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Resultados e seriação das conclusões globais

Da construção lingüística da identidade Um estudo de caso

5. Resultados e seriação das conclusões globais

A imagem unificada do espaço lusófono resulta de uma visão consensual de todos os grupos entrevistados e permite a delimita- ção inequívoca de zonas solidárias.

De forma repetida, Portugal (às vezes acompanhado pela nomeação de centros urbanos como o de Lisboa e o do Porto) encimou sempre a lista das enumerações, juntamente com os terri- tórios açoreano e madeirense. O mesmo aconteceu com o Bracil que esteve presente em quase todas as escolhas. Não foram es- quecidos os países africanos de expressão oficial portuguesa, como

Angola, Mucambique, Cabo Verde, Guinea, São Tomê e Principe

(incluídos por este ou por aquele informador em designações genéricas do tipo nas costas da Africa ou na Àfrica). Nas selecções de lugares onde vivem grupos residuais de locutores do português,

Macau, Timor Leste e Goa aparecem pontualmente.

Todos falam, como seria de se esperar, na Alemanha que é o país do quotidiano ou em Hamburg, a cidade que melhor conhe- cem; mas é o sentimento agudo da condição de portugueses a Ano de escolaridade GØnero MØdia etÆria _________________________________________________________ 9 raparigas Grupo I 5 classe 11.6 12 rapazes 13 raparigas Grupo II 7 classe 13.1 11 rapazes 25 raparigas

Grupo III 9 classe 15.3 10 rapazes

viver no estrangeiro por motivos económicos que ajuda especial- mente os informadores mais velhos (Grupos II e III) a encontrar noutras regiões de extensão lingüística portuguesa - e com preci- são -, como em França, no Luxemburgo, na Suíssa, na Africa

do Sul, no Canadá ou, então, no Mexico e na Amérika do Norte e do Sul o paradeiro de companheiros de infortúnio aí colocados

por meio de viagens com escalas (trans)europeias.

Poderá surpreeder-nos a minúcia dos contornos e dos por- menores do retrato da grande família lusitana traçado por indiví- duos tão jovens e tão distanciados dos meios de (re)produção e de representação ideológicas e simbólicas nucleares da língua e da cultura portuguesas. Ela decorrerá certamente da acção combi- nada i) do legado transmitido euforicamente pela viva voz da gera- ção dos progenitores – sempre mais renitente nos processos de aculturação -, com responsabilidades na apreciação positiva das origens ibéricas e dos concidadãos, e ii) da insistência com que se trabalham, na escola, determinados conteúdos programáticos, dos quais sublinharia o estudo dos países de língua oficial portu-

guesa e sua localização ou análise das razões históricas do uso do português por cerca de 200 milhões de falantes, referindo

as grandes viagens dos portugueses.8

Assim condicionados pelas intenções confluentes da família e da instituição escolar, eis como os informadores testemunham o teor da sua relação com Portugal, com os portugueses e com a língua de Fernando Pessoa9:

1 - Para mim, Portugal é um dos países mais lindo que á (2), o melhor país (6), um país onde a muito Sol, e onde eu nasci, onde esta a minha família (9), a terra mais importante que há (23), uma nação que é uma das melhores que conheço (46), um País de Alegria (um paraíso) (48), o País que eu mais gosto e por o que eu sinto mais consideração (57);

2 - E os portugueses são passoas sinpaticas e spetaqular (2), como pais (6), inteligentes (24), bons em Futebol (30), the Best (33), as pessoas mais felizes do mundo (40), porreiros fixes, (52), têm as mulheres mais bonitas do universo (58), freundtich (71);

3 - A Língua Portuguesa é minha língua (Muttersprache) (25). Portugal é o pais de origem, o país de uma vida liberta de

obrigações (escolares e profissionais), onde os pais lhes dedicam mais atenção. É ainda o reduto dos avós e de familiares que revisitam ano a ano e talvez constitua um eventual futuro destino. Parece estar assegurada a identidade (linguística e psicossocial) de base de uma população escolar afastada do quadro participativo original e que se pode traduzir em enunciados paradigmáticos do tipo Portugal é o meu país e tenho muito orgulho nisso (24), a

minha terra (31), O meu país perferido (36), a minha pátria, embora eu viver na Alemanhã (46), os portugueses são os meus amigos (31), o meu Povo são as pessoas que eu tenho mais consideração (49) e quando falo português eu sinto que per- tenço a Portugal (46).

Estes resultados poderão ser, afinal, animadores, se pensar- mos, em primeiro lugar, que, no país receptor, os jovens em causa devem satisfazer necessidades comunicativas e, portanto, corresponder com sucesso a expectativas de usos actualizando um sistema semiótico tipologicamente diferenciado da L1 e, em segundo lugar, se considerarmos o estatuto da utilidade que atribu- em ao português como língua minoritária, plasmado que foi nas limitações sociais das práticas discursivas reservadas à L1 com as dimensões dos seguintes segmentos micro-culturais: é a língua que 50.5%. falam em casa com a família e, nesse ambiente, a prefe-

rida por 56.9% em relação ao alemão. Por isso e a par da escola,

o lar é o local decisivo para a transmissão e a manutenção do português: o idioma aprende-se em casa (83.9%) e na escola (96%), com os professores (92.8%), a família (85.6%) e, mais remotamente, com alguns dos amigos próximos (39.7%).

A observação do continuum dos comportamentos subjecti- vos para com a L1 indica, todavia, uma crescente deterioração da identidade lusa a favor de uma aproximação linguística (e cultural) a situação sociolinguística do país de acolhimento. O poder da assimilação da língua maioritária exercido em todos os domínios da vida comum, ao conduzir os alunos estrangeiros no processo gradual de integração, fá-los passar por uma fase mais ou menos (in)consciente e conflituosa de hierarquização das línguas em con- tacto, marcada pelo movimento de oposições e adesões aos múl- tiplos valores veiculados pelo alemão. A passagem da qualidade de othergroup a owngroup members evidencia índices de hesi- tação flutuantes, muito particularmente quando funcionam os cha- mados contextos de crispação identitária, isto é, em situações de enunciação concretas em que as fronteiras da(s) diferença(s) ou

não fazem parte do horizonte de espera - na óptica alemã – ou não podem (nem devem) transparecer.

A auscultação dos sentimentos desencadeados quer pela audição do português, quer pela actuação individual nessa mesma língua, no âmbito de um dualismo linguístico cuja tensão é vivida de forma continuada, manifesta os diferentes graus de desafecto de tal idioma. Para uma amostragem das tendêcias, ouçamos par- ticipações exemplificativas dos três grupos implicados:

GRUPO I Quando ouço falar português à minha volta

Sinto o meu coraçãoa rir e penso em portugal (7), Apetece-

me falar p’ra as pessoas e falar (13), eu gosto muito disso porque sei que aqui também há portugueses (15). Quando falo a Língua Portuguesa Sintume bem (1), Sinto que estou a falar a língua que a minha mãe e também os professores me ensinaram (18), Sintu-me feliz porque sei falar Português (21).

Neste conjunto de entrevistadospoucas são as vozes dissonantes.

Porém, algumas respostas do Grupo II perdem a vivacidade na aceitação da L1; e apontam, com maior nitidez, o afastamento sentido pelos locutores da comunidade apresentando soluções tí- picas de um compromisso linguístico:

GRUPO II Quando ouço falar português à minha volta não sei o que sinto (24), É bom porquê as pessoas afinal não esqueceram a Língua Portuguesa (32), Eu sintome como sempre normal (38), Sinto muita alegria por terem respeito pela Língua Portuguesa (43). Quando falo a Língua Portu- guesa Eu sinto igual como falo Alemão (38), Não tenho a serteza (39).

