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6. Conclusões

6.2. Comparação cultural

i) Cultura material

a) Agricultura

31 Como exemplo disso, Miranda (2014, p. 157) apresenta:

Pot t apu a -k ra -pupu

N.PROP PROG 2SG R1-filho R1-ver

i -keti ajk kra j-ahe

Os povos Jê, ao contrário do que se acreditou durante muito tempo, possuíam práticas agrícolas desenvolvidas. Henry (1941), relata que antes do contato, os Xokleng possuíam grandes roças nos campos e que os mais velhos relembravam com nostalgia sobre as práticas agrícolas dos Mebêngôkre (Jê Setentrionais) registrada por Lea (2012):

Com respeito aos M bengokre, a antropóloga Vanessa Lea critica a perpetuação de um "mito de horticultura incipiente" em referência à economia daquela sociedade indígena, e lembra que "uma lista de vocabulário com vários produtos de horticultura, compilada pelo Frei Antonio Maria Sala (1920), na base de dados obtidos dos Irã'ãmrãjre, foi revista e estendida posteriormente por Bamberger (1967), demonstrando um leque impressionante de espécies de plantas cultivadas" (LEA, 2012, p.79). A pesquisadora destaca ainda com base em Lowie (1946) o cultivo do "kupá", que "parece ter sido domesticada pelos M bêngôkre (ou pelo menos por seus ancestrais Jê), sendo desconhecida pelos Tupi e pelos 'brasileiros'" (LEA, 2012, p. 77)

Nimuendajú (1939, p. 3) chama a atenção para o registro de Villa Real em 1793 das enormes plantações de mandioca dos Apinajé. Nimuendajú (1939, p. 88) ainda afirma que mesmo antes do contato, os Apinajé já conheciam a mandioca amarga e a doce. Coelho de Souza, ressalta a importante relação dos Apinajé com a agricultura:

Entre os Apinayé, a agricultura teria sido uma atividade economicamente ainda mais importante que entre seus congêneres orientais, e de longa data, como testemunharia o registro de suas extensas plantações de mandioca no final do século XVIII por Villa Real (1939:3,87-91) (COELHO DE SOUZA, 2002, p. 29).

Ainda sobre a mandioca, Coelho de Souza (2002) cita Nimuendajú (1942) para fazer algumas considerações históricas em relação ao cultivo desse alimento entre os Xerente32:

Nimuendajú (1942) não registra a palavra Xerente para mandioca, mas na versão em português de Os Timbira Orientais inclui um longo parágrafo sobre o kupá onde nota que os Xerente chamam-na por este nome, denominando o kupá timbira de kupaitiré (1944:67-68). Segundo Flowers (1994:253) von Martius já mencionara esse uso Xerente de kupá para a mandioca, que os Xavante atuais chamam upá. Segundo Nimuendajú, o cultivo do kupá pelos 32 O kupá é um tubérculo de cultivo tradicional, pré-cabralino, dos Timbira. Os Xerente usaram o nome

Timbira (que disporiam inclusive de cerimônia associada a esta planta) devia- se mais ao respeito à tradição que a sua importância econômica. O kupá foi identificado por Posey como Cissus gonglyloses, do qual os Kayapó cultivariam 4 variedades. Diz Flowers: "It seems possible that the Xavante/Xerente, when introduced to manioc, used for it the term for the cultigen with which they were more familiar" (:253) (COELHO DE SOUZA, 2002, p. 29).

O abandono das roças para um período de andanças e caçadas era uma prática comum entre os Krahô, Xokleng e Kaingang, esse processo é chamado de trekking, descrito também para os Mebêngôkre (cf. Lea, 2012). A importância das plantas selvagens é registrada entre os Xerentes, sendo que a palmeira de buriti e a palmeira de babaçu aparecem em narrativas míticas importantes para o povo. De forma semelhante, a colheita de pinhões tinha um papel relevante para os Kaingang e Xokleng. Em relação às mitologias de cada povo sobre a origem da agricultura há diferenças que serão melhor d

b) Cerâmica e tecelagem

A cerâmica e tecelagem estão presentes entre os povos Jê Meridionais, sendo que suas produções cerâmicas são associadas à Tradição Itararé-Taquara. Apesar desses povos possuírem cerâmicas que, aparentemente, são produzidas visando a utilidade e praticidade, Hoerhann (1921, paginação irregular apud Vieira, 2004), afirma que havia entre os Xokleng uma preocupação estética na produção de seus utensílios:

Verifica-se já a manifestação de gosto artístico entre os botocudos, no esmerado enfeite dos trançados a roda do encastoado das suas lanças, na confecção de suas flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o trançado dos seus pequenos cestos impermeáveis, para o uso interno dos seus ranchos. Nota-se também nos enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas, bem como em vários outros enfeites que adornam múltiplos outros objetos de seu uso, com desenhos entalhados ou feitos a fogo (Hoerhann, 1921, paginação irregular apud Vieira, 2004, p. 55)

Além da produção de mantas e vestimentas utilizadas para a proteção contra temperaturas mais frias, os Xokleng teciam também vestimentas usadas especialmente

em festas e rituais. Vieira (2004), relata a utilização de peças tecidas especialmente para os guerreiros da comunidade:

(...) os guerreiros tinham sua própria vestimenta que se compunha do cocar utilizado nos momentos de festa, bem como uma espécie de cinto feito com vários cordões, que era amarrado à cintura e envolvia o pênis. Há informações de que tais cintos eram símbolos de

masculinidade, e os meninos os recebiam de seus pais logo após o ritual de perfuração dos lábios.

(...) Essas tangas eram tecidas com a fibra de uma certa espécie de urtiga brava e ornadas com desenhos lineares que de preferência eram de cor vermelha ou azul.

meio de um trançado de embiras finas. Com estes ornamentos na cabeça, rosto e peitos pintados com estrias vermelhas e negras, os homens tomavam por ocasião das festas, um aspecto de grande

c) Adornos

Os Xokleng utilizavam o labrete, um adorno de uso exclusivamente masculino, confeccionado geralmente em madeira, sendo que a variação das formas, de acordo com Henry (1941) estava relacionada à filiação dos indivíduos. Vieira (2004) explica que o nome tembetá designava todo o objeto duro e inflexível que os índios se introduzem no furo artificial do beiço inferior, com exceção do botoque. A autora explica também que, em geral a sua forma e a espécie de material (osso, concha, pedra, resina endurecida e madeira) variam conforme a idade do portador:

O tembetá consistia em duas formas básicas: uma com haste reta e base oval e outra com haste serrilhada e base também oval, ambas podiam medir 8 centímetros de comprimento, podendo apresentar pirogravura. O perfurador de lábios era feito de madeira endurecida ao fogo ou feitos de bambu e a terminação destes perfuradores era em ponta afiada (VIEIRA, 2004, p. 62).

De acordo com Nimuendajú (1946), os Timbira possuíam ainda o costume de perfurar os lóbulos das orelhas dos meninos da comunidade durante os rituais de iniciação. No entanto a utilização de labretes não era mais realizada, mas isso significa

que fora um uso tradicional. Nimuendajú (1946) relata que entre os Gavião o adorno ainda era utilizado e que Martius registrou entre uma comunidade mista de Krahô e Apanyekrá que alguns dos membros mais velhos ainda utilizavam o labrete. Os Suyá e os Mêbêngôkre (Jê Setentrionais) também utilizavam o labrete.

Os Xerente tinham o costume de perfurar os lóbulos das orelhas dos meninos também, porém esse processo ocorria após a escolha do nome da criança e não em um ritual de iniciação dos jovens. Não há indícios de que Xerente ou Xavante tenham, alguma vez, usado labrete.

O costume de afiar os dentes que ocorria entre os Kaingang ocorria também entre alguns povos Tupi, como os Sateré-Mawé, Tikunas e Guajajara (cf. Lyrio et al, 2011) , e também entre os Guarani-Mbyá (cf. Oliveira, 2006, p. 52) esse fato poderia indicar uma intrusão Tupi, uma vez que não se encontram registros sobre essa prática entre outros povos Jê33.

ii) Cultura imaterial

a) Organização social

Ao analisar os padrões de organização social dos povos selecionados é importante considerar o que Coelho de Souza (2002) registra sobre o contato dos povos Jê com a sociedade nacional:

Os grupos timbira, em sua maioria em contato intensivo com a sociedade nacional desde início do séc. XIX, foram, entre os atuais Jê, os que mais provavelmente se mantiveram no interior ou nas imediações de seus territórios 'tradicionais', permanecendo em uma área de ocupação predominantemente jê e assim próximos de seus inimigos e parentes habituais. Povos como os Kayapó, Suyá, Panará, Xavante, Kaingang e Xokleng, por outro lado, experimentaram, nos últimos dois séculos, não apenas drásticas reduções populacionais (que atingiram também os Timbira), como também deslocamentos constantes e para longas distâncias, que certamente, entre outras consequências (ver, por exemplo, Verswijver 1992:148-149), alteraram

33Porém, de acordo com o arqueólogo Andersen Liryo da Silva (2011), a modificação dentária entre os índios brasileiros surge depois da chegada dos escravos africanos, dessa forma o contato com a técnica de modificação dentária pode ter ocorrido por meio do contato com algum povo Tupi ou diretamente com os escravos africanos, após o contato.

profundamente o padrão de relações inter-comunitárias (COELHO DE SOUZA, 2002, p. 215.

Ainda em relação à análise de Verswijver (1992), a autora sugere que:

(...)a lógica de expansão e reprodução identificadas pela análise desse autor pode ser generalizada para os outros grupos, ainda que a diversidade de suas circunstâncias e decisões históricas tenha gerado a grande variedade de situações hoje observável. Em todos os casos, estaríamos diante de um campo de identidade 'tribal' fundada na alternância entre inimizade e aliança preferenciais, e de um outro de identidade 'comunitária' baseada nos laços de parentesco e afinidade efetiva, ambos derivados da atualização de uma mesma relação, uma mesma estrutura-processo que responderia em todos os níveis pela diferenciação-determinação desses coletivos identitários (COELHO DE SOUZA, 2002, p. 215).

As condições de pertencimento às metades existentes entre os Krahô ocorrem por meio da escolha do nome de cada indivíduo, tanto para as mulheres quanto para os homens, sendo que há uma divisão que se aplica somente aos indivíduos do sexo masculino. Os Apinajé possuíam metades matrilineares e matrilocais. De forma semelhante, a organização social dos Xokleng se caracteriza pela matrilinearidade, sendo que mesmo que o pai biológico morra ou se separe da mãe, esta continua a ter autoridade sobre a família e a estabelecer as regras. Já as metades Xerente são reguladas pela patrilinearidade.

Os Krahô possuíam duas metades condicionadas de modos diferentes, os Apinajé, Xerente e Kaingang possuíam duas metades mais bem definidas e os Xokleng são os únicos entre os povos analisados que não estariam organizados em metades. Apenas nos registros de Henry (1941) há a presença de 5 grupos exógamos, mas que não atendiam as caraterísticas típicas de diferenciação e regulamentação de pertencimento típicas dos outros povos analisados.

Diferente dos Krahô e Apinajé, os Xerente e os Jê Meridionais (Kaingang e Xokleng) possuíam metades exógamas. Entre os Xerente, somente os nomes masculinos eram transmitidos patrilinearmente, diferente dos nomes Xokleng que são transmitidos tanto pela família da mãe quanto do pai para os filhos e filhas, e diferente dos Kaingang, cujos nomes, tanto masculinos como femininos, eram transmitidos patrilinearmente. Outra diferença dos Xerente em relação aos Xokleng é que os Xerente possuíam rituais

de iniciação formal somente para os meninos, enquanto os Xokleng possuíam rituais formais de iniciação tanto para os meninos quanto para as meninas. Com exceção dos Xokleng, as metades de todos os povos analisados eram localmente segregadas e possuíam relação com o sol e a lua. Um aspecto particular entre as metades Xerente (mas também Kaingang) é que cada uma delas possuía um clã suplementar, considerado de origem estrangeira: o Krozaké, na metade Sdakrã e os Prasé/Klitó, na metade Xiptató. Com exceção dos Apinajé, as metades dos povos analisados se diferenciavam por marcas gráficas diferentes.

Para sintetizar algumas das principais semelhanças e diferenças entre a organização social dos povos analisados, apresentamos a seguinte tabela, que segue o mesmo padrão de disposição a fim de que seja possível analisar as semelhanças e diferenças dos Jê Meridionais (Kaingang e Xokleng) em relação aos povos dos outros ramos.

Tabela 15 Organização social

Apinajé Krahô Xokleng Kaingang Xerente

1. Separação espacial das metades em lados opostos na praça da aldeia

x x x

(no ritual do Kiki)

x

2. Divisão das metades relacionada ao sol e à lua

x x x x 3. Metades regulam a exogamia x x34 x x 4. Metades regulam o parentesco x x x x

5. Oposição de marcas gráficas entre as metades

x x x x

6. Nomes próprios diferentes de acordo com o

pertencimento a cada metade

x x x x x

7. Existência de x x x

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