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00423 - Brasil - 500 Anos de Língua Portuguesa

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(1)

BRASIL – 500 ANOS

DE LÍNGUA

PORTUGUESA

(Congresso internacional)

Apoio específico para esta publicação CNPQ

FAPERJ

MINISTÉRIO DA CULTURA

AlphagraficsPinheiro/São Paulo ABF/SBLL/UERJ

(2)

COPYRIGHT: Leodegário A. de Azevedo Filho. TEL.: (0 XX 21) 522-5155

BRASIL 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA Rio de Janeiro, junho de 2000

Magnífico Reitor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Antônio Celso Alves Pereira

Presidente da Academia Brasileira de Filologia e da Sociedade Brasileira de Língua e Literatura

Leodegário A. de Azevedo Filho

Diretor do Instituto de Letras

Cláudio Cezar Henriques

COMISSÃO EDITORIAL

Álvaro de Sá Amós Coelho da Silva Marina Machado Rodrigues

Editor: Paulo França

EDITORA ÁGORADA ILHA

TEL.FAX: 0XX 21 - 393-4212

agorailh@ruralrj.com.br

FILHO, Leodegário A. de Azevedo

Brasil 500 anos de Língua Portuguesa / Leodegário

A. de Azevedo Filho (organizador)

372 páginas - Rio de Janeiro, junho de 2000

Editora Ágora da Ilha - ISBN 86854

Lingüística e Filologia CDD - 410.412

Ficha catalográfica

(3)

PARTE I

CONFERÊNCIAS...13

Sumário

Língua, poesia e música em Cecília Meireles...15 Albano Martins (Universidade Fernando Pessoa, Portugal)

Questões de globalização e lusofonia...21 Anna Hatherly (Universidade de Lisboa, Portugal)

D. Francisco Manuel de Melo no Teatro da Língua Portuguesa...33 Evelina Verdelho (Universidade de Coimbra, Portugal)

Da construção lingüística da identidade. Um estudo de caso...61 João Nuno Paixão Corrêa Cardoso (Universidade de Coimbra, Portugal) Sintaxe camoniana: “Na qual quando imagina.”...73 Jorge Morais Barbosa (Universidade de Coimbra, Portugal)

Os estudos vicentinos: balanço e perspectivas...81 José Augusto Cardoso Bernardes (Universidade de Coimbra, Portugal) Em defesa da Língua Portuguesa...91 Leodegário A. de Azevedo Filho (UERJ e UFRJ)

A Lusitania liberata ou A Restauração portuguesa em imagens ...95 Lilian Pestre de Almeida (Universidade Independente, Lisboa) A Língua Espanhola e a sua função na obra catequética no Brasil...111 Nicolás Extremera Tapia (Universidade de Granada)

O primitivismo literário de influência brasileira na poesia de Angola...133 Salvato Trigo (Universidade Fernando Pessoa)

O léxico arcaico na história da Língua Portuguesa...143 Telmo Verdelho (Universidade de Aveiro, Portugal)

Tradução literária e comunicação cultural: o Português do Brasil em Espanha...149 Xosé Manuel Dasilva Fernández (Universidade de Vigo, Espanha)

(4)

PARTE II

COMUNICAÇÕES ESPECIAIS...167

Análise contrastiva da variedade da Língua Portuguesa no Brasil e em Portugal...169 Alessandra Dias Gervasoni (Universidade de Assis, SP)

José de Alencar e a língua nacional...177 Ana Lúcia de Sousa Henriques (UERJ)

Duarte Nunes do Lião e a saudade do latim...185 Antônio Martins de Araujo (ABF e UFRJ)

Língua e História do Brasil seiscentista em um manuscrito lusitano ...197 Carla da Penha Bernardo (UFRJ)

Os utensílios de cozinha: português europeu do séc. XVI em confronto com o português do Brasil no séc. atual...207 Celina Márcia Abbade (UNEB/PPGL - UNBa)

É uma Língua Portuguesa, com certeza...217 Claúdio Cezar Henriques (ABF e UERJ)

Qual é a “língua brasileira” a se aprender na escola?...221 Darcília Simões (UERJ)

A defesa da fé no púlpito transdisciplinar...227 Geysa Silva (UFJF)

A indeterminação do sujeito no falar culto do Rio de Janeiro...235 Hilma Ranauro (ABF e UFF)

As linguagens de Fernando Pessoa e Manoel de Barros...251 Isaac Newton Almeida Ramos

Edição diplomática de Gregório de Matos Guerra...261 José Pereira da Silva (ABF e UERJ)

Os sufixos tupi tyba ou tüba identificados com o sufixo português al...267 Luís César Saraiva Feijó (ABF e UERJ)

A Língua Portuguesa no Brasil: papel dos gramáticos na sua implantação (participação em mesa-redonda)...271 Manuel Pinto Ribeiro (ABF e UERJ)

Clarice Lispector e Maria Gabriela Ilansol: tentativas de descrever sutilezas ou como dobrar a língua...281 Maria de Lourdes Soares (UFRJ)

Um olhar sobre O memorial do convento - Saramago, primeiro Prêmio Nobel da Língua Portuguesa...293 Marina Machado Rodrigues (UERJ e ABF)

Tupinismos, africanismos, asiaticismos e o Dicionário Houaiss de

Língua Portuguesa...303

Mauro Vilar (ABF e IAH)

Confrontos entre o Tupi antigo e a Língua Portuguesa...317 Nataniel dos Santos Gomes (UFRJ e SUAM)

(5)

A língua literária do Brasil no século XX e sua formação...329 Paulo Silva de Araújo (ABF e Unesa)

A Língua Portuguesa no Brasil: papel dos gramáticos na sua implantação (participação em mesa-redonda)...341 Walmírio Macedo (ABF e USU)

Língua culta e língua literária...347 Walmírio Macedo (ABF e USU)

PARTE III

COMUNICAÇÕES LIVRES (Resumos)...353

Isoglossas do português...355 Afrânio da Silva Garcia (UERJ-FFP)

O contorno semântico-sintático dos adjetivos em “O coruja” de Aluísio de Azevedo...355 Afrânio da Silva Garcia (UERJ-FFP)

Intertextualidade como característica da língua literária machadiana ...355 Alexandre Marcelo Matos (UFJF)

A cidade na obra de Lima Barreto e Almada Negreiros...356 Ângela Maria Thereza Lopes (UniverCidade – Univers. de Sá)

As figuras femininas em A geração da utopia de Pepetela...356 Assunção Maria Sousa e Silva (UFRJ)

O ‘sociolingüista’ Mário de Andrade e o problema da língua brasileira ...357 Carlos Alexandre Victorio Gonçalves (UFRJ)

História externa do português do Brasil...357 Castelar de Carvalho (ABF e UFRJ)

Diálogo entre tradições: uma leitura de “A cartomante” de Machado de Assis...357 Cecília de Macedo Garcez (UFJF)

O fim de Arsênio Goddard de João do Rio: o destino de um voluntarioso

Cláudio de Sá Capuano (UFRJ e CMRJ)...358 Os caminhos da memória. Esquecer e lembrar. Uma leitura de Baú de

ossos de Pedro Nava...358

Cristina Ribeiro Villaça (UFJF)

Texturas da narrativa de Autran Dourado...359 Irene Jeanete L. Gilberto (Univers. Católica de Santos)

Neologismos formados por empréstimos na Língua Portuguesa escrita contemporânea do Brasil...359 Isabel Aparecida S. Stamato (PG- FCL – UNESP)

O português do Brasil: a língua de Alencar ...359 Jorge Marques (UFRJ e CMRJ)

(6)

A trajetória da Língua Portuguesa na Amazônia colonial...360 José Ribamar Bessa (UERJ)

A produtividade de alguns processos formadores de palavra na consti-tuição do vocabulário de pescadores artesanais...360 Kátia Carlos Alves/ Nelson Carlos Tavares Junior/Vanessa Sant’Anna Tavares (UFRJ)

Murilo Mendes e as rasuras na religiosidade...361 Mara Conceição Vieira de Oliveira (UFJF)

A defesa da Língua Portuguesa e do império lusitano nos primeiros gramáticos e em António Ferreira...361 Márcia Maria de Arruda Franco (UFOP – CNPq)

Jeitinho brasileiro. A expressão idiomática no português do Brasil: uma contribuição para o léxico da língua...361 Maria Auxiliadora Fonseca Leal (FALE – UFMG)

As duas faces da cidade na prosa ficcional de João do Rio...362 Mariângela Monsores Furtado Capuano (UERJ)

A reinvenção do infinito: mundos imaginados e imaginários em A idade

do serrote, de Murilo Mendes...363

Maria Perla Araújo Morais (UFMG)

A onomástica indígena no português do Brasil: confrontos lingüísticos e interétnicos...363 Maria Vicentina de Paula do Amaral Dick (USP)

A linguagem do poder e o poder da linguagem: Lima Barreto e a Língua Portuguesa...364 Maurício Pedro da Silva (USP)

O (não) lugar de Portugal na formação de Murilo Mendes...364 Patrícia Riberto Lopes (UFJF)

O duplo destronizado e a devoração simbólica – a antropofagia como revisão canônica em um conto de Rubem Fonseca...364 Petra Cristina Augusto (UFJF)

Fatores externos na formação do léxico português da América: os ele-mentos indígenas e afro-negros...365 Ruy Magalhães de Araújo (UERJ- FFP)

Entre o segredo da Jurema e a perdida muiraquitã: uma busca da iden-tidade nacional...365 Tatiana Alves Soares (UFRJ)

A linguagem literária machadiana e a reescritura da tradição...366 Terezinha Vânia Zimbrão da Silva (UFJF)

PARTE IV

MINICURSOS...367

1 - “Edição crítica da lírica de Camões”, com as participações de Álva-ro de Sá (ABF); Marina Machado Rodrigues (UERJ) e Xosé Manuel Dasilva Fernández (Universidade de Vigo, Espanha)...369

(7)

A – O corpus minimum (Xosé Manuel Dasilva Fernández)

Lírica de Camões: problemas afetos à autoria e reconstituição textual – Tentativas anteriores de estabelecimento de um corpus lírico camoniano - Metodologia concebida por Emmanuel Pereira Filho – Os critérios empregados por Leodegário A. de Azevedo Filho – A crítica textual: ferramenta fundamental para o estabelecimento crítico dos textos – O corpus minimum camoniano, segundo edição crítica de Leodegário A. de Azevedo Filho.

B – O corpus addititium (Marina Machado Rodrigues)

Conceito de corpus addititium - Critérios propostos por Leodegário A. de Azevedo Filho – Aplicação dos critérios aos textos excluídos. 2 - “Unidade do português literário no mundo lusofônico de Portugal, Brasil e nações africanas de Língua Portuguesa”, com as participa-ções de Pedro Lyra (UFRJ); Carmen Lúcia Tindó Secco (UFRJ) e Nadiá Paulo Ferreira (UERJ).

(8)

Realizou-se, no período de 26 a 30 de julho de 1999, o

Congres-so Internacional-Brasil: 500 Anos de Língua Portuguesa, no

Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

1 – Participação de professores estrangeiros

Participaram do Congresso os seguintes professores vindos do exterior:

1.1 - Prof. Dr. Eugenio Coseriu, da Universidade de Tübingen, Alemanha, que falou sobre “Língua Portuguesa e exemplaridade brasileira”;

1.2 - Prof. Dr. Fernando Alves Cristóvão, da Universidade de Lisboa, Portugal, que falou sobre “Unidade e diversidade da Lín-gua Portuguesa na hora da globalização”;

1.3 - Prof. Dr. Telmo Verdelho, da Universidade de Aveiro, Portugal, que falou sobre “O português quinhentista”;

1.4 - Profª Drª Evelina Verdelho, da Universidade de Coimbra, Portugal, que falou sobre “O português quinhentista”;

1.5 - Prof. Dr. Jorge Morais Barbosa, da Universidade de Coimbra, Portugal, que falou sobre “O português quinhentista”;

1.6 - Prof. Dr. José Carlos Seabra Pereira, da Universidade de Coimbra, que falou sobre “A redescoberta do Brasil pelo ima-ginário neo-romântico”;

1.7 - Prof. Dr. Nicolás Extremera Tapia, da Universidade de Granada, Espanha, foi debatedor em mesa-redonda que tratou do tema proposto pela conferencista Yonne Leite, do Museu Nacional e da UFRJ, sobre “As línguas indígenas brasileiras” e a Grammatica

da lingoa mais falada na costa do Brasil, do Padre José de

Anchieta. Em outra sessão, já como conferencista, expôs as suas

Apresentação

(9)

conclusões sobre recente investigação feita em torno da língua dos catecismos usadas no Brasil quinhentista;

1.8 - Prof. Dr. José Augusto Cardoso Bernardes, da Universi-dade de Coimbra, Portugal, que falou sobre “Os estudos vicentinos: balanço e perspectivas”;

1.9 - Profª Drª Anna Hatterly, da Universidade de Lisboa, que falou sobre “A questão da lusofonia”;

1.10 - Prof. Dr. Xosé Manuel Dasilva Fernández, da Universi-dade de Vigo, Galiza, que falou sobre “Tradução literária e comuni-cação cultural: o português do Brasil na Espanha”;

1.11 - Prof. Dr. Albano Martins, da Universidade Fernando Pes-soa, Porto, Portugal, que falou sobre a “Língua, poesia e música em Cecília Meireles”;

1.12 - Prof. Dr. Salvato Trigo, da Universidade Fernando Pes-soa, Porto, Portugal, que falou sobre “O português em África”;

1.13 - Prof. Dr. João Nuno Paixão Corrêa Cardoso, da Universi-dade de Coimbra, Portugal, que falou sobre “A construção lingüística da identidade”

2 – Participação de professores brasileiros

Em seguida, relacionaremos a participação de professores bra-sileiros, indicando temas de conferências e mesas-redondas:

2.1 - Conferência sobre a “Língua histórica portuguesa e exemplaridade brasileira”com as participações de Cilene da Cu-nha Pereira (ABF e UFRJ), Castelar de Carvalho (ABF e UFRJ) e Evanildo Bechara (ABF e UERJ);

2.2 - Conferência sobre “As línguas indígenas brasileiras e a

Grammatica da lingoa mais usada na costa do Brasil, do

pa-dre José de Anchieta”, de Yonne Leite (do Museu Nacional e da UFRJ), com a participação de Ricardo Cavaliere (ABF e UFF); 2.3 - Mesa-Redonda sobre “A contribuição das línguas indíge-nas e africaindíge-nas para o enriquecimento do léxico do português do Brasil” com as participações de Horácio Rolim de Freitas (ABF e UERJ), Luís César Saraiva Feijó (ABF e UERJ) e Mauro Vilar (IAH);

2.4 - Conferências sobre “A Língua Portuguesa no Brasil: papel dos gramáticos na sua implantação” com as participações de Evanildo Bechara (ABF e UERJ), Manuel Pinto Ribeiro (ABF e UERJ) e Walmírio Macedo (ABF e USU);

(10)

2.5 - Mesa-Redonda sobre “A formação da língua literária no Brasil” com as participações de Domício Proença Filho (ABF e UFF), Gilberto Mendonça Teles (ABF e PUC) e Ildásio Tavares (UFBa); 2.6 - Conferência sobre “Tradução literária e comunicação cul-tural: o português do Brasil na Espanha”, com as participações de Helena Ferreira (UFRJ), Maria Lúcia Aragão (UFRJ), Ivany Lessa Baptista de Oliveira (SBLL) e Maria Leny H.S. de Almeida (UERJ); 2.7 - Mesa-Redonda sobre “O português do Brasil - sua implan-tação e sua oficialização como língua nacional”, com as participa-ções de Claúdio Cezar Henriques (ABF e UERJ), André Valente (UERJ), José Carlos Azeredo (UERJ) e Darcília Simões (UERJ); 2.8 - Conferência sobre “Palavra de poeta – Cabo Verde e Angola” proferida pela escritora e jornalista Denira Rozário;

2.9 - Conferência sobre “Escrevendo ainda em Latim no séc.XVII e defendendo Portugal por imagem”, proferida por Lílian Pestre de Almeida (Lisboa, Portugal);

2.10 - Conferência sobre “Unidade e diversidade da Língua Portuguesa na hora da globalização”, com as participações de Eneida Monteiro Bonfim (ABF e PUC); Horácio Rolim de Freitas (ABF e UERJ) e Rosalvo do Vale (ABF e UFF);

2.11 - Mesa-Redonda sobre “A língua literária moderna” com as participações de Dalma Nascimento (UFRJ); Marcus Accioly (UFPe) e Pedro Lyra (UFRJ);

2.12 - Conferência sobre “

Em defesa da Língua Portuguesa

”, por Leodegário A. de Azevedo Filho.

Minicursos

1 - “Edição crítica da lírica de Camões”, com as participações de Álvaro de Sá (ABF); Marina Machado Rodrigues (UERJ) e Xosé Manuel Dasilva Fernández (Universidade de Vigo, Espanha); 2 - “Unidade do português literário no mundo lusofônico de Portugal, Brasil e Nações Africanas de Língua Portuguesa”, com as participações de Pedro Lyra (UFRJ); Carmen Lúcia Tindó Secco (UFRJ) e Nadiá Paulo Ferreira (UERJ).

Em síntese, o Congresso pôs em discussão, de um lado, o pro-blema do transplante e da implantação do português como língua nacional do Brasil, analisando o uso da língua geral no séc. XVI e o gradativo triunfo da Língua Portuguesa através do bilingüismo

(11)

do séc. XVII e da sua definitiva implantação no séc. XVIII. A partir do séc. XIX, a elite intelectual brasileira assumiu como dela a Língua Portuguesa, surgindo então várias polêmicas entre por-tugueses e brasileiros. Conclusivamente, a língua é a mesma en-quanto sistema, apresentando naturais variações de norma e uso, não apenas entre Portugal e Brasil, mas em todo o mundo lusofônico. De outro lado, o Congresso analisou a formação da língua literária no Brasil, desde o séc. XVI, quando a obra de Anchieta se incluiu dentro dos postulados da estética jesuítica, re-cebendo os influxos ideológicos do Concílio de Trento, em sua expressão pré-barroca. No séc. XVII, com Gregório de Matos e Vieira, o Barroco atingiu a sua plenitude, estendendo-se ainda pelo séc. XVIII, em que floresceu o Arcadismo com os poetas do grupo mineiro. No séc. XIX, a língua literária do Brasil estava plenamente constituída, como se pode ver nas obras literárias dos românticos, realistas e simbolistas. Afinal, no séc. XX, a partir da Semana de Arte Moderna de 22, a literatura brasileira tornou-se uma das mais expressivas do mundo lusofônico.

Com a publicação das Atas do Congresso, que serão enviadas aos órgãos patrocinadores, melhor se poderá avaliar a qualifica-ção científica das conferências proferidas e dos temas discutidos em mesas-redondas e em sessões de Comunicações livres.

Em anexo, remetemos ainda a programação das sessões de Comunicações, indicando os nomes dos participantes e os temas das mesmas, com a observação de que também serão selecionadas e inseridas nas Atas, ampliando-se assim os benefícios culturais do Congresso Internacional – Brasil: 500 Anos de Língua

Portuguesa.

Por fim, de acordo com o Regulamento do Congresso, por todos aprovado, aqui se publicam apenas os textos entregues à Comissão Organizadora, com disquetes, dentro do prazo es-tabelecido.

Leodegário A. de Azevedo Filho Presidente

(12)

Conferências

(13)

... palavras, que estranha potência, a vossa!

Cecília Meireles, Romanceiro da Inconfidência

Há um poema de Cecília Meireles que me persegue há cinqüenta anos. Vem no seu livro Viagem, de 1939, e os seus quatro primeiros versos dizem assim:

Pus o meu sonho num navio e o navio em cima do mar;

- depois, abri o mar com as mãos, para o meu sonho naufragar.

Porque me persegue ele, o poema? Não sei. Tenho-o no ouvido, onde ressoa em surdina, e sei, isso sim, que lá irá con-tinuar, fazendo companhia a outros que ali um dia também en-traram, para não mais sair. Este, por exemplo:

Senhora, partem tão tristes meus olhos por vós, meu bem, que nunca tão tristes vistes outros nenhuns por ninguém.

Ao seu poema chamou Cecília “Canção”. Este, cujo mote acabo de evocar, é uma “cantiga”, e o seu autor, João Roiz de

Língua, poesia e

música em Cecília Meireles

(14)

Castelo Branco, um dos poetas recolhidos por Garcia de Resende no seu Cancioneiro Geral, lá por alturas de Quinhentos, quando a Língua Portuguesa atravessava os mares, levada no bojo das naus – dos navios –, como o sonho de Cecília. Mas se a este, por vontade do poeta, o engoliram as “ondas entreabertas” por suas mãos, a língua, essa, aportou aqui triunfante, bebeu o sumo dos frutos tropicais, mergulhou raízes no húmus estuante de seiva, tor-nou-se “vaga música”, abriu as vogais, suavizou as consoantes, fez-se imperatriz na toada dolente do chorinho, congonha no bule dos dias iguais, vinho anestesiante das noites cálidas do luar serta-nejo, grito de Ipiranga, rosa e ametista.

É dessa “vaga música”, dessa suavidade, desse vinho perturbante, do perfume dessa rosa e do brilho dessa ametista que é feita a poesia de Cecília, que são feitas as suas “canções” – título de um sem número de poemas avulsos e de um emblemático livro seu. E esta palavra “canção”, a que os tempos da demanda petrarquista haviam de emprestar novas feições, novos ritmos, no-vos conteúdos e respiração mais dilatada, logo remete para as ori-gens da língua literária, para a jubilosa atmosfera das “flores do verde pino” ou para as “ondas do mar de Vigo”, a que o poeta de

Mar Absoluto sempre se manterá ligado pelo ritmo escandido dos

seus versos brandos. Canção, e canto, e música interligados num novelo de rimas, de ritmos e de sons, ora vindos do corpo redondo dos alaúdes, ora do afilado perfil das flautas, ora dos cravos e das clarinetas que por ali andam urdindo a sua teia sonora, num compas-so de valsa lenta e suavíssimos adágios.

É essa a língua primeva de Cecília: a dos Cancioneiros. Os medievais, os das cantigas de amigo e de amor, e o de Garcia de Resende. Mas é também a do romanceiro popular português, como claramente deixam perceber o seu Romanceiro da

Inconfidên-cia e alguns romances ou rimances que também escreveu e

avul-samente publicou.

Volto ao poema. Para dizer que sei, afinal, donde vem o seu fascínio. Vem do ritmo, do seu compasso lento, das cesuras e, também, dos seus timbres vocálicos. Diz Amorim de Carvalho, no seu Tratado

de Versificação Portuguesa, que o octossílabo (e octossílabos são

os versos do poema de Cecília) “tem uma toada própria lânguida, mole, vagarosa e dolente”; que os seus acentos rítmicos recaem, umas vezes, na 4ª e 8ª sílabas; outras, na 2ª, 4ª, 6ª e 8ª, caso em que o seu andamento se torna mais vagaroso. Não conheceu Amorim de Carvalho o poema de Cecília. Conhecendo-o, teria emendado a

(15)

afirmação, ou tê-la-ia completado, ao menos, acrescentando que a norma por si enunciada pode admitir desvios, aceitar variantes. Repare-se no segundo verso:”e o navio em cima do mar”. Aqui, as tónicas dominantes são a 3ª, 5ª e 8ª sílabas. E há, no mesmo poema, um verso – este: “colore as areias desertas” – em que eles, os acentos rítmicos, recaem na 2ª, na 5ª e na 8ª sílabas. Donde se infere que o maior vagar e dolência do octossílabo podem também resultar da sua maior variedade rítmica. Como naquele verso – nem sáfico nem heróico – de Camilo Pessanha – “aridez de sucessivos desertos” –, cuja acentuação (com as tónicas dominantes na 3ª e 7ª sílabas) se furta visivelmente às normas estabelecidas pelos tratadistas para o verso decassilábico. Veja-se como, com tais acentos, ambos os versos ondulam. O de Cecília: lo rei ser co re ( as a as de ( tas ) (

- /

- /

- / ) O de Pessanha:

dez ssi ser

ari de suce vos de (tos) (

- /

∪ ∪

- /

- / )

No primeiro, o ritmo iâmbico volve-se em dactílico por exce-lência. E é também dactílico, no essencial, o verso de Camilo Pessanha, onde a introdução do péon IV no segundo pé ( ∪∪∪ -) parece dilatar ad infinitum a extensão (a aridez) dos “sucessivos desertos”. E esta é a prova – mais uma, e prova bastante – de que, em matéria de poesia, são os poetas quem, em definitivo, estabelece as normas, não os tratadistas.

Mas falei dos timbres. É que também eles concorrem decisi-vamente para a música apetecida que os versos engendram. Aí os temos: a tónica final do primeiro verso, que contém a vogal fechada i (“Pus o meu sonho num navio”) ecoa duas vezes no segundo (“e o navio em cima do mar”) e também no terceiro (“depois, abri o mar com as mãos”). As rimas em i (neste caso, internas) são, como é sabido, uma constante nas cantigas de amigo (“Ai flores, ai flores do verde pino, / se sabedes novas do meu amigo...”; “Ondas do mar de

(16)

Vigo, / se vistes meu amigo...”), onde alternam, como também é sabido e notório, com as rimas em a. Aí as temos, na primeira quadra do poema de Cecília, onde o substantivo mar, do final do segundo verso, entra em consonância com o infinito naufragar, do quarto. E, como se tal não bastasse, o mar do segundo verso é recuperado no terceiro, numa espécie de leixa-pren, e a sua vogal repercute-se, como um eco, na palavra “água”, sempre sabiamente colocada a meio dos versos (“debaixo da água vai morrendo”; “praia lisa, águas ordenadas”), lá onde o tom sobe ou se encrespa, como a crista duma onda, que logo se quebra, desamparada, nas “areias desertas”. E de leixa-pren poderíamos falar ainda a propósito de navio e

sonho, que são, juntamente com mar, as palavras-chave da

semântica do poema. Navio e sonho que, em repetidas variações sobre o mesmo tema, como leit-motiv ou em jeito de estribilho, reaparecerão em outros, vários, momentos do poema. Antes que o “navio chegue ao fundo” e o “sonho desapareça”.

As rimas em i e em a, dizíamos. E são elas que de novo irrompem em pontos fulcrais do poema. As primeiras, nesta qua-dra, situada a meio:

O vento vem vindo de longe, a noite se curva de frio; debaixo da água vai morrendo meu sonho, dentro de um navio.

As segundas, no seu remate:

Depois tudo estará perfeito: praia lisa, águas ordenadas, meus olhos secos como pedras e as minhas duas mãos quebradas.

Entre parênteses, faria notar que são as rimas em i que dão o timbre mais saliente à “cantiga” de João Roiz de Castelo Branco atrás aludida, e as rimas em a as mais constantes no romanceiro popular português. Quem não se lembra do início da “Nau Catrineta”?:

Lá vem a nau catrineta, que tem muito que contar. Ouvi agora, senhores, uma história de pasmar.

(17)

Poesia em mi, em si, em fá e em lá, isto é, poesia e músi-ca harmonizadas na escrita rendilhada de Cecília Meireles. Música de clavicórdio, instrumento antigo, e de harpa eólica (“O vento vem vindo de longe, / a noite se curva de frio...” – note-se a explosão das fricativas, a sugerir o continuado sus-surro da aragem). Ou, se preferirem, a língua elevada à sua mais alta expressão musical. Terá sido a consciência de tais valores – os valores musicais da língua -, tanto como a da sua irresistível energia comunicativa, que levou Cecília a escrever, no “Romance LIII ou das palavras aéreas”, do seu Romanceiro

da Inconfidência:

... palavras, que estranha potência a vossa! Todo o sentido da vida

principia à vossa porta; o mel do amor cristaliza seu perfume em vossa rosa; sois o sonho e sois a audácia...

Palavras. Sonho e rosa. Uma rosa de sílabas “aéreas”, per-fumadas. Uma canção. Todo o canto e toda a música no timbre de algumas vogais. Do i, sobretudo. Porque é em i que “ o mel do amor cristaliza”. Porque é lá, no amor, que o “sentido da vida principia”. E eis como, deste modo, a frase do Génesis “Ao princí-pio era o verbo” ganha novo significado. Este: ao princíprincí-pio era o i. O i de Cecília. O i de poesia. E, enfim, o i de Brasil.

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Em primeiro lugar, desejo expressar a minha satisfação por me encontrar mais uma vez nesta cidade maravilhosa que sempre me encantou e onde sempre fui tratada com tanto carinho. Agradeço ao meu querido amigo Leodegário de Azevedo Filho e aos organizadores deste Congresso o convite para estar aqui convosco. Apesar de a Lingüística não ser a área da minha especialida-de, esta não é a primeira vez que me encontro no meio de mestres da Lingüística: lembro-me bem de ter participado no 1º Congresso de Lingüística que, em 1979, se realizou em João Pessoa, e que foi para mim um Encontro a muitos títulos memorável.

Vinte anos depois, aqui estou, novamente num Congresso de Lingüística, mas como sou apenas escritora e professora de litera-tura, vão-me perdoar se, no meu pequeno texto, eu ficar dentro do meu terreno, tanto mais que a literatura, que é uma das áreas privilegiadas de funcionamento duma língua, me permite abordar a questão da lusofonia, que é aonde eu quero chegar.

Recentemente, no passado mês de Junho, estive em Varsó-via, para participar no 66º Congresso do P.E.N. Club Internacional, que este ano se realizou na Polônia. O tema do Congresso era Farewell to the XXth Century – uma despedida do século – mas o sub-tema que mais se debatia era o problema da globalização, que, sendo na origem, de ordem econômica na Europa, mas tam-bém em todo o mundo, se projecta duramente na área da cultura. O conceito de global village prenunciado por Marshall Macluhan há mais de duas décadas, começa agora a tomar forma de um modo generalizado.

Devo dizer que além de ser membro da direcção do P.E.N.

Questões de globalização e lusofonia

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Club Português, há muito que também sou membro da direcção do pelouro para os direitos lingüísticos no P.E.N. Club Internacio-nal, e por isso a minha ligação com as questões lingüísticas tem sido uma das áreas do meu interesse.

Voltando ao Congresso de Varsóvia, o que preocupava os congressistas do P.E.N Club, europeus, americanos do norte e do sul, africanos e asiáticos, uma vez que se tratava de uma repre-sentação de intelectuais de todo o mundo, o que os preocupava estava equacionado nos dois temas que foram propostos para de-bate e eram os seguintes:

1º - Quais os efeitos da globalização ante a singularidade do escritor?

2º - Qual o papel do escritor no próximo milênio?

Estes dois temas já haviam sido discutidos num Encontro In-ternacional de Escritores do P.E.N. que se realizara em Bled, na Yugoslávia, no mês de Maio. O que se passou em Varsóvia, foi, portanto, um prolongamento desse debate.

Eu não estive nesse encontro de Bled, mas li atentamente as

Actas e, quando chegou minha vez de entrar no debate em

Varsó-via, apresentei um texto de que vos darei aqui uma breve súmula. Assim, voltando à questão inicial da globalização que tanto preocupa os intelectuais, especialmente os de países de línguas minoritárias que, em geral, correspondem a economias deficitárias ou em desenvolvimento, o que se pôde concluir destes debates foi que o processo de globalização, que agora ameaça as erradamente chamadas “pequenas literaturas nacionais”, que representam por vezes, culturas longamente individualizadas, esse processo há muito que tem estado em discussão porque, agora como antes, o que verdadeiramente está em questão é o problema da sobrevivência: sobrevivência duma individualidade, sobrevivência duma ideia de cultura, sobrevivência do todo um mundo de expressão e criatividade própria, num contexto em que o domínio duma força econômica, a que agora chamamos globalização, é uma velha ameaça. O que mudou é que essa ameaça atinge agora mesmo países e culturas secularmente importantes que, hoje em dia, em termos de números de falantes, se encontram de repente no número das línguas minoritárias, como exemplo, a Alemanha.

Quanto à necessidade de afirmação de singularidade por parte do escritor, agora mais do que nunca confrontado com o processo de globalização, esse confronto estende-se agudamente às

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litera-turas e às cullitera-turas nacionais, e a das em línguas minoritárias, con-frontadas com os padrões de consumo das áreas culturalmente dominantes.

Perante esta situação que, na Europa e no mundo, diz respei-to a um grande número de países com culturas tradicionais com séculos de existência, quesurgiram várias perturbantes perguntas, como por exemplo:

1) - Poderá acaso o romântico conceito de escritor como

out-sider, ou a defesa de uma cultura marginal, sobreviver num

mundo dominado pelo processo de globalização, a qual, para citar uma definição oferecida pela Internet, que aqui traduzo, “é um meio para se atingir altos níveis de produtividade, eficiência e se-gurança, penetrando as forças do mercado e os ciclos económicos à escala mundial”?

2) - Poderá acaso o velho conceito de literatura como merca-doria espiritual (ou Ropicapnefma segundo lhe chamou João de Barros no século XVI) poderá acaso esse velho conceito sobrevi-ver num mundo dominado pelos interesses económicos que fazem dos assuntos culturais uma indústria como qualquer outra?

3) - Qual é o lugar do talento individual num contexto que tende a nivelar as diferenças, tantas vezes pelo baixo, submetendo tudo aos padrões ditados pelos valores das sociedades antes dominantes e suas dominantes línguas?

A estas prementes questões as tentativas de resposta gera-ram logo debates, que aqui não tenho tempo de relatar, mas que poderemos aqui re-iniciar, se for vosso desejo.O que posso infor-mar é que, dos importantes debates que ocorreram tanto em Bled como em Varsóvia, uma das principais conclusões a que se che-gou foi que, curiosamente, ou talvez significativamente, aquilo a que o processo de globalização em curso tem dado origem, nos países e nas culturas de línguas minoritárias mais atentos, é uma intensificação das diferenças culturais, literárias e lingüísticas que reafirmam – ou pelo menos tentam reafirmar – uma diferencia-ção, surgindo essa diferenciação como a resposta natural à ame-aça da normalização, da standardização, do nivelamento das cul-turas personalizadas, que põem em perigo a diversidade, que é uma regra natural do processo de sobrevivência.

Quando, nesse debate internacional, chegou a minha vez de falar, o exemplo que eu dei, como não podia deixar do ser, foi precisamente o da lusofonia.

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Como todos sabem, sendo a Língua Portuguesa uma língua minoritária na Europa, à escala mundial é uma língua com um importante número de falantes, mas isso só acontece no conjunto da lusofonia, que se caracteriza, precisamente, pela afirmação duma convivência apoiada numa diferenciação harmoniosa. Esse é o prodígio (talvez momentâneo) que se verifica no mundo da Língua Portuguesa, e que evidencia a enorme ductibilidade dum idioma em que diferentes culturas se apoiam para se afirmarem individualmente, constituindo uma experiência multicultural em que as diferenças, até agora, têm sido uma vantagem, e não uma desvantagem.

Esse é o prodígio da lusofonia que, perante a ameaça de globalização, consegue manter uma forma de coexistência das dife-renças num harmonioso plural, num todo sinfônico, em que o talento individual e as culturas individuais contribuem umas para as outras sem se contradizerem.

E se, como já tem sido dito, a literatura surge como o local da plenitude da língua, e não a literatura da lusofonia, explorando na simultaneidade o mundo da diferença, no seu conjunto será uma ilustrativa manifestação do alcance da criatividade individual num conjunto de pluralidades.

E então pergunto:

1) Não será acaso tarefa do pensamento criador tentar a exploraçãodo mundo da diferença?

2) A criatividade, a todos os níveis, não será acaso a expres-são duma procura da secreta relaçãoque existe entre o homem e o mundo, destinada a promover imaginativamente a compreen-são do outro?

O exemplo da lusofonia surge, assim, como algo que se atin-ge através duma compreensão da unidade superior da língua portu-guesa, que poderá transformar-se em “uma ponte eterna sobre a corrente dos séculos, como tem sido uma ponte sobre a vastidão do oceano.”1

Dois exemplos recentes da harmoniosa expressão da lusofonia: para além da arreigada competência e dedicação com que no Brasil se estudam os autores portugueses, quero assinalar aqui a recentíssima ediçãoda Antologia da poesia portuguesa

con-temporânea, organizada por Alberto da Costa e Silva e Alexei

Bueno, que inclui dezenas de poetas.2

Também recentemente, em Maio, mas em Portugal, reali-zou-se em Sintra a II Festa da Língua Portuguesa, um encontro de

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poetas da lusofonia, vindos de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. 3

Da participação desses poetas surgiu uma Antologia intitulada

Vozes poéticas da Lusofonia4 que é uma verdadeira sinfonia de

vozes em que as diferenças constituem a sua riqueza, a sua beleza, a sua força individual enriquecida pela convivência.

Para ilustrar esta afirmação vou ler alguns dos poemas inclu-ídos nessa Antologia, que merece um estudo atento porque o que ela exemplifica é uma amostragem de talentos individuais que independem da origem dos seus autores. Desta coletânea de ta-lentos e vozes individuais está excluído o folklore, a exploração mais ou menos primária de realidades culturais distintas. O que aí domina é o mundo da língua ao serviço da expressão individual ainda que não esteja isenta de ideologia.

O que importa é que cada um se sentiu livre para se exprimir e para utilizar uma língua comum como veículo de afirmação per-sonalizada.

Consideremos, portanto, alguns exemplos da criatividade lusofônica numa feliz convivência dentro do âmbito da poesia con-temporânea.

Homo angolensis

Mastiga a própria desgraça com ela improvisa uma farra precisa de uma boa maka como do ar para respirar

acha o mundo demasiado pequeno pró seu coração

ri à toa fornica por disciplina revolucionária

jura que um dia será potência gosta de funje todos os sábados e foge dotrabalho na segunda mas fica limão

quando lhe querem abusar

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O número quatro

O número quatro feito coisa ou a coisa pelo quatro quadrada, seja espaço, quadrúpede, mesa, está racional em suas patas; está plantada, à margem e acima de tudo o que tentar abalá-la, imóvel ao vento, terremotos, no mar maré ou no mar ressaca. Só o tempo que ama o ímpar instável pode contra essa coisa ao passá-la: mas a roda, criatura do tempo, é uma coisa em quatro, desgastada.

Brasil: João Cabral de Melo Neto, p. 78

Ser tigre

O tigre ignora a liberdade do salto, como se uma mola o compelisse a pular. Entre o cio e a cópula,

o tigre não ama. Ele busca a fêmea

como quem procura comida. Sem tempo na alma,

é no presente que o tigre existe. Nenhuma voz lhe fala da morte. O tigre, já velho, dorme e passa.

Cabo Verde: Arménio Vieira, p.116

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Imerecimento

Adormeço Na luz dos teus olhos vejo Veneza que não conheço Ondulo num círculo de ondas de levitação Confesso: não mereço a ternura da gôndola acariciando as águas onda a onda

Guiné-Bissau: Tony Tcheka, p. 133

O nosso medo

Agora

a memória vasculha os quatro cantos da cidade e encasacados os ex-amigos rastejam emaranhados nas raízes subterrâneas do seu medo

e ágeis as suas mãos embraiam reluzentes besoiros que dilaceram as estradas bebendo sequiosos o sangue dos ventos. Vasculha

as ruas

de ponta a ponta a memória

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laboriosa como um insecto e se há mais do que eu digo também o meu medo

encasacado instiga-me ao segredo.

Moçambique: José Craveirinha, p.157

Lá no Água Grande

Lá no “Água Grande” a caminho da roça negritas batem que batem co’a roupa na pe-dra.

Batem e cantam modinhas da terra. Cantam e riem em riso de mofa

histórias contadas, arrastadas pelo vento. Riem alto de rijo, com a roupa na pedra e põem de branco a roupa lavada. As crianças brincam e a água canta. Brincam na água felizes...

Velam no capim um negrito pequenino. E os gemidos cantados das negritas lá do rio ficam mudos lá na hora do regresso... Jazem quedos no regresso para a roça.

S. Tomé e Príncipe: Alda do Espírito Santo, p. 239

O sal da língua

Escuta, escuta: tenho ainda uma coisa a dizer.

Não é importante, eu sei, não vai salvar o mundo, não mudará a vida de ninguém - mas quem

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é hoje capaz de salvar o mundo ou apenas mudar o sentido da vida a alguém?

Escuta-me, não te demoro. É coisa pouca, como a chuvinha que vem vindo devagar.

São três, quatro palavras, pouco mais. Palavras que te quero confiar. Para que não se extinga o seu lume o seu lume breve.

Palavras que muito amei, que talvez ame ainda.

Elas são a casa, o sal da língua.

Portugal: Eugénio de Andrade, p. 195

A fala

Sou de uma Europa de periferia na minha língua há o estilo manuelino cada verso é uma outra geografia aqui vai-se a Camões e é um destino. Velas veleiro vento. E o que se ouvia era sempre na fala o mar e o signo. Gramática de sal e maresia

na minha língua há um marulhar contínuo. Há nela o som do sul o tom da viagem. O azul. O fogo de Santelmo e a tromba de água. E também sol. E també sombra. Verásna minha língua a outra margem. Os símbolos os ritmos os sinais.

E Europa que não mais Mestre não mais.

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Estou aqui Ó Brasil

terra maravilhosa onde cresce a fruta mais gostosa Quero comer quero beber água de coco quero provar fruta de cajá caju capuaçú goiaba abacate abacaxi aruças aracás joá cambois mamão mangava macujé mangará maracujá mapurunga mandacarú pitomba pitanga piquiá ananás umbu mandacaru oitituruba genipapo

As romãs rubicundas, quando abertas à vista agrados são; à língua ofertas*

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Ah!

Há um mundo na língua!

*Manoel Botelho de Oliveira, in A ilha

da Maré (1705).

Notas

1 Cf. Leodegário A. de Azevedo Filho, A língua, portuguesa e a

unidade do Brasil, Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Filologia,1999,

p.22

2 Esta Antologia foi publicada no Rio do Janeiro, pela Editora Nova

Aguilar, em 1999.

3 Infelizmente não foram incluídos poetas da Ásia nem da Oceania,

onde se destaca Xanana Gusmão, de Timor, cuja poesia é regularmente de antologias e recitais em Portugal.

4 Organização do Instituto Camões, de Lisboa, Edição da Câmara

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Entre os numerosos estudos realizados sobre a personalidade e a obra valiosa, vasta e diversificada, em português e espanhol, de D. Francisco Manuel de Melo, contam-se alguns que incidem sobre a sua linguagem, designadamente trabalhos académicos que trou-xeram contributos para o conhecimento do seu estilo. Essa constitui, todavia, uma área de investigação ainda muito em aberto, a solicitar novos estudos de vária ordem. Refiro a propósito que na Universi-dade de Coimbra está a desenvolver-se um projecto de investiga-ção que tem em vista organizar o corpus lexical das obras em Lín-gua Portuguesa do Polígrafo, tanto quanto possível com base em edições fidedignas. Neste ensejo proponho-me focar algumas facetas deste autor manifestadas perante o idioma português, as quais – adoptando expressão modelada pelo universo teatral, à imagem do que se verificou com o próprio D. Francisco Manuel de Melo, no-meadamente no soneto “Mundo he Comedia” (As Musas

portu-guesas, p. 6), e com outros autores de Seiscentos – poderei etiquetar

de espectador, crítico e actor no teatro da Língua Portuguesa. Nas suas obras, quer no discurso de autor, quer nas falas de figuras ou personagens, D. Francisco Manuel de Melo faz não ra-ras referências a aspectos e materiais da Língua Portuguesa. De quando em quando, como que interrompe o fio da narração ou da reflexão, e detém-se em vocábulos, assinalando o significado ou o uso, às vezes apontando o que se verificava no português de épocas anteriores, ou em outras línguas. Entre outros casos, de que um levantamento exaustivo propiciará certamente informações com interesse no âmbito da história da língua, destaco que assim procede com vocábulos que designam categorias sociais, como «dama»,

D. Francisco Manuel de Melo

no Teatro da Língua Portuguesa

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«dona», «senhora» e «fidalgo», em A Visita das fontes, em inter-venção da Fonte Velha, onde está notado que às «(…) Damas e Senhoras (…) antigamente chamavam Donas» (p. 118), e na

Epanáfora política, onde se lê: «Viuia por estes tempos em

Lis-boa hum dos nobres do Reino, de aquella ordem a quem os Portuguezes chamão: Fidalgos, com mais digna recordação que as outras nasções de Espanha, sendolhes a todas vniuersal este nome, não ha muito trocado ao de Caualleiros» (p. 8) (veja-se no final indicação das obras e edições citadas). Também palavras relativas ao comportamento lhe merecem nota, como «despejo», «compostura», «descompostura», e outras. Na Carta de guia de

casados depara-se-nos o seguinte trecho: «Faz grande dano a

maldita palavra que se nos pegou de Castela, a que chamam des-pejo, de que muitas [mulheres] se prezam. E certo que em bom Português, despejo é descompostura» (p. 140). Em A Visita das

fontes, pela voz de duas figuras, Apolo e o Soldado, regista-se que

ao «saber misturar o despejo e a compostura, dando o seu a seu dono» chamam «bizarria» (p. 59).

