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Introdução 4

A pesquisa e seu desenvolvimento 19

Aspectos metodológicos 22

Os depoentes 24

Estruturação deste trabalho 31

Um aporte inesperado 34

Capítulo 1

O movimento negro e seus intelectuais na luta por educação: conquistas negras

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1.1 - Mobilização negra no Brasil e luta por educação 36

1.2 - Conquistas do presente 53

1.3 – ONGs, NEABs e Ações Afirmativas 56

1.3.1 - ONGs 1.3.2 - NEABs 56 58 1.3.3 - Ações Afirmativas 67 Capítulo 2

Negros, intelectuais e docentes da universidade brasileira 73

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2.1 - “Tomando a palavra...” 77

2.1.1 - Da militância à docência 84

Capítulo 3

Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN): caminhos e lutas

92

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3.1 - Como atua a ABPN 92

xxxiii

3.2.1 - Revista da ABPN 98

3.2.2 - Coleção Negras e Negros: pesquisa em debate 104

3.3 - A ABPN e a luta antirracista

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3.3.1 - Relatório de Perfil - 2010 114

3.3.2 - Relatório de Perfil – 2012

3.3.3 - Conhecendo um pouco mais sobre os pesquisadores da ABPN

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Capítulo 4

Relações interraciais e a construção de um novo saber

138

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4.1 - Formação do negro e seus desafios 141

4.2 - Repensar o saber acadêmico 150

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Introdução

A segunda metade do século XX assistiu à irrupção de profundas reflexões nos diferentes campos do saber, a partir de novas correntes de pensamento e novos paradigmas, que imprimiram uma necessária revisão nas formas de se pensar o social, a política, a cultura. Segundo Mbembe (2000), essas correntes foram os estudos de gênero, os estudos sobre o póscolonialismo, a circulação contemporânea da cultura e os estudos críticos sobre questões raciais, que alertaram para a urgência de se repensar a ordem democrática, as condições éticas de vida em comum, e as relações estabelecidas com o outro e com o mundo, uma revisão das formas de pensar a diferença e a alteridade (p.III). Conduzida principalmente por intelectuais originários de ex-colônias, estes novos estudos têm por foco comum a defesa de uma nova democracia, fundada em relações inter-culturais de reconhecimento e respeito mútuo e em uma crítica ao “ocidental-centrismo”. Segundo Mbembe,

“cette sorte de sujet singulier qui, cherchant à passer pour l´universel tout court, finit par produire une notion perverse de la différence comme alibi destiné à legitimer la domination” (2000, p. IV)1.

A crítica ao ocidental-centrismo, encabeçada inicialmente por Edward Said, e os novos paradigmas que a ela se vinculam na constituição de novas possibilidades para as relações interraciais e interculturais dão o tom para este estudo, que, ao focar no ingresso de alunos e professores negros na universidade brasileira, aponta para a importância dessa conquista, não apenas tendo em vista o novo perfil de relações raciais no interior da academia, mas a promessa de novos referenciais teóricos e uma nova constituição de saberes nesse espaço institucional, como indicam Boaventura Santos (2008) e Neusa M.M.de Gusmão (2003).

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Tradução livre: esta espécie de sujeito singular que, procurando de todo modo se passar por universal, acaba

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No Brasil, onde o movimento negro, ainda que invisibilizado em toda a sua história, sempre se manteve na luta por direitos e justiça, o início do século XXI definiu um marco significativo na luta pela desnaturalização das desigualdades e defesa das igualdades raciais. Reunidos para a preparação da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, que aconteceria em Durban no período entre 30 de agosto a 07 de setembro de 2001, o Comitê Impulsor Pró-Conferência do Brasil, formado por lideranças de organizações negras e organizações sindicais, denunciou publicamente as ações diretas e omissões inegáveis do Estado brasileiro no descumprimento e violação sistemática da Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Em 1996, durante o Seminário Internacional Multiculturalismo e Racismo: o papel da ação afirmativa nos Estados democráticos contemporâneos, organizado pelo Ministério da Justiça, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, reconheceu a existência de discriminação racial contra os negros no Brasil, uma condição evidente, porém encoberta sob o manto de uma fictícia “democracia racial”. Algo que, segundo Santos (S.A., 2007), não somente os conservadores brasileiros, mas uma parte significativa dos progressistas recusava-se a admitir.

Segundo esse autor, em 2000, estudo sobre o Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil realizado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro indicava-nos que há dois países no Brasil, quando analisados os dados obtidos a partir de cor/raça da população:

“o Brasil branco, não discriminado racialmente, e o Brasil negro, discriminado racialmente, que acumula desvantagens em praticamente todas as esferas sociais, especialmente na educação e no mercado de trabalho, em função do racismo” (p. 15).

Para Santos (S.A., 2007),

“A indiferença moral em relação ao destino social dos indivíduos negros é tão generalizada que não ficamos constrangidos com a constatação das desigualdades raciais brasileiras. Elas não nos tocam, não nos incomodam, nem enquanto cidadãos que exigem e esperam o cumprimento integral da Constituição Brasileira. É como se os negros não existissem, não fizessem parte nem participassem ativamente da sociedade

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brasileira. A “invisibilidade” do processo de discriminação racial reaviva o mito da democracia racial brasileira , impedindo uma discussão séria, franca e profunda sobre as relações raciais brasileiras e, mais do que isso, inibe a implementação de políticas públicas específicas para os negros. Aliás, a negação da existência dos negros ou, se quiser, a sua desumanização, é da essência do racismo. E é essa negação dos negros enquanto seres humanos que tem nos “anestesiado” quanto às desigualdades raciais”.(p.16)

Neste sentido, Gomes, J.B. (2007) destaca que é necessário que o Estado brasileiro renuncie a qualquer tentativa de neutralidade frente às questões vividas pela população negra, sob pena de não conseguir reverter uma “percepção generalizada de que a uns devem ser reservados papéis de franca dominação e a outros, papéis indicativos do

status de inferioridade, de subordinação” (p.54). Nos diferentes indicadores estatísticos,

como na saúde e na educação, o segmento negro vive, em sua grande maioria, uma condição de precariedade e segregação. Em estudo de 1993, há exatos 20 anos, Pinto (1993) denunciava que

maior número de crianças negras em idade escolar está fora da escola. Maior número de escolares negros se evade da escola ou apresenta atraso escolar, seja pela entrada tardia na instituição, seja devido às contínuas repetências [...] o perfil do estudante universitário negro também revela as maiores dificuldades que ele teve – e tem que enfrentar- para cursar uma universidade. Em comparação com os estudantes brancos do mesmo nível, eles são mais velhos, prestaram vestibular um maior número de vezes, uma proporção menor teve acesso aos cursos preparatórios (os chamados cursinhos) e mais frequentemente trabalham e estudam (p.26).

Passadas duas décadas, podemos dizer que esses dados sofreram grande mudança?

A partir da Conferência de Durban, a questão racial brasileira entrou definitivamente na agenda nacional e nas pautas da imprensa brasileira, dando maior visibilidade às prerrogativas e lutas protagonizadas desde séculos por grupos negros. Em resposta a essas demandas, foram implementadas pelo governo brasileiro medidas de maior acesso da população negra à educação e ao ensino superior, na forma de Ações Afirmativas. Em dezembro de 2001, o então presidente do Supremo Tribunal Federal

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(STF), ministro Marco Aurélio Mello reafirmaria a constitucionalidade das ações afirmativas. Para Mello (2001),

falta-nos, [...] para afastarmos do cenário as discriminações, uma mudança cultural, uma conscientização maior dos brasileiros; urge a compreensão de que não se pode falar em Constituição sem levar em conta a igualdade, sem assumir o dever cívico de buscar o tratamento igualitário, de modo a saldar dívidas históricas para com as impropriamente chamadas minorias, ônus que é de toda a sociedade. [...] É preciso buscar a ação afirmativa. A neutralidade estatal mostrou-se um fracasso. Há de se fomentar o acesso à educação [...] Deve-se reafirmar: toda e qualquer lei que tenha por objetivo a concretude da Constituição não pode ser acusada de inconstitucional (p. 23).

Para Piovesan (2005),

as ações afirmativas, enquanto políticas compensatórias adotadas para aliviar e remediar as condições resultantes de um passado discriminatório, cumprem uma finalidade pública decisiva para o projeto democrático, que é a de assegurar a diversidade e a pluralidade social. Constituem medidas concretas que viabilizam o direito à igualdade, com a crença de que a igualdade deve se moldar no respeito à diferença e à diversidade. Através delas transita-se da igualdade formal para a igualdade material e substantiva (p.40).

Segundo essa autora, o direito à igualdade2 envolve duas vertentes, necessariamente complementares. Uma delas, repressivo-punitiva deve combater toda forma de discriminação. A segunda, promocional, envolve a implementação de políticas compensatórias que acelerem a igualdade enquanto processo. Isoladas, não são garantias de igualdade e inclusão.

O que se percebe é que a proibição da exclusão, em si mesma, não resulta automaticamente na inclusão. Logo, não é suficiente proibir a exclusão, quando o que se pretende é garantir a igualdade de fato, com a efetiva inclusão social de grupos que sofreram e sofrem um consistente padrão de violência e discriminação. Neste sentido, como poderoso instrumento de inclusão social, situam-se as ações afirmativas (Piovesan, op. cit., p.40).

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Ao mesmo tempo, segundo Piovesan (2005), a igualdade como direito deve enfatizar o respeito às diferenças e suas especificidades.

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Deve-se lembrar, contudo, que políticas compensatórias de inclusão, valorização da diversidade e da pluralidade racial não buscam apenas reverter processos históricos de discriminação, mas acabam por beneficiar toda a sociedade brasileira. Segundo Junqueira (2007),

“não se pode esquecer que, tendo em vista a complexidade das relações sociais e a dimensão relacional das identidades, o que afeta um grupo social diz respeito ao conjunto de uma sociedade, de tal modo que, ao se assegurar, em todos os espaços e em todas as manifestações, lugar a um determinado grupo social, até então dela excluído ou incluído de maneira subalternizada, implica uma transformação global da sociedade em que ele vive. Desse modo, políticas de ação afirmativa para garantir uma maior presença de negros (as), indígenas e outros grupos populacionais nas escolas, nas universidades, na mídia, no mercado de trabalho, na burocracia estatal e, ao mesmo tempo, assegurar-lhes maiores oportunidades e uma renda melhor devem ser encaradas e empreendidas como medidas concretas voltadas a promover um melhoramento do quadro global de nossa sociedade, uma vez que visam fazer que todos os seus grupos passem a participar dela ativamente e contribuir, de maneira democrática, para sua transformação” (p. 23).

Visando aumentar a possibilidade de acesso de alunos carentes, dentre os quais uma grande maioria de negros, às vagas do ensino superior público, e também conscientizá- los de sua condição histórica e social, foram criados, na década de 1990, os cursinhos pré- vestibulares destinados especificamente a esse grupo. A Lei 10.558, de novembro de 2002 oficializou a criação do Programa Diversidade na Universidade, no âmbito do Ministério da Educação, com a finalidade de implementar e avaliar estratégias para a promoção do acesso ao ensino superior de pessoas pertencentes a grupos socialmente desfavorecidos, especialmente a população negra e indígena; a Lei Federal 10.639/033, de 9 de janeiro de 2003, tornou obrigatório, no currículo oficial da Rede de Ensino, o ensino de História e

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Lei de 09 de janeiro de 2003, que torna obrigatório o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. Estabelece também a inclusão no calendário escolar do dia 20 de novembro como Dia da Consciência Negra.

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Cultura Afro-Brasileira; foi criada a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, SECAD - em 2004.

Dentre outras medidas, o programa de ações afirmativas também definiu a criação do ProUni (Programa Universidade para Todos), que estabelece bolsas em estabelecimentos de ensino superior comunitários e particulares para alunos oriundos de escolas públicas e bolsistas de escolas particulares, sendo 30%, das bolsas, reservado para negros e indígenas. Em 2012, a Lei 12.7114 passou a determinar que as instituições federais vinculadas ao Ministério da Educação reservassem em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo cinquenta por cento de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, inclusive em cursos de educação profissional técnica, sendo que no mínimo cinquenta por cento dessas vagas deveriam ser reservadas a estudantes com renda familiar bruta igual ou inferior a um inteiro e cinco décimos salário-mínimo per capita, além de proporção de vagas no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação do local de oferta de vagas da instituição, segundo o último Censo Demográfico divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, que será reservada, por curso e turno, aos autodeclarados pretos, pardos e indígenas.

Segundo Henriques e Cavalleiro (2007),

há de se considerar que a implementação das políticas públicas pode enfrentar ações contrárias, na medida em que muitos profissionais da educação – brancos e também negros – não percebem as ações afirmativas como um elemento imperativo para a igualdade de resultados entre brancos e negros no sistema de ensino. Perpassa ainda a idéia de que as políticas públicas afirmativas correspondem a um privilégio dado à população negra, e que desconsideram as desigualdades sociais como o

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Lei n. 12.771 de 28 de dezembro de 2012 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011- 2014/2012/Lei/L12771.htm), consulta em 30 de novembro de 2013.

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elemento potencializador das disparidades vividas pelos grupos branco e negro (p.211).

Conseguir, através de ações afirmativas, o ingresso da população negra na Universidade, ainda não é o suficiente, caso se pense em um projeto de transformação social. Para Reis (2007) as ações afirmativas em si não asseguram a permanência bem sucedida de jovens negros no ensino superior, mas dependem também de laços afetivos e a interlocução com professores e intelectuais na universidade (p.51). Embora de extrema importância, as cotas não são suficientes para a democratização da educação superior, que ainda se ressente de políticas públicas que estimulem a permanência do aluno negro em sala de aula.

Na verdade, a ação do governo é importante, mas não decisiva quanto à sua aplicabilidade (Ribeiro, 2001), na medida em que, se insere o educando na universidade, também não possui em si mecanismos que lhe garanta uma experiência universitária interracial, que respeite a diversidade. Pesquisas apontam para a grande evasão5 de alunos negros em todos os momentos da vida escolar, mas, como afirma Túbero (2008), não é habitual a discussão sobre o que leva alunos e alunas a desistirem de estudar, não consta do planejamento, no início de cada ano letivo, nem do replanejamento, após as férias de julho, questões que envolvam a evasão escolar. Menos frequente ainda é essa discussão no ensino superior e, que tenha por centro a população negra.Para Reis (2007)

nesta nova estrutura que se apresenta nas universidades brasileiras, qual seja: o sistema de reserva de vagas, se não temos uma sólida política de permanência, podemos ter um sistema falido daqui a quatro ou cinco anos, em que pese o fato de mais uma vez as vítimas serem culpadas pelo processo; ou seja, os alunos negros(ingressos pelo sistema de reserva de vagas) podem ser culpabilizados por não terem sabido responder às

oportunidades que lhes foram dadas [destaque do autor], assim como foi

feito no período pós-abolição (p.64)

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8 Neste sentido,

com vistas a assegurar a permanência (e, especialmente, uma permanência de qualidade) de estudantes negros(as) no ensino superior, um dos primeiros interrogativos que costuma vir à mente se refere à necessidade de entendermos como tais experiências e estratégias se definem. Mais que isso, é preciso ver em que medida tais experiências e estratégias se articulam e se de maneira institucionalizada ou não. Além disso, importa considerar possíveis modalidades informais que, antes do ingresso na universidade, se delineiam, em termos de formação de redes de solidariedade. (Lopes e Braga, 2007, p.17).

A transformação da universidade brasileira em um espaço que acolha, integre e valorize efetivamente as múltiplas identidades que constituem o povo brasileiro, suas experiências, histórias e culturas, envolve atenção especial às relações intersubjetivas aí presentes (seja nas relações entre alunos, alunos e professores e destes com a instituição). Relações intersubjetivas e interraciais têm sido pesquisadas por diferentes autores, em especial naquelas que ocorrem em séries iniciais do ensino.

Túbero (2008), em estudo com alunos e professores do ensino fundamental ao médio, pesquisou como a raça/cor de pele interfere na visão que professores, gestores e alunos fazem sobre o desempenho escolar e expectativas da permanência desses alunos. Para a autora,

o silenciamento promovido pela escola desde as séries iniciais, reforçando muitas vezes discriminações aprendidas com a família e/ou na convivência com os colegas, poderá ser respondido pelos alunos do ensino médio, segundo os sentidos atribuídos por eles a esta discriminação, em forma de reivindicação de direitos e tratamento igual, de enfrentamento, de atitudes violentas ou, quando ele se vê e se sabe sem forças para lutar, em forma de evasão (Túbero, p. 138).

Esta não seria também a condição de alguns universitários negros, ao experimentarem situações de “não-pertencimento” e “invisibilidade”?

Os estudos de Laborne (2006), Souza, F.M. (2006), Gomes, J.D. (2008) e de Santos, E.F.dos (2011), sobre universitários negros procuraram identificar como estes

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percebem a disposição de professores e demais alunos frente à sua condição etnicorracial, e quais estratégias utilizam para esse enfrentamento.

Laborne (2006), a partir de entrevistas, denunciou os obstáculos encontrados por mulheres negras para concluírem seus cursos universitários, e os mecanismos utilizados para esse fim. Segundo a autora, no ambiente racializado da universidade, a experiência de “não pertencimento” presente nos depoimentos das entrevistadas era reforçada pela sub- representação de negros tanto entre o corpo discente, quanto ao corpo docente da Universidade.

Souza, F.M. (2006) analisa as trajetórias sociais de alunos negros na Universidade Estadual de Campinas. Seu trabalho se propôs a refletir sobre como o estigma da cor da pele interfere nas vivências escolares e acadêmicas de estudantes negros da Universidade Estadual de Campinas, na medida em que, ao chegar à universidade o estudante se depara com reduzido número de estudantes negros. Os dezenove depoimentos obtidos nos oferecem muitas referências à importância que na vivência acadêmica, a relação professor-aluno tem aos olhos do aluno, e, neste caso, do aluno negro. Segundo a autora,

“em nenhuma fala encontramos a associação entre dinâmica racial da sociedade brasileira e o número de negros no sistema superior de ensino, o que demonstra que os entrevistados consideram que a pouca presença de negros nas universidades brasileiras está diretamente relacionada à condição socioeconômica do estudante e, na avaliação de alguns entrevistados (de classe social mais pobre), ao interesse/desempenho nos estudos. [...] muitos relataram um certo incômodo com o pouco número de estudantes negros na universidade. Grande parte dos entrevistados quando chegou à Unicamp não encontrou seu lugar no ambiente acadêmico, conhecendo uma sensação de solidão e de inadequação ao espaço da universidade, muito embora não perceba este lugar como reprodutor das práticas raciais existentes na sociedade brasileira e, assim, como na avaliação do espaço escolar, se acredita que a universidade é espaço do conhecimento, por isso os racistas não estão na universidade. ” (Souza, 2006, p. 86).

Até que ponto um maior número de professores negros no ensino superior, conscientes de seu papel emblemático frente aos alunos negros, não diminuiria essa

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vivência de “não pertencimento” e exclusão desses alunos, garantindo a eles uma vida universitária mais plena? Até que ponto professores universitários negros, com seu olhar crítico sobre conteúdos e currículos, não estimulariam um repensar sobre o saber eurocêntrico de nossas universidades, favorecendo aos alunos de diferentes trajetórias, dentre eles alunos negros, a possibilidade de desconstrução e reconstrução desses saberes, tornando-os, efetivamente, protagonistas de sua formação? Não será o momento de se questionar uma prática pedagógica que sustenta o seu saber sobre o referencial do homem branco, euro-descendente, masculino, adulto e cristão?

Gomes, J.D. (2008) também fez uso de entrevistas de estudantes negras da UNICAMP, propondo-se a analisar o modo como experiências de raça, gênero e classe social se articulavam no cotidiano acadêmico de estudantes negras universitárias de graduação e pós-graduação na UNICAMP entre os anos de 1989 até 2006. Gomes, J.D. destaca em suas conclusões

“o esforço de estudantes negras que, não tendo modelos negros de referência na academia, faziam a si mesmas modelos positivos para seus estudantes de cursinhos pré-vestibulares ou de alfabetização” (2008, p.139).

Ao mesmo tempo,

“embora a universidade não tenha uma representatividade grande de negros [...] a universidade passa a ser um lugar para se conhecer outros negros. Quem só estudou com brancos ou quem os viu desaparecendo, pode ver na universidade outros modos de ser negro e de moldar práticas