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O Movimento Negro e seus Intelectuais na Luta por Educação: Conquistas Negras.

I. C.N : “Desde cedo entrei no movimento negro (em Santos) E a gente não sai mais A

1.3 ONGs, NEABs e Ações Afirmativas

1.3.1 ONGs

As ONGs surgem no Brasil a partir da Lei 9790, de 23 de março de 1999, que disciplinaria a formação das pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, ou Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, voltadas à promoção gratuita da cultura, educação, saúde, estudos e pesquisa, promoção da paz, da luta por direitos, etc. Essas Organizações Não Governamentais, constituídas formal e autonomamente, atuam no campo das políticas públicas, complementando a ação do Estado, ou criando um atendimento onde o Estado não o faz, apoiando causas coletivas. Algumas entidades negras

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constituídas antes mesmo de 1999 reorganizaram-se sob a forma de ONGs para dar continuidade a seu trabalho. Ainda que voltadas a fins específicos, estas ONGs têm em comum a ênfase na importância da consciência étnica, e a resistência histórica contra o racismo e a discriminação. Grande parte delas é constituída por mulheres negras, a partir das bases lançadas pelo movimento feminista negro, organizado no país a partir dos anos de 1970. Estas ONGs têm como objetivo a luta coletiva pela emancipação da mulher negra, em uma ação política marcada pela intersecção da perspectiva racial e da perspectiva de gênero.

Algumas pesquisas acadêmicas apresentam a atuação de algumas dessas organizações, como os trabalhos de Moreira, N.R., O feminismo negro brasileiro: um estudo do movimento de mulheres negras no Rio de Janeiro e São Paulo(2007), Oliveira, W.A., Gestão e sustentabilidade no terceiro setor : um estudo de multicasos de ONGs Negras em Salvador-Bahia-Brasil (2011) e Santos, C.M., Sonhos em Movimento: perspectivas de empoderamento de mulheres negras no cerrado (2012).

A dissertação de Santos (C.M.), Sonhos em Movimento: perspectivas de empoderamento de mulheres negras no cerrado, defendida na Universidade Federal de Goiás em 2012, foi desenvolvida junto à ONG Grupo de Mulheres Negras Dandaras no Cerrado (GMNDC). Este grupo foi fundado em Goiânia em 2002, como uma ONG feminista, sem fins lucrativos, fundamentalmente de mulheres negras - que, contudo, também agrega mulheres não-negras e alguns homens- a partir de um grupo formado em 1996, o Grupo de Mulheres Negras Malunga. Está situado entre outros tantos grupos de mobilização negra em Goiás, como a Casa de Cultura da Comunidade Negra de Goiás (CACUNE), a Associação Pérola Negra, o Centro de Referência Lélia Gonzales, o Coletivo de Estudantes Negras(os) Beatriz Nascimento (CANBENAS), Coletivo de Estudantes Negras(os) Rosa Magalhães. A ONG se caracteriza pela heterogeneidade das ocupações e formação escolar de suas integrantes. Dentre suas atividades está a promoção de cursos, oficinas, projetos de conscientização, e participação em Conselhos municipais e federais, atuando nas áreas de geração de renda, direitos das mulheres, direitos reprodutivos, e meio ambiente. O Grupo Dandaras promove a educação formal e a educação no ativismo.

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Embora entendida como forma de “empoderamento”27, por possibilitar a superação de diferentes obstáculos visando à garantia de melhores condições de vida, a educação formal também é vista pelas integrantes do grupo como “impregnada do euro e do etnocentrismo que se consolidou propagando ideias que inferiorizavam e desqualificavam essa população (negra)” (Santos, C.M., p.123). Nesse sentido, a educação no ativismo permite a reflexão crítica sobre a realidade vivida, sobre o papel da educação formal, quer como forma de empoderamento, quer como forma de submetimento ideológico, e, ao mesmo tempo, garante a reafirmação da identidade negra frente às diferentes condições de opressão e segregação do negro, sua história e sua cultura.

1.3.2 NEABs

Os Núcleos de Estudos Afro-brasileiros (NEABs) se desenvolveram a partir de núcleos de estudos criados em universidades, antes mesmo da Lei 10.639/2003, por intelectuais vinculados ao movimento negro, como centro de reflexão e divulgação da cultura negra, e implementando medidas de permanência do aluno negro na universidade. Segundo Passos (2006), a partir dos anos de 1980, um maior número de pesquisadores negros passou a fazer parte desses centros, voltando seu foco de análise prioritariamente para as questões vividas por afrodescendentes. Estes núcleos de estudos definiram-se como NEABs, conservando as particularidades devidas à suas histórias, seus pesquisadores e às instituições ao quais estavam vinculados. Para Passos, podemos definir NEAB como

espaços privilegiados nas universidades para o debate entre os corpos discente e docente. Com o intuito de promover discussões sobre a população negra e sua posição na sociedade, os NEAB’s acabam sendo um lócus de interação com outras formas de movimentos sociais, em que a perspectiva negra tem valores próprios: tradições religiosas, culturais, ambientais, políticas, etc. Além do mais, esses espaços congregam pesquisadores de diversos departamentos que, com o passar do tempo, acabam por levar de regresso aos seus departamentos de origem as discussões, conteúdos e categorias com as quais esses núcleos operam.

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Conceito usado por Santos (C.M.), como referência à formação para a militância a partir da educação no ativismo e da educação formal, entendida como curso superior e mesmo mestrado e doutorado.

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Diante disso, percebemos então que os NEAB’s se configuram como espaços de produção de conhecimento coletivo. Em outras palavras, os núcleos são um sub-campo do campo de conhecimento científico no interior da universidade (2006,p. 20).

Em sua grande maioria, funcionam nas universidades de forma independente, ou seja, não são por elas financiados, necessitando de apoios e subvenções externas. As universidades apenas lhes garantem a estrutura física. Com seu acervo bibliográfico, os NEABs contribuem para a difusão da cultura negra, sendo reconhecidos como instância acadêmica de construção de conhecimento coletivo sobre a população negra, articulando os múltiplos discursos sobre relações raciais existentes na academia e promovendo, através das suas atividades e publicações, a concretização desses discursos (Passos, 2006, p. 17). Para o autor,

a contribuição dos NEAB’s para o enfretamento do racismo no Brasil está apoiada sobre um sólido tripé: a produção de conhecimento científico crítico sobre relações raciais; a sua dimensão de espaço de articulação da academia com os movimentos sociais negros e a capacitação de pesquisadores negros (p.91).

Isidoro Cruz Neto (I.C.N.), um de nossos entrevistados, com ativa participação na implantação do NEAB da Universidade do Maranhão relata: