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C.N.: “quanto ao NEAB, este surgiu pela primeira vez em uma universidade pública

O Movimento Negro e seus Intelectuais na Luta por Educação: Conquistas Negras.

I. C.N.: “quanto ao NEAB, este surgiu pela primeira vez em uma universidade pública

brasileira nos anos 80. Recebemos da Unesco a responsabilidade de organizar um congresso internacional, (reunindo Brasil, países da América Latina, Europa e América) em São Luís, para discutir a questão das religiões africanas no mundo. Neste evento fui o coordenador da equipe de recepção, e a partir deste encontro organizamos o NEAB. Hoje este núcleo de estudos está implantado em muitas universidades brasileiras... Muitos saíram daquele grupo e se tornaram personalidades de grande importância no cenário nacional” (sic).

Com a implementação da Lei 10639/03, o fortalecimento dos Núcleos de Estudos Afro-brasileiros (NEABs) existentes tornou-se fundamental, fazendo parte de uma política educacional que também exigia

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formação continuada presencial e à distância de professores na temática da diversidade etnicorracial em todo o país, publicação de material didático, realização de pesquisas na temática [...]do Programa UNIAFRO (SECAD/SESU), os Fóruns Estaduais e Municipais de Educação e Diversidade Etnicorracial, a implementação da Comissão Técnica Nacional de Diversidade para Assuntos Relacionados à Educação dos Afrobrasileiros (CADARA), as publicações específicas sobre a Lei dentro da Coleção Educação Para Todos, a inserção da discussão inclusão e

diversidade como um dos eixos temáticos da Conferência Nacional da

Educação Básica, a criação do Grupo Interministerial para a realização da proposta do Plano Nacional de Implementação da Lei 10639/03, participação orçamentária e elaborativa no Programa Brasil Quilombola, como também na Agenda Social Quilombola, participação na Rede de Educação Quilombola, além de assistência técnica a Estados e Municípios para a implementação das Leis 10639/2003 e 11645/2008 (Passos, 2006 p.22).

No bojo das leis 10639/2003 e 11645/2008 os NEABs desempenham papel fundamental na implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana. Nesse contexto, devem ter por função segundo essas diretrizes:

a)colaborar com a formação inicial e continuada de professores e graduandos em educação das relações etnicorraciais e ensino de história e cultura afro-brasileira e africana, de acordo com o disposto na resolução CNE/CP 01/2004 e no parecer CNE/CP nº 03/2004, e da Lei 11645/08, quando couber;

b) elaborar material didático específico para uso em sala de aula, sobre educação das relações etnicorraciais e história e cultura afro-brasileira e africana que atenda ao disposto na resolução CNE/CP 01/2004 e no parecer CNE/CP nº 03/2004;

c) mobilizar recursos para a implementação da temática de modo a atender às necessidades de formação continuada de professores e produção de material didático das Secretarias municipais e estaduais de educação ou/e pesquisas relacionadas ao desenvolvimento de tecnologias de educação que atendam à temática;

d) divulgar e disponibilizar estudos, pesquisas, materiais didáticos e atividades de formação continuada aos órgãos de comunicação dos Sistemas de Educação;

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e) manter permanente diálogo com os Fóruns de Educação e Diversidade Etnicorracial, os Sistemas de Educação, Conselhos de Educação, sociedade civil e todos as instancias e entidades que necessitem de ajuda especializada na temática;

f) atender e orientar as Secretarias de Educação quanto às abordagens na temática das relações etnicorraciais, auxiliando na construção de metodologias de pesquisa que contribuam para a implementação e monitoramento das Leis 10639/2003 e 11645/08, quando couber.

As ações implementadas pelos NEABs começam a atrair a atenção de pesquisadores, embora sejam poucas as teses e dissertações sobre eles defendidas até o momento. Entre elas podemos destacar a tese de Marta Iris Camargo Messias, O

Movimento Social Negro: da contestação às políticas de Ações Afirmativas e a implicação para a aplicação da lei 10639/03: o caso da rede Municipal de Ensino de Santa Maria,

defendida em 2009, na Universidade Federal da Bahia, orientada por Sara Martha Dick. Entre as dissertações encontra-se a de Ana Helena Ithamar Passos, Reflexão

acadêmica e afrodescendência: um estudo da contribuição de três núcleos de pesquisa de universidades do Rio de Janeiro para o enfrentamento do racismo no Brasil,defendida na

PUC do Rio de Janeiro em 2006; a de Rafael Ferreira Silva, Educando pela diferença para

a igualdade: professores, identidade profissional e formação contínua, de 2010, no

Programa de Educação da Universidade de São Paulo; a de Sergio Gonçalves de Lima, A

questão etnicorracial na formação continuada de professores da Escola Básica: uma análise de quatro Núcleos de Estudos Afrobrasileiros no Estado do Rio de Janeiro, de

2012, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no Programa de Educação, Cultura e Comunicação.

Messias (2009) traz para discussão a experiência do NEAB/UFSM na implementação de políticas de ação afirmativa, no âmbito da Universidade Federal de Santa Maria e da Região Central do Rio Grande do Sul. O Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros se desenvolveu a partir da reunião, em 2000, de interessados no estudo de temas referentes ao negro, na Universidade de Santa Maria. Em um primeiro momento, este grupo se auto- denominou Núcleo Negro da Universidade de Santa Maria, para em 2003, constituir o

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NEAB/UFSM, atualmente composto por professores, alunos, técnicos administrativos e aposentados da UFSM, bem como por representantes do Movimento Negro de Santa Maria e região e por pesquisadores associados (p. 175). Segundo a autora,

o NEAB/UFSM tem como objetivo ser um núcleo interdisciplinar de apoio aos projetos de ensino, pesquisa e extensão na UFSM, bem como, às ações afirmativas desenvolvidas em Santa Maria e região sobre as questões relacionadas ao segmento afro-brasileiro da sociedade, desenvolvendo ações em prol da igualdade racial. O Núcleo busca, também, em suas ações, uma interação com o Movimento Social Negro local, na tentativa de colaborar com as demandas deste setor organizado da sociedade, com as redes de ensino estadual e municipais no sentido de fornecer subsídios para a educação das relações étnicorraciais (p. 171).

Sobre a atuação do NEAB/UFSM a autora acrescenta que

o NEAB-UFSM, desde a sua formação, organiza seminários, palestras, jornadas e cursos voltados a esta temática, destinados para acadêmicos e professores das redes de ensino estadual e municipal da região central do estado. Deste modo, procura-se sensibilizá-los no trato com a diversidade econômico-social e racial existente em âmbito escolar na intenção de colaborar na luta contra o racismo e todas as formas de discriminação em nosso país. Além disso, a partir do primeiro semestre de 2005, tem sido oferecida, pela coordenadora do Núcleo, uma Disciplina Complementar de Graduação (DCG) intitulada “Relações Étnico-Raciais e Educação”, com carga horária de 45 horas/aula, junto ao Curso de Letras da UFSM (p. 172).

Essa luta contra o racismo passa, segundo Messias, por uma necessária descolonização dos conteúdos disciplinares na academia, e afirma que

embora saibamos da urgência de mudanças, temos consciência de que elas não se processarão em um curto espaço de tempo. As bases para estas transformações devem surgir no interior das Universidades; por isso as ações do NEAB, seja junto aos professores em exercício, seja junto aos Cursos da UFSM, são um embrião efetivo para a discussão do modelo acadêmico europeu vigente, frente a esta nova perspectiva do conhecimento, que trará alterações substanciais às bases do saber produzido e transmitido na academia (p. 181).

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Importante salientar que, para Messias, além de garantirem importante contribuição no estudo das relações raciais, os NEAB representam decisivo papel na mudança de paradigmas na construção de conhecimento, gestando e oferecendo bases concretas para uma revisão do modelo acadêmico eurocêntrico ainda vigente na universidade brasileira.

Ao analisar três NEABs do Rio de Janeiro, CEAA, CEAB e NIREMA, Passos (2006) enfatizou a importância que os estudos africanos e afrobrasileiros têm exercido na reconceituação da identidade brasileira e na construção de uma população afrodescendente mais consciente de sua importância histórica (p. 17). Conforme o trabalho de Passos, o CEAA – Centro de Estudos Afro-Asiáticos - foi o primeiro núcleo de estudos sobre a população negra surgido no interior de um campus universitário do Rio de Janeiro, o Conjunto Universitário Cândido Mendes, em 1973. Fundado por Cândido Mendes e José Maria Nunes Pereira, voltava-se para estudos sobre o colonialismo, a política de apartheid e a descolonização africana.

Entre as muitas atividades do centro, ele promovia cursos, debates, palestras, seminários e publicações sobre a descolonização e a situação política nos continentes africano e asiático, em resposta à censura oficial sobre esses temas nos meios de comunicação de massa (p. 56).

No ano de 1978, em parceria com a Fundação Ford, o CEAA lançou a revista Estudos Afro-Asiáticos, um marco na reflexão sobre esse tema, que, ao lado do curso de extensão História da África, representa fonte de pesquisa acadêmica e de interlocução com outras instituições.

O CEAB – Centro de Estudos Afro-Brasileiros formou-se a partir de uma ruptura no interior do CEAA, em 2002, e priorizava a análise de questões afro-brasileiras trazidas pelos debates sobre as ações afirmativas. Segundo Passos, o CEAB dedicou-se, desde a sua fundação, às pesquisas sobre desigualdades raciais na sociedade brasileira e à investigação sobre aspectos culturais da população negra como relações raciais no Brasil contemporâneo, cultura e religiosidade, racismo e discriminação racial, políticas de ação afirmativa e promoção da igualdade racial (p.65). Para a autora,

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da mesma forma que o CEAA, o CEAB desenvolveu atividades diversas, visando a capacitação e a formação de novos pesquisadores e ofereceu cursos para a atualização de militantes do movimentos sociais negros, embora não fossem essas a sua função e objetivos iniciais (p.66).

Sob alegação de dificuldades financeiras, o CEAB foi fechado pela Universidade Cândido Mendes em setembro de 2005. Por outro lado, em 2003, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-Rio foi criado o Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente – NIREMA, com duas linhas de pesquisa, documentação e extensão: “História e Cultura Afrodescendente” e “Direito e Cidadania Afrodescendente”. A linha de pesquisa “História e Cultura Afrodescendente” desenvolve trabalhos ligados à implementação da lei 10.639, demonstrando, segundo Passos, a articulação entre os NEAB’s e as agendas políticas dos movimentos sociais negros (p.93).

Passos avalia que, ao acolher os NEABs em seu interior, as universidades se legitimam como lócus não só de poder científico, mas também de articulação de uma nascente elite intelectual negra, que passou a se utilizar da produção desses núcleos como ferramenta de combate ao racismo (p. 39). Para Passos, os NEAB’s constituem um espaço gerador de conhecimento e categorias que refletem a posição da universidade em relação às questões da população negra (p.40). E acrescenta,

podemos entender os NEAB’s como um espaço de inclusão do negro, em um universo no qual a exclusão racial é notória: a academia brasileira. Além disso, os NEAB’s recuperam, de certo modo, uma herança das lutas dos movimentos sociais negros que ressurgiram a partir dos anos 1970, questionando também o suposto “universalismo democrático” da academia (p.43).

A importância dos NEABs na construção da identidade de estudantes negros ingressantes na universidade é enfatizada por Passos, pois

funcionando como lócus de articulação entre a universidade e os movimentos sociais negros, os NEAB’s também prestam serviço aos movimentos sociais negros, por se constituírem como territórios de referência para os estudantes negros, que começam a chegar à universidade no contexto de aplicação das políticas de ações afirmativas.

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Essa é uma das principais características do NIREMA, cuja própria fundação decorreu mais da presença deste novo público na PUC-Rio do que do acúmulo acadêmico de discussão sobre relações raciais no Brasil (p.50).

A autora também questiona se os NEABs poderiam representar “trincheiras de resistência”, um espaço para a construção das novas identidades afrodescendentes para a sociedade brasileira. Para Passos,

uma das contribuições principais que os NEAB’s poderiam dar para o enfrentamento do Racismo no Brasil seria a de se constituírem como espaços de inclusão, articulação e capacitação de novas gerações de lideranças afrodescendentes no Brasil. Porém, eles nem sempre são capazes de fazê-lo, como nos sugerem os “fluxos e refluxos” nas histórias das relações internas dos três núcleos que narramos. Entendemos que boa parte das razões para essa limitação decorre do fato desses sub-campos do conhecimento científico existir no interior de instituições de ensino superior que são, elas mesmas, permeadas por tensões sócio-raciais que estão vigentes como estruturas de longa duração na sociedade brasileira da qual fazem parte (p. 82).

Silva (R.F.,2010) trata da relação entre formação de professores e relações étnicorraciais na experiência do Programa São Paulo ou EDUCANDO, orientado pelo NEAB UFSCAR. O NEAB UFSCAR foi criado em 1991, portanto antes da lei 10.639, como uma iniciativa de professores, alunos, servidores e militantes do Movimento Negro de São Carlos, coordenados pela Profa. Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva. O NEAB, segundo Silva transita em dois campos, o da educação e das relações étnicorraciais.

Comum a grande parte dos demais NEABs das universidades brasileiras, as propostas do NEAB UFSCAR envolvem o desenvolvimento de estudos que possam ser úteis à formulação de políticas públicas de promoção da equidade social, que divulguem a realidade dos afrodescendentes na sociedade brasileira, que analisem as relações pessoais, culturais sociais e econômicas mantidas pelos descendentes de africanos com outros grupos étnicorraciais, visando a criação de mecanismos de combate ao racismo e à discriminação, o registro da memória social afro-brasileira, capacitação de professores, agentes comunitários e educadores que desenvolvam atitudes de respeito às diferentes etnias e

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classes sociais presentes na escola, a organização de programas e materiais de ensino que visem o diálogo entre as culturas (Silva,RF.,2010,p.69).

Além de diversos cursos, o NEAB/UFSCar está à frente da tradução da História Geral da África, e coordena o Fórum Interinstitucional em Defesa de Ações Afirmativas no Ensino Superior. Para Silva,R.F., o NEAB/UFSCar representa

uma ação estratégica de parte de intelectuais negros e negras dos movimentos sociais negros que, ao se formarem e pós-graduarem, ocupam as cadeiras das universidades públicas brasileiras, no caso as paulistas, e por meio de suas pesquisas e de seus orientandos e através de políticas públicas de extensão universitária [...] concentradas na formação contínua de professores, acabam por disputar os mecanismos de “produção” das identidades profissionais docentes, seja por meio da confecção de leis, realização de eventos acadêmicos e políticos (congressos, seminários, etc.), produção acadêmica (livros, artigos, etc.) ou pela implementação de formação de professores (2010,p. 86).

A pesquisa de Souza (E.S.,2009) revela o compromisso dos NEABs com a formação de um pensar crítico sobre as relações interraciais28, e com os processos educativos. Visando dar retaguarda a medidas tomadas no âmbito da educação, representantes de movimentos negros tornaram-se assessores (as) educacionais para assuntos da comunidade negra, assumindo assim o compromisso com sua comunidade. O autor destaca o papel desempenhado por esse grupo de assessores em ação nos anos de 1980 junto às Secretarias de Estado em S. Paulo e no Rio de Janeiro, com importante atuação nos programas escolares, definindo e priorizando pesquisas e sugerindo ações frente a currículos e materiais didáticos, tendo em foco as relações étnicorraciais (p.64).

Como destaca Souza, na década de 1980, por força da militância negra, a discussão sobre relações étnicorraciais e educação deixou de ser tratada como uma questão exclusiva da comunidade negra, passando a ser vista também como questão de Estado. Seguindo o modelo das Secretarias de Estado, secretarias de diferentes municípios do Estado de São Paulo também passaram a incorporar assessores para assuntos da comunidade negra à suas equipes. Estes assessores constituíam-se como intelectuais

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engajados, a partir de uma formação que vinculava os conhecimentos adquiridos em suas áreas de formação à participação em grupos da sociedade civil voltados para a temática étnicorracial e à militância no Movimento Negro.

Os diferentes trabalhos sobre os NEABs mostram de forma inequívoca como as iniciativas governamentais quanto à educação da população negra brasileira foram precedidas de uma mobilização deste grupo que, se priorizava as relações raciais no ambiente escolar e o necessário preparo de educadores para conduzi-las, já vislumbravam que estas deveriam ser acompanhadas também de uma revisão de conteúdos disciplinares e do material didático.

1.3.3 Ações Afirmativas

Ações afirmativas são definidas como medidas especiais e temporárias, tomadas pelo Estado e/ou pela iniciativa privada, espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, e de garantir a igualdade de oportunidade e tratamento, bem como compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, por motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros (Rosemberg, s/d)29. Por este motivo, também podem ser chamadas de políticas compensatórias. Em verdade, busca-se, mais do que a igualdade de oportunidade e tratamento, um tratamento específico para sujeitos com história específica e singular. Segundo Gomes, J.B. (2007), o “indivíduo especificado” será o alvo das novas políticas sociais, que nada mais são do que tentativas de concretização da igualdade substancial ou material (p.50) .

As ações afirmativas implementadas nos últimos anos pelo governo brasileiro, são o resultado da mobilização e pressão contínua do movimento negro, e não uma iniciativa espontânea do Estado. Essa busca de igualdade, como também de justiça social, sempre foi reivindicação do movimento negro no Brasil, que enfatizava, basicamente, três aspectos interligados:

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O texto de Fúlvia Rosemberg, Ação afirmativa no ensino superior brasileiro: pontos para reflexão, foi

pesquisado no site da Universidade Federal de São Carlos, mas não está datado.

http://www.acoesafirmativas.ufscar.br/arquivos/acao-afirmativa-no-ensino-superior-brasileiro-pontos-para- reflexao-por-fulvia-rosemberg .

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as discussões sobre relações raciais no país, o reconhecimento de uma dívida histórica pelo Estado e sociedade civil com a população negra, e a urgência de mecanismos de transformação desse quadro de extrema desigualdade racial, que, reunidos, amparam a fundamentação e os contornos das reivindicações porAçõesAfirmativas (Norões, 2011, p.29).

Através de ações afirmativas, luta-se por uma igualdade que respeite as especificidades. Para Piovesan (2007) é insuficiente tratar o indivíduo de forma genérica, geral e abstrata, pois todo indivíduo deve ser visto em sua peculiaridade e particularidade, tendo direito à sua diferença e diversidade (p. 37). Lembrando Santos (B.S.,2003),

temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades (p. 56).

Se o respeito à diferença envolve combate a toda forma de discriminação, a essa medida devem-se também somar iniciativas que promovam a igualdade, na forma de políticas compensatórias. Para Piovesan (2007),

as ações afirmativas, enquanto políticas compensatórias adotadas para aliviar e remediar as condições resultantes de um passado discriminatório, cumprem uma finalidade pública decisiva para o projeto democrático, que é a de assegurar a diversidade e a pluralidade social. Constituem medidas concretas que viabilizam o direito à igualdade, com a crença de que a igualdade deve se moldar no respeito à diferença e à diversidade. Através delas transita-se da igualdade formal para a igualdade material e substantiva (p.40).

Para Gomes, J.B. (2007), a Constituição Brasileira de 1988 não se limitou a proibir a discriminação, afirmando a igualdade, mas permitiu, também, a utilização de medidas que efetivamente implementassem a igualdade material (p.64). Neste sentido, as ações afirmativas podem promover transformações de ordem cultural, pedagógica e psicológica, que impeçam a manutenção, no imaginário coletivo, da idéia de supremacia e de subordinação entre grupos e eliminar os “efeitos persistentes” (psicológicos, culturais e

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comportamentais) da discriminação do passado30 (p.58). Podem favorecer, também o ingresso de grupos sub-representados ou não representados em espaços até então não acessíveis a esses grupos. Além disso, para Gomes (J.B., 2007),

as ações afirmativas cumpririam o objetivo de criar as chamadas personalidades emblemáticas. Noutras palavras, além das metas acima mencionadas, elas constituiriam um mecanismo institucional de criação de exemplos vivos de mobilidade social ascendente. Vale dizer, os representantes de minorias que, por terem alcançado posições de prestígio e poder, serviriam de exemplo às gerações mais jovens, que veriam em suas carreiras e realizações pessoais a sinalização de que não haveria, quando chegada a sua vez, obstáculos intransponíveis à realização de seus sonhos e à concretização de seus projetos de vida. Em suma, com essa conotação, as ações afirmativas atuariamcomo mecanismo deincentivo à