Em casos como os dos vocábulos acima mencionados, em que as referências extralinguísticas constituíam, no século XVII, maté-ria sensível, designadamente sob o ponto de vista moral, político e social, as observações metalinguísticas surgem geralmente associa-das a observações de outra natureza.

Por vezes o escritor apresenta séries mais ou menos extensas de termos e de expressões, da linguagem comum e de linguagens especiais, sendo notório que essa apresentação tem muito que ver com o comprazimento que D. Francisco Manuel de Melo encontra-va nos próprios materiais linguísticos reunidos. É o que sucede em

Os Relógios falantes, onde aparecem, em fala do Relógio da

Al-deia, os seguintes «modos de dizer» em que entra o vocábulo «hora»: «em boa hora», «em má hora», «ide com as horas más», «vinde com as horas boas», «a hora muito fermosa», «nas horas de Deus», «logo nessas horas», «as horas perentórias», «as horas su-cessivas», «são horas», «a que horas», «a desoras», «fora de ho-ras»» (p. 27). Em A Visita das fontes, o Polígrafo, em fala da Fonte Velha, expõe não escassos termos relativos à arte militar, que aliás lhe deveriam ser familiares, pois prestou serviço na carreira das armas durante largos anos. Veja-se: «(…) combóis, brechas, aproxes, víveres, avançadas e castrametanções (…), cornas, hornaveques, crubeques, golas, francos, lisieres, barbacãs e falsas-bragas (…) esquadrões, serras, grandes fundos, grandes frontes, quadrados de

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gente e de terreno, dobretes, cruzes, cubos e prolongados (…), arreueres, marechais-da-estala, caporal, corneta, dragão, furriéis, quartéis-mestres, grão-preboste» (p. 58). Muitos destes termos são estrangeirismos, comentando-se, após o seu registo, ainda pela boca da Fonte Velha, que aqueles são proferidos «(…) com milhares de vozes estrangeiras que nossos pecados, além dos costumes estran-geiros, nos trouxeram à terra para sua maior corrução que defesa» (pp. 58-59).

Sublinho que uma compilação extraordinária de materiais linguísticos é oferecida pelas Metáforas, ou Feira de anexins. Nessa obra o autor apresenta, através de diálogos, um avultado contingente de metáforas, jogos de palavras, ditos e provérbios. Se-gundo as palavras de Alexandre Herculano, a Feira de anexins «(…) seria quasi um manual para os escriptores dramaticos, princi-palmente do genero comico, que quizessem fazer falar as suas per-sonagens com phrase conveniente, e com as graças e toque proprio da nossa lingua portugueza e do verdadeiro estylo dramatico (…)» (apud ob. cit., p.V).

Conforme se vê pelo que acima fica relevado, as obras de D. Francisco Manuel de Melo mostram-no como observador minucio-so da Língua Portuguesa, sensível a aspectos como a sua riqueza, variedade, mudança e pureza, a convocar o leitor para as particula-ridades e preciosidades que nela detecta e colecciona, enfim, como um espectador do espectáculo do idioma.

O emprego da Língua Portuguesa na escrita cuidada, por parte de poetas e prosadores, que D. Francisco Manuel de Melo menci-ona, é objecto de alguns comentários no Hospital das letras. Aí encontramos, por exemplo, a seguinte opinião expressa pela voz de Lípsio, a propósito das obras de Francisco Rodrigues Lobo: «As de prosa têm perfeitíssima saúde; não há para que lhes pôr mão, por-que foi claro, engenhoso, elegante, grande cortesão e não menor jardineiro da Língua Portuguesa que tosou, poliu e cultivou como bom filho e grato repúblico» (p. 72). Situação semelhante verifica-se em algumas das missivas que subscreveu, nomeadamente nas que correspondem a solicitações de apreciação de composições poéticas. Nelas está patente que o Polígrafo analisou, a par da satis-fação de requisitos específicos da Retórica e Poética, a ortografia, a pontuação e até a letra com que as composições lhe foram apresen-tadas. Leiam-se, por exemplo, as cartas nº 109 e nº 565 do volume

Cartas familiares em que há alguns anos foi reunida e publicada a

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certámen poético» – D. Francisco Manuel de Melo afirma: «De muitas considerações pende a averiguação da preferência entre Poemas contenciosos. Parece-me se podem reducir a quatro cir-cunstâncias. A primeira: que sejam em tudo conformes ao assunto. A segunda: que guardem decoro aos sujeitos propostos. A terceira: que se apropriem ao dialético da língua em que se escrevem. A quarta: que observem boa ortografia» (pp. 143-144). Na carta nº 565 – «Tornando a um amigo poeta um livro de versos que lhe havia dado a ver» – avisa: «Esta noite (e tarde) recebo os quadernos, e poderei logo dar deles alguma razão. A letra é boa mas pouco cas-tigada, e eu proluxíssimo nestas meudezas. Lá se achará V. M. coalhado de pontos e vírgulas» (pp. 539-540).

Os comentários metalinguísticos de D. Francisco Manuel de Melo avultam particularmente em torno da realização da Língua Portuguesa na conversação. Aliás, com o Polígrafo o discurso oral é referenciado (e valorizado) como meio privilegiado de recolha e transmissão de certos saberes – saberes tradicionais, de senso co-mum, de experiências de vida – o que está indiciado nos seus textos, designadamente nos apólogos, por expressões como: «dezia minha avó» (Visita, p. 37), «Dezia um amo» (Visita, p. 37), «disseram os antigos» (Visita, p. 46), «disseram as nossas velhas» (Carta, p. 140). Estas expressões ocorrem tão frequentemente nos escritos do au-tor que ganham foro de traço característico do seu estilo, tal como, por exemplo, os adágios.

Em A Vista das fontes, numa intervenção da Fonte Nova, que de resto suscita o aplauso de outro interlocutor do diálogo, Apolo, preconiza-se que as pessoas se exprimam com simplicidade e natu-ralidade, e censura-se a fala arrebicada que perde em clareza o que presume em subtilezas e requintes, quando aquela figura diz: «Não há cousa como um falar desabotoado, de sorte que as pessoas di-gam tudo quanto lhes faz mister sem pedir outras regras que as que lhe dá a Natureza de mão comum com a necessidade, ocasião e compostura, que a todos em seu modo pertence. Mas, andar falan-do como quem bebe por púcaro penafalan-do ou como a história falan-do Calcinha, que não haveis de dizer sim nem não, é um maldito costu-me» (p. 109; trecho comentado por Giacinto Manuppella, em nota da sua edição do apólogo, pp. 576-577). Aliás, a fala enfatuada, (pseudo)erudita e obscura dos poetas cultos, e a dos gramáticos que se preocupavam com questões pequeninas e irrelevantes, no-meadamente certos pormenores de etimologia, são alvo de crítica em O Fidalgo aprendiz (através da elocução do Mestre das

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Tro-vas e dos comentários que lhe faz D. Gil Cogominho), e, mais de-senvolvida e explicitamente, na Visita. Nesta obra lê-se: «Pelo mes-mo caso que os gramáticos de contino desentranham os idiomas e fazem a varrela, e muitas varrelas, à linguagem, são de contínuo os que pior falam, escrevem e conversam (…)» (p. 110; cf. também pp. 109 e 111).

Em relação à Língua Portuguesa realizada na conversação, são sobremaneira interessantes as observações registadas na

Car-ta e na VisiCar-ta sobre modos de traCar-tamento, em particular os que se

cumprem através das formas pronominais «tu», «vós», «ele», «ela», e de «senhor e «senhora», «dom» (ou) «dona», «mercê», «senhoria » e «excelência». Na primeira obra, D. Francisco Manuel de Melo considera o tratamento entre marido e mulher, aconselhando alguns usos, desaconselhando outros. Veja-se: «O Tu é Castelhano e por mais que eles o achem carinhoso, como lá dizem, é palavra muito de praça e que ao mais não deve de quebrar a menagem da câmara para fora. O Vós é Francês, que com um Vous receberam a mesma Rainha Sabá, se cá tornara. Tenho-o por demasiado vulgar. O Ele e

Ela, um Ouve Senhor, Que diz Senhora, é termo bem Português,

assaz honesto e bem soante» (Carta, p. 177). E continua, não es-quecendo certamente a apropriação abusiva – a despeito de dispo-sições legais que regulavam o seu emprego – das fórmulas que menciona, por pessoas que não tinham elevado estatuto social: «As Senhorias e Excelências, a quem pertencem, gravidade induzem; mas parece um certo modo de esquivança tratar um homem sua mulher como que se o não fora. Fiquem-se para os Príncipes e Reis as Altezas e Majestades (…)» (ibidem). Na segunda obra, pela voz de Apolo, é descrita pormenorizadamente a maneira como, segun-do os ditames da galanteria, as damas e os seus servisegun-dores se trata-vam em três «pontos» ou circunstâncias (que o autor – no seu jeito de se deter em certas palavras – explica serem também chamadas «momentos, partes, ou ocasiões», informando ainda depois que «par-tes» é usado com outro significado, isto é, ‘inimigos’ (Visita, pp. 122 e 126). Essas circunstâncias são: a conversação «em lugares públi-cos diante dos Reis»; entre as damas que passeiam em coche e os galantes que se colocam ao lado; na «cabeça de motes», complexa composição poética, entretecida de perguntas e respostas. Além disso, Apolo indica a forma de tratamento entre as damas e os seus noivos, especialmente segundo a «lei do Paço», quando se acordava o casamento (Visita, pp. 122-127).

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conversacional são apontadas por D. Francisco Manuel de Melo na

Carta, ao expor orientações para a vida familiar, e na Visita, ao

caracterizar e caricaturar alguns tipos da sociedade portuguesa seiscentista, como letrados, militares, fidalgos, gramáticos. Neste apólogo, o autor não desaproveita a oportunidade de deixar um re-paro ao «desvario» «da gente vulgar» diante de palavras como «por-co» e «asno», que evitavam proferir e que não ouviam sem «nojo e melindre» (p. 42) – considerando de caminho, por meio de Apolo, que «os abusos» – por certo os de linguagem – «estão no vulgo introduzidos e se vão já nele metendo como a unha pela carne. Porque abusos e povo são como unha com carne» (p. 43).

Entre as qualidades da elocução advogadas pelo Polígrafo conta-se, no que concerne as mulheres discretas, falar «(…) o necessário, brando, a tempo, com tom que baste para ser ouvida da pessoa a quem fala e não das outras» (Carta, p. 139). Entre as imperfeições verberadas, ainda em relação às mulheres, inclui-se «falar sempre», e falar alto, nomeadamente nas igrejas (ibidem), e, no caso dos homens, a utilização de certas expressões perifrásticas para fazer referência às esposas. Veja-se: «A cousa com que mais atentado sou é uns que dão em nomearem as mulheres por circunlóquios, chamando-lhes ora a minha velha, a minha companheira, a

mi-nha hóspeda, a mimi-nha obrigação, a mãe dos meus filhos, e

cousas assi que, em qualquer tom que sejam ditas, parecem pouco graves e, a meu juízo, indignas de se acharem na boca de nenhum sisudo. A mulher de que o homem se preza e o homem de que a mulher se honra, por que não hão-de ser por seus nomes nomea-dos? Digo delas para eles outro tanto» (Carta, pp. 176-177).

Por quanto fica salientado, D. Francisco Manuel de Melo dife-rencia-se do tipo do «gramaticão», ou seja, daqueles gramáticos do seu tempo que, segundo declara na Visita pela voz da Fonte Velha, se enredavam a discutir «Sobre se um tu ou um eu (…) vem de Grécia ou de Palestina, sem que nisso vá ou venha cousa alga» (p. 109). Poderá dizer-se que o Polígrafo se manifesta como um crítico do desempenho da Língua Portuguesa, pois que usa de saber e sensibilidade para apreciar e julgar a prática do idioma, opinando como deve ou não deve realizar-se, especialmente na conversação, em família e entre pessoas de qualidade. Tendo por base uma sólida e ampla formação, adquirida nos livros e apurada nos círculos aris-tocráticos onde nasceu e se fez espelho de fidalguia e cortesania, com os seus comentários, os seus reparos e as suas orientações, configura uma arte de bem falar, em que não só a correcta e

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infor-mada realização da língua, mas também a urbanidade, as conveni-ências de ordem social e até a moral, estão implicadas, sendo a boa conversação um dos predicados principais de quem pretendesse atingir o ideal do cortesão discreto (caracterizado pelo Prof. José G. Herculano de Carvalho, com fundamento na análise da Corte

na aldeia de Francisco Rodrigues Lobo, no estudo Um Tipo literá-rio e humano do Barroco: o «cortesão discreto», Coimbra, 1963).

É de notar que, embora em várias referências e alusões, o modo como se exprimem as pessoas da Corte e de Lisboa apareça enca-recido, em A Visita das fontes Apolo pronuncia-se pela superiori-dade da linguagem falada em Coimbra, ao afirmar: «(…) os Gregos dividiram seu idioma em quatro classes, das quais era mais sublime, regular e concertada a língua dos Áticos, por cair em seu distrito a Universidade de Atenas que lhe deu nome, e ao mundo todo: como se cá, entre vós, disséssemos se falava mais elegante em Coimbra que em outra parte, não mentiríamos, sendo ali o coração e alma das ciências que se ensinam e aprendem» (p. 110).

Como é sabido, D. Francisco Manuel de Melo escreveu sobre matérias variadas, em diversos géneros de textos. Relanceando de corrida a sua obra, a tal respeito releva-se que, em Língua Portu-guesa, em prosa, registou factos relativos à História em epanáforas e relações (algumas destas concernem o Brasil); que expôs ensinamentos e críticas sobre costumes do tempo, em escritos de pendor pedagógico e moralizante; que tratou de múltiplos negócios pessoais e alheios, em abundante correspondência; que elaborou discursos de circunstância para sessões académicas. Em verso, além de textos de carácter teatral, compôs, entre outras formas poéticas, cartas, églogas, romances, sonetos.

O que importa aqui salientar é que D. Francisco Manuel de Melo, em conformidade com os preceitos retóricos e poéticos em que foi instruído, procurou «em todos seus escritos acomodar sem-pre o estilo com a matéria», como se declara na dedicatória aos leitores da edição de 1651 da Carta de guia de casados (p. 87), assinada pelo impressor Paulo Craesbeeck, a cujo conteúdo porventura não terá sido estranho o Polígrafo. Não faltam de resto referências do escritor a vários estilos em que modalizou a sua ex-pressão. Assim, no Prólogo do Escritório avarento afirma que, requerendo a matéria de que ia tratar «um estilo excelente» da sua «pena já muito alheo», usou «deste nosso modo familiar, amigo e inteligível» (p. 70), e de «comum eloquência» (p. 71). No Hospital

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entre as obras que elaborara, observa que se acha «agora tão bem com estilo corriqueiro», e que faz propósitos «de não tornar ao [es-tilo] majestoso» (p. 99).

Ora, o estilo desse apólogo – «descansado estilo», segundo as palavras da respectiva dedicatória (p. 87) – distingue-se do das

Epanáforas, em cuja escrita eloquente se empenhou, como se

de-duz de vários passos (cf. por exemplo, pp. 354 e 481; veja-se o estudo da Prof.ª Maria Lucília Gonçalves Pires, “Epanáfora trágica: viver e escrever história”, in Xadrez de palavras, Lisboa, 1996, pp. 173-185), e com nenhum deles se identifica o das orações acadé-micas, espessas de elegâncias e ornatos de linguagem. Encontra-se também uma paleta variada de estilos, no volume das suas cartas, em que o familiar se cruza com o solene, o mesmo se podendo dizer de composições em verso que integram as Musas portuguesas, ora graves, ora jocosas.

Alguns editores e comentadores da farsa O Fidalgo

apren-diz consideraram que a fala da figura nuclear, D. Gil Cogominho,

integra formas linguísticas populares, e que com elas D. Francisco Manuel de Melo terá pretendido sublinhar o perfil rústico da figura. Em rigor, a maior parte das formas que foram distinguidas sob tal perspectiva pertencem ao fundo comum linguístico português seiscentista, sendo idênticas a outras que se detectam no próprio discurso do autor, tal como é documentado pelo manuscrito autó-grafo de A Visita das fontes, e não são características ou exclusi-vas da linguagem das pessoas iletradas do povo. Algumas outras, todavia, podem ser classificadas de populares em tal acepção, como, por exemplo, - intés - e - home - ( pp. 59 e 86). Em Os

relógios falantes, o Relógio da Cidade apresenta na sua fala

depois» (p. 11), enquanto na do seu interlocutor aldeão vemos -despois - (ibidem), e - samos - , em vez de - somos - (p.13). Perante estes e outros elementos semelhantes poderá admitir-se que D. Francisco Manuel de Melo teve em vista modalizar a linguagem das figuras ou personagens que tomam voz nas suas obras, em consonância com os estatutos sociais e culturais que lhes atribuiu, mas será necessário, para se avançarem asserções precisas sobre este ponto, dispor-se de estudos minuciosos da linguagem do escritor, que colham fundamentação dos raros autógrafos que dele nos chegaram, onde as formas linguísticas se mostrem tal como saíram da sua mão, e não eventualmente alteradas por interferência de copistas, tipógrafos ou editores.

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cena o nosso idioma sob as máscaras dos vários estilos e, certa-mente, de vários registos sócio-culturais, perante a Língua Portuguesa, além de procedimentos de espectador e crítico, teve ainda o de actor.

Aliás, a metáfora das máscaras serve para aludir ao facto de a linguagem de D. Francisco Manuel de Melo, em muitos passos, e em diversos planos, não se oferecer com transparência à fruição imediata do leitor não filólogo dos nossos dias, em consequência de mudanças que o tempo trouxe ao idioma e às suas referências, e de concepções e técnicas literárias do autor, ao gosto de Seiscentos. Aliás, já em vida, segundo uma vez mais a dedicatória do impressor de 1561 da Carta de guia de casados, foi - reprendido de misteri-oso (ou talvez de escuro) - (p. 87). Desde logo a (orto)grafia seiscentista, com que os textos foram transmitidos por manuscritos e impressos, motiva dificuldades de interpretação, de que destaco as que concernem o valor fónico de grafemas actualmente desusa-dos, o valor semântico-estilístico das maiúsculas, e as funções da pontuação. O significado preciso de muitos dos vocábulos que ocor-rem nas suas obras é hoje de problemática apreensão, havendo numerosos termos que, empregados ou não por outros autores, não recebem esclarecimento de dicionários ou vocabulários antigos, em que não tiveram entrada ou foram insuficientemente tratados. Além disso, interessando-se o Polígrafo por uma arte poética - rara e requintada -, dirigida a leitores não vulgares – como expôs, detida e fundamentadamente, a Prof.ª Maria Lucília Gonçalves Pires, em “As Ideias literárias de D. Francisco Manuel de Melo”, in Xadrez

de palavras, Lisboa, 1996, pp. 41-52 – cultivou com assiduidade

processos de estilo, como elaboradas metáforas e subtis jogos de palavras, que conferem alguma opacidade à sua expressão.

Esperemos que D. Francisco Manuel de Melo, graças à leitura persistente e acurada da sua obra, não venha a ser uma persona-gem esquecida, a assistir na obscuridade do - vestuário - a - tramóias - do teatro da nossa língua. Até porque, além de se nos apresentar como espectador, crítico e actor do espectáculo do idioma, nele alcançou o estatuto de autoridade. Este, porém, tem de ficar como tema para outra visita às suas letras.

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Notas bibliográficas

Obras e edições citadas de D. Francisco Manuel de Melo

Carta de guia de casados. Quadros cronológicos, Introdução,

biblio-grafia selectiva, fixação do texto e notas de Pedro Serra. Braga-Coimbra, Angelus Novus, 1996.

Cartas familiares. Prefácio e notas de Maria da Conceição Morais

Sarmento. Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1981.

Epanáforas de vária história portuguesa (Epanáfora política, Epanáfora trágica, Epanáfora amorosa , Epanáfora bélica, Epanáfora triunfante). Introdução e apêndice documental por Joel Serrão. Lisboa,

Imprensa Nacional-Casa da Moeda, s. d. (reprodução fac-similada da ed. de 1660).

Escritório avarento. In Os relógios falantes e Escritório avarento.

Edição crítica de Maria Judite Fernandes de Miranda. Coimbra, 1968. Sepa-rata da Revista da Universidade de Coimbra, vols. XX-XXI. Ocupa as pp. 69-117.

Feira dos anexins. Edição dirigida e revista por Inocêncio Francisco

da Silva. Lisboa, Livraria A. M. Pereira, 1875.

O Fidalgo aprendiz. Texto estabelecido, introdução e notas de António

Corrêa de Oliveira. 2ª edição, Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1958.

Hospital das letras. In Jean Colomès, Le Dialogue “Hospital das letras” de D. Francisco Manuel de Melo. Texte établi d’ après l’ édition

princeps et les manuscrits, variantes et notes par … . Paris, Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, 1970.

Metáforas, ou Feira de anexins. Ver Feira dos anexins.

As Musas portuguesas (ou As Segundas três musas do Melodino). In Obras métricas. Lyon, Horacio Boessat e George Remeus, 1665. Com

pagi-nação própria.

Os relógios falantes. In Apólogos dialogais, vol. I, Introdução, fixação

do texto e notas de Pedro Serra. Braga, Angelus Novus, 1998, pp. 1-31.

A visita das fontes. In Apólogos dialogais, vol. I, Introdução, fixação

do texto e notas de Pedro Serra. Braga, Angelus Novus, 1998, pp. 33-127. Também reenviamos para nota da edição preparada por Giacinto Manuppella, Coimbra, Por Ordem da Universidade, 1962.

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O tema que me foi proposto, relativo à unidade e diversidade da Língua Portuguesa, aceitei-o de muito bom grado, pois a esta e outras questões afins tenho dedicado boa parte do meu percurso académico.

Proponho-me tratá-lo reflectindo sobre a incidência nas lín-guas, dos fenómenos culturais e sociais que no nosso século condicionaram e condicionam a Língua Portuguesa, nomeadamente o moderníssimo fenómeno da globalização.

Todos sabemos como foi necessário no Brasil, desde José de Alencar e Carlos de Laert, em especial, reivindicarem contra Castilho, Pinheiro Chagas e Camilo, a existência de uma norma brasileira, de um estilo próprio.

Felizmente que tudo se esclareceu fazendo-se justiça tanto à diversidade como à unidade da língua pois não se tratam de duas dinâmicas alternativas, mas complementares.

Na convergência destas duas realidades se tem vivido e con-tinua a viver nos nossos dias, porque a Língua Portuguesa não tem um dono mas vários condóminos que a usam como sua.

Lapidarmente afirmou Celso Cunha, a este propósito: “Che-ga-se assim à evidência de que para a geração actual de brasilei-ros, de cabo-verdianos, angolanos, etc, o português é uma língua tão própria, exactamente tão própria, como para os portugueses.

E em certos pontos, por razões linguísticamente justificáveis, na Românica nova, a língua se manteve mais estável do que na antiga Metrópole”1.

Mas, para se chegar a esta situação de estabilidade tranquila, largo e difícil caminho foi necessário percorrer.

Diversidade e unidade da

língua na hora da globalização

Fernando Alves Cristóvão,

da Universidade Clássica de Lisboa.

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Inúmeras foram as dificuldades, porque inúmeros foram os perigos e ameaças do exterior, mas todas vencidas, contribuindo até para o seu enriquecimento.

E porque a história não para, novos desafios estão a ser en-frentados pela língu portuguesa e pelas culturas que nela se pro-cessam, sendo o mais recente o da globalização.

Permitam-me, pois, algumas considerações preliminares que mais claramente ponham em evidência como, tanto a diversidade linguístico–cultural, como a unidade são indissociáveis e comple-mentares, ora postulando as diversidades, a importância da unida-de, ora exigindo a unidaunida-de, a autenticidade das diversidades.

O nosso século, agora a chegar ao termo, conheceu quatro grandes dinâmicas no modo de considerar as línguas e de as ensinar e aprender: a dinâmica do romantismo herdada sobretudo de Humboldt e que se intensificou por meio do nacionalismo político, a ponto de chegar até aos nossos dias até aos anos 50, apesar dos progressos da linguística, da doutrinação de Saussure e das novas perspectivas da psicologia e da sociologia;a dinâmica internacionalista e imperialista que conviveu com a mentalidade anterior e chegou até ao fim da década de 60; a dinâmmultilinguística e multicultural que na Europa teve a sua expressão mais significativa quando a restruturação desencadeada pelo plano Marshall, após a 2ª Grande Guerra Mundial, atraiu milhões de emigrantes da Europa do sul e dos países da bacia mediterrânica para os países industrializados; a dinâmica da globalização que se processa em nossos dias e que não só condiciona as comunicações e a economia, mas também interfere na cultura, nas religiões, nos costumes e, também, nas políticas linguísticas.

Na etapa nacionalista, em que muitos de nós fomos forma-dos, as línguas eram estudadas como a expressão dos povos, diversificadas como eles, património que era preciso zelosamente defender e enriquecer segundo o lema de Du Bellay.

Assim, era necessário combater duas espécies de desvios e erros, os herdados da tradição de séculos anteriores que alatinaram e helenizaram as línguas, sobretudo a ortografia, complicando-a (séculos XV e XVI) ou a vestiram à espanhola e à francesa (sé-culos XVII e XVIII).

A essa tarefa se entregaram os puristas e suas sociedades combatendo por igual os estrangeirismos, então, sobretudo galicismos, e o que julgavam serem “erros” e “corruptelas”.

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