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Empresário sem empresa : trabalho desregulamentado, pejotização e uberização. A precarização dos jornalistas na era digital

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

REGINALDO EUZÉBIO DA CRUZ

Empresário sem empresa: trabalho desregulamentado,

pejotização e uberização. A precarização do trabalho dos

jornalistas na era digital

Campinas

2019

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

REGINALDO EUZÉBIO DA CRUZ

Empresário sem empresa: trabalho desregulamentado,

pejotização e uberização. A precarização do trabalho dos

jornalistas na era digital

Prof. Dr. Márcio Pochmann – orientador

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento Econômico, na área de Economia Social e do Trabalho.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO REGINALDO EUZÉBIO DA CRUZ, ORIENTADA PELO PROF. DR. MÁRCIO POCHMANN.

Campinas

2019

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Economia Luana Araujo de Lima - CRB 8/9706

Cruz, Reginaldo Euzébio, 1972-

C889e Empresário sem empresa : trabalho desregulamentado, pejotização e uberização. A precarização dos jornalistas na era digital / Reginaldo Euzébio da Cruz. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

Orientador: Márcio Pochmann.

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia.

1. Jornalistas. 2. Pessoa jurídica. 3. Precarização. 4. Relações trabalhistas. I. Pochmann, Márcio, 1962-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Economia. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Businessman without a company : deregulated work, personal

company and uberization. The precarious work of the journalists in the digital era

Palavras-chave em inglês:

Journalists Juristic persons

Precariouness Industrial relations

Área de concentração: Economia Social e do Trabalho Titulação: Mestre em Desenvolvimento Econômico Banca examinadora:

Márcio Pochmann [Orientador] José Dari Krein

José Roberto Cabreira

Data de defesa: 23-09-2019

Programa de Pós-Graduação: Desenvolvimento Econômico

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: 0000-0001-5827-300X

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

REGINALDO EUZÉBIO DA CRUZ

Empresário sem empresa: trabalho desregulamentado,

pejotização e uberização. A precarização do trabalho dos

jornalistas na era digital

Prof. Dr. Márcio Pochmann – orientador

Defendida em 23/09/2019

COMISSÃO JULGADORA

Prof. Dr. Márcio Pochmann - PRESIDENTE Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Prof. Dr. José Dari Krein

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Prof. Dr. José Roberto Cabrera

Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação (ESAMC)

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

Ao meu pai, Sr. Rosáris Euzébio da Cruz e à minha mãe, Sra. Teresinha Alves da Cruz, pessoas que, como muitos de sua geração, migraram do campo para a cidade no final dos anos 1960 em busca de melhores condições de vida e vivenciaram muito das consequências econômicas descritas neste trabalho. Pelo apoio, pela confiança e pelo suporte por toda a vida, não tenho palavras para agradecer. À minha família, obrigado pelo apoio e por sempre acreditarem.

A lista de amigos é grande e certamente cometerei alguma injustiça pela omissão de nomes. Começo pelo amigo Paulo Gil Introíni que me incentivou a vir estudar no Instituto de Economia da Unicamp, apesar da formação em jornalismo, inicialmente no Curso de Especialização em Economia do Trabalho e Sindicalismo e depois neste mestrado que hora concluo.

Aos amigos e amigas da “fina flor da análise” pelo bate-papos, discussões, debates, pelo incentivo, pelos copos e pela convivência que ameniza a vida: Luciana Vieira, Denise Simeão, Matheus Pazos, Paulo Bufalo, Josiane Parice, Jéssica Vega, Claudinho e uma longa lista de pessoas queridas deste convívio.

Ao amigo Luís Guilherme Palma e ao escritório B/Palma Contabilidade, pela ajuda no acesso e interpretação de dados.

Ao Sinait - Carlos Silva, Rosa Jorge e Vera Jatobá, pelo incentivo. Ao Renato Bignami pelos toques sobre os dados do extinto Ministério do Trabalho. Ao Alex Müller pela revisão do texto.

Aos colegas da turma de 2017 da pós-graduação no IE. À amiga Paula Freitas, parceira de trabalhos, artigos, discussões.

Ao pessoal do “V de Várzea”, celeiro de craques incompreendidos do futebol, pelas caneladas e convivência nas noites de quarta-feira.

Ao Grupo de Trabalho sobre a Reforma Trabalhista, agora sobre o Mundo do Trabalho, pelo aprendizado no debate constante e qualificado sobre os rumos do Trabalho no Brasil e no mundo.

Aos colegas jornalistas que gentilmente concederam entrevista para este trabalho: Michele Costa, Mário Camargo, Cláudio Liza Jr., Nice Bulhões, Alayr Ruiz, Sara Silva,

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Luciana Almeida, Rose Guglielminetti. Ao Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, em especial ao presidente Paulo Zocchi pela entrevista.

À professora Ivete Cardoso do Carmo-Roldão pelas valiosas indicações na qualificação desta dissertação que muito contribuíram para essa versão final.

Ao professor José Roberto Cabreira, parceiro de lutas e membro da banca que avaliou este trabalho.

Aos mestres do Centro do Estudo Sindicais e Economia do Trabalho, CESIT, que se tornou minha casa de estudos nos últimos anos, desde o Curso de Especialização em Economia do Trabalho e Sindicalismo e que neste período enriqueceu em muito a minha compreensão sobre economia, política e sobre os rumos de nosso país e do mundo.

Um agradecimento especial ao professor José Dari Krein, pela inclusão nas discussões do GT Mundos do Trabalho, pela confiança e pelo incentivo ao desafio de entrar no mestrado. Ao professor Marcelo Proni, pela ajuda no final.

Ao meu orientador, professor Márcio Pochmann, pela confiança e pelos apontamentos necessários que ajudaram a estruturar este trabalho.

Por fim, à minha companheira Ana Palmira Arruda Camargo, principal incentivadora, leitora, amiga, confidente. Obrigado pela paciência, compreensão e por estar incondicionalmente ao meu lado.

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Dedico este trabalho aos que virão depois nós. Que tenham força para construir uma

sociedade onde a justiça social, a solidariedade, o respeito à diversidade – humana e da natureza - sejam valores inegociáveis.

À todas e todos que a cada dia buscam no trabalho o meio de vida e que cada vez mais encontram as condições mais precárias de sobrevivência, de exploração e degradação. Que possamos transformar essa realidade. À luta!

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Resumo:

Esta dissertação analisa as transformações ocorridas nas relações trabalhistas a partir da década de 1990 através de um estudo de caso dos jornalistas. Essa categoria de trabalhadores é bastante representativa dos impactos econômicos e sociais ocorridos no mundo do trabalho neste período por ser uma das primeiras e uma das mais atingidas pela precarização. Com o advento das novas tecnologias da informação e comunicação, a produção e veiculação de informação tornou-se acessível para amplas parcelas de profissionais, ao mesmo tempo em que a profissão de jornalista passou por um processo de desregulamentação que pode ser sintetizado pelo fim da obrigatoriedade de diploma específico para o exercício do jornalismo, em 2009. A crise que atingiu os grandes meios de comunicação levou ao corte de custos e demissões nas grandes redações.

A proliferação de contratos atípicos de trabalho, como Pessoa Jurídica (PJ), Microempreendedores Individuais (MEI) e Free Lancers (frilas) vem sendo crescentemente utilizada pelas empresas de comunicação como forma de contratação, transformando assim uma relação de trabalho em um contrato entre empresas.

No mesmo sentido, o autoemprego, ou empreendedorismo, vem sendo apontado como uma saída para profissionais se manterem ativos e competir em um mercado de trabalho cada vez mais indefinido, restrito pelo lado da oferta de trabalho regulamentado e, por outro lado, com novas possibilidades de atuação abertas por canais via internet, que por sua vez são ocupados por uma ampla gama de profissionais na produção de conteúdo de informação.

Assim, a profissão de jornalista passa por um processo de crise, seja através das demissões, desmonte de grandes redações, da burla de direitos trabalhistas, seja nas formas de contratação.

Palavras-chave: Pejotização; Precarização; Relações de Trabalho; Reforma Trabalhista, Novas Tecnologias; Internet; Empreendedorismo; Jornalistas; Jornalismo; Mídia.

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Abstract:

This dissertation analyzes the transformations occurred in labor relations from the 1990s through a case study of journalists. This category of workers is quite representative of the economic and social impacts that occurred in the world labor in this period because it is one of the first and one of the hardest hits by precariousness.

With the advent of new communication technologies, the production and dissemination of information became accessible to large numbers of professionals, while the profession of journalist went through a process of deregulation that can be synthesized by the end of the obligation of a specific diploma for the practice of journalism, in 2009. The crisis that hit the mass media led to cost cutting and layoffs in major newsrooms.

The proliferation of atypical work contracts, such as Individual Companies (PJ), Individual Microentrepreneurs and Free Lancers has been increasingly used by communication companies as a form of hiring, thus transforming a working relationship in a contract between companies.

In the same vein, self-employment, or entrepreneurship, has been touted as an outlet for professionals to stay active and compete in an increasingly undefined labor market, constrained by the regulated labor supply side and, on the other hand, with new possibilities with channels opened by internet, which in turn are occupied by a wide range of professionals in the production of information content.

Thus, the profession of journalist, on the one hand, goes through a crisis process, either through layoffs, dismantling of large newsrooms, bypass the of labor rights, or in the forms of hiring.

Keywords: Precariousness; Work relationships; Labor Reform; New Technologies; Internet; Entrepreneurship; Journalists; Journalism; Media.

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SUMÁRIO:

INTRODUÇÃO ... pg. 12

Metodologia ... pg. 25

CAPÍTULO 1: AS CONDIÇÕES DE TRABALHO NO DESENVOLVIMENTO

CAPITALISTA ATUAL ... pg. 27

1.1 - Da Ordem Liberal Burguesa ao Estado de Bem-Estar Social ... pg. 27 1.2 - Mudanças no mundo do trabalho a partir dos anos 1970 ... pg.29 1.3 - A construção da regulação do trabalho no Brasil a partir de 1930 e a desconstrução nos anos 1990 ... pg. 34 1.4 - Terceirização, MEI, Pejotização – mudanças nas ralações de trabalho sem mudar relação trabalho x capital ... pg. 36 1.5 - Desregulamentação do trabalho e uberização dos trabalhadores ... pg. 45

CAPÍTULO 2: O JORNALISMO NO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA ... pg. 49

2.1 - Breve histórico da imprensa no Brasil ... pg. 54

CAPÍTULO 3: A CONSTRUÇÃO E REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE JORNALISTA NO BRASIL ... pg. 58

3.1 - A luta pela regulamentação e as greves de 1961 (vitoriosa) e de 1979

(derrotada) ... pg. 61 3.2 - Exigência do diploma e mudança do perfil da categoria ... pg.63 3.3 - As crises do jornalismo e dos jornalistas ... pg. 67 3.4 - Desregulamentação da profissão e o fim da exigência do diploma em curso

superior ... pg. 72

Capítulo 4 – MUDANÇAS TECNOLÓGICAS E PRECARIZAÇÃO DA CONDIÇÃO DE TRABALHO. UM CENÁRIO DE DÚVIDAS PARA OS JORNALISTAS ... pg. 76

4.1 – Demissões e contratos precários ... pg. 77 4.2 – Panorama das demissões de jornalistas na década atual ... pg. 81 4.3 – Alguns casos recentes e emblemáticos de passaralhos ... pg. 89 4.4 – Precarização do trabalho e as impacto das novas tecnologias na trajetória

profissional ...pg. 93 4.5 - A precarização sentida no dia-dia do trabalho ...pg. 106 4.6 - Impactos das mudanças tecnológicas e no trabalho sobre os

Jornalistas ... pg. 114

CAPÍTULO 5 - IDENTIDADE PROFISSIONAL E FORMAS DE SOBREVIVÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO ... pg. 127

5.1 – O trabalho do jornalista em perspectiva – rumo ao precariado? ... pg.135

CONSIDERAÇÕES FINAIS: ... pg. 148 Referências Bibliográficas: ... pg. 151

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As últimas duas décadas do século XX e os primeiros anos do século XXI conformam um longo ciclo de mudanças, que afetou diferentemente as várias gerações de trabalhadores e suas famílias, mas, para a maioria, pode ser sintetizado em algumas poucas palavras: perdas, precariedade, insegurança. 1

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Introdução

As transformações ocorridas no mundo do trabalho a partir da década de 1990 no Brasil provocaram profundos impactos nas formas de contratação, uso e remuneração da mão-de- obra. Contratos por tempo indeterminado, regulados pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), com tempo de jornada e salários definidos, característicos do período fordista, tornaram-se cada vez menos frequentes, sendo substituídos por formas que a Organização Internacional do Trabalho caracteriza como contratações atípicas2 (ANTUNES, 2005; KREIN, 2007).

Embora nos países centrais do capitalismo essas transformações tenham iniciado em meados dos anos 1970 (BOLTANSKY & CHIAPELLO, 2009; ANTUNES, 2005; STREEK, 2013), no Brasil estas mudanças se iniciaram na década de 1980, mas tiveram impulso a partir da década seguinte. Após um período de meio século, entre 1930 e 1980, marcado por um grande desenvolvimento industrial - mesmo que mantendo a estrutura social altamente desigual e altos índices de pobreza de sua população – a partir dos anos 1990 o país passa a ser submetido às políticas de cunho neoliberais, preconizadas no Consenso de Washington (ANTUNES, 2006; BORGES, 2007).

Neste período, o cenário de desemprego impulsionou o discurso de redução dos custos da mão-de-obra e flexibilização dos direitos trabalhistas como forma das empresas manterem postos de trabalho. O trabalho regulado característico do período anterior passa a ser substituído por novas formas de contratação, como as terceirizações e contratos temporários, com direitos e remuneração reduzidos, conforme observado por Antunes:

Foram profundas as transformações ocorridas no capitalismo recente no Brasil, particularmente na década de 1990, quando, com o advento do receituário e da pragmática definidos no Consenso de Washington, desencadeou-se uma onda enorme de desregulamentações nas mais distintas esferas do mundo do trabalho (2006, p. 15).

Em estudo sobre a precarização do mercado de trabalho no Brasil neste período, Borges (2007) observa que, mesmo considerando as diversidades regionais, é possível detectar dois

2 As características principais das relações de trabalho predominantes no pós-guerra são: centralização das

negociações; reconhecimento dos sindicatos; restrição à dispenda de pessoal, subcontratação ou emprego de pessoa eventual; controle sindical sobre alocação das tarefas, formulação de políticas salariais de longo prazo com incorporação de parte dos ganhos de produtividade, jornada padrão de 8 horas diárias, sistema de proteção em caso de doença, desemprego e velhice; e o desenvolvimento de políticas sociais que permitam a elevação indireta dos salários (cf. KREIN, 2007). Os contratos de trabalhos atípicos são assim chamados porque expressam formas de prestação de serviços cuja característica fundamental é a falta ou insuficiência de tutela contratual (cf. ANTUNES, 2005).

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grandes momentos. O primeiro, ainda na década de 1980, com o fim do modelo de industrialização que vinha desde a década de 1930, e na sequência, o segundo momento, já nos anos 1990 e início do século XXI, com a mudança no padrão de desenvolvimento que, nas palavras da autora, mudaram as formas de inserção e de permanência no mercado de trabalho. Sinteticamente, em menos de dez anos, passou-se de uma economia fechada e protegida por todo um arcabouço legal e institucional a uma economia aberta e totalmente desprotegida, exposta à instabilidade de uma economia mundializada, sob hegemonia do capital financeiro (BORGES, 2007, p. 82). O contexto de desregulamentação das relações trabalho na década de 1990 ganha impulso especialmente a partir de 1995 quando uma Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego - posteriormente referendada por Enunciado do Tribunal Superior do Trabalho - favoreceu a proliferação de contratações terceirizadas com a diversificação da forma do uso e remuneração da força de trabalho. Assim, a forma de contratação por tempo indeterminado, característica das relações regulamentadas pela CLT, pode ser legalmente substituída por formas diversificadas de regime de trabalho (POCHMANN, 2008).

Conforme Borges, a mudança de correlação de forças entre capital e trabalho, fruto das transformações na forma de acumulação capitalista, como veremos no capítulo 1 deste trabalho, facilitou no processo de precarização dos vínculos empregatícios, aprofundados na década de 1990, sendo fundamental para isso a terceirização e a desregulamentação da legislação trabalhista vigente.

Para tanto, dois processos que marcaram os anos 1990 foram fundamentais. O primeiro deles foi a terceirização, que assumiu várias formas, sendo as mais frequentes a subcontratação de empresas menores, que burlam a lei com mais facilidade; a contratação de trabalhadores através de cooperativas de trabalho; e o recurso à trabalhadores “autônomos”, contratados por “prestação de serviços”, empresas individuais, sendo que estes três últimos foram (e são) amplamente utilizados para descaracterizar a relação de emprego. O segundo caminho para a flexibilização-precarização foi o da desregulamentação das relações de trabalho (BORGES, 2007, p. 84).

Uma das formas precarizadas de contratação que começou a ganhar espaço no período foi a transformação do trabalhador em Pessoa Jurídica (PJ), que o coloca com o status de uma empresa que presta ou vende serviços à outra empresa. Tal forma de contratação tem ocorrido principalmente nos setores de trabalho intelectual, com grande incidência entre os jornalistas e profissionais da área de comunicação (SILVA, 2014), sendo que nos últimos anos tem havido

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um crescimento também no setor de ensino superior privado (FACCI et al., 2017; Brasil de Fato3).

A lei nº 9249/ de 1995, que entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1996, em seu Artigo 9º estabeleceu que na tributação de Pessoa Jurídica poderia haver dedução da apuração do lucro real, pagos ou creditados individualmente à titular, sócios e acionistas, como remuneração de capital próprio calculados sobre o patrimônio líquido.

Conforme disposto no Artigo 10 da mesma lei, os lucros e dividendos poderiam ser calculados a partir de lucro presumido, não sujeitos à incidência da cobrança do imposto de renda, nem integrando a base de cálculo para o imposto de renda de pessoa física ou jurídica, mesmo que residentes no exterior.4

A vantagem na tributação foi fator de incentivos para que vários profissionais com alta remuneração optassem por abrir empresas prestadoras de serviço ou mesmo abrir uma empresa individual e atuar como autônomo, mesmo mantendo uma relação de trabalho subordinada.

Nos anos 2000, a Emenda 3 ao Projeto de Lei nº 6.272/05 (que deu origem à Lei 11.457/2007 que fundiu a fiscalização da Receita Federal e da Previdência, criando a chamada Super Receita), estabelecia que caberia somente ao poder judiciário descaracterizar casos de contrato pessoa jurídica, ato ou negócio jurídico que implicasse em relação de trabalho 5. Com

isso, o reconhecimento de uma relação de emprego subordinada, mesmo embutida em um contrato de Pessoa Jurídica, só poderia ser reconhecido através de um processo judicial.

A Emenda 3 foi vetada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo com forte oposição dos principais meios de comunicação, que na época criaram uma narrativa na qual tal emenda era um antídoto contra o que chamavam de arbitrariedade dos agentes de fiscalização. Entretanto, as empresas de comunicação tinham interesse direto na legislação, uma vez que elas eram um dos principais setores que passaram a utilizar a contratação através de contratos de Pessoa Jurídica, conforme anotado por Dalossi:

O que ocorre é que justamente nos meios de comunicação, especialmente nos setores de jornalismo, há muitos trabalhadores que prestam serviços dessa forma (criando empresas individuais para assinar contratos de prestação de serviço quando na realidade existe uma relação de emprego regular). Há forte pressão das empresas da comunicação para a aprovação da emenda e em toda

3 Disponível em https://www.brasildefato.com.br/2017/12/28/2017-e-ao-avanco-da-mercantilizacao-do-ensino-superior/, acesso em 4 de maio de 2018.

4 Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9249.htm , acesso em 13 de setembro de 2018. 5 HARADA, Kiyoshi. Super-Receita. Veto à Emenda 3. Uma tremenda confusão mental. Disponível em https://jus.com.br/artigos/9793/super-receita-veto-a-emenda-3, acesso em 13 de setembro de 2018.

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matéria jornalística referente à Emenda 3 tem-se vilipendiado as graves consequências que a emenda traria...6

A partir de 2005 a tributação referente às Pessoas Jurídicas sem empregados passou a ser prevista no artigo 129 da lei 11.196/2005, conhecida como “Lei do Bem”. A legislação dispõe que a tributação fiscal e previdenciária para prestadores de serviços intelectuais, artísticas e culturais seria a mesma aplicada à Pessoas Jurídicas, abrindo espaço para legalização da pejotização individual. Na letra da Lei:

Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de

janeiro de 2002 - Código Civil.7

A extensão da legislação tributária aplicável às Pessoas Jurídicas à prestadores de serviços intelectuais na prática representou a autorização para a utilização contratos PJ para ocultar relações típicas de trabalho subordinado, sob a forma de contrato de prestação de serviços entre sociedades empresariais (RECEITA FEDERAL, 2016)8.

No entanto, mesmo com a aprovação da lei, os contratos como Pessoa Jurídica continuaram sendo controversos quanto à sua legalidade ou se configurariam um instrumento de burla a legislação trabalhista, pois o respaldo legislativo levou à proliferação de contratos que podem ser caracterizados como “fraude de pejotização”, com a subtração dos direitos trabalhistas e previdenciários. Esse era o entendimento pelo menos até o final de 2017, quando entrou em vigor a Lei das Terceirizações e a Reforma Trabalhista, conforme veremos abaixo.

No final da década passada, quando as contratações como Pessoa Jurídica começaram a ser tornar mais comuns, a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (ANAMATRA), trazia o seguinte posicionamento:

O uso de PJ é lícito nos casos de contratação para prestação de serviços não habituais, não subordinados. Mas não quando pessoas são contratadas para exercer atividades inerentes da empresa. Empregadores propõem a parte de seus empregados, frequentemente os mais qualificados e que ganham maiores

6 DALOSSI, Bruno Maffin. Emenda 3 – revogação da legislação trabalhista? Disponível em https://jus.com.br/artigos/9858/emenda-n-3 , acesso em 13 de setembro de 2018.

7 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11196.htm, acesso em 13 de maio

de 2018.

8 O fenômeno da “pejotização” e a motivação tributária. Disponível em

https://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/estudos-diversos/o-fenomeno-da-pejotizacao-e-a-motivacao-tributaria.pdf , acesso em 18 de maio de 2018.

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salários, que constituam empresas e passem a figurar como prestadores de serviços. Um dos motivos alegados é que a redução de impostos e encargos permitirá pagar um salário maior ao empregado. Este caso, como qualquer alternativa adotada para fraudar as leis trabalhistas, é analisado por especialistas do campo jurídico como uma forma de precarização das relações de trabalho (TURCATO; RODRIGUES, 2008, p. 11).

Desta forma, por desconfigurar uma relação subordinada de trabalho, neste tipo de contrato cabe ao empegado assumir os riscos, arcar com os tributos e com a própria contribuição previdenciária, mesmo prestando serviço contínuo à mesma empresa. Conforme apontado por Krein:

O profissional terá de recolher impostos e a sua própria contribuição previdenciária se pretende ter cobertura da seguridade social. Na leitura de algumas entidades de classe, particularmente da CUT e da FENAJ, a lei representa um perigo, pois sinaliza para a legitimação da “fraude da pejotização”, que já é objeto do um duro embate, em diversas categorias (KREIN, 2007, p. 161-162).

Conforme veremos adiante, de fato a fraude da pejotização citada por Krein se confirmou em diversas categorias, tornando-se praticamente um padrão na forma de contratação de algumas atividades do jornalismo, o que tem sido objeto de questionamento na esfera da Justiça do Trabalho, que vinha reconhecendo a pejotização como uma fraude, ou seja, uma relação normal de trabalho e não como um contrato entre empresas.

Krein & Castro (2015) apontam que a contratação de trabalhadores como Pessoa Jurídica vem sendo usada como artifício para o barateamento da mão de obra, especialmente nos chamados setores criativos. A pejotização configura-se, portanto, em um mecanismo de descaracterização de uma relação de trabalho, transformando o empregado em prestador de serviço à disposição do empregador, porém numa situação de autônomo.

O processo de pejotização envolve uma série de elementos associado às transformações do trabalho observadas nas últimas décadas, em uma perspectiva global; dente elas: 1) as ameaças de desemprego e as consequentes pressões sobre o trabalhador, que minam as possibilidades de resistência; 2) a possibilidade de transferir para o trabalhador o próprio gerenciamento sobre seu trabalho, sem que isso signifique eliminar a relação de subordinação ou a perda de controle sobre o trabalho; 3) as pressões por desregulamentação da jornada de trabalho combinada com a crescente indistinção entre o que é e que não é tempo de trabalho. (KREIN et al., 2018, p. 104).

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Outro ponto que pode ser acrescentado é o crescimento do número de empresas sem empregados após a promulgação da lei que criou a figura do Microempreendedor Individual (MEI), que entrou em vigor em 2009 (Lei Complementar nº 128, de 19 de dezembro de 2008)9. Criado como mecanismo para formalização de trabalhadores de baixo rendimento que atuam à margem do mercado de trabalho, o MEI acabou sendo também uma forma de incentivo para a transformação de trabalhadores em empresários individuais, uma vez que, conforme aponta estudo do IPEA, 49,7% dos MEIs são formados por trabalhadores demitidos ou que desistiram de procurar emprego, configurando-se mais como uma estratégia de sobrevivência do que uma opção de inserção no mercado de trabalho (OLIVEIRA, 2013; KREIN et al., 2018).

Desta forma, essa legislação também contribuiu para a ampliação das formas de contratações individualizadas, conforme pode se inferir da análise de dados da RAIS.

Analisando os dados da RAIS é possível apurar – ainda que de forma imprecisa – a dimensão da pejotização ao longo das décadas de 2000 e 2010 e sua acentuação com a implementação do MEI. A declaração anual, feita por pessoa jurídica na “RAIS Negativa”, significa que, naquele ano, o estabelecimento não fez uso de empregados ou esteve inativo. Essa variável pode ser interpretada como uma proxy da pejotização, descontando o caso em que o estabelecimento esteve inativo. (KREIN et al., 2018, p. 105).

Conforme pode ser observado no Gráfico 1, com dados da RAIS e do portal do empreendedor, a partir de 2009 há um crescimento exponencial de empresas tipo MEI, que somados às mais de 4 milhões de PJ sem empregados apontam a dimensão do crescimento das formas de contratação individuais.

Gráfico 1 – Total “PJ zero”, estabelecimentos com um ou mais empregados (“outros”) e MEI, 2004 - 2014

9 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp128.htm , acesso em 13 de fevereiro de

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Fonte: RAIS/TEM e Portal do empreendedor, disponível em: http://www.portaldoempreendedor.gov.br. (KREIN

et al., 2018, p. 106).

Para os empregadores, a contratação em regime de PJ tem vantagem de transformar a forma de remuneração de fixa para variável, atrelando o salário à produtividade e/ou metas, além da redução dos encargos sociais, trabalhistas e tributários da folha de pagamento, limitando os custos da empresa à gestão de um contrato comercial.

Conforme estudo realizado por Krein (2007), com esta forma de contratação as empresas conseguem economizar em torno de 60% dos custos de mão-de-obra, considerando que ficam dispensadas do pagamento das contribuições sociais e dos direitos trabalhistas. O autor aponta também os impactos negativos na arrecadação tributária e custeio de políticas sociais, em especial a previdência.

Desta forma, a pejotização pode ser entendida dentro dos processos de reestruturação produtiva, em um contexto econômico e político marcado pela mundialização do capital, pela difusão das políticas de corte neoliberal e desregulamentação das relações de trabalho.

Os trabalhadores submetidos à contratos como Pessoa Jurídica (PJ), por terem status de empresa, ficam obrigados a cumprir toda a legislação tributária referente a uma empresa individual e, por outro lado, ficam privados dos direitos e garantias dos contratos regidos pela

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Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o que configura uma burla na legislação trabalhista, conforme observado por Krein:

A relação de emprego disfarçada (encoberta ou simulada) pode ser considerada como mais uma iniciativa presente no mercado de trabalho no sentido de driblar o padrão de regulamentação do emprego vigente no país. Ela ocorre quando estão presentes características do trabalho assalariado, mas a contratação da prestação de serviço é feita sem contemplar os direitos trabalhistas e previdenciários vinculados a ele. Ou seja, está contida uma relação de subordinação do trabalho, mas a forma de contratação não é dada por um contrato de trabalho regular, ou seja, trata-se de uma simulação (KREIN, 2013, p.163).

Pejotização como expressão da precarização no jornalismo

No caso dos jornalistas, a pejotização atinge trabalhadores de faixa salarial próximas ou que estão no piso salarial da categoria, contrariando uma tendência inicial de restrição apenas aos contratos com profissionais renomados e com altos rendimentos (SILVA, 2014). Nos últimos anos a figura do profissional PJ tornou-se praticamente regra em algumas atividades do jornalismo, como no caso das assessorias de imprensa, conforme anota Mori (2013):

A figura do jornalista “PJ” proliferou pelas redações, ainda em meados da década de 90, como a chance de ganhar mais salário e pagar menos imposto. A “oportunidade única” era oferecida apenas aos jornalistas que ganhavam salários mais elevados, como editores e chefes de redação – e, portanto, custavam mais para as redações com encargos sociais, como o INSS. A fórmula é bastante simples: basta abrir uma empresa de comunicação (em geral, a mãe que vira sócia e a “sede” da empresa fica na própria casa) e passar a emitir nota fiscal mensalmente do salário acordado. Hoje o fenômeno “PJ” proliferou e atinge não apenas os salários elevados, mas cargos de repórteres e redatores, alguns com vencimentos perto do piso. Em assessorias de imprensa, então, é quase regra. E o que era uma opção há poucos anos, hoje se tornou praticamente uma obrigação10.

Conforme análise de Accardo (2007), há um processo de precarização não só no campo jornalístico, como em todas as profissões ligadas à informação e à comunicação. De acordo com o autor, o jornalismo precário oferece uma ilustração do fenômeno que caracteriza a proletarização dos trabalhadores intelectuais mais do que os manuais e estabelece uma relação de auto exploração ao negar a estes profissionais a condição de trabalhador, forçando-os a se

10 MORI, Kyiomori. Vale a pena ser jornalista PJ?. Artigo publicado no Portal Comunique-se, em 01 de agosto

de 2013. Disponível em https://portal.comunique-se.com.br/vale-pena-para-o-jornalista-ser-pj/, acesso em 16 de maio de 2016.

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estabelecerem como empresários de si mesmo e assim substituir uma relação de trabalho por uma relação interempresarial (SILVA, 2014).

No Brasil, com a Reforma Trabalhista (Lei 13467/2017) em vigor desde novembro de 2017, o quadro tende a se agravar: precarização da jornada de trabalho e o chamado teletrabalho, que regulamenta o home office, o trabalho intermitente, entre outras, dentro de um “cardápio” de desregulamentações que devem afetar ainda mais o setor da imprensa e comunicação, que já é altamente pejotizado e afetado pelo uso de novas tecnologias (GALVÃO et al., 2017).

Com relação aos contratos Pessoa Jurídica, embora não haja diretamente a legalização da pejotização na lei, a possibilidade de prevalência da negociação direta entre empregados e empregadores sobre o legislado tende a dificultar a comprovação e entendimento de fraude.

Além disso, a reforma trabalhista, ao fixar no Artigo 442-B, que “A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3o desta Consolidação”, abre-se a possibilidade para interpretação que legitima formas de contratação que descaracterizam a relação de emprego formal.

A inclusão deste artigo pode ser compreendida como a legalização da pejotização do trabalhador e a legalização da eliminação de todos os direitos garantidos na CLT. Esse artigo busca restringir o conceito de empregado, o que implica, de fato, excluir um vasto contingente da classe trabalhadora da proteção do direito trabalhista, possibilitando que o trabalhador se torne uma pessoa autônoma, independentemente de sua dedicação e assiduidade. Os pilares que estruturam o reconhecimento do vínculo empregatício são assim eliminados, o que torna cabível a pergunta: para que registrar um trabalhador se é legal contratá-lo como autônomo? (GALVÃO et al., 2017, p. 72).

Em entrevista ao site do Sindicato dos Jornalistas dos Estado de Minas Gerais, Daniela Muradas Reis11 apontou que, entre os aspectos da reforma trabalhista que atingem diretamente os jornalistas estão a precarização da jornada de trabalho e o teletrabalho (home office). “Como o setor de imprensa já é altamente pejotizado e afetado pelo uso de novas tecnologias, a informalidade do trabalho agora está amparada por lei e vai valer o que o mercado ditar. Num setor concentrado como esse as consequências serão muito grandes”12.

11 Professora da Faculdade de Direito e Ciências do Estado da Universidade Federal de Minas Gerais, com

mestrado e doutorado em Direito e pós-doutorado em Sociologia do Trabalho.

12 Em entrevista a site do Sindicado dos Jornalistas Profissionais do Estado de Minas Gerais (SJPMG). Disponível

em www.sjpmg.org.br/2017/07/jornalistas-estao-entre-os-mais-atingidos-pela-reforma-trabalhista-diz-professora-de-direito-do-trabalho-da-ufmg/ acesso em 30 de abril de 2018.

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Outro ponto que pode ser observado é que, com a flexibilização das formas de contratação legalizadas pela reforma trabalhista, o jornalista também passa se sujeitar ao trabalho uberizado, ou seja, colocando-se à disposição para realização de trabalhos eventuais através de plataformas digitais, os chamados aplicativos utilizados em smartphones para prestação de serviços eventuais, os chamados jobs.

De acordo com a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) esta categoria vem constituindo-se, nos últimos anos, numa das mais atingidas pela onda de demissões e precarização das relações de trabalho, conforme demonstrado em editorial publicado no site da entidade por ocasião do Dia do Trabalhador em 2016: “Demissões, atrasos e não pagamento de direitos trabalhistas, baixos salários, arrocho, assédio e violência, entre outros desrespeitos aos direitos trabalhistas têm sido frequentes no cotidiano enfrentado pelos jornalistas no exercício da profissão”13.

Ainda de acordo com a FENAJ, apontado no mesmo editorial citado acima, a categoria enfrenta problemas trabalhistas crônicos, sendo que os principais podem ser resumidos no desrespeito à jornada de trabalho – a maioria das empresas não pagam horas extras e sonegam o vínculo em carteira. Há a generalização do trabalho sem qualquer vínculo empregatício, os chamados de frilas e frilas-fixos14, além da imposição da situação de Pessoa Jurídica para parte de categoria.

A pesquisa “Perfil do jornalista Brasileiro” (MICK et al., 2012) realizada com um universo de 2.731 jornalistas, de todos os estados brasileiros e do exterior, através de participação voluntária, dentro de um universo estimado de 146 mil jornalistas existentes no país naquele ano, traz dados sobre a evolução das formas de contratação no jornalismo embora ainda aponte para a prevalência de contratos CLT naquele ano15.

Assim, no início desta década, conforme a pesquisa citada, dos profissionais que atuavam em veículos de mídia (excluindo-se, portanto, os que atuam em assessorias de imprensa, sindicatos e outras entidades não diretamente ligadas ao jornalismo), formavam 54,5% da categoria. Destes, 59,8% trabalhavam sob regime CLT, ao passo que freelancers eram 11,9%, prestadores de serviços 8,1% e os contratados como Pessoa Jurídica formavam

13 Firmes na luta em defesa a Democracia, dos direitos dos trabalhadores e contra o golpe – A opinião da Fenaj.

Brasília, 1º de maio de 2016. Disponível em www.fenaj.org.br/firmes-na-luta-em-defesa-da-democracia-dos-direitos-dos-trabalhadores-e-contra-o-golpe/ acesso em 30 de abril de 2018.

14 Contratos sem nenhum vínculo formal. O Frila (corruptela do termo inglês Free Lancer) presta serviços

eventuais à várias empresas, enquanto o frila-fixo é ainda mais precarizado, pois trata-se de um funcionário subordinado a uma empresa sem qualquer registro formal.

15 Importante ressaltar o caráter voluntário de participação na pesquisa e a metodologia utilizada, a partir da base

de dados de sindicatos e empresas pode ter levado à maior acesso de profissionais que atuam em contratos formais, sendo que free-lancers e frilas fixos, por atuarem de forma mais difusa e de mais difícil contato.

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6,8%, somando 26,8% dos trabalhadores no setor de mídia. A mesma amostra apontou que 3,8% eram empresários, enquanto 6,5% atuavam no setor público. Outros tipos de contrato abrangiam 3,1% dos jornalistas.

Por outro lado, a pesquisa mostrou que os jornalistas que atuavam fora da mídia formavam 40,3% da categoria e as formas de contratação estavam distribuídas da seguinte forma: 39,4% CLT; 27,1% no setor público e 4,8% empresários. Os regimes de contratação que podem ser entendidos como contratos precários respondiam por 28,8% neste setor, sendo 13,7% contratos de prestação de serviços, 5,5% freelancers, 5,4% PJ.

Em um levantamento mais recente, Lelo (2019), em uma Survey realizada com 318 jornalistas no estado de São Paulo apontou o predomínio de formas de contratação precárias, sendo que dos participantes, 33% disseram atuar em regime CLT e 8% como servidores públicos, totalizando 43% os contratos formais, ao passo que 18% se declaram freelancers e 18% eram PJ. Outros 9% trabalhavam sob contratos de prestação de serviços, 4% em cargos de comissão e 1% eram estagiários.

Ao longo das últimas décadas, a categoria dos jornalistas tem passado por uma série de transformações pelo advento de novas tecnologias de comunicação e pela desregulamentação da profissão, inclusive com o fim da obrigatoriedade de diploma de nível superior específico para o exercício da profissão que também impactou no mercado de trabalho, uma vez que habilitou uma ampla gama de profissionais para o exercício do jornalismo, o que pressiona ainda mais o mercado de trabalho e salários e contribui para maior precarização das relações de trabalho neste setor.

O setor de mídia tem passado por várias transformações, como fusões, concentração e racionalização do trabalho. As redações tradicionais, com repórteres, editores, fotógrafos, diagramadores, podem ser substituídas por um único indivíduo com um telefone multifuncional (smartphone) e uma rede e internet. Com essas tecnologias à disposição, as empresas de comunicação lançaram mão do chamado jornalismo colaborativo, ou seja, o público (espectador, internauta, leitor, ouvinte) é encorajado a ser o produtor do conteúdo que será publicado sem que seja remunerado por esta “colaboração”.

Além disso, conforme aponta Ramonet (2013b), com a atual tecnologia de informação e comunicação, até mesmo a primazia dos meios de comunicação de massa como difusores e intermediadores de informação para o grande público torna-se secundária, uma vez que existem meios e instrumentos para que cada pessoa possa produzir e disseminar informação, deixando de ser um mero receptor/consumidor.

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[...] Cada cidadão tem acesso à informação sem depender dos grandes meios de comunicação, como antes. O novo dispositivo tecnológico faz com que cada cidadão deixe de ser só receptor da informação – acabando, assim, com um modelo que foi norma durante muito tempo, desde o advento dos meios de massa. Nunca na história das mídias os cidadãos contribuíram tanto para a informação. Hoje, quando um jornalista publica um texto on-line, ele pode ser contestado, completado ou debatido, sobre muitos assuntos, por um enxame de internautas tão ou mais qualificados que o autor. Assistimos, portanto, a um enriquecimento da informação graças aos “neojornalistas”, que eu chamo de amadores profissionais (RAMONET, 2013b, p. 85-86).

Neste cenário de “neojornalistas” acima citados, os “antigos” jornalistas são impactados em sua rotina de trabalho de diversas formas. Habilidades há muito desenvolvidas deixam de ter sentido. A polivalência, ou seja, a capacidade de exercer diversas funções, a adaptação às constantes inovações tecnológicas, a perda de primazia de reportar fatos, a crise do que se pode chamar de “jornais universais”, ou seja, veículos empresariais que informam sobre todos os assuntos e que pela forma de produção demandavam um grande número de profissionais, cada vez mais são substituídos pela segmentação e veiculados online, o que leva a atomização da profissão, à retração de contratos de trabalho formal e coloca novos desafios a profissão.

Também se observa que, diante do quadro de redução da oferta de vagas trabalho nas redações e a precarização das condições de trabalho assalariado, muitos profissionais têm buscado no autoemprego, no empreendedorismo, uma saída para se manterem em atividade.

Essa alternativa tem na internet, através das várias possibilidades de plataformas online, o seu lócus, criando-se se assim uma nova tendência de trabalho, o jornalismo de nicho, que busca retomar um espaço de protagonismo na difusão de informações, dominada nestes meios por novos atores, não necessariamente profissionais de comunicação na origem, mas que atingem e influenciam uma grande parcela da sociedade com informações segmentadas.

Portanto, mesmo em momento de crise do modelo de comunicação dominado pelos grandes veículos, de perda de direitos associados ao trabalho formal, o jornalismo enquanto profissão encara um desafio de se fazer necessário em um mundo no qual a informação circula ininterruptamente, no ritmo frenético e imediato proporcionado pela rede mundial de computadores.

Por outro lado, cabe a observação que não se pode compreender essas modificações no mercado de trabalho do jornalismo sem levar em consideração as mudanças gerais no mercado de trabalho, na forma de acumulação capitalista nas últimas décadas.

Assim, o objetivo deste trabalho é primeiro analisar as várias formas de precarização do trabalho dos jornalistas a partir da década de 1990, e observar como as formas de contratação

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chamada atípicas, como Pessoa Jurídica, freelancers e mesmo o empreendedorismo leva à individualização das relações de trabalho, atomização da categoria e precarização.

A hipótese levantada é mostrar que o trabalho dos jornalistas vem sofrendo um processo de precarização, sendo a forma de contratação de profissional autônoma, como Pessoa Jurídica, MEI ou freelance uma tendência. Entendemos, neste trabalho, que estas formas de contratação representam precarização da relação de trabalho.

Com a recente aprovação da Reforma Trabalhista, com o desmonte do arcabouço jurídico de proteção do trabalho, somado à desregulamentação da profissão e às mudanças na dinâmica do mercado de trabalho na área de comunicação, também buscaremos observar quais as saídas buscadas pelos profissionais para sobreviverem e se manterem atuando no jornalismo no contexto apresentado.

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Metodologia:

Para cumprir os objetivos propostos neste trabalho partiremos de uma revisão bibliográfica para contextualizar a dinâmica de precarização das relações de trabalho a partir da década de 1970, com as consequentes mudanças nas formas de contratação, uso e remuneração da força de trabalho. Na sequência, a pesquisa buscou retratar as transformações no mercado de trabalho dos jornalistas e por fim descrever os consequentes impactos na categoria dos jornalistas. Desta forma, o trabalho é apresentado em cinco capítulos, seguidos de uma conclusão.

O primeiro capítulo apresenta uma revisão bibliográfica com diversas análises, a partir da visão econômica heterodoxa, das mudanças nas relações de trabalho verificadas especialmente a partir da década de 1970; neste ponto utilizamos o método histórico, com objetivo de contextualizar as mudanças econômicas, tecnológicas e o advento do neoliberalismo que conformou uma nova dinâmica nas relações de trabalho, com a mudança no padrão de acumulação capitalista e suplantação do modelo taylorista/fordista pelo toyotista, ou modelo de acumulação flexível. Utilizamos como referências principais as análises de Harvey (1993), Antunes (2005), Streeck (2013) entre outros autores.

No segundo capítulo apresentamos um breve histórico do surgimento dos meios de comunicação de massa e da profissão de jornalismo e seu papel intrínseco ao desenvolvimento do capitalismo, utilizando como base os seguintes autores: Travancas (1992); Kunczik (2002); Marcondes Filho (1986); Genro Filho (1987), Marshall (2003); Ramonet (2013a; 2013b); Sodré (1999) entre outros.

Na sequência realizamos um levantamento histórico da constituição e regulamentação da profissão de jornalista no Brasil.

O terceiro capítulo se constitui em uma caracterização do perfil atual da categoria dos jornalistas e das transformações na forma de produção de notícias com as novas tecnologias e a reconfiguração das empresas de comunicação e como tem sido a dinâmica do mercado de trabalho, tendo como base os trabalhos de Silva (2014); Fígaro (2012; 2013); Mick (2013), Reimberg (2015).

Ainda neste ponto, buscamos referência na problematização apresentada por Fígaro (2012), em que as mudanças no mundo do trabalho dos comunicadores e das profissões ligadas à Internet remodelam a força de trabalho e resultam em novos perfis profissionais exigido pelo mercado. Este trabalhador deve ser multiplataforma e polivalente, com domínio dos mais variáveis meios e linguagens, capaz de exercer diversas funções antes desempenhadas por

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vários profissionais, tais como editores, repórteres (texto, áudio e vídeo) diagramadores, fotógrafos, entre outros. Acrescento, ainda, a flexibilidade total exigida deste novo perfil de trabalhador, que reflete nas formas de contração. Aqui também será utilizado como metodologia a pesquisa descritiva documental.

No capítulo 4 analisamos a desregulamentação da profissão e como as novas tecnologias impactaram o trabalho dos jornalistas. Para compor um retrato de como a pejotização/precarização tem impactado a categoria, foram realizadas entrevistas abertas com profissionais que vivenciam estes processos de mudança.

Por fim, no capítulo 5 abordamos como fenômenos de precarização do trabalho relacionados às plataformas digitais, a chamada uberização, e mesmo o empreendedorismo que vem se configurando como uma tendência para se manter no mercado de trabalho. Também neste capítulo apontamos para possíveis cenários para a profissão nos próximos anos, com base em trabalhos de Standing (2015), Pochmann (2017), Krein et al. (2018) bem como entrevistas com profissionais que estão no mercado de trabalho há mais de duas décadas e vivenciaram as mudanças abordadas neste trabalho.

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Capítulo 1 – As condições de trabalho no desenvolvimento capitalista atual

Neste capítulo busca-se contextualizar as mudanças ocorridas no mercado de trabalho na virada do século XX para o século XXI. Partimos de uma breve análise da construção das políticas de regulação do trabalho, dos compromissos que fundamentaram o estado de bem-estar social na Europa no segundo pós-guerra e das políticas que levaram à desconstrução dessa regulação a partir da década de 1970. Também é feita uma breve descrição da construção da regulação do trabalho no Brasil e sua posterior desregulamentação.

Em seguida, descreve-se as mudanças ocorridas no mundo do trabalho na década de 1970, com a mudança no padrão de produção do fordismo para o taylorismo e os impactos causados nos trabalhadores por tais transformações.

No ponto seguinte procura-se pontuar como se deram as formas de precarização através das terceirizações, contratos individuais de trabalho e dos mecanismos que transformam trabalhadores em empresários, como MEI e PJ, sem, no entanto, mudar a natureza das relações de trabalho.

Por fim, busca-se observar as recentes formas de inserção no mercado de trabalho que podem ser consideradas como desregulação e precarização total do trabalho, através dos serviços prestados para empresas via plataforma digital, ou a chamada uberização, em referência ao serviço de transporte por aplicativo, cujo modelo espraia-se para vários setores do mercado de trabalho.

O objetivo deste capítulo é situar a precarização do trabalho dos jornalistas dentro do contexto das transformações gerais do capitalismo no período recente, não sendo, portanto, um problema localizado em um setor, mas diretamente relacionado e consequente do atual estágio de desenvolvimento.

1.1 - Da Ordem Liberal Burguesa ao Estado de Bem-Estar Social

Partindo de uma perspectiva histórica, no Estado Liberal do século XIX não havia qualquer regulação da relação de trabalho. A institucionalidade era definida pelas leis do livre mercado. Desta forma, o trabalho era mais uma mercadoria objeto de compra e venda, dentro das relações entre empresários e trabalhadores. Longas jornadas de trabalho, condições insalubres, submissão de mulheres e crianças às condições mais degradantes compunham o

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cenário do mundo do trabalho sob a chamada Ordem Liberal Burguesa16, período

correspondente ao da consolidação da Revolução Industrial à 1ª Guerra Mundial.

Conforme Abramo (2000), no capitalismo concorrencial e no Estado Liberal do século XIX não havia qualquer regulação da relação de trabalho. A crescente instabilidade e tensões sociais e crescimento da organização dos trabalhadores, a fundação da Associação Internacional do Trabalho (AIT), em 1864 e a crescente influência de organizações socialistas e anarquistas sobre os trabalhadores levaram à necessidade de imposição de alguns limites à exploração do trabalho pelo capital.

De uma forma bastante resumida, pode-se destacar alguns marcos que levaram à regulação das relações do trabalho, como a publicação da encíclica papal Rerum Novarum, em 1891, a criação do Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, que apontava em seus princípios constitutivos que o trabalho não poderia ser tratado como uma mercadoria qualquer devido assimetria característica da relação entre capital e trabalho.

Assim, o direito do trabalho estava na raiz do pacto social que sustentou o contrato da sociedade moderna do século XX, com legitimidade à regulação pela esfera pública, com base no pacto fordista, que, em linhas gerais, foi a referência de construção do Estado de Bem-Estar Social (ABRAMO, 2000).

Os pressupostos desta regulação, fundavam-se em duas ideias centrais: a de que os mercados de trabalho não podiam receber o mesmo tratamento de outros tipos de mercado devido a sua função de gerador de renda e garantia de sobrevivência para a massa de trabalhadores e que os mercados de trabalho são caracterizados por um grande desequilíbrio estrutural entre seus atores - capital e trabalho - e que, portanto, era necessário a constituição de mecanismos de garantia à proteção da parte mais frágil desta relação, os trabalhadores (ABRAMO, 2000).

Foi a partir da Grande Depressão na década de 1930 e principalmente ao final da 2ª Guerra que emergiram as políticas que caracterizaram o Estado de Bem-Estar Social e que seriam predominantes nos países do centro capitalista até meados da década de 1970. Este período pode ser considerado um hiato extraordinário na história do capitalismo, embora restrito aos países do centro capitalista. Foram registradas as maiores taxas de crescimento e

16A ordem liberal burguesa foi o período marcado pela hegemonia industrial britânica nas décadas iniciais do

século XIX, quando a Inglaterra dominava as tecnologias das primeira Revolução Industrial e controlava o mundo ocidental e um vasto território de colônias, o chamado longo século XIX, conforme definição de Hobsbawm (1995).

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incorporação das massas de trabalhadores à estrutura de consumo e redução das desigualdades nos países desenvolvidos.

Os fatores que levaram ao prolongado período de prosperidade na Europa ocidental nos primeiros anos da década de 1950 e início dos anos 1960 foram o rápido crescimento econômico, da produção e a difusão dos benefícios desta prosperidade – aumento do nível de emprego e salários e serviços de bem-estar social e pensões aos mais vulneráveis - criaram condições de crescimento e progresso inédito na história. As características desta nova era do capitalismo se distinguem pela promoção do pleno emprego e ritmo acelerado do progresso tecnológico (STREECK, 2013).

Os acordos de Bretton Woods, firmados em 1944, tinham como objetivo estabelecer os parâmetros de reconstrução das economias dos países capitalistas no pós-guerra e evitar o retorno ao padrão que havia levado ao colapso da ordem anterior. Com a expansão dos gastos públicos, o peso grande das políticas sociais garantidas pelo Estado, novo padrão de relação salarial, política de salário mínimo e redução das disparidades salariais proporcionaram condições para que o desenvolvimento ocorresse sob bases nacionais.

Neste período foram consolidadas as políticas de regulação do Estado sobre as finanças e a constituição de uma ampla rede de proteção social e garantia de direitos aos trabalhadores nas relações com empregadores. Conforme aponta Streeck, a característica do capitalismo do pós-guerra era a economia subordinada à política, tendo o Estado como agente. Período caracterizado como um “tempo comprado” (STREECK, 2013), ou seja, o capitalismo regulado, com a garantia de direitos sociais e protagonismo dos trabalhadores representava um mero adiamento da crise do sistema e retomada das políticas liberais. Assim, conforme Streeck, a retomada das políticas neoliberais na década de 1970 foi como o estouro de uma panela de pressão, com o retorno da primazia do mercado sobre a economia e sobre a política, o que deixou os Estados Nacionais com pouca margem de ação.

1.2 Mudanças no mundo do trabalho a partir dos anos 1970

No início dos anos 1970, após três décadas de prevalência do Estado de Bem Estar Social na Europa e EUA e de relações de trabalho caracterizadas pelo que foi chamado “compromisso fordista”17 (HARVEY, 1993; ANTUNES, 2005; BIHR, 1998;

THEBAUD-MONY & DRUCK, 2007), inicia-se um novo período em que o capital busca a retomada do

17 Na análise de Bihr (1998) o “compromisso fordista” poderia ser considerado, do ponto de vista do proletariado,

como um acordo no qual aceitava as formas de dominação capitalista do pós-guerra em troca de sua seguridade social, abrindo mão da renúncia de sua “aventura histórica”, ou a luta revolucionária.

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status anterior ao da 2º Guerra Mundial e se livrar da regulação política dos Estados, ou, conforme as palavras de Streeck (2013), busca sair da “jaula” na qual havia sido colocado pelos acordos de Bretton-Woods.

Do ponto de vista econômico, no início da década de 1970, aparecem sinais de esgotamento da economia do pós-guerra, das bases de construção da hegemonia norte-americana preconizadas em Bretton-Woods. Países como a Alemanha e Japão despontam com novos sistemas industriais e empresariais com maior capacidade de absorver as mudanças tecnológicas em curso e novos países industrializados passam a ocupar maior espaço no comércio internacional, o que ameaçava a hegemonia econômica norte-americana, que funcionava como alicerce do modelo (BELLUZZO, 2009).

A crise dos anos 1970 levou ao solapamento de Bretton-Woods e do “compromisso fordista” e viu surgir um novo modelo de acumulação baseado na flexibilidade dos processos de trabalho, do mercado de trabalho e mudança nos padrões de consumo.

Numa breve contextualização de acumulação flexível, parte-se da definição de Harvey (1989). Nesta análise, levando-se em conta a periodização do advento do modelo fordista de produção até sua superação, no início e no final do século XX, respectivamente, é possível observar que o padrão de acumulação capitalista teve dois grandes paradigmas de produção, entendendo tais paradigmas conforme Utterback (1996) e Tigre (2005).

Partindo do estudo de Utterback, observamos que os padrões de inovação nos processos de produção apresentam várias fases distintas até a definição de um projeto padrão, quando as inovações deixam de ser focadas no produto e se concentram nos processos produtivos. As fases apresentadas pelo autor demonstram que a estrutura organizacional das firmas varia conforme a fase em que ela se encontra.

Resumidamente, tais fases são definidas como fluida, transitória e específica. A primeira fase se caracteriza quando do surgimento de uma nova tecnologia, marcada por incertezas e alto grau de inovação no produto e a estrutura da empresa é mais horizontal, produção em pequena escala, hierarquia reduzida e mão de obra mais especializada. Na segunda fase, quando já existe uma assimilação do novo produto, as inovações são focadas mais nos processos de produção e a estrutura da empresa passa a ser mais hierarquizada, com maior importância nas atividades de controle e coordenação da produção. Por fim, na fase específica surge o que Utterback chamou de projeto dominante, quando determinadas características e formas de produção adquirem a preferência do mercado e se tornam hegemônicas. “O surgimento do projeto dominante não é, necessariamente, uma coisa predeterminada, mas é resultado da interação entre opções técnicas e de mercado, num

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determinado instante no tempo” (UTTERBACK, 1996, p. 28). Assim, a forma de produção dominante impacta também as relações de trabalho.

Conforme observa Tigre (2005) a origens e causas do processo de concentração econômica estão associadas principalmente às inovações tecnológicas e organizacionais. No último século, levando-se em conta a periodização do advento do modelo fordista de produção até sua superação, é possível observar que o padrão de acumulação capitalista teve dois grandes paradigmas de produção.

Primeiramente o modelo de produção fordista, baseado na “cooperação” entre os principais atores da produção capitalista, (Estado, empresários e trabalhadores), com economia regulada, relações de trabalho garantidas por legislação e enquadramento das reivindicações trabalhista aos marcos do capitalismo, o chamado “compromisso fordista”, conforme observado acima. Este modelo foi superado pela forma de acumulação flexível com base no sistema toyotista de produção e hegemonia da política neoliberal, que implica desregulamentação da economia e das relações de trabalho.

Embora os dois modelos tenham origem na indústria automobilística, seus métodos gerenciais e de produção foram expandidos para amplos setores da produção e representaram, a seu tempo, profundas transformações nas relações de trabalho e sociais.

Na análise de Harvey (1993) observa-se que, com a volatilidade do mercado de trabalho e aumento da competição intercapitalista e diminuição das margens de lucro das empresas, houve uma radical reestruturação das relações de trabalho, com o enfraquecimento do poder das organizações sindicais e grande excedente de mão-de-obra, seja diretamente desempregado ou empregados em condições extremamente precárias.

As empresas se aproveitaram deste cenário para impor aos trabalhadores regimes e contratos mais flexíveis, com objetivo de satisfazer as necessidades específicas de cada empresa e recompor as taxas de lucro com a redução dos custos de mão-de-obra.

Ainda dentro da análise de Harvey, a transformação da estrutura do mercado de trabalho é comparável com as mudanças na organização industrial. Este processo leva à redução da demanda da força de trabalho e abre espaço para a proliferação de formas de contratações desregulamentadas. Conforme aponta Antunes:

Com a retração do binômio taylorismo/fordismo, vem ocorrendo uma redução do proletariado industrial fabril, tradicional, manual, estável e especializado, herdeiro da era da indústria verticalizada do tipo taylorista fordista. Esse proletariado vem diminuindo com a reestruturação produtiva do capital, dando lugar às formas mais desregulamentadas de trabalho, reduzindo fortemente o

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conjunto de trabalhadores estáveis estruturados por meio de empregos formais (ANTUNES, 2005, p.76).

Assim, as mudanças na estrutura produtiva nas décadas de 1980/1990 causaram impactos profundos nas relações de trabalho. O território nacional deixou de ser o espaço de atuação de uma empresa. Um mesmo produto passou ter seus componentes produzidos em diversas partes do mundo. A estrutura de produção verticalizada é substituída por uma estrutura horizontalmente integrada. Pochmann, em um estudo sobre o processo de terceirização da mão de obra, observa que:

Com a maior subordinação do investimento produtivo à lógica financeira, as empresas capitalistas foram levadas a uma intensa fase de concentração e centralização, protagonizada por grandes corporações que praticamente passaram a monopolizar vários setores das atividades econômicas no mundo. Nesse sentido, o espaço geográfico internacional foi sendo integrado pelo funcionamento das redes de produção transnacionais, objetivando potencializar ainda mais os seus rendimentos em escala planetária (POCHMANN, 2008, p. 44).

Tendo como referência o mercado europeu após a integração econômica, Hyman (2005) descreve diferentes sistemas de organização social no contexto das relações de trabalho, derivados das intensificação da concorrência internacional, com decisões estratégicas das grandes empresas e iniciativas desregulamentadoras de governos, o que acabou levando a uma situação em que o mercado de trabalho se assemelha cada vez mais aos mercados comuns, com o desequilíbrio da balança para o lado deste em detrimento de uma economia social.

Hyman observa as relações de trabalho inseridas na economia de mercado, referenciado em Polanyi (2000) como um sistema econômico controlado, regulado e dirigido apenas para o mercado. Assim:

(...) dentro de uma sociedade de mercado, tal sistema econômico retira a legitimação ideológica do predomínio dos valores que exaltam a liberdade individual do máximo proveito econômico dentro dos mercados competitivos. Nas famosas palavras de Marx, num tal meio ambiente o ‘fetichismo das mercadorias’ domina as relações sociais. (HYMAN, 2005, p. 20).

Desta forma, conforme a análise de Hyman, durante as décadas de 1980 e 1990, o estabelecimento das ideologias neoliberais envolveram esforços semelhantes, com a base ideológica e ação estatal articulada, e que, portanto, não poderiam ser exatamente chamados de regulação. O que se destaca é que a criação do “Estado Mínimo” na verdade envolveu um aumento sem precedentes do poder estatal na sociedade. A constatação de Hyman é que, mesmo sob o discurso neoliberal de primazia do mercado, o Estado é ator central.

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