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Ninguém contesta a genialidade do Pensamento Aristotélico,

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Academic year: 2021

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POR UMA ESTÉTICA DO FEIO:

uma aplicação do conceito de fealdade

aristotélica à realidade social atual

Prof. Dr. Marcos Roberto Nunes Costa

Carlos Alberto Pinheiro Vieira2

Ricardo Evangelista Brandão

Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar o conceito estético de “fealdade”, contido na obra “A Poética”, de Aristóteles, tomando como objeto de análise cenas fotográficas extraídas da realidade social atual, em que, fazendo uma separação entre o belo em si e as regras artísticas (métrica, simetria, harmonia etc.), podemos conceber cenas socialmente feias (miséria, crueldade, descaso público) em belo artístico, o que resulta numa segunda dissociação ainda mais perigosa, a saber: entre o belo e o bem em si, ou entre a estética e a ética. Palavras-chave: Aristóteles, estética, feio, belo, ética. Abstract: This Article aims at analyzing “ugliness” aesthetic concept, found in “Poetics”, Aristotle’s Work that views, as an analysis object, photographical scenes taken out actual social reality which through, introducing a separation between beauty itself and artistic rules (metrics – symmetry – harmony and so on) we can conceive socially ugly scenes (misery, cruelty, public uncare) within artistic beauty, which results into a more dangerous second dissociation, so to say between beauty itself and goodness itself or between Aesthetics and Ethics. Key-words: Aristotle, Aesthetics, Ugliness, Beauty, Ethics.

Introdução

N

inguém contesta a genialidade do Pensamento Aristotélico, porém, com o surgimento da Filosofia Contemporânea mui-tos questionam a relevância, na atualidade, de pensadores perio-dizados na Filosofia Antiga. A Filosofia, por si só, desses gênios da humanidade possui elevada importância por sua profundida-de abstrativa e coerência interna, porém, ao estudá-los, o profundida-desafio permanece: até que ponto é possível fazermos aplicação deles na complexidade do mundo hodierno?

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os escritos de filósofos como Platão, Aristóteles, Agostinho, etc., não só possuem valor enquanto filósofos de seu tempo, como em muitos aspectos são, resguardando-se de exageros apaixonados, perfeitamente atualizáveis na atualidade. Diante dessa premissa, pretendemos, a partir do conceito de “fealdade aristotélica”, ex-posta na obra “A Poética”, de Aristóteles, fazer uma análise de fotografias de fatos ou cenas sociais hodiernos que, apesar de de-monstrarem explicitamente estados de misérias, crueldade, etc., nos tempos modernos, tornaram-se uma das muitas formas de re-presentações artísticas, ou numa “estética do feio”.

1 Análise do conceito de fealdade aristotélica

Pontuando o contexto em que Aristóteles comenta acer-ca da “fealdade” em sua obra “A Poétiacer-ca”, encontramos-la num trecho em que o estagirita teoriza a respeito das causas que geram a poesia. Segundo ele, como a poesia é uma arte imitativa, essa deve sua origem a uma tendência natural do homem, acentuada por ele em duas causas: “O imitar é congênito, no homem [...] e os homens se comprazem no imitado”. E é aí que entra o

concei-to de “fealdade” que queremos utilizar como referência de nos-so trabalho. Pois, segundo Aristóteles, os homens se comprazem não só no belo, mas, principalmente, no feio: “Sinal disto é o que acontece na experiência: nós contemplamos com prazer as imagens mais exatas daquelas mesmas coisas que olhamos com repugnância, por exemplo, as representações de animais ferozes e de cadáveres”5.

Portanto, segundo o estagirita, as coisas que ao serem contempladas imediatamente nos parecem feias e repugnantes, quando mediadas pela representação artística, tornam-se

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aprazí-veis e agradáaprazí-veis, fazendo assim uma dissociação entre a fealdade da coisa em si (a realidade retratada) e a arte (regras artísticas). É a partir de tal princípio que analisaremos as fotografias que seguem.

1.1 A simetria como máxima de beleza, acima da realidade

Foto n. 01 – Mortos na Rua

Fonte: www.siriri.blogger.com.br/fotomortosmare.jpg

Na fotografia acima (n. 01), temos uma realidade extre-mamente feia ou cruel em que dois cadáveres humanos são ex-postos na rua, semelhante a cadáveres de dois animais jogados ao lixo para apodrecer. No contexto da cena, observamos uma senhora que passa com fria naturalidade, como se aquela realida-de grotesca, violenta, animalesca, fizesse parte realida-de seu cotidiano. Possivelmente, ninguém, nem mesmo aquela senhora que apare-ce na apare-cena, conseguisse enxergar essa realidade com prazer, ou

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considerá-la bela. Porém percebemos que, quando esse quadro de horror é fotografado, o feio ganha certa dimensão artística de beleza. Se observarmos a posição simétrica em que os dois cor-pos estão na foto, percebemos que estão em completa sintonia um com o outro, semelhante a uma cena de balé clássico, como também em sintonia com o chifre do bode, que possui a mesma curva dos corpos, bem como com a forma circular da manilha. O bode, por si só, com sua expressão imponente e ao mesmo tempo relaxada por estar deitado, torna a cena ainda mais interessante.

Significativa participação tem a senhora, que não perma-neceu no lugar para observar os mortos, mas continuou andando para cuidar de sua vida, demonstrando que, apesar de tão cruel cena, a vida continua. Portanto, como não dizer que, depois de fotografada, aquela realidade se tornou artística, agradável, cheia de significados e por que não dizer bela, chegando a sobrepor o belo artístico à fealdade da realidade retratada.

1.2 Luz, cor e linhas como critério de beleza acima da reali-dade

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Foto n. 03 – Manguezal do Espírito Santo

Fonte: www.proex.ufes.br/projetocaranguejo/albfotos/index Foto n. 04 – Manguezal do Espírito Santo

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As fotos de número 02, 03 e 04 nos mostram a dura rea-lidade de homens que encontram nos manguezais uma forma de subsistência. Forma esta que mal dá pra sustentar suas famílias, devido à baixa renda proporcionada pela venda do resultado da lida. Os homens, para conseguirem realizar a pesca, têm necessa-riamente de se sujarem de corpo inteiro na lama, a qual, além de naturalmente exalar um cheiro desagradável, com a crescente po-luição dos esgotos domésticos despejados nos rios, torna-se ainda mais podre ou mal cheirosa, causando em nós certa repugnância ao sentir seu odor. Com toda certeza, realidades como esta pela miséria que representam, mal cheiro exalado pela lama, humilha-ção por se sujar de lama em uma sociedade em que a mesma sig-nifica sujeira e degradação, como pelo fato de ser tão corriqueira em nossos manguezais, dificilmente alguém as consideraria agra-dáveis ou belas.

Porém, quando essas supracitadas realidades são repre-sentadas artisticamente, a cena se torna agradável a nossa con-templação. Nas fotos n. 02 e 03, percebemos o foco que o artista – o fotógrafo – ressaltou das raízes dos manguezais, que em suas variadas linhas e tramas formam um desenho muito interessante. Nas fotos 02, 03 e 04, a integração homem - natureza é tão grande que não percebemos onde começa e termina homem, lama, man-guezal e caranguejo, fazendo, de certa forma, com que a figura humana se harmonize com o restante da cena. Nota-se também que, nas supracitadas fotos, o brilho da lama é ressaltado como um espelho negro resplandecente. As folhagens dos manguezais, especialmente na fotografia n. 03, são ressaltadas: à direita do pescador, folhas caídas na lama, mostrando que, em cima daque-las raízes pantanosas, há vasta folhagem e vida. Na mesma foto, o braço do pescador estirado, escorando o corpo, confunde-se com as muitas raízes aéreas que fazem parte da cena.

Outro fator que bastante impressiona nas fotos são as expressões fisionômicas dos três pescadores: na fotografia n. 02, é significativa a expressão do protagonista olhando para o caran-guejo que, naquele momento, coroa seu esforço; na foto n. 03, o pescador olha com atenção para a lama em busca de sua pesca,

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e o pescador da fotografia n. 04 mostra na foto todo seu esforço, que quase o faz entrar na loca do caranguejo. As três fisionomias, apesar das misérias, dos preconceitos de uma sociedade do ter e não do ser, do descaso do Estado com os menos favorecidos, revelam que, para eles, vale a pena viver. Quem poderia dizer que essa dura e feia realidade, após retratada fotograficamente, não se torna agradável e bela, como afirma nosso filósofo de Estagira?

1.3 As regras artísticas como um bem em si, desvinculado da realidade

Foto n. 05 – Pontes do Recife - PE

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Foto n. 06 – Pontes do Recife - PE

Fonte: Fotografia de Carlos Alberto Pinheiro Vieira

Nas presentes fotos (n. 05 e 06), observamos que a rea-lidade fotografada é tão comum nas pontes do Recife - PE que, além de não enxergarmos beleza, por se tratar da parte inferior de uma ponte, sentimos-nos muitas vezes com ojeriza ao cheiro de putrefação que os rios do Recife, freqüentemente, exalam, devido ao desembocar de esgotos e ao descaso da população que, não raro, trata o rio como um lixão aquático.

Entretanto, a representação fotográfica, que, devido à perícia e à criatividade do fotógrafo, ao buscar o ângulo mais adequado, calibrar as objetivas e zoom da câmera para alcançar o resultado por ele esperado, tornou aquela feia e comum paisagem em algo agradável de se olhar, e, por que não dizer, bela.

Considerações finais

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tra-balho demonstram que a compreensão de Aristóteles a respeito do feio e repugnante representado artisticamente é, perfeitamente, atual. É claro que os tipos de expressões artísticas consideradas pelo estagirita referiam-se à poesia e às artes plásticas, todavia, resguardando-nos dos possíveis anacronismos, percebemos que a fotografia moderna se encaixa perfeitamente nas considerações aristotélicas.

Outros autores antigos, como Platão e Plotino, talvez não resistissem a atualizações como as que fizemos no ramo da Estética, por causa do mundo supra-sensível, que torna o belo sensível distante do belo real, e o feio como uma defecção do belo. Porém nos propomos aqui a aplicar a concepção de fealdade artística aristotélica na hodiernidade, e acreditamos que o referido propósito foi atingido.

Notas

 Orientador dos alunos abaixo relacionados - Professor de Filosofia

Patrísti-co/Medieval da UNICAP e do INSAF – Recife - Brasil, Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia Antiga e Medieval – GEPFAM/UNICAP/ CNPq, Presidente da Sociedade Brasileira de Filosofia Medieval – SBFM e Prof. dos Mestrados em Direito e Ciências da Religião da Unicap.

2 Graduando em Filosofia – UNICAP.

 Graduando em Filosofia – UNICAP. Bolsista de Iniciação Científica da

FACEPE.

 ARISTóTELES. Poética. Trad. de Eudoro de Souza. São Paulo: Abril

Cul-tural, 1973. p. 445. (Coleção Os Pensadores, vol. IV).

5 Ibid., p. 445.

Referências

ARISTóTELES. Poética. Trad. de Eudoro de Souza. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Coleção os Pensadores, vol. IV).

ALVES, André. Projeto caranguejo. Banco de dados. disponível em:

www.proex.ufes.br/projetocaranguejo/albfotos/index.htm. Acesso em: 2 de dezembro de 2006.

www.siriri.blogger.com.br/fotomortosmare.jpg

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