada por Hall (2006), que, ao contrário de concebê-la como algo fixo, essencial, permanente ou unificado, entende-a como múltipla, dinâmica, cambiante, determinada histórica e culturalmente. É o resultado de uma construção que “permite ao indivíduo identificar os objetos em sua especificidade, reconhecer a si mesmo e aos outros como indivíduos e organizar suas ações em seu contexto de vida”, como afirma Ferreira (2000, p. 44).

O conceito de intelectual neste trabalho não remete apenas a acadêmicos e especialistas graduados e pós-graduados em temáticas específicas, mas a todos (as) aqueles (as) que, independentemente de uma formação específica, assumem como proposta uma reflexão crítica da realidade em que se inserem como indivíduos e como representantes de um grupo, tornando-se referência paradigmática nas formas de se pensar essa realidade, produzindo e/ou divulgando esse conhecimento.

Por saber intercultural deve-se entender o conhecimento constituído na relação horizontal entre diferentes práticas e saberes, em seu caráter histórico, dinâmico, plural e diverso, em oposição a todo saber homogeneizante e universal.

Utiliza-se neste trabalho o conceito de resistência, conforme definido por Bobbio (2004). Para o filósofo, resistência, como ato prático, se opõe à obediência e subordinação frente à opressão, mas se caracteriza pela persistência e determinação,

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garantindo espaços e preparando novas possibilidades. Em outras palavras, estabelecer “as condições para uma mais ampla e escrupulosa realização dos direitos proclamados” (p.23), criando a condição de emergência histórica de novos direitos e de “transformações das condições de vida que essas lutas produzem” (p.31). Esta interpretação do conceito é compatível com o uso desse mesmo conceito de resistência, tal como usado por Pereira (J.B.B.,1984), que opõe resistência à opressão e adversidade, e é também empregado nos próximos capítulos.

Aspectos metodológicos

A partir dos depoimentos de três docentes negros de universidades públicas, procuramos levantar elementos que nos permitissem a compreensão da realidade por eles vivida no interior da universidade. Procuramos, ainda, refletir sobre as relações interraciais que nesse espaço se estabelecem, sua participação, ou não, em organizações coletivas de luta negra, e, em particular, à ABPN, sua contribuição na construção de um saber intercultural, e a importância que atribuem à sua condição de intelectuais negros na transformação da universidade brasileira.

O método da história oral norteia esta pesquisa qualitativa, que se insere em um contexto histórico e social específico, ou seja, do período posterior à definição de ações afirmativas pelo Estado brasileiro, que promovem a entrada de um maior contingente de alunos negros na universidade brasileira, até o momento.

Cabe aqui esclarecer os motivos de escolha do método e as técnicas utilizadas. Por método de “História Oral” entendemos a reconstrução, a partir de uma quantidade de informações orais, das experiências de narradores, a respeito de fatos não registrados por outro tipo de documentação, ou cuja documentação se deseja completar (Queiroz, 2008, p.42). A partir da história oral é possível o levantamento de vivências registradas na memória individual desses narradores, assim como aspectos da memória do grupo social em que foram socializados. Pode-se ainda ter elementos da memória coletiva, tida como

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“memória oficial” da sociedade e as “memórias subterrâneas ou marginais”, fortemente reprimidas, mas que podem vir à tona na situação de pesquisa (Von Simson, 2007). As vivências assim resgatadas nos oferecem os elementos de análise. Para tanto serão utilizadas as técnicas de “depoimentos orais”, “relatos de vida” (ou “tranche de vie”) e entrevistas9.

A técnica de depoimento oral consiste no registro das experiências transmitidas pelo narrador, a partir de um tema específico, sem a intervenção do pesquisador. Suas associações, o dito e o não dito no depoimento são relevantes para análise do conteúdo.

Os relatos de vida apreendem a participação do narrador em um fato específico, em um determinado momento de sua vida, em um discurso que, tendo um tema como ponto central, ainda envolve a livre expressão do narrador, norteada, vez ou outra, por interferências que o devolvem à questão em estudo. No caso desta pesquisa, o ponto de interesse são as formas de participação dos professores universitários negros frente às questões raciais, à inserção dos alunos negros na universidade, decorrente da política de ações afirmativas e aos conteúdos que, reproduzidos na universidade em diferentes disciplinas, mantém a hegemonia do pensamento eurocêntrico.

A entrevista aberta, por outro lado, é orientada a partir de um roteiro previamente fixado, que, em geral, visa suprir com informações definidas o conteúdo já obtido pelas técnicas anteriores, na medida em que se buscam pontos comuns aos diferentes processos de coleta, que garantam uma análise destas informações comparativa e analiticamente.

Neste trabalho, em um primeiro encontro, foram recolhidos depoimentos orais10, em que os narradores relataram suas experiências pessoais e docentes, como sua opção pela carreira universitária, contexto de vida em que esta opção se deu, e sua percepção sobre a importância de sua inserção no meio universitário como docente e

9

A escolha de técnicas para Queiroz (2008) não pressupõe apenas diferenças na maneira de aplicá-las, mas, sobretudo na preocupação do pesquisador com relação aos dados que pretende obter (p. 46).

10

Neste trabalho, a proposta sugerida ao narrador é a de que fale livremente sobre sua experiência na universidade, nos diferentes papéis nela vividos.

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