Entre os mais velhos, as evidências empíricas obtidas reme- tem já para o estatuto de marginalidade do português e para uma esbatida noção de pertença à comunidade de língua:

GRUPO III Quando ouço falar português à minha volta não me sinto no meio deles por não falar e perceber bem português (58), sinto normal porque também há pessoas que falam outras línguas (65), Nada. Mas gostava falar tão bem Português como alguns portuguêses (68), Eu acho que tem interesse para aprender (77). Quando falo a Língua Portu- guesa eu detesto falar (65), Não sinto nada é uma língua como qualquer outra (79).

A geração de educandos que acabamos de observar é das que, em situações idênticas de transplante geo-linguístico, acabam por ser socializadas através de esquemas, espirituais e materiais,em concorrência assimétrica: uns, os menos fortes, pertencem ao mundo das referências familiares; os outros, diversos e dominantes, são os das coordenadas que conforma(ra)m a sociedade alemã contemporânea. Por outro lado, é também a juventude psico-fisioló- gica dos seus organismosque surge como potência responsável pelo processo de alteração e/ou mudança (socio)linguística, favorecen- do o rápido desenvolvimento da competência comunicativa na lín- gua da comunidade receptora.

A prática quotidiana de um excelente bilinguismo, nesta ge- ração de transição, poderá, por conseguinte, conservar-se - na tentativa em defender-se a chamada memória colectiva do gru- po- ou conduzir à extinção de um dos sistemas co-existentes, segundo a força do desejo de integração e de aceitação pelos

não-Nós. Tudo dependerá da tipologia das atitudes desencadeadas

por tais esquemas para com o código semiótico em risco.Outra especificidade do conjunto dos informadores é a íntima aliança criada entre a Língua Portuguesa e a identidade étnica e nacional, reunião essa que os estudos de Psicologia Social nos dizem não ser obrigatória. De facto, quanto mais afastados se sentem da proficiencia em português, mais ácidas são as apreciações sobre a população de Portugal: no Grupo I são generalizados comentá- rios como os portugueses são bons amigos (12), simpaticos e

pessoas boas (15), (Aqueles que também falam Português.) bons (18); no Grupo II diminui o grau de solidariedade, com enun-

ciados do género os portugueses sao simpácticos, mas só às vezes (35), fantásticos, burros, inteligênticas, etc. (.37); no Grupo III indiferença impõe-se, com asserções como os portu-

gueses são pessoas normais como todas as outras raças

tamben (68) ou como todas as outras pessoas (79).

6. Epílogo

A aproximação a esta complexa realidade escolar, em tempo aparente e vivida por uma população não natural, dá-nos a medida exacta do que ocorre no terreno. Durante a adolescência, as crises que lhe são inerentes fazem-se acompanhar, de maneira reforçada, pela instabilidade nos processos pluridimensionais e funcionais das auto e hetero-identificação linguística (e cultural) uma vez que há mais do que um modelo orientador colectivo proposto.

Notas

1 Trata-se do primeiro estudo de um conjunto amplo em que desen-

volverei outros temas a partir dos dados obtidos por intermédio do I.L.H – 97 ou em que retomarei, para desenvolvimento teórico, pistas que a análise aqui avançada me tenha sugerido ao longo da elaboração do presente texto. À Prof. Doutora Maria Manuela Gouveia Delille, do Instituto de Estudos Alemães da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, quero expressar a minha gratidão por me ter proporcionado ambas as estadias na Alemanha, sem as quais não só o trabalho de campo teria sido impossível, bem como as subsequentes pesquisa, refle- xão e sistematização, de que o presente texto é subsidiário.

2 Programa de Língua e cultura portuguesas para 5 e 6 anos de

escolaridade, Ministério dos Negócios Estrangeiros - Secretaria de Es-

tado dos Negócios Estrangeiros e da Emigração.

3 Programa de Língua Portuguesa, Ministério dos Negócios Es-

trangeiros Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Emigra- ção, p.3.

4Programa de cultura portuguesa, Ministério dos Negócios Estran-

geiros – Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Emigração, p.3

5 Cf. a título ilustrativo ANTUNES, M. F., SILVA, M. R, TEIXEIRA,

M., 1994' Programa de língua e cultura portuguesas, Lisboa, Ministério da Educação - Departamentc da Fducação Básica.33

A obtenção de todo o material linguístico só foi possível pela acção adjuvante de três professoras cujo elevado profissionalismo e adesão ao projecto me impressionaram ao tornarem possível o meu con- tacto (imediato e prolongado) com os alunos das suas turmas,como pela disponibilidade e cuidado que revelaram ao responder ao I.L.H.-97/A (Questionário 1.). As Dr.as. Maria Isabel M. Dantas de Brito, Regina Correia e Ana Paula Fonseca Pilzecker deixo lavrado um especial agrade- cimento.7

De acordo com as informações prestadas pelas respectivas pro- No sentido de vencer este penoso período afectivo e psíquico das criancas e dos jovens perfeitamente divididos entre dois pólos - de igual modo legítimos - e de, com integridade, se perpetuarem a língua e a cultura portuguesas neste e noutros ambientes adver- sos, devemos repensar, com toda a seriedade, o nível dos canais que transmitem o discurso da unidade.

Só assim se cumprirá, nas palavras de Aníbal Pinto de Cas- tro, a vocação ecuménica de Portugal10.

fessoras no I.L.H.-97 (Questionário 1.)Na transcrição dos dados, mante- nho a ortografia dos alunos.

8 ANTUNES, M.F., SILVA, M. R., TEIXEIRA, M., Op. cit., p.31. 9 Entre parênteses curvos, indico o número de ordem dos

informadores.

10 In Em questão: lusofonia. Apud Discursos. Estudos de língua

e cultura portuguesa. 1993, vol..3. Unidade linguística. Diversidade cultural. Coimbra, Universidade Aberta, p.122.

Convidou-me o meu velho amigo Professor Leodegário A. de Azevedo Filho para participar neste congresso sobre “Brasil: Qui- nhentos Anos de Língua Portuguesa” com uma intervenção dedicada ao português quinhentista. Desde logo aceitei, com entusiasmo, o seu convite, porque vir ao Brasil há muito se tornou para mim uma espécie de vício, hoje enraizado: e de todos os vícios que eu possa ter é este, seguramente, o mais gostoso. É também, felizmente, o mais inofensivo, excepção feita, claro, por quantos, em circunstânci- as como esta, padecerem com escutar-me.

Mas, aceite o convite, não me foi fácil escolher o tema de minha intervenção. O conhecimento que hoje podemos ter de qual- quer estado da língua anterior ao de nossos dias é, como bem se vê, limitado ao que a literatura nos proporciona, e nem sequer o teatro de Gil Vicente, tantas vezes invocado como testemunho de usos considerados arcaizantes, nos permitirá conhecer o que de facto se dizia no Portugal de Quinhentos. Os próprios conhecimentos que na literatura podemos colher, além de eventualmente enganadores - que representam, na realidade, muitos dos usos atestados em Camões mais que uma execução singular de potencialidades linguísticas? -, não se encontram nem sistematizados nem suficientemente desen- volvidos. A tendência tem sido, salvo excepções, para se falar da “língua” de um autor por referência ou ao português nosso contem- porâneo ou ao que se julga saber de fases a ele pretéritas. Faltam- nos, numa palavra, trabalhos como o que Paul Teyssier dedicou a Gil Vicente. Já uma vez tive ocasião de dizer que, fora Camões espanhol, quase nada restaria hoje para investigar a seu respeito: como o não foi, resta quase tudo: bastará reportar-nos à “Biblio-

Sintaxe camoniana: