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O Que Todo Presbiteriano Inteligente Deve Saber - Adão Carlos

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Academic year: 2021

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Introdução ... 7 Capítulo 1.

Quem Somos e de Onde Viemos ... 9 Capítulo 2.

Breve Histórico do Presbiterianismo ... 15 Capítulo 3.

A Visão Calvinista do Estado e da Sociedade ... 23 Capítulo 4.

Calvinismo e Capitalismo: Qual é Mesmo a Sua Relação?. 29 Capítulo 5.

Os Cinco Pontos do Calvinismo ... 33 Capítulo 6.

Primeiras Tentativas de Implantação no Brasil ... 39 Capítulo 7.

A Confissão de Fé da Guanabara ... 43 Capítulo 8.

A Implantação do Presbiterianismo no Brasil ... 49 Capítulo 9.

A Reconstituição do Presbiterianismo no Brasil ... 55 Capitulo 10.

A Estruturação do Presbiterianismo no Brasil ... 59 Capitulo 11.

Nossos Símbolos de Fé ... 67 Capítulo 12.

O Sistema Presbiteriano de Governo ... 75 Capítulo 13.

Escritura Sagrada: Palavra de Deus ... 83

Capítulo 14.

Deus Pai e a Trindade ... 91 Capítulo 15.

Jesus Cristo, Deus Filho ... 99 Capítulo 16.

O Espírito Santo é Deus ... 109 Capítulo 17.

A Criação do Universo e do Homem ... 115 Capítulo 18.

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Capítulo 19. A Garantia da Salvação ... 133 Capítulo 20. A Igreja de Cristo ... 145 Capítulo 21. O Batismo Cristão ... 153 Capítulo 22.

Por Que Não Batizamos Por Imersão ... 159 Capítulo 23.

Por Que Batizamos Por Aspersão ... 165 Capítulo 24.

Por Que Batizamos Nossas Crianças ... 171 Capítulo 25.

A Ceia do Senhor ... 181 Capítulo 26.

Cristão e a Responsabilidade Social ... 189 Capítulo 27.

Compromisso do Presbiteriano Autêntico ... 195 Capítulo 28.

E Então Virá o Fim ... 203

Introdução

0 que todo

Presbiteriano

Inteligente deve

S

a

b

er

Circula na Internet uma crônica afirmando que um amigo do poeta Olavo Bilac, pretendendo vender um pequeno sítio, pediu-lhe que redigisse um anúncio para ser publicado nojortual. O poeta conhecia muito bem aquele sítio, pois lá estivera várias vezes. Por isso, não lhe foi difícil redigir o anúncio. Apanhou o papel e escreveu: "Vende-se encantadora propriedade, onde cantam os pássaros ao amanhecer no extenso arvoredo, cortada por cristalinas e arejastes águas de um ribeirão. A casa, banhada pelo sol nascente, oferece a sombra tranqüila das tardes, na varanda".

Alguns meses depois, Olavo Bilac procurou saber se o sítio já havia sido vendido. E a resposta do amigo foi esta: "Depois de ler o texto que você escreveu, descobri o tesouro que possuo e desisti de vender o sítio-.

Nosso objetivo ao escrever este livro é ajudar os leitores presbiterianos a descobrir o tesouro que possuem.

Estamos conscientes de que a Igreja Presbiteriana do Brasil não é uma igreja perfeita. Ela é constituída por pecadores como todas as outras igrejas evangélicas. Se a própria Igreja Presbiteriana, através de sua Confissão de Fé, afirma que "as igrejas mais puras debaixo do céu estão sujeitas à mistura e ao erro",' seria um contra -senso afirmar que ela é completa, rematada, sem defeito.

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pertencemos. Quem salva é Jesus e não a Igreja. Somos salvos pela graça, mediante a fé em Cristo, e não

pela nossa filiação â Igr ej a Presbiteriana. Portant o, se pertencêssemos a outra denominação evangélica, seríamos igualmente salvos.

Concordamos que os processos pelos quais uma pessoa recebe, interpreta, retêm e transmite os dados de ~experiência não são uniformes. Isso significa que a mesma experiência pode ser recebida, interpretada, retida e transmitida pelas pessoas de forma diferente. Portanto, não há uniformidade no pensamento humano. Por isto, respeitamos aqueles que pensam diferente de nós.

Mas estamos convictos de que o presbiterianismo é uma forma diferenciada de cristianismo. "Quem conhece o presbiterianismo, não sai dele", escreveu o grandeRev.TItontras Porter. E Francisco Martins acrescentou: "Quem conhece o presbiterianismo fica, queira ou não, empolgado".

E foi por estarmos conscientes de tudo isto que escrevemos o que todo presbiteriano inteligente deve saber.

Capítulo 1 ____________

Quem

somos

e de

Onde

Viemos

Uma das coisas mais importantes para todo grupo é ter uma consciência clara da sua identidade e objetivos. A identidade tema ver com as raízes, a história, as características distintivas. Os objetivos são uma decorrência disso: à luz das r a í z e s , d a i d e n t i d a d e , d a s c o n v i c ç õ e s b á s i c a s , s e r ã o estabelecidos os alvos, as prioridades, as maneiras de sere viver no mundo.

Isto se aplica perfeitamente aos presbiterianos.

Todavia, ocorre que muitos presbiterianos ignoram a sua identidade, não sabem exatamente quem são, como indivíduos e como igreja. Não conhecendo as suas origens —

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históricas, teológicas, dertontinacionais — eles têm dificuldade de posicionar-se, quanto a uma série de questões e de definir com clareza os seus rumos, as suas prioridades. Muitas vezes, quando questi onados por out ras pessoas quant o a suas c o n v i c ç õ e s e p r á t i c a s , s e n t e m - s e f r u s t r a d o s c o m s u a incapacidade de expor de modo coerente e convincente as suas posições.

Quem Somos

A Igreja Presbiteriana do Brasil —IPB — é uma federação de igrejas que têm em comum uma história, uma forma de governo, uma teologia, bem como um padrão de culto e de vida comunitária. Historicamente, a IPB pertence â família das igrejas reformadas ao redor do mundo, tendo surgido no Brasil em 1859, como fruto do trabalho missionário da Igreja

Presbiteriana dos Estados Unidos. Suas origens mais remotas encontram-se nas reformas protestantes suíça e escocesa, no século 16, lideradas por personagens como Ulrico Zuínglio, João Calvino e João Knox. O nome "igreja presbiteriana" vem da maneira como a igreja é administrada, ou seja, através de " presbí t er os" el ei t os pel as co mun i dades l ocai s. Essas comunidades são governadas por um "Conselho" de presbíteros e estes oficiais também integram os concílios superiores da igreja, que são os Presbitérios, os Sínodos e o Supremo Concilio.

Quanto à sua teologia, a Igreja Presbiteriana do Brasil é herdeira do pensamento do reformador João Calvino (1509-1564) e das notáveis formulações confessionais (confissões de fé e catecismos) elaboradas pelos reformados nos séculos 16 e 17. Dentre estas se destacam os documentos elaborados pela Assembléia de Westminster, reunida em Londres na década de 1640. A Confissão de Fé de Westminster, bem como os seus Catecismos

Maior e Breve, são adotados oficialmente pela 11`11 como os seus símbolos de fé ou padrões doutrinários.

Quanto ao culto, as igrejas pres biterianas procuram obedecer ao chamado "princípio regulador". Isso significa que o culto deve ater-se às normas contidas na Escritura, não sendo aceitas as práticas proibidas ou não sancionadas explicitamente pela mesma. O culto presbiteriano caracteriza-se por sua ênfase teocêntrica (a centralidade do Deus triúno), simplicidade, reverência, hinódia com conteúdo bíblico e pregação expositiva.

A seguir analisaremos três termos importantes cujo significado precisa ser corretamente compreendido: reformado, calvinista e presbiteriano. Esses nomes do nosso movimento são sinