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C.N.: “ Quando cheguei em São Luiz perguntei: “Cadê os negros dessa

Negros, Intelectuais e Docentes na Universidade Brasileira

C. B.R.S.: “ Muitas vezes encontrei situações de alunos não entrarem em sala de aula por não reconhecerem que eu era professor, mas nessas ocasiões eu aproveitava para

I. C.N.: “ Quando cheguei em São Luiz perguntei: “Cadê os negros dessa

universidade?” Eles não estavam lá. Não estavam. Me disseram que os professores estavam de olho em mim, pra saber quem era esse professor negro!”...

O debate em torno de experiências e estratégias utilizadas pelo negro na busca por qualificação no ensino superior tem sido marcado por dois tipos de estudos: sobre o aluno e sobre o docente e pesquisador universitário. Ainda que sejam experiências diversas, ser aluno antecede o ser docente e pesquisador, de forma que o negro intelectual professor universitário se faz a partir dessa dupla experiência. Contudo, importa entender o quanto da história pessoal e trajetória de cada um faz dele um agente compromissado com a luta antirracista. É esta convicção antirracista que, segundo Santos, S.A (2011), diferencia o intelectual negro do negro intelectual, já que este constrói o conhecimento a partir da ótica da luta por uma sociedade de igualdade racial, incorporada dos movimentos negros. Não

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por acaso, o breve mapeamento da luta negra do passado aos dias de hoje que antecede este capítulo, foi narrada para explicitar as bases em que se apóiam as ações de intelectuais e docentes negros contemporâneos.

Negros intelectuais sempre estiveram à frente de uma imprensa negra e na direção de grupos culturais, em diversos estados do país. Também mantiveram viva a luta por uma sociedade igualitária, justa e livre de opressão durante o longo período da monarquia e república. Mas é no final dos anos de 1970 que o Brasil, experimentando o gradual processo de redemocratização, assistiu à organização do Movimento Negro Unificado, o que, de certa maneira, criou a condição social para que intelectuais negros, em sua maioria com histórias de militância, ganhassem certa visibilidade e ingressassem nas universidades brasileiras, estas também em processo de expansão naquela época. Até então, fortes barreiras, se não impediram o ingresso ao ensino superior, muitas vezes se interpuseram a uma carreira de sucesso de docentes negros. O início dos anos de 1980 acompanhou o surgimento de uma nova geração de negros intelectuais, imbuídos de uma ética da convicção antirracismo. Somava-se a essa convicção antirracismo a ênfase na superação do conhecimento eurocêntrico dominante e acrítico, com novos

métodos de pesquisas, indagações, categorias analíticas e conhecimentos para estudar, pesquisar e compreender as relações raciais brasileiras, assim como por apresentar propostas para promover a igualdade racial no Brasil, com o objetivo de eliminar o racismo da sociedade brasileira, especialmente em algumas áreas que eles consideravam estratégicas, como a educação. Nessa área, os ativistas negros brasileiros tiveram papel preponderante ao demonstrar os conteúdos racistas transmitidos pelo sistema formal de ensino.(Santos,S.A., 2011,s/n)

Conforme o autor,

participando do debate acadêmico no interior das universidades públicas brasileiras, influenciando outros intelectuais negros e não negros no que diz respeito à luta por justiça e igualdade racial, defendendo ações afirmativas para estudantes negros ingressarem e permanecerem nas universidades brasileiras, especialmente as públicas, entre outras propostas; os negros intelectuais começaram a intervir na produção do conhecimento sobre a população negra brasileira e passaram a ser agentes

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que se reconhecem como sujeitos na e da produção do conhecimento sobre relações raciais no Brasil (Santos,S.A., 2011, s/n).

A partir dos anos de 1990, segundo Adão (2007), muitos são os intelectuais negros, de universidades públicas brasileiras, enviados para Mestrado e Doutorado em universidades do exterior (p.36), o que aponta para uma presença mais efetiva desses profissionais na academia e de um novo olhar sobre as pesquisas nelas conduzidas.

Ao nos voltarmos para a presença negra na universidade brasileira, lembramos da afirmação de Gomes (J.D.,2013) que ao estudar a trajetória de Virgínia Bicudo, socióloga e psicanalista negra, professora da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, nos idos de 1950, afirma que

as narrativas históricas sobre a escolarização, o cotidiano escolar acadêmico e a vida intelectual no Brasil, por vezes, nos é apresentada como uma paisagem destituída de negros e escravizados, e pouco conhecemos das trajetórias individuais de negros...(p.165).

A pouca referência aos negros intelectuais que, com seu protagonismo, conduziram a luta e resistência negra contra o racismo e a desigualdade social, dentro e fora das universidades no Brasil confirma Gomes, J.D., quando afirma que pouco conhecemos sobre suas trajetórias. Em um espaço reservados aos grupos hegemônicos como a universidade brasileira, o ingresso, permanência e destaque do negro, seja como aluno ou docente, sempre foi resultado de uma permanente batalha pela superação dos diferentes obstáculos. Para Carneiro (2005), estas são as testemunhas de uma resistência que se revela na força da auto-estima, do reconhecimento da própria capacidade de autonomia, dos exemplos no interior da família e de alguns profissionais negros que lhe serviram de exemplo, como da conquista da memória coletiva. Segundo a autora,

pessoas negras que alcançam excelência em qualquer área de conhecimento, encarnam esse paradoxo: as suas vidas e as suas histórias expressam a resistência aos estigmas que distanciam os negros da vida intelectual e acadêmica (p.117).

Ao apresentar estudo realizado com professores(as) negros(as) na UFMG, Praxedes e Teixeira(2009) afirmam

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rara presença, quando não ausentes nas universidades brasileiras, eles são uma exceção. Professores negros e negras não passam de um, de dois, de três nos institutos, nos cursos, nas faculdades, ou de cifras igualmente pequenas no conjunto do corpo docente das universidades do Brasil [...] Não poderíamos esperar outro quadro na vida acadêmica no Brasil, tendo em vista processos sócio-históricos da formação social brasileira, marcados por estruturas constitutivas de desigualdades sociais, de exploração e opressão de várias ordens. Processos inscritos em injustiças, em etnocentrismos, hierarquias e clivagens socioeconômicas implicados em sistemas simbólicos demarcados por uma cultura eurocêntrica, branca, machista nos quais os pobres e os negros, ou, de outra forma, os negros pobres foram, desde tempos remotos, alijados dos conhecimentos e das instituições acadêmico-científicas. Negros e negras foram secularmente excluídos do acesso a espaços, práticas e aquisições dos bens culturais legitimados no Brasil, ainda que estejam incluídos na lógica da produção e da reprodução da riqueza e da força de trabalho, inseridos em atividades e funções de menor valia e reconhecimento social (p.17)

Nos últimos anos, estudos sobre docentes negros, atuando no ensino fundamental ou na universidade, sua mobilidade social, as dificuldades, lutas e estratégias utilizadas para conquistar um espaço anteriormente quase que exclusivo dos grupos de elite passaram a atrair a atenção de pesquisadores. Dentre eles, podemos destacar os trabalhos de Lopes (2010), Silva (2008), Ribeiro (2001), Silva Jr. (2011), Moraes (2010), Machado (2013), Pinto (2007). Na Universidade Federal de Minas Gerais, Vanda Lúcia Praxedes (2009), coordenadora executiva do Programa de Ações Afirmativas na UFMG, encabeçou importante trabalho sobre o percurso de professores negros e negras daquela universidade, que traduz experiências sofridas, marcadas por preconceitos, dificuldades quase intransponíveis, enorme esforço para superação de obstáculos, com registros profundos sobre o viver e o conhecer e memórias socialmente construídas.

As dezesseis entrevistas realizadas por essa pesquisadora e sua equipe levantaram as trajetórias acadêmicas de docentes de diferentes áreas, tais como Ciências Sociais Aplicadas (cinco professores), Ciências Humanas (quatro professores), Linguística, Letras e Artes (dois professores), Ciências da Saúde (dois professores), Ciências Biológicas (um professor), Engenharia/Tecnologia (um professor) Ciências Exatas e da Terra (um professor). Em comum a todos eles, uma história de superações. É com esse trabalho

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realizado na UFMG que o diálogo se faz, trazendo o depoimento obtido junto a três professores de universidades públicas brasileiras e suas experiências.

2.1. “Tomando a palavra...”

Tive que trabalhar porque era o mais velho de 4 irmãos, minha mãe era empregada doméstica, o meu pai era cozinheiro e eu tinha que trabalhar para ajudar a família...(CBRS)

A grande maioria dos docentes negros e não apenas os que aqui “tomam a palavra”, mas também os entrevistados por Praxedes e colaboradores (2009) enfrentaram grandes dificuldades econômicas em suas famílias de origem, condição agravada em alguns casos pela presença de muitos irmãos ou pela ausência do pai pela morte prematura ou abandono. A necessidade de trabalhar para ajudar nos gastos da casa e, ao mesmo tempo, cobrir as despesas com alimentação, transporte, livros e materiais escolares acaba por gerar novos problemas: a necessidade de superar os obstáculos de entrada em uma universidade pública e, ao mesmo tempo, encontrar emprego com horário compatível ao horário escolar, que permita dar conta dos gastos com a sobrevivência. Nesse sentido, acaba sendo particularmente importante a obtenção de bolsas de estudo (iniciação, etc...) para dar prosseguimento ao curso, e conciliar auxílio à família e dedicação à vida universitária, quando ainda em formação. Além disso, é imprescindível a parceria de familiares e amigos, “companheiros de sonhos” (Praxedes,2009,p.115), para fortalecer no enfrentamento das adversidades...

CBRS : Sempre gostei de estudar.Tive que trabalhar porque era o mais velho

de 4 irmãos, minha mãe era empregada doméstica, o meu pai era cozinheiro e eu tinha que trabalhar para ajudar a família. Junto com isso fiz alguns cursos, mas não no processo que a gente chama de ensino fundamental, de ensino médio, não tive esse processo. Fiz supletivo e fui trabalhar na Unicamp, como trabalhador braçal, porque não tinha nenhuma formação, e na Unicamp meu pai já trabalhava como cozinheiro... Quando fui trabalhar na

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Unicamp fui por conta de ter como trabalhar. Sempre trabalhei em vários lugares. Quando ficava sem trabalhar, meu pai, que era cozinheiro da Unicamp, do restaurante da Unicamp, me levava pra trabalhar com ele. Até que surgiu um concurso que foi uma forma de entrar na Unicamp. Eu trabalhava em um setor, o almoxarifado, que distribuía equipamentos e material para a universidade, e o diretor estimulava muito pra que estudasse. E eu estudava, porque também não tinha outro caminho.

ICN: Sou o mais velho de meus irmãos. Meu pai trabalhava no porto de

Santos. Fui para a educação física e achei que essa ia ser minha praia. Minha formação profissional foi essa. Durante meu curso, já trabalhava. Eu era um dos poucos negros da sala, pois o curso era pela manhã. Quantos negros poderiam ficar pela manhã na universidade sem trabalhar? Era necessário trabalhar. Tinha que trabalhar.

APS: faço parte da primeira geração da família que teve a chance de fazer um

curso universitário. Minha família era de classe média baixa que vivia no centro da cidade do Rio de Janeiro como muitas famílias negras na época. Com a modernização e revitalização do centro do Rio, minha família foi para a baixada fluminense, para Nilópolis, na zona rural, e minha mãe, que trazia o sonho de fazer um curso universitário, acabou por fazer magistério, sendo professora primária. Na minha família havia uma larga tradição de mulheres empregadas domésticas, minhas avós, minhas tias, minhas tias- avós, todas empregadas domésticas, o único trabalho feminino que aparecia como possibilidade de ascensão. O fato de eu entrar na universidade provocou um misto de fascínio e estranhamento na família [...] era necessário trabalhar! Mesmo a universidade sendo pública, não havia como me manter se eu não trabalhasse. E eu trabalhava desde os 13 anos, pois quando eu tinha 11, meu pai saiu de casa, e assim cedo eu tive que fazer bicos: garçonete em festas, trabalhar em escritório, vender assinatura de jornais. Mas como fazer o curso, realizar as leituras exigidas e trabalhar? Minha mãe estava muito preocupada com isso. Foi muito difícil esse começo. Na verdade, minha carreira foi sendo construída pelas oportunidades que foram surgindo. Uma delas, a bolsa de iniciação científica, que consegui a partir de uma seleção para o grupo de pesquisa social. Fiquei 4

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anos com bolsa na graduação, trabalhando no P.E.A com Moçambique. Foi o que me segurou na graduação, porque, sem isso, eu teria que trabalhar e teria que abandonar o curso, como acabou acontecendo com uma amiga minha que precisou de emprego formal. Esse é o problema. A entrada é um problema, mas a manutenção em um curso é uma coisa cara, mesmo em uma universidade pública. As pessoas vêm de famílias pobres que não tem como mantê-las lá dentro. Eu não teria concluído o curso se não tivesse recebido a bolsa de iniciação científica.

Os depoimentos de CBRS como também ICN e de APS vêm de encontro aos de outros professores pesquisados na UFMG que têm na escola a promessa de uma vida melhor, um espaço de travessia para uma vida com mais perspectivas e possibilidades de realização (Arroyo, 2009, p.176). Segundo Arroyo, é marcante nos coletivos negros o imaginário sobre a escolarização. Com frequência, pais impossibilitados do acesso à escola, vêem no sistema escolar a grande oportunidade para que seus filhos possam se libertar de toda restrição de origem, etnia, raça e território. Arroyo afirma ainda que o percurso escolar, atrelado às condições de origem e à necessidade de um trabalho que garanta a subsistência, quando bem sucedido, reafirma a crença no esforço pessoal, mas, se mal sucedido, perpetua os mecanismos de classificação sociorracial . A questão é como ser bem sucedido tendo que se dividir entre trabalho, estudo e as múltiplas adversidades da vida em sociedade.

CBRS: Quando eu passei no vestibular, o mesmo diretor que antes me

estimulara, me dizia que eu deveria estudar na PUC, porque ia ter que conciliar trabalho e estudo, e na Unicamp os cursos eram o dia inteiro, e ele achava que eu não conseguiria conciliar trabalho e estudo. Fui sendo remanejado de um canto ao outro, o que me trouxe muitos problemas, num processo de briga muito constante, muito frequente e muito tumultuado, mas que me estimulava mais a continuar, a não desistir. Fiz os 4 anos e no quinto ano já estava no Mestrado .

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As histórias de CBRS, ICN e de APS, o primeiro filho de cozinheiro e empregada doméstica, o segundo filho de portuário e a terceira com uma tradição de familiares no emprego doméstico, apontam para a necessidade de busca de novas possibilidades, associadas ao processo de escolarização, mas que cobra alto seu preço, exigindo o esforço incessante de conciliar estudo e trabalho, para continuar auxiliando a sobrevivência familiar e, ao mesmo tempo, manter a vida escolar. Como declara APS, “a entrada (na universidade) é um problema, mas a manutenção de um curso é uma coisa cara, mesmo em universidade pública”. Nesse sentido, entende que a possibilidade de conclusão de seu percurso escolar deveu-se às bolsas de pesquisa que, durante toda sua trajetória, lutou por obter.

Os depoimentos de CBRS, ICN e APS remetem-nos à experiência descrita por Arroyo (2009) como de uma travessia solitária, em que o aluno negro, com suas experiências, saberes, representações de mundo e de si mesmo, não se reconhece no ambiente escolar.

CBRS: Para o pessoal da minha geração, com nossa experiência de vida,

chegar à Universidade era muito difícil, era algo muito distante, não um horizonte a ser alcançado. Você está em um espaço [a universidade] onde não há um grupo de solidariedade. Nos meus 4 anos de graduação, eu era o único aluno negro das Ciências Sociais da Unicamp. Como era curso o dia todo, quem estudava lá não trabalhava, não podia, não precisava. A maioria não precisava, tinha tempo só para estudar e nas férias viajava para a Europa. Essa solidão que a gente vive que resulta em muitas dificuldades, consequências ruins...

ICN: Eu era um dos poucos negros da sala, era eu e só mais dois...

APS: Entrei na UFRJ. Tomei um choque. Era um curso extremamente elitizado

à época...A minha turma era a mais heterogênea do curso. Os pobrinhos todos se reuniram e formamos uma espécie de gueto...Aquele era um mundo desconhecido para mim. Eu sentia que a universidade não era o meu lugar. Aquilo não me pertencia...

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Nas experiências de discriminação e racismo vividas por CBRS, ICN e APS em sala de aula encontramos eco aos relatos de professoras da UFMG, que, em seus depoimentos afirmam que no momento em que negros e negras conquistam espaço num ambiente onde não se supõe que estejam, o racismo se manifesta (Alberti e Pereira, 2009, p.186). Ao mesmo tempo, esses professores podem também representar referências para alunos negros e pobres que se deparam com os obstáculos impostos à vida escolar, mas reconhecem nessas “personalidades emblemáticas” a sinalização de que é possível superar as dificuldades.

CBRS: Muitas vezes encontrei situações de alunos não entrarem em sala de

aula por não reconhecerem que eu era professor, mas nessas ocasiões eu aproveitava para trabalhar com os alunos essas questões. Isso aconteceu muitas vezes. Uma vez, um aluno que acompanhara meu curso disse para mim que nunca imaginou que “uma pessoa assim” teria condição de ensinar alguma coisa. Falou desse jeito: “uma pessoa assim”. Em todas essas situações eu aproveitava para refletir com os alunos sobre esses fatos.

ICN: Quando me tornei professor, era só eu de negro entre os professores e

alunos. Santos sempre foi uma cidade muito racista... Quando cheguei em São Luiz perguntei: “Cadê os negros dessa universidade?” Eles não estavam lá. Não estavam. Me disseram que os professores estavam do olho em mim, pra saber quem era esse professor negro! ... As pessoas não estão acostumadas a olhar para você e ver que é negro. Na sala de aula, eles sabem que eu sou o professor e me respeitam. Mas se você está na fila da cantina, qualquer um vem e toma a sua frente e considera isso normal. Se você entra no avião, todo mundo olha... Em algumas situações, eu teria tudo para me estressar. Mas se eu me estressasse, daria a resposta que a pessoa queria que eu desse.

APS: Quando comecei a dar aula no ensino médio (em uma escola da periferia

de Niterói, ao pé de uma favela) ... entrei com a idéia de que, sendo quem eu era , com a minha história, eu moveria mundos e fundos. Não foi bem assim. Eles não estavam nem aí

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para quem eu era. Queriam a nota deles ao final e ponto... E foi a primeira vez que aconteceu uma questão que viria a se repetir em outras ocasiões, inclusive quando dei aula na graduação da USP. A primeira vista, isso iria se repetir em vários momentos, a primeira reação dos alunos e, particularmente, dos alunos negros, era uma reação de muita agressividade comigo. Sempre foi. E aquela coisa mesmo de desqualificar você ali na frente “quem é você que está dizendo isso aí pra gente? “quem é você que está dizendo que a sua experiência é boa?”. Foi a primeira vez que eu comecei a pensar, me questionar, qual era o meu papel ali, sendo uma mulher negra, com a trajetória muito parecida com a daqueles meninos. Passei a interpretar que a minha presença ali aparecia para eles como uma possibilidade real e assustadora. Então é verdade que você tem que estudar, que você chega lá? Então seria verdade isso, se vc estudar você chega lá? ...Na USP se repetiu a experiência de enfrentamento dos alunos. Alguns alunos pararam a aula e, agressivamente, se colocaram contra o curso que eu havia estruturado, vi que o que estava sendo colocado em xeque era a minha condição como mulher negra, com a trajetória que eu havia realizado, frente àquela classe e aqueles alunos também oriundos de família de elite.

Essa experiência solitária de alguém que, ocupando espaços na universidade se introduz em um espaço em que não era esperado, pode ser minimizada pela parceria estabelecida em grupos de pesquisa. Estes grupos, como destacam Alberti e Pereira (2007), podem garantir a importante conquista de uma produção científica que se dá a partir do “lugar do negro”, como declara uma das professoras pesquisadas na UFMG. Um olhar comprometido com a questão racial, que pode contribuir para um entendimento diferenciado dos campos de pesquisa acadêmicos (p. 190). É exatamente aqui que pensar a docência coloca em evidência seu outro lado: a pesquisa e a produção de conhecimento, que se espera ocorra no interior da universidade; primeiro, quando ainda se é aluno e, depois, como docente. Contudo, diante das dificuldades das relações interraciais, ou mesmo diante dos modelos de análise legitimados academicamente, o que se põe em risco é a possibilidade de produzir um conhecimento a partir do olhar do negro. Não por acaso, a

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experiência de CBRS nos espaços consolidados como a Associação Nacional de Pesquisa em Ciências Sociais – a Anpocs- lhe dá o caminho para criar o NEAB-UFMA. Diz ele:

CBRS: Como tinha muito contato com o pessoal das Ciências Sociais, fui