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Aproximando os Jê Meridionais dos Centrais e Setentrionais

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

BEATRIZ FURLAN TOLEDO

APROXIMANDO OS JÊ MERIDIONAIS DOS CENTRAIS E

SETENTRIONAIS

CAMPINAS,

2020

(2)

APROXIMANDO OS JÊ MERIDIONAIS DOS CENTRAIS E

SETENTRIONAIS

Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Linguística.

Orientador: Prof. Dr. Wilmar da Rocha D’Angelis

Este exemplar corresponde à versão final da Dissertação defendida pela aluna Beatriz Furlan Toledo e orientada pelo Prof. Dr. Wilmar da Rocha D’Angelis

CAMPINAS,

2020

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Leandro dos Santos Nascimento - CRB 8/8343

Toledo, Beatriz Furlan,

T575a TolAproximando os Jê Meridionais dos Centrais e Setentrionais / Beatriz Furlan Toledo. – Campinas, SP : [s.n.], 2020.

TolOrientador: Wilmar da Rocha D'Angelis.

TolDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.

Tol1. Línguas jê. 2. Tronco linguístico macrojê. 3. Índios da América do Sul -Brasil - Línguas. 4. Linguística antropológica. I. D'Angelis, Wilmar da Rocha. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Bringing Southern Jê close to Central and Northern Jê Palavras-chave em inglês:

Jê languages

Linguistic trunk macro-jê

Indians of South America - Brazil - Languages Anthropological linguistics

Área de concentração: Linguística Titulação: Mestra em Linguística Banca examinadora:

Wilmar da Rocha D'Angelis [Orientador] Angel Humberto Corbera Mori

Magnun Rochel Madruga Data de defesa: 10-03-2020

Programa de Pós-Graduação: Linguística

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0001-7608-4683 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/2180604672755641

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Introdução ... 14

Objetivos ... 15

Metodologia ... 16

Perspectiva teórica ... 16

Procedimentos metodológicos ... 18

1. Os Jê Meridionais e sua família linguística ... 21

Os caminhos migratórios Jê: estudos arqueológicos ... 22

Linguística histórico-comparativa ... 26

O tronco Macro-Jê ... 27

2. Análise linguística ... 29

2.1. Ramo Jê Setentrional ... 29

2.1.1. Paradigma pronominal Jê Setentrionais ... 35

2.1.2. Processos fonológicos Jê Setentrionais ... 39

2.1.3. Formas longas e breves Jê Setentrionais ... 43

2.1.4. Aspecto ... 45

2.2. Ramo Jê Central ... 47

2.2.1. Paradigma pronominal Jê Centrais ... 49

2.2.2. Processos fonológicos Jê Centrais ... 51

2.2.3. Formas longas e breves Jê Centrais ... 53

2.2.4. Aspecto ... 55

2.3. Jê Meridional ... 56

2.3.1. Paradigma pronominal Jê Meridionais ... 60

2.3.2. Processos fonológicos Jê Meridionais ... 64

2.3.3. Formas longas e breves Jê Meridionais ... 70

2.3.4. Aspecto Jê Meridionais ... 76

3. Comparação linguística ... 83

3.1. Paradigma pronominal ... 83

3.2. Processos fonológicos ... 88

3.3. Formas longas e breves ... 91

3.4. Aspecto ... 92

(13)

4.1.2. Cultura imaterial ... 97 4.2. Ramo Jê Central ... 101 4.2.1. Cultura material ... 101 4.2.2. Cultura imaterial ... 103 4.3. Ramo Jê Meridional ... 106 4.3.1. Cultura material ... 106 4.3.2. Cultura imaterial ... 112 5. Comparação cultural ... 117 5.1. Cultura material ... 117 a) Agricultura ... 117 b) Cerâmica e tecelagem ... 122

c) Outras práticas culturais ... 123

5.2. Cultura imaterial ... 124

a) Organização social ... 124

6. Conclusões ... 128

6.1. Comparação linguística ... 128

i) Paradigma pronominal ... 128

ii) Processos fonológicos ... 132

iii) Formas longas e breves ... 139

iv) Aspecto ... 140

6.2. Comparação cultural ... 141

i) Cultura material ... 141

ii) Cultura imaterial ... 145

6.3. Score final das comparações ... 147

7. Considerações finais ... 152

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Introdução

Urban (1992) afirma que os Jê Meridionais se originam dos Centrais e classifica os Xokleng como Jê Centrais, sem qualquer argumento ou evidência. Por outro lado, Rodrigues (1999) não diz de onde provieram os Jê Meridionais.

Esse seria o ponto de partida para o questionamento da origem desses povos e sua migração dentro do país. Os Kaingang e os Xokleng são geograficamente próximos aos povos Jê Centrais,1 porém também apresentam semelhanças com alguns povos Jê

Setentrionais que ainda não foram exploradas. Nessa dissertação, pretendo explorar essas semelhanças e diferenças entre os Jê Meridionais com relação aos povos Jê Centrais e Setentrionais para chegar a novas hipóteses sobre a origem dos Jê Meridionais (Kaingang e Xokleng).

A família Jê representaria um ramo mais recente do tronco linguístico Macro-Jê, que teria se separado supostamente há uns 3 mil anos ou mais, tendo em vista as semelhanças internas entre as línguas Jê encontradas atualmente (URBAN, 1992, p.90). Todas as línguas geneticamente filiadas ao tronco Macro-Jê estão concentradas na parte oriental e central do planalto brasileiro, sendo que o grupo central dos Jê está localizado entre as populações com relações mais afastadas a leste e oeste. Dessa distribuição apresentada supõem-se que o grupo de Jê Centrais teria se originado em algum lugar entre as nascentes dos rios São Francisco e Araguaia, possivelmente nas proximidades do grupo Jê Central cuja língua é considerada atualmente extinta, conhecido como Xakriabá (URBAN, 1992, p.90).

O Jê Meridional é um dos três ramos da família Jê e é composto por quatro línguas: Xokleng, Kaingang, Ingain e Kimdá (JOLKESKY, 2010). Nesse trabalho serão consideradas apenas as línguas vivas Xokleng e Kaingang, lembrando que o Kaingang paulista é um dialeto, indiscutivelmente, não uma língua à parte.

Os Jê Meridionais (Kaingang e Xokleng) teriam sido os primeiros a se separar dos demais. Segundo Urban (op.cit.), eles teriam iniciado sua migração em direção ao sul há uns 3 mil anos, mas não se tem ideia de quando teriam chegado à região que ocupariam mais recentemente no sul do Brasil.

1 A aldeia Kaingang mais setentrional (Icatu, no Oeste Paulista) está a 700 km, em linha reta, da aldeia mais

meridional dos Xavante (MT), a 1.000 km das aldeias Xakriabá (MG) e a 1.380 km das aldeias Xerente (TO), os três povos Jê Centrais. A mesma aldeia Kaingang está a 1.450 do centro do território Kayapó-Mebengokrê, e a 1.550 das terras Krahô, o mais meridional dos povos Timbira.

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O habitat da população Jê era o planalto brasileiro, e observando-se mais amplamente os povos Macro-Jê, percebe-se que esse padrão de adaptação ao meio se manteve. Urban, coloca em seu trabalho a lacuna deixada na pesquisa em relação à família linguística Jê:

(...) é lastimável que não tenhamos mais trabalhos aprofundados acerca das relações em internas dentro do grupo mais amplo, que talvez nos permitissem apontar mais precisamente o foco de dispersão (URBAN, 1992: 91).

As novas perspectivas de investigação trazem resultados que superaram a concepção predominante sobre a demografia e a distribuição geográfica dos Kaingang e dos Xokleng de que estes formariam pequenos grupos nômades e isolados em ambientes pouco produtivos (NOELLI & SOUZA, 2017: 58).

Noelli e Souza (2017) levantam a questão da origem dos povos Jê Meridionais e

diferenças entre os dados disponíveis. Não basta uma simples sobreposição geográfica de registros arqueológicos, históricos e etnológicos. Deve-se adotar uma abordagem estatística das evidências materiais, junto com uma comparação crítica dos dados de fontes escritas.

Nesse sentido, uma pesquisa que analise comparativamente a família Jê pode trazer boas contribuições para o histórico de origens e migrações dos povos pertencentes a ela e adicionalmente aos outros povos pertencentes ao tronco Macro-Jê.

Objetivos

O presente trabalho busca comparar elementos linguísticos e culturais do ramo Jê Meridional (especificamente dos povos de língua viva, Kaingang e Xokleng) em relação aos ramos Jê Central e Jê Setentrional, bem como interferências não Jê na língua e cultura desses povos Jê Meridionais com a finalidade de propor hipóteses acerca do distanciamento e aproximação em relação aos ramos da família Jê e ao processo migratório dos Kaingang e Xokleng no território brasileiro.

Além disso, busca-se avaliar o distanciamento linguístico relativo do ramo Jê Meridional em relação aos ramos Central e Setentrional, propor hipóteses sobre o

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-Jê e, por fim, traçar um possível caminho migratório dos povos Kaingang e Xokleng. O objetivo geral se desdobra nos seguintes objetivos específicos:

a) Proceder o cotejamento de formas e padrões das línguas Jê Meridionais com as línguas selecionadas dos ramos Central e Setentrional, em pontos cruciais da Fonologia, Morfologia e Sintaxe (a saber: Processos Fonológicos, Paradigma Pronominal e Marcas Pronominais, Formas Verbais Longas e Curtas, Categoria Gramatical de Aspecto), buscando esclarecer qual ramo mais se aproxima dos Jê Meridionais.

b) Cotejar elementos de cultura material, sua ocorrência ou não ocorrência e suas formas de realização nos três ramos (Meridional, Central e Setentrional), com destaque para agricultura, cerâmica e tecelagem, para identificar o ramo com mais afinidade ao dos Jê Meridionais.

c) Cotejar elementos de cultura imaterial e suas formas de realização nos três ramos (Meridional, Central e Setentrional), no que diz respeito à organização social e às tradições míticas, para estabelecer a proximidade e o distanciamento entre eles.

Metodologia

Perspectiva teórica

Esta pesquisa se aproxima, em alguns aspectos, da abordagem Ecolinguística, disciplina que estuda as relações entre língua e meio ambiente. O conceito de ecolinguística é explicado por Couto (2007) da seguinte forma:

A sociedade é apenas um dos ambientes que a língua participa, além desse, ela está presente em pelo menos mais outros dois ambientes. De acordo com o Ecossistema Fundamental da Língua (EFL), o conceito básico de ecologia é o de ecossistema e o aplicando-o à língua é possível verificar que seu ecossistema básico consta de território (T), povo (P) e língua (L). As inter-relações (o segundo conceito em importância da ecologia) entre os três pontos que constituem a EFL são as seguintes: para que haja L, é necessário que exista um P, cujos membros vivam e convivam em determinado T. (COUTO, 2007:20)

Haugen (1972) afirma que ao entender o meio ambiente de uma língua como cercado de outras línguas, é possível identificar uma simbologia ecológica (a ideia de

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diversas línguas co-existindo e interagindo em uma mesma área geográfica) e interações ecossistêmicas entre entidades simbólicas:

Parte da ecologia de uma língua é, portanto, psicológica: a sua interação com outras línguas nas mentes de falantes bi ou multilíngues. Outra parte dessa ecologia é sociológica: a sua interação com a sociedade na qual a língua funciona como um meio de comunicação. A ecologia de uma dada língua é determinada primeiramente pelas pessoas que a aprendem, usam e a transmitem aos outros (HAUGEN, 1972, p. 57, tradução minha)2.

Sendo assim, no presente trabalho considera-se que o estudo de uma língua não pode ser separado de considerações sobre como fatores socioculturais têm impactos em vários aspectos dessa língua. Sapir (1963) explica a linguagem como um complexo de símbolos que refletem o ambiente físico e social no qual um grupo está localizado. No ambiente físico estão compreendidos aspectos geográficos, como a topografia do país (costa, vale, planície, planalto ou montanha), clima e quantidade de chuva, e o que pode ser chamado de base econômica da vida humana, composta pela fauna, flora e recursos minerais da região. No âmbito social, estão compreendidas as várias forças da sociedade que moldam a vida e o pensamento de cada indivíduo. Entre as mais importantes dessas forças sociais estão a religião, os padrões éticos, a forma de organização política e a arte. O autor ressalta que o ambiente físico é refletido na língua apenas na medida em que tenha sido influenciado por fatores sociais. A mera existência, por exemplo, de um certo tipo de animal no ambiente físico de um povo não é suficiente para dar origem a um símbolo linguístico que se refira a ele.

O método comparativo é central para a linguística histórica, sendo o mais importante dos vários métodos e técnicas utilizadas para recuperar a história linguística. Portanto, para a comparação dos aspectos linguísticos das línguas Jê selecionadas, foram consultadas a pesquisa de

pós-propostas para o Proto-Jê Meridional e a dissertação de mestrado de Jolkesky (2010), que propõe uma reconstrução lexical e fonológica do Proto-Jê Meridional.

2

minds of bi- and multilingual speakers. Another part of its ecology is sociological: its interaction with the society in which it functions as a medium of communication. The ecology of a language is determined primarily by the people who learn it, use it, and transmit it to others (HAUGEN, 1972, p. 57).

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Jolkesky (2010) afirma que é necessário considerar que pequenos grupos étnicos geograficamente isolados se comportam como grupos sociais nucleares altamente coesos, em outras palavras, vistos diatopicamente como centros de alta densidade relativa, porém com tamanho populacional reduzido. Ou seja, segundo o autor, quanto maior o isolamento das populações, menor é o grau de difusão para outros centros ou subgrupos populacionais das inovações localmente originadas, acarretando consequentemente num aceleramento da diferenciação linguística entre tais populações, cada qual acumulando inovações próprias e independentes. Esse seria, portanto, o panorama no qual os Jê Meridionais se enquadram e que justifica grande quantidade de metaplasmos observadas no corpus em análise de Jolkesky (2010).

Procedimentos metodológicos

Os povos escolhidos para as análises comparativas são: i) Jê Setentrional: Krahô e Apinajé; ii) Jê Central: Xerente e Xavante e iii) Jê Meridional: Kaingang e Xokleng. Como o objetivo é comparar os Jê Meridionais com os outros ramos, para avaliar a proximidade ou distanciamento entre eles, buscou-se selecionar línguas de cada ramo com base nos critérios: (i) representatividade dentro do ramo e (ii) disponibilidade de documentação para obtenção dos dados a comparar. No caso das línguas Jê Centrais, havendo só duas línguas vivas, as duas foram selecionadas, mas no caso das Jê Setentrionais, a aplicação dos critérios foi necessária. Assim, foi escolhida uma língua para representar todo o sub-ramo oriental das línguas Jê Setentrionais (ou seja, as línguas Timbira Orientais), e uma língua para representar as Setentrionais do Oeste. Para esse segundo caso, optou-se pelo Apinajé, da qual autores como Salanova (2001, p. 4) já destacaram a proximidade com o Kayapó.

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Figura 1 Localização dos povos selecionados

A seguir, apresentam-se os aspectos linguísticos e culturais comparados entre as línguas Jê Meridionais e as Centrais e Setentrionais. As seções seguintes são dedicados à apresentação de cada um dos ramos, contendo uma subseção para dar maiores informações, em especial sobre as línguas selecionadas. A metodologia de trabalho nesta pesquisa seguiu os seguintes passos:

a) Foram escolhidos elementos centrais na fonologia, morfologia, semântica (léxico) e sintaxe para análise comparativa. Entre esses elementos para comparação entre as línguas das famílias Jê Meridional com as Jê Centrais e Setentrionais estão: i) Processos fonológicos

ii) Paradigma pronominal e marcas pronominais iii) Formas longas e formas breves

iv) Aspecto

b) Foram escolhidos pontos da cultura relevantes para a análise comparativa, entre eles:

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i) Cultural material: tecelagem, cerâmica, agricultura ii) Cultura imaterial: narrativas míticas, organização social

c) Por fim, foram analisados pontos de contato e ruptura tanto na cultura quanto na língua.

Organização da dissertação

A seção 1 apresenta a família Jê, os estudos arqueológicos relacionados aos caminhos migratórios dos Jê Meridionais e as contribuições da linguística histórico-comparativa para o estudo do tronco Macro-Jê. A seção 2 contém a análise linguística das línguas selecionadas de cada um dos ramos da família Jê, enquanto, a seção 3, são apresentadas as comparações de cada um dos aspectos linguísticos analisados. A partir da seção 4 apresentam-se as análises culturais dos três ramos e a seção 5 compara cada um dos aspectos culturais. Já a seção 6 traz as conclusões do trabalho, subdivididas em conclusões sobre os aspectos linguísticos e conclusões sobre os aspectos culturais.

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1. Os Jê Meridionais e sua família linguística

Os Jê Meridionais constituem o ramo da família linguística Jê situado ao Sul do Paralelo 20, e já foi composto por quatro línguas, das quais, as duas primeiras sobrevivem: Xokleng, Kaingang, Ingain e Kimdá (JOLKESKY, 2010). Para compreender a questão investigada nesta dissertação, inicialmente apresento a distribuição geográfica da família Jê e as línguas que a compõem.

Jê Setentrional Jê Central Jê Meridional

Apinayé Apaniekrá (T.O.)* Kayapó / Mebengokre Krahô (T.O.) Krikati (T.O.) Panará Suyá Tapayúna Kr Parkateyê (T.O) Pykobjê Ramkokamekrá Akroá Xakriabá Xavante Xerente Ingain Kaingang Kimdá Xokleng

(*) T.O. = Timbira Orientais

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Figura 2 Localização das línguas da família Jê

Os caminhos migratórios Jê: estudos arqueológicos

Brochado (1984) foi o primeiro autor a estabelecer uma ligação mais direta entre a famílias linguísticas e dados arqueológicos na parte mais baixa da América do Sul, com a finalidade traçar hipóteses para caminhos migratórios e difusão das línguas dessa região. De acordo com o autor, o território no qual encontra-se a cultura Aratu-Sapucaí apresenta bastante similaridades em todas as suas áreas, isso indicaria que a expansão dessa cultura ocorreu por meio de movimentos em massa de migrantes. A maioria dos sítios arqueológicos dessa cultura tem como data 600 AD, e a sua expansão alcança seu ápice em 1000 AD, quando a cultura atinge sua territorialidade e número de sítios máxima (SOUZA, 2011).

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Souza (2011) questiona a existência de uma correlação entre os sítios Aratu-Sapucaí e falantes Jê pré-colombianos. Segundo o autor, se essa correlação existir, não é possível explicar o registro de línguas Tupi e Macro-Jê no Nordeste e na costa do Brasil, mas não de línguas Jê. Porém, o autor afirma que incongruências como essas não estão presentes na área na qual a cultura Taquara-Itararé é registrada. Essa cultura arqueológica corresponde precisamente ao território dos Kaingang e Xokleng atuais. Os sítios arqueológicos mais frequentes da cultura Taquara-Itararé são compostos por casas subterrâneas, montículos fúnebres e terraplanagem geométrica. Há uma forte continuidade tecnológica entre a cerâmica arqueológica encontrada nos sítios e a cerâmica Kaingang e Xokleng do século XIX e início do século XX (Silva 1999; Miller Jr. apud Noelli 1999: 294). A persistência da construção de montículos para fins de enterro (Métraux 1946) é outro elo entre os grupos pré-colombianos e modernos Jê do Sul, assim como a forma de anel da aldeia, que foi mantida entre os Jê Setentrionais e Jê Centrais (SOUZA, 2011).

Menghin (1957) sugere que o aparecimento de cerâmica e pedra polida associada com os montículos fúnebres e terraplanagens na província de Misiones (Argentina) foi o resultado de um processo similar ao Neolítico do Velho Mundo, ou seja, segundo o autor, trata-se de uma evolução local dos habitantes prévios da região. Ele associa os restos arqueológicos aos Kaingang, que não teriam migrado para a região, mas sim evoluído localmente por meio do processo de neolitizição que ele descreve (SOUZA, 2011).

O modelo de Menghin foi adaptado à arqueologia brasileira. Ribeiro (2000) apresenta um modelo similar, no qual populações pré-cerâmicas adotaram a cerâmica e a agricultura de uma fonte/povo desconhecido e assim desenvolveram-se no que é classificado hoje como cultura Taquara-Itararé:

(...) ambos Schmitz (1988) e Ribeiro (2000) inicialmente seguiram as conclusões de Menghin, acreditando na origem autóctone para os falantes Jê do Sul, ou seja, para os autores os Kaingang e Xokleng modernos seriam os descendentes da primeira população a ocupar o Sul do Brasil e evoluíram localmente para fabricantes de cerâmica e agricultores devido a alguma influência externa. Segundo Noelli (1999), a hipótese autóctone é o resultado do isolamento dos arqueólogos durante os anos 60 e 70 de outros estudos ameríndios,

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incluindo antropologia e linguística (SOUZA, 2011, p. 4, tradução minha)3.

A chegada de falantes Jê (ancestrais dos atuais Kaingang e Xokleng) em um território previamente ocupado teria ocasionado mudanças na língua e paisagem da região. Souza (2011) aduz que mudanças em situações como essas tendem a envolver uma elite dominante e o modelo de difusão dêmica. O autor também defende que o modelo de difusão dêmica seria o mais adequado para explicar a disseminação das línguas Jê no sul do Brasil:

O modelo que apresenta a dominância de uma elite, como apresentado por Renfrew, pressupõe mudança de linguagem, como uma força externa pequena, mas bem organizada, que domina a população local e que impõe uma língua. A difusão do latim pelo Império Romano e do Quechua pelo Império Inca são bons exemplos desse processo. O modelo remanescente, de difusão dêmica, pode ser o mais apropriado para explicar a disseminação das línguas Jê para o sul do Brasil. Neste modelo, uma nova população chega a uma região já habitada, mas traz consigo uma nova tecnologia que permite crescer e, eventualmente, deslocar os habitantes anteriores (SOUZA, 2011, p. 6, tradução minha)4.

Noelli & Souza (2017) afirmam que a distribuição das datações permite verificar que o processo de ocupação da região Sul começou por São Paulo, no sentido norte-sul:

Para considerar essa rota, é preciso observar a distribuição dos registros linguísticos e arqueológicos fora dessa região. Também é necessário conhecer a história da pesquisa, como vimos realizando (Silva; Noelli, 1996; Noelli, 1999; Souza, 2011). O oeste paulista e o Mato Grosso do Sul contêm registros arqueológicos Jê do Sul, mas parecem representar outro momento da ocupação, mais recente, descartando o início dela pela calha do rio Paraná e metade oeste de São Paulo. Os dados arqueológicos da região de Parapuã e Tupã, localizados por Drummond e Philipson (1947) e Miller Jr. (1978), assim como outros, localizados

3

autochthonous origin for the Southern Jê speakers that is, for those authors the modern Kaingang and Xokleng would be the descendents of the very first settlers to Southern Brazil, who locally evolved into potters and farmers due to some external influence. According to Noelli (1999), the autochthonous hypothesis is the result of the isolation of the archaeologists working during the 60s and 70s from the wider field of Amerind studies, including anthropology and linguistics (SOUZA, 2011, p. 4).

4 The elite dominance model, as presented by Renfrew, presupposes language shift, with a small but

well-organized external force dominating a local population and imposing its language. The diffusion of Latin by the Roman Empire and of Quechua by the Inca Empire are good examples of this process. The remaining model, demic diffusion, might be the most appropriate to explain the spread of Jê languages to Southern Brazil. In this model, a new population arrives at an already inhabited region, but brings with it some new technology which allows it to grow and, eventually, displace the earlier inhabitants (SOUZA, 2011, p. 6).

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nos municípios do quadrante noroeste do Paraná, em Porecatu e Lupionópolis, por Chmyz (1968), no médio rio Paranapanema e, mais recentemente, em Maringá e Apucarana, parecem representar as movimentações Jê entre os séculos XVII e XX, após o colapso Guarani (Tommasino, 1995; Mota, 2000; Noelli, 2004). À beira do rio Paraná, nos municípios de Mundo Novo e Guaíra, o registro arqueológico embaixo da ocupação Guarani de cerca de 2000 A.P. resultou da primeira frente de colonização Jê vinda do centro do Paraná (Noelli, 2004). O mesmo parece ser o caso do sítio José Vieira, em Cidade Gaúcha (Laming; Emperaire, 1959), sob a base da ocupação Guarani (1380 ± 150 A.P.), onde foram encontrados fragmentos denominados p. 68).

Porém, Noelli & Souza (2017) ressaltam que as informações do sudeste de São Paulo e as do nordeste do Paraná, permitem concluir que a metade leste de São Paulo e a do Paraná foram os principais acessos dos Jê para o sul do Brasil:

As datas do Alto Taquari, em São Paulo (1540 ± 150 A.P.), e de Sengés, no Paraná (1790 ± 210 A.P.), encontram-se entre as mais antigas para a ocupação Jê do Sul e confirmam, portanto, a posição da borda leste do primeiro planalto paulista e paranaense como rota migratória (Parellada, 2005; Araújo, 2007) (NOELLI & SOUZA, 2017, p. 69).

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Figura 4 Principais acessos dos Jê para o Sul

Linguística histórico-comparativa

O método comparativo, além de permitir a reconstrução lexical de parte do vocabulário de línguas não mais faladas, também pode fornecer alguns dados quanto a distribuição espacial dessas línguas. Situando as línguas historicamente em um mapa pode-se desenvolver hipóteses quanto a localização dessas línguas no passado remoto e as migrações que levaram à sua posterior distribuição.

Segundo Urban (1992) pode-se afirmar, por exemplo, com relativo grau de certeza, que os povos Tupi, que foram os primeiros a ser encontrados pelos portugueses ao longo da costa brasileira, tinham migrado recentemente para a região, e pode-se supor a rota dessa migração desde a área Brasil/Bolívia passando pelo Paraguai e subindo a costa do Brasil. O autor explica que essa hipótese se baseia no fato de as línguas faladas

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ao longo dessa rota serem tão próximas umas das outras quanto dialetos de uma mesma língua.

É possível reconstruir palavras para plantas e animais, por exemplo, o que permitiria saber algo sobre o meio ambiente em que a protolíngua surgiu (cf. RODRIGUES, 1985; 2005). Além disso, poderíamos reconstruir aspectos de parentesco, organização social e vida política, como foi feito em relação às línguas indo-europeias. Porém, nesse aspecto as pesquisas sobre línguas brasileiras não estão ainda tão avançadas (URBAN, 1992).

Campbell (1998), afirma que apenas a distribuição geográfica não pode ser uma explicação, pelo contrário, ela é algo a ser explicado. Ao citar o exemplo da distribuição dos pronomes estritamente com paradigmas [n:m] nas línguas ameríndias, o autor defende que se foram difundidos pela migração, isso deve ter ocorrido por meio da migração das formas linguísticas pelo espaço físico. Ou seja, esse processo aconteceu através do empréstimo de línguas vizinhas ou da migração de povos falantes de línguas geneticamente relacionadas que tinham esse padrão de pronome.

Nichols e Petersen (1996), explicam, através da distribuição geográfica e antigas migrações, como é possível identificar de forma mais ampla a noção de conexões históricas e padrões pronominais. Uma análise que tem essa preocupação pode estabelecer ligações entre famílias linguísticas nas quais a relação genética ortodoxa estabelecida apenas pelo método comparativo não pode ser estabelecida.

Quanto maior o isolamento das populações, menor é o grau de difusão para outros centros ou subgrupos populacionais das inovações localmente originadas, acarretando consequentemente num aceleramento da diferenciação linguística entre tais populações, cada qual acumulando inovações próprias e independentes. (JOLKESKY, 2010). Os povos Jê Meridionais se enquadram bem neste panorama e esta parece ser a causa da grande quantidade de metaplasmos observadas no corpus analisado por Jolkesky (2010).

O tronco Macro-Jê

O tronco Macro-Jê apresenta informações muito mais hipotéticas que o tronco Tupi, devido às suas relações internas (línguas e famílias linguísticas) serem muito

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diversas e distintas entre si. O antropólogo John Mason propôs pela primeira vez o termo Macro-Jê em um trabalho acerca das línguas da América do Sul, inserido no Handbook, editado por Julian Steward. Mason propôs as seguintes famílias linguísticas para o tronco Macro-Jê: "(1) Ge; (2) Caingang; (3) Camacán; (4) Mashacalí; (5) Purí; (6) Patashó; (7) Malalí; (8)Coropó; and (9) Botocudo" (Mason 1950, p. 288). Antes da denominação Macro- idt (1926) empregou o nome Ges-Tapuya, e Loukotka (1942; 1944), o nome Tapuya-Jê, sempre com o mesmo sentido: línguas que tinham traços

Algumas outras contribuições acerca do Tronco Macro-Jê foram feitas por Mansur Guérios (1939), que apontou similaridades entre a língua Bororo e as línguas Jê Setentrionais, e por Davis (1968), que havia apontado evidências, na forma de correspondências fonológicas regulares, para a existência de parentesco das línguas Maxakali e Karajá com a família Jê. Gudschinsky (1971) e Boswood (1973) apresentam, respectivamente, evidências a favor da inclusão das línguas Ofayé e Rikbaktsa no conjunto Macro-Jê (SOARES & CARVALHO, 2014). As propostas de Rodrigues acerca do tronco linguístico Macro-Jê apareceram na primeira edição, de 1970, do livro Índios do Brasil, de Júlio Cesar Melatti.

Devido às dificuldades de encontrar-se documentação e descrição de muitas línguas do tronco Macro-Jê e à sua grande heterogeneidade, muitas vezes ocorreram mudanças na classificação das línguas pertencentes a esse tronco. Alguns exemplos são a exclusão do Chiquitano, que hoje é classificada como uma língua isolada falada no sudoeste da Bolívia, mas que já foi considerada um membro possível do tronco Macro-Jê e a proposta de Ribeiro & van der Voort (2010) de inserir a família Jabuti nesse tronco, com base em correspondências fonológicas regulares entre cognatos reconstruídos para o Proto-Jabuti e para o Proto-Jê.5

5 Sobre as diferentes propostas e configurações para o tronco Macro-Jê, veja-se: Tronco Macro-Jê, suas

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2. Análise linguística

Na seção 2 são apresentadas análises linguísticas das línguas selecionadas dos três ramos da família Jê, na seguinte ordem: i) Ramo Jê Setentrional; ii) Ramo Jê Central e iii) Ramo Jê Meridional. Uma breve apresentação sobre os povos selecionados é realizada em cada seção e as análises contemplam os seguintes aspectos linguísticos: i) Processos fonológicos; ii) Paradigma pronominal e marcas pronominais; iii) Formas longas e formas breves e iv) Aspecto.

2.1. Ramo Jê Setentrional Apinajé

De acordo com Nimuendajú (1939), os Apinajé consideram-se uma ramificação dos Timbira do Leste do Tocantins e em especial dos Krinkatí (Caracaty), chamados por eles de Makraya, que viviam em 1939 nas cabeceiras do rio Pindaré. Nimuendajú acredita que a separação deve datar de muitos séculos, pois os Apinajé se distinguem tanto linguística como culturalmente dos parentes do Leste e se aproximam mais dos Kayapó Setentrionais (Mebêngôkre).

O nome Apinajé, provavelmente, não é autodenominação e Nimuendajú levanta a hipótese de que o nome tenha sido dado pelos Timbira Orientais:

Afora o nome tribal Apinayè existem outros, tanto na própria tribo como entre os Tímbíra Orientais, derivados da palavra que significa "canto" ou "pontal"; Apinayè; ôd, ôdo, Timbira Oriental* hôt hôto - referindo-se à sede no pontal formado pelos nos Tocantins e Araguaia. Os próprios Apinayè usam a forma ôti (od-ti - pontal grande); os outros Tímbíras Hôti, Ahôtiyê e semelhantes. Na literatura, encontram-se esses nomes como Afotigés, Umtische. Utonsché, Otogé e Aogé. Os Kayapó Setentrionais, referindo-se aos Apinayè, usam o termo Ken-tug -

A ocupação da comunidade Apinajé era o pontal entre o rio Tocantins e o baixo Araguaia. A trajetória histórica dos Apinajé não informa se essa região por eles ocupada teve, anteriormente, outros habitantes. Porém, os Apinajé são unânimes ao afirmar que, em determinado lugar, a Noroeste da aldeia de Gato Preto, encontram-se muitos fragmentos de louça, alguns com ornamentos plásticos. Prova de que em algum momento,

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nem que seja de passagem, esse lugar foi povoado por índios de outra cultura, uma vez que os Apinajé (nem nenhum outro povo Jê Setentrional) possuía cerâmica ou louça em sua cultura material.

Os Apinajé nunca tiveram pretensões sobre as terras do sul da bacia do Ribeirão da Mombuca. No Araguaia, seu limite meridional ia até um pouco mais ao norte, na Cachoeira dos Martírios, de maneira que toda a bacia do Ribeirão das Piranhas lhes pertencia.

Figura 5 Localização do Ribeirão Piranha

Fonte: Disponível em: <https://www.brasil-turismo.com/tocantins/mapa-fisico.htm>.

Durante o primeiro contato com os não-índios, os Apinajé possuíam embarcações próprias, estando familiarizados com as navegações dos rios Araguaia e Tocantins. As

construídas de troncos de árvores escavados. Nimuendajú ([1939] 1983) relata que os Apinajé eram a única tribo Timbira a fabricar tais embarcações. Para o autor, provavelmente, os Apinajé aprenderam a arte de navegar dos Xambioá-Karajá, sendo que, mais tarde, com a colonização desses grandes rios, os Apinajé teriam recuado para as matas ciliares, abandonando a navegação (ALBUQUERQUE, 2007).

Nimuendajú afirma que o primeiro encontro historicamente comprovado entre os Apinajé e membros da sociedade não-indígena, ocorreu em 1774, quando Antônio Luiz Tavares navegou pelo rio Tocantins e mencionou grande número de "índios" à margem esquerda do rio, próximo das cachoeiras de Três Barras e de Serra-Quebrada (NIMUENDAJÚ, [1939] 1983). Ainda pelas informações do mesmo autor, foi também no final do século XVIII que aqueles "índios" apareceram com o nome de Apinajé. Thomaz de Souza Villa Real, navegando pelos rios Tocantins e Araguaia deu as primeiras

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informações sobre os "índios" que ele chamou de "Pinagé" ou "Pindaré" (NIMUENDAJÚ, [1939] 1983).

De acordo com Nimuendajú, em 1928, a comunidade Apinayé era composta de quatro aldeias, que juntas reuniam cerca de 150 habitantes: Mariazinha, Cocal, Gato Preto e Bacaba. A aldeia Mariazinha era a mais próxima do rio Tocantins, a cinco quilômetros da cachoeira das Três Barras. De acordo com Nimuendajú, em 1928 a aldeia contava com

onde Castelnau passou uma noite interessantíssima e à aldeia de Bom Jardim, que em -se entre Boa Vista e São Vicente, nas proximidades do Araguaia. Em 1928, Nimuendajú encontrou três choças com 25 habitantes, e afirmou que esta era antigamente a aldeia Araguaia, que em 1824 contava com 1400 habitantes. Já a aldeia Gato Preto localizava-se às margens do ribeirão Botica. De acordo com Nimuendajú, em 1928, possuía localizava-sete casas e 61 moradores.

Figura 6 Localização do Ribeirão Botica (destacado em azul na segunda imagem)

Fonte: https://terrasindigenas.org.br/en/terras-indigenas/3584 adaptado, 2018.

A aldeia Bacaba situava-se na confluência dos ribeirões São José e Bacaba a 18 km

invadindo o território da aldeia.

Os Apinajé nunca deixaram de habitar a região compreendida pela confluência dos rios Araguaia e Tocantins, cujo limite meridional era dado, até o início do século XX, pelas bacias dos rios Mosquito (no divisor de águas do Tocantins) e São Bento (no Araguaia). A Terra Indígena Apinajé tem a interferência de duas estradas, a TO 126 que liga os municípios de Tocantinópolis e Itaguatins e a TO 134 que compreende o caminho do município de Anjico ao entroncamento da BR 230, seguindo até Tocantinópolis.

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Figura 7 Terra Indígena Apinajé

Fonte: ISA, 2018.

Krahô

O povo Krahô é um dos grupos Jê que tradicionalmente habitavam os campos de cerrado no sul do Maranhão, dividindo o mesmo território com outros grupos conhecidos na literatura etnológica e antropológica como Timbiras Orientais, (NIMUENDAJÚ, 1946). Do ponto de vista histórico, os atuais Krahô são o resultado da fusão de diversos grupos Jê remanescentes das sucessivas guerras empreendidas pela frente pastoril, no final do século XVII e início do século XIX, a fim de tomar o território indígena para criação de gado (MELATTI, 1967).

Em 1848, o capuchinho frei Rafael de Taggia criou o aldeamento de Pedro Afonso para o qual transferiu os Krahô que estavam à margem do rio Tocantins, em São Pedro de Alcântara (atual Carolina), a fim de catequizá-los. Entretanto, este projeto não teve êxito, visto que após serem transferidos para a margem oriental do rio Tocantins, os Krahô migraram para o leste, onde se encontram atualmente (MIRANDA, 2014).

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Figura 8 Trajetória dos Krahô

Fonte: Melatti, 1967.

Nimuendajú (1946), registrou em 1930 apenas três aldeias Krahô. Uma das aldeias era chamada Pedra Branca e cindiu-se em outras duas, a aldeia do Posto e de Pedra Branca. Nimuendajú cita também as aldeias Pedra Furada, que se dividiu em duas, dando origem aos grupos locais de Boa União e de Abóbora e a aldeia Donzela, que segundo Nimuendajú era resultado de uma cisão de uma outra aldeia maior, situada em Pitoró (MELATTI, 2009).

O habitat original dos Krahô não é definido. Nimuendajú (1946) afirma que os registros de Paula Ribeiro (1841, 1870, 1874) sobre Ribeira de Balsa não denotam o rio, mas o bairro que era chamado assim e que incluía principalmente a região do Rio Macapá. Nimuendajú (1946) afirma que quando Paula Ribeiro dá como limites da Ribeira da Lapa os rios Manoel Alves Grande, Sereno e Balsas, não devemos entender assim o ângulo ao sul do Sereno, mas o distrito ao norte, já que a "Lapa", para a qual o distrito foi nomeado, situava-se perto do chamado Riachão. Além disso, os Krahô eram vizinhos e inimigos

dos -Xavante, que de acordo com Paula Ribeiro originalmente ocupavam as terras

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Nimuendajú (1946) acredita que os Krahô devem ter morado originalmente na região de Neves e Macapá, e não, como alguns assumem, na parte sudeste do atual estado do Maranhão.

Figura 9 Estado do Maranhão

No século XIX, os Krahô estabeleceram, de modo tácito, uma associação com os criadores de gado. Não foram absorvidos pela sociedade pastoril; continuaram ao lado dela, mantendo seu modo próprio de viver. Em troca da paz com os "brancos", os Krahô deviam ajudá-los a guerrear e escravizar os grupos indígenas vizinhos, os Timbira ou os -lhes os territórios. Diante do avanço da frente pastoril, os Krahô foram obrigados a recuar, expulsando por isso, a fim de obter um novo território, os Xavantes para a margem sul do Manoel Alves Grande (MELATTI, 2009).

Hoje, os Krahô vivem no nordeste do Estado do Tocantins, na Terra Indígena Kraolândia, situada nos municípios de Goiatins e Itacajá, entre os rios Manoel Alves Grande e Manoel Alves Pequeno, afluentes da margem direita do Tocantins.

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Figura 10 Terra Indígena Krahô

Fonte: ISA, 2018

2.1.1. Paradigma pronominal Jê Setentrionais Krahô

As formas pronominais em Krahô organizam-se em duas séries, as quais Miranda (2014) classifica como série I ou série nominativa e série II ou série absolutiva. Segundo o autor, as respectivas séries pronominais distinguem-se tanto na forma quanto na função que assumem na sintaxe da língua.

Tabela 1 Pronomes pessoais em Krahô

Pronomes pessoais em Krahô

Série I nominativa (pronomes livres) Série II absolutiva (pronomes presos)

1SG wa i

2SG ka a

1DUAL. ku pa( ) ~ paN

1PL. INCL. ku..m m ...i

1PL. EXCL. wa...m m ...pa( )

2PL. ka...m m ...a

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A série I/nominativa constitui-se de formas pronominais independentes, ou livres, que, sintaticamente, exercem a função de sujeito em orações verbais transitivas e intransitivas de predicados verbais. A série II/absolutiva é constituída de formas pronominais dependentes, ou presas, que se combinam com temas nominais, posposicionais e verbais. Segundo Miranda (2014, p. 83),

pluralizador cujo referente é [+humano] (Popjes e Popjes 1986, p. 185); o singular não é marcado. Do ponto de vista distribucional, a partícula de plural precede o

Apinajé

De acordo com Albuquerque (2011), a língua Apinajé utiliza duas formas distintas, ou seja, dois pronomes diferentes para a primeira pessoa do plural, distinguindo 1ª pessoa plural exclusiva de 1ª pessoa plural inclusiva. Assim pa é exclusiva e pu, inclusiva, incluindo a pessoa com que se fala. Na língua há duas palavras que modificam a frase, dando ideia de dualidade ou pluralidade: va indica dual e m , plural. Albuquerque (2011) explica a flexão de número em Apinajé da seguinte forma:

A flexão de número em Apinaye se dá pelo acréscimo da partícula m antes de nomes para marcar plural, enquanto que o singular e não-marcado. Nesta língua, a flexão de número não se manifesta apenas nos nomes; atem-se também a uma serie de pronomes independentes e a prefixos anexados ao verbo coreferente com argumentos nucleares. Assim os prefixos flexionais de dual pa, pu e va, bem como a partícula de plural m anexam-se obrigatoriamente aos pronomes pessoais e aos nomes substantivos. Desta forma, se a partícula m vier adicionada aos nomes, perde a dualidade e passa a ser apenas plural [...] (ALBUQUERQUE, 2011, p. 1552).

Como exemplos desta afirmação, Albuquerque (2011, p. 1552) apresenta o prefixo pessoal inclusivo pa para indicar o dual e o m indicando apenas plural (não inclusivo):

a) Dual

pano /pand / nossos olhos (dual) pakuk /pakuk/ nossos rostos (dual)

b) Plural

(37)

Já a formação do plural dos substantivos simples em Apinajé, é realizada acrescentando-se a partícula jaja. Exemplos: tônjaja (tatus), xorejaja (raposas), kôkôjaja (macacos).

Oliveira (2005) defende que os pronomes pessoais em Apinajé são clíticos posicionais. Eles ocupam a segunda posição em uma oração principal, portanto contrastam com prefixos de pessoa, que aparecem junto com um radical. Os pronomes pessoais indicam o argumento nominativo de uma sentença, enquanto o prefixo expressa o caso absolutivo.

Segundo Oliveira (2005), o pronome pessoal da primeira pessoa inclui a distinção entre o pronome hortativo e o plural inclusivo, enquanto Ham (1979) classifica os

respectivamente. Outras distinções não são expressas no sistema pronominal, mas sim pelos clíticos de número.

Existem duas séries de pronomes pessoais, um para o modo realis e outro para o modo irrealis. A mesma forma do pronome é usada para a primeira pessoa e para a primeira pessoa do plural inclusivo, mas com uma distribuição sintática diferente.

Tabela 2 Pronomes pessoais em Apinajé

Pronomes pessoais em Apinajé

Realis Irrealis 1SG inclusivo pa paj ka kaj 3SG m / ja Hortativo pu puj Fonte: Oliveira, 2005, p.159.

Em uso não marcado pragmaticamente, o pronome participa de uma sequência clítica que inclui o marcador de modo na primeira posição e, possivelmente, um clítico de tensão / aspecto que carrega o acento no grupo. Tais sequências de clíticos constituem palavras fonológicas.

A categoria de número compreende as distinções singular, dual e plural para substantivos e verbos. Morfemas abertos que expressam essas categorias são os clíticos posicionais va m

(38)

verbos. Clíticos de número geralmente modificam pronomes pessoais e prefixos de pessoa. Eles ocorrem de forma adjacente ao elemento pronominal que modificam. Somente o clítico plural m aparece como um modificador de substantivo, o mesmo não ocorre com o clítico dual va. Nesse contexto, o clítico indica o limite inicial da frase nominal.

A formação dos pronomes pessoais plurais é registrada de forma distinta nos trabalhos de Oliveira (2005) e na Gramática Pedagógica do Apinajé (2011) organizada por Albuquerque.

Tabela 3 Pronomes pessoais plurais em Apinajé

Pronomes pessoais plurais em Apinajé de acordo com Oliveira (2005)

Pronomes pessoais plurais em Apinajé de acordo com a Gramática Pedagógica do

Apinajé (2011) 1PL exclusivo pa me m hpajaja 1PL inclusivo (hortativo) pu me pu me 2PL me a m kajaja 3PL me m htmãjaja As formas m hpajaja (1PL exclusivo), m kajaja (2PL) e m htmãjaja (3PL) aparecem registradas em uma tabela de pronomes retos do Apinajé (GRAMÁTICA PEDAGÓGICA DO APINAJÉ, 2011, p. 86). Já a forma pu me (1PL inclusivo) aparece no seguinte exemplo: Pu m apku? - Vamos comer (plural) (sic) (GRAMÁTICA PEDAGÓGICA DO APINAJÉ, 2011, p. 110).

Os pronomes pessoais plurais registrados por Oliveira (2005) são encontrados nos seguintes exemplos:

a) 1PL exclusivo Na [pa m ] ra pi k RLS 1 PL ASP tree cut

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(OLIVEIRA, 2005, p. 160)

b) 2PL e 1PL inclusivo m a-kri [pu m ] pa ku

PL 2-sit.PL HORT PL 1INCL sit.PL

(OLIVEIRA, 2005, p. 173)

c) 3PL

Na [ m ] ma amni-m e ka u m [ m ] te

RLS 3 PL MOV RFLX-DAT fabric wash DAT 3 PL go

De acordo com Oliveira (2005), em Apinajé existem formas enfáticas para os pronomes pessoais. As formas enfáticas da primeira e segunda pessoa incluem uma vogal aberta e o sufixo -m na raiz de posição final. O segmento inicial plosivo é sempre desvozeado, uma vez que o pronome carrega o acento. A forma enfática para a terceira pessoa também é realizada com uma vogal aberta.

Tabela 4 - Pronomes pessoais enfáticos em Apinajé

Pronomes pessoais em Apinajé

Não-enfático Enfático

1SG pa 1SG pam

2SG ka 2SG kam

3SG m/ 3SG am

Fonte: Oliveira, 2005, p. 163.

2.1.2. Processos fonológicos Jê Setentrionais

Krahô

De acordo com Miranda (2014) o sistema fonológico Krahô constitui-se de 12 fonemas consonantais e 15 fonemas vocálicos, dos quais 10 são orais e 6 são nasais,

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contrastando pares mínimos e análogos em distintos ambientes fonológicos. Com respeito à constituição silábica, discutimos os padrões silábicos na língua, mostrando as restrições quanto às posições que os segmentos podem ocupar na sílaba, bem com as combinações possíveis para formar ataques complexos.

Miranda (2014) descreve dois processos morfofonológicos da língua Krahô. Um deles envolve queda vocálica e o outro uma mudança de qualidade vocálica, sendo que ambos ocorrem em início de temas quando estes estão flexionados por prefixos relacionais. Os prefixos flexionais marcam a contiguidade dos seus respectivos

essas vogais quando precedidos de silêncio, mas a recuperam quando flexionados por prefixos relacionais. Miranda (2014, p. 67-68) exemplifica esse processo:

Miranda (2014, p. 69) exemplifica também temas iniciados pela vogal /a/, nos quais ocorre uma mudança na qualidade dessa vogal quando precedida por prefixo relacional. Em alguns temas, /a/ muda para [ ], já em outros, muda para [ ]. A mudança de /a/ para [ ] está condicionada à sufixação, ao tema, do nominalizador de ação r:

FORMA VERBAL NOME DE AÇÃO GLOSSA

ape j-/h- pe-n

api j-/h- pi-

-kwa -kw -r

-kakwa -kakw -r

De acordo com Popjes e Popjes (1986, p. 188), em Krahô existem três oclusivas desvozeadas nas seguintes posições:

a) labial - p (p) b) alveolar - t (t) c) velar - k (c,qu)

a) [k ] / k / j-/h-ak b) [kupa] /hupa/ j-/h-upa

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Todas elas possuem alofones que ocorrem no início de sílabas átonas seguidas de vozeamento e no final de sílabas precedidas de vozeamento.

Apinajé

Ham (1967) descreve e classifica alguns fenômenos morfofonêmicos do Apinajé. Segundo a autora, dois tipos de mudanças ocorrem quando certas consoantes finais de morfemas se justapõem a determinadas consoantes iniciais de morfemas: i) o alongamento da vogal que precede a consoante final de morfema, com ou sem perda dessa consoante; ii) a substituição de oclusiva final de morfema por nasal. De acordo com os ambientes em que ocorre a mudança, distinguem-se quatro classes de consoantes finais de morfema:

Quadro 1 Classes de consoantes finais de morfemas

Classe Consoante Ambiente

1 w, r Diante de consoantes idênticas

2 k Diante de qualquer consoante, com exceção de r,

3 p, t, l, c, n, ñ Diante de consoantes homorgânicas

4 z Não ocorre nenhuma mudança

Fonte: Ham, 1967.

Além disso, dependendo dos ambientes em que ocorre a mudança, Ham (1967) assinala duas classes de consoantes finais de morfemas:

Quadro 2 Consoantes finais de morfemas

Classe Consoante Ambiente

1 p > m Diante de nasais heterorgânicas

2 Diante de nasais heterorgânicas, ou entre vogal nasalizada e r

(42)

sintetiza os processos fonológicos descritos por Albuquerque (2007):

1. Vozeamento de Obstruintes: nas obstruintes simples (à exceção, portanto, da africada /t /), Albuquerque (2007) observou a possibilidade de vozeamento, como variação livre:

a) em onset de sílaba átona (pré-tônica) ou em coda final, na labial /p/: i] ~ [ba

rop [r p] ~ [r

b) em onset, aparentemente em qualquer posição na palavra, na dental /t/:

atak [atak ] ~ [adak

c) em onset, aparentemente em qualquer posição na palavra, na velar /k/: kahkre [ka kr ] ~ [ga gr

kamrek [kambr k ] ~[gambr k

Albuquerque reconhece ainda três outras obstruintes: /g/, /t /, / /. Uma vez que admite variação livre de fones surdos e sonoros [k] e [g] como realizações do fonema /k/, e uma vez que o fonema /g/ (também obstruinte, segundo ele) realiza-se sempre como [g], o autor conclui que há neutralização da oposição fonológica entre /g/ e /k/, apontando para a existência de variação livre, envolvendo [k] e [g] enquanto realizações do fonema

interpreta, erroneamente, como alofonia uma alternância morfossintática entre / / e /j/. 2. Eco vocálico: paragoge de vogal em final de palavra: quando em coda de sílaba final de palavra, as consoantes /p, t, k, m, n, r/ recebem o acréscimo de uma vogal idade é determinada pela vogal nuclear da sílaba, ou seja, a vogal que antecede a coda (Albuquerque 2007). Exemplos:

a) pykap [p kapa

(43)

c) prêk [p d) prãm [p e)

f) gõr [ gõ

-145) questiona por que o autor não sugere qualquer interpretação para os seguintes fatos:

a) Se / / é um fonema nasal, porque não ocorreria em coda consoante nasal palatal ocorre, sim, em codas, mas realiza-se como [ ] naquela posição. Isso não explica, porém, porque ela

b) Por que motivo apenas / /, das soantes não nasais, é alvo ocorrência, em oposição a /w/ e /j/, ou o que acontece com as aproximantes, que as impede de realizar o mesmo processo que / /? Vejam-se alguns exemplos de palavras que seriam candidatas à epêntese vocálica final: gôj kôkôj n j

gyw kupaw

2.1.3. Formas longas e breves Jê Setentrionais Krahô

No Krahô há

por Miranda (2014) como resultado de um processo de nominalização que deriva nomes de ação a partir de temas verbais por meio de um dos alomorfes do sufixo nominalizador r, m, n, t, k ou . A nominalização do núcleo de predicados em Krahô ocorre nas ocasiões em que expressa eventos dinâmicos perfectivos, mas também nos contextos em que se encontra numa relação de dependência morfossintática, como a subordinação e modificação por certos advérbios (Miranda, 2014, p. 21)

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Em Krahô, temas verbais transitivos e intransitivos se distinguem quando expressam a conclusão (forma longa) ou a não conclusão (forma curta) de um evento verbal, como mostram os exemplos em I, em que temos verbo intransitivo (a) e transitivo (b) como núcleos do predicado denotando ação não concluída. Os exemplos em II

-t e n ao núcleo do predicado e, nas orações transitivas, o sujeito é marcado pela posposição oblíqua t

I)

a) Hakw j apu - õr

N.PROP PROG R2-dormir

b) Ku ha pr r -khw -kura

1-2 IRR caça R1-PART R1-matar

II)

a) Hakw j j-õ-t

N.PROP R1-dormir-NOMLZ

j dormiu)

b) pa -t karã -kura-n

1-2 R1-OBL veado campeiro R1-matar-NOMLZ

(MIRANDA, 2014, p. 141)

Apinajé

Ham (1979) afirma que os verbos em Apinajé apresentam duas formas, uma longa e uma curta. A forma longa ocorre quando o verbo é seguido por outras palavras na mesma frase e a forma curta ocorre quando o verbo sempre aparece no final da frase. Albuquerque (2011) também afirma que nessa língua, os verbos transitivos apresentam

(45)

duas formas de raiz: uma forma longa, que ocorre apenas quando o verbo vier seguido de outras palavras na oração, e uma forma curta, em que o verbo ocorre na posição final da oração. De acordo com o autor, os verbos que ocorrem na forma longa indicam, através do prefixo, que o objeto está implícito. Já na forma curta, podem ocorrer tanto com objeto implícito como explícito.

Quadro 3 Formas curtas e longas em Apinajé

Forma curta Forma longa

Ocorre quando o verbo aparece

no final da oração palavras na oração, geralmente por uma palavra de Ocorre quando o verbo vem seguido por outras sentido negativo (kêt n )

Objeto implícito Objeto explícito Objeto implícito Objeto explícito

eu (o) asso eu asso isto eu não (asso) não asso isto

Pa omu eu (o) vejo

Paja pumu eu vejo isto

Pa omunh kêt n eu não (o) vejo

Pa ja pumunh kêt n não vejo isto Fonte: Gramática Pedagógica Apinajé, 2011, p. 115-116.

A forma negativa kêt n vem após o verbo produzindo a forma negativa da frase ou sentença, contribuindo para que o verbo não apareça no final da oração, nesse caso, de modo geral, ocorre a forma longa do verbo. A forma negativa afeta o verbo que só pode ser representado pela forma longa. Assim, todos os constituintes da oração podem ser negados, o sujeito, o objeto direto ou indireto, o verbo ou qualquer um dos constituintes da oração (ALBUQUERQUE, 2011):

a) Ropkror - mate a onça

b) Ropkror kêt n - não mate a onça

2.1.4. Aspecto Krahô

(46)

A expressão de aspecto em Krahô se faz por meio de marcadores que indicam nuances aspectuais em relação ao evento denotado pelo verbo do ponto de vista de sua constituição interna perfectivo vs imperfectivo (COMRIE, 1976). Geralmente essas palavras ocorrem em posição inicial (1ª ou 2ª posição) ou final na sentença. Miranda (2014) apresenta os seguintes marcadores aspectuais em Krahô:

a) ajk aspecto imperfectivo b) apu progressivo

c) partu ~ par aspecto completivo

Apinajé

Ham (1961) afirma que cláusulas temporais podem ser expandidas, entre outras coisas, pelo acréscimo de uma posição de Aspecto, que geralmente segue o sujeito. A autora afirma que as posições de Aspecto podem ser preenchidas por uma série de marcadores, como:

Tabela 5 Marcadores aspectuais em Apinajé

Marca de Aspecto Tradução de Ham (1961) Exemplos retirados de Ham & Koopman (1979)

Ra "already" nã ka ra mu

Você já viu isso.

m "only" nã m m mu

Ele só viu eles

t "vainly" t ?

Como você se chama?

pr "completive" na pa pr ra pixô kr r

Eu comi banana

ãm "just now" na pa 'arôj kv xãm

Cozinhei arroz

t "always" ixt pyka kapõnh

Você (por costume) varre a terra

(47)

Na descrição de

(Oliveira, 2005, p. 171), como no seguinte exemplo: a) Na pr t -pa.

RLS PST HAB DEM.DST 1-live

(Oliveira, 2005, p. 171)

Segundo Albuquerque (2011), na língua Apinajé, há três tempos verbais marcados pelas partículas na, pre, kot/kot paj. O presente expressa um fato que ocorre no momento em que se fala, o pretérito expressa um fato ocorrido num momento anterior em que se fala e o futuro expressa um fato que poderá ocorrer após o momento em que se fala. Segundo Koopman (1976), existem cinco classes principais de processos com variadas combinações funcionais ou matrizes de papéis na língua Apinajé:

a) Processos ativos: indicam movimentos ou atividades desempenhadas pelos participantes;

b) Processos locativos: indicam momentos em que um participante conversa com outro participante, no caso, o ouvinte;

c) Processos mentais: estão relacionados a estados de percepção ou experiência por parte de um participante;

d) Processos relacionais: ocorrem na forma de uma relação entre duas entidades de participantes ou entre uma atividade de um participante e um atributo;

e) Processos ambientais: geralmente, indicam fenômenos da natureza.

2.2. Ramo Jê Central

Xerente e Xavante

No presente trabalho, apesar de apresentar algumas informações sobre a língua e cultura Xavante devido à sua proximidade linguística com os Xerente o foco de análise e revisão será no povo Xerente. Os Xavante, apesar da proximidade linguística com os Xerente, se separaram geograficamentedesses há dois séculos, entrando em contato com outros povos e outros processos migratórios. Por essa razão, os dados linguísticos e

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culturais do povo podem apresentar interferências que não colaboram para a rota geográfica dos povos Jê considerados para a presente discussão.

A história dos Xerente deve ser considerada em conjunto com a história dos Xavante. De acordo com o Nimuendajú (1942) esses dois grupos são consideravelmente distintos apenas em termos de localização e políticas. Os dois povos foram confundidos na literatura com bastante frequência e houve diversas tentativas de reuni-los em um único povo. A separação ocorreu definitivamente apenas quando, em algum momento da primeira metade do século XIX, os Xavante abandonaram a área leste do Araguaia e desistiram de suas incursões nesse território.

Após a eliminação dos povos Guegue e Akroá, que na primeira metade do século XVIII ocupavam os afluentes ocidentais do São Francisco e arredores, os Xerente foram em direção ao leste e nordeste, onde entraram em conflitos com os Krahô. Por volta de 1850 as incursões dos Xerente a leste cessaram, assim como as hostilidades com o Xavantes que definitivamente haviam migrado para Oeste do Araguaia (cf. NIMUENDAJÚ, 1942).

Segundo Nimuendajú (1942, p. 4), nas línguas Timbira, especialmente entre os Krahô, os Xavante e os Xerente eram chamados pelos termos equivalentes de Puxiti

um povo 6 Em 1793 duas hordas de "Tapacua"

(Tapacoa, Tapaqua) invadiram o distrito de Paranaguá, no sul do Piauí, mas foram levados de volta a Goiás por Manuel Ribeiro Soares. Dizem que eles viviam no leste do Tocantins e noroeste do -kwa é um sufixo denotando uma pessoa, relacionado ao que é denotado pela raiz) e provavelmente foi aplicado aos Xerente quando eles invadiram o Piauí, após a submissão do povo Guegue (1765) e Akroá (1772). A origem da palavra Xerente é desconhecida, porém o termo Akw

até os dias de hoje.

Em 1859 Ferreira Gomes designou todos os Akw que habitavam o Tocantins como Xavante, mas segundo Nimuendajú (1942, p. 6) depois disso os dois povos sempre foram claramente distinguidos, pois nesse tempo os Xavante migraram

6 Nimuendajú faz referência a Raymundo José da Cunha Mattos (Chorographia História da Província de

Goiás, 1874/75), Johann Emanuel Pohl (Reise im Innern von Brasilien, 1832), Francisco de Paula Ribeiro (Memória sobre as nações gentias, 1841) e Francisco José Pinto de Magalhães (Memória sobre a descoberta e fundação da povoação de São Pedro de Alcântara, 1852).

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definitivamente para o oeste através do Araguaia, enquanto os Xerente permaneceram em sua casa provavelmente intocada, em ambos os lados do Tocantins, entre 8 ° e 10 ° de latitude sul.

As primeiras referências históricas documentais acerca dos Xerente datam do século XVIII. O contato com a sociedade não indígena foi, em grande medida, impulsionado pela intensificação das Bandeiras que adentraram o interior do Brasil em busca de jazidas de ouro na região do Tocantins e do Araguaia (MELO, 2016).

As áreas atualmente demarcadas para os Xerente são compostas pelas Terras Indígenas Xerente e Funil, localizadas no cerrado do Estado do Tocantins, na banda leste do rio Tocantins, 70 km ao norte da capital, Palmas. A cidade de Tocantínia, localizada entre as duas terras, tem sido, ao longo desse século, palco de tensões entre a população local não-índia e os Xerente. Desde a fundação do Estado do Tocantins, em 1989, seu território é foco das atenções regionais (e nacionais) devido a sua localização estratégica.

Figura 11 Localização das Terras Indígenas Xerente

Fonte: Ministério da Justiça FUNAI, 2011 (Brasil: situação fundiária indígena)

2.2.1. Paradigma pronominal Jê Centrais Xerente

De acordo com Sousa Filho (2007), são basicamente três as formas pronominais livres usadas para expressar os argumentos sujeitos em Xerente (as formas de 1ª, 2ª e 3ª SG na Tabela 6 a seguir), às quais é acrescido o morfema -nõr para a pluralização dos

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pronomes ou para a marcação do não-singular. Com o acréscimo desse morfema aos pronomes, temos as formas pronominais do dual e/ou plural. Os números diferentes do singular são reforçados pelos sufixos número-pessoal, -ni, para a primeira pessoa do dual/plural e -kwa ou -kba para a segunda pessoa do dual/plural. A terceira pessoa (a não pessoa) não apresenta sufixo número-pessoal ou marca esse sufixo com zero - . O sufixo número-pessoal -kwa é usado imediatamente após o pronome livre e após o tema verbal, enquanto -ni é usado somente após o tema verbal, sendo assim, a marcação de número-pessoal parte de elemento pronominal descontínuo.

Exemplos:

a) wanõr - (wa = 1ps + nõri = NSG ou dual/plural) b) kanõr - (ka = 2ps + nõri = NSG ou

dual/plural)

c) tanõr - (ta = 3 ps + nõri = NSG ou dual/plural).

Tabela 6 Pronomes pessoais livres em Xerente Pronomes pessoais livres em Xerente

1SG wa

2SG ka

3SG ta

1 DUAL/PLURAL wanõr ....n

2 DUAL/PLURAL kanõr ....kwa....kwa

3 DUAL/PLURAL tanõr

Fonte: SOUSA FILHO, 2007

O morfema enfático h

O morfema citacional to- associa-se as segundas e terceiras pessoas do singular ou plural, ocorrendo antes do pronome propriamente dito. O morfema enfático h pode associar-se também aos pronomes livres para indicar ênfase ou destaque.

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2.2.2. Processos fonológicos Jê Centrais Xerente

Na língua Akw -Xerente, a oposição entre nasais e não nasais é relevante tanto entre vogais como entre consoantes e, segundo a análise de Grannier (2009), essa oposição nas consoantes não pode ser atribuída à presença de segmentos nasais vizinhos. De acordo com Grannier (2009), os processos fonológicos relativos à nasalização se dão no domínio da sílaba e respeitam os limites morfológicos. A direção do espalhamento da nasalização é da direita para a esquerda. A autora divide os processos fonológicos em três classes:

1. A restrição de segmentos contíguos com um mesmo traço

Em sílaba com consoante nasal em coda, ocorrem no núcleo apenas vogais orais, ou seja, há uma restrição fonológica, que pode ser representada por [*V N. C]. Essa restrição deve ser atribuída ao peso da sílaba, pois a vogal nasal corresponde a duas moras e não pode, portanto, na forma subjacente, ser seguida de consoante nasal que também contaria para o peso da sílaba.

Grannier (2009) apresenta o fato de existirem sílabas com vogal nasal seguidas por consoantes oclusivas surdas como evidência para afirmar que o impedimento se encontra na rima, pois a consoante /p/, final, não conta peso:

a) [m

b) [m

Dessa forma, Grannier (2009) afirma que:

(...) o peso silábico bloqueia tanto a estrutura silábica em que uma sílaba com vogal nasal teria coda nasal [*VN.C], como o espalhamento regressivo, da nasal em coda para uma vogal oral, pois a consoante nasal já preenche a estrutura máxima da sílaba. Como as consoantes oclusivas surdas não contam mora, a estrutura com vogal nasal seguida por coda oclusiva é licenciada na superfície. Por outro lado, como a consoante nasal em coda conta mora, a estrutura constituída de vogal nasal seguida de consoante nasal não é permitida (GRANNIER, 2009, p. 249).

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Porém, a autora ressalta que a sílaba fonética em Xerente apresenta dois segmentos nasais que poderiam invalidar essa análise, caso um dos segmentos seja reconhecido como coda nasal. Um exemplo disso seria o ditongo nasal [ i] em [s . Grannier (2009) explica que na língua há a oposição entre hiatos e ditongos, sendo que a sequência [ i] é identificada como constituinte do núcleo da sílaba.

2. O espalhamento da nasalização

Grannier (2009) afirma que a nasalização da vogal se espalha no domínio da sílaba, da direita para a esquerda, alcançando as consoantes sonoras (/b/ ou /d/) ou os grupos de consoantes (/br/, bd/ e /db/) do onset, de modo que não se encontram sílabas fonéticas constituídas de consoante ou de grupo com consoantes sonoras orais seguidas por vogal nasal (*[b] V, *[d]V, *[b ]V, *[bd]V) mas apenas as sílabas correspondentes, com os segmentos nasalizados. Dessa forma, o OCP não é violado, porque a sílaba fonológica apresenta apenas um segmento com o traço nasal:

/b /kde /b

A autora ressalta que o tepe / / é transparente ao processo de nasalização na língua Xerente. Um interpretação alternativa (dependente de confirmação instrumental) é que o tepe é igualmente nasalizado, foneticamente, regressivamente pela vogal nasal. Se for

sejam, de fato, soantes, e as soantes sejam os alvos da nasalização, como ocorre nas s, 1998, p. 113)

3. Duração das vogais em sílabas abertas e em sílabas travadas com coda nasal

Grannier (2009, p. 251) postula que existe uma variação notável na duração das vogais, dependendo de se encontrarem em sílabas abertas ou em sílabas com consoante nasal em coda:

a) [m b) [r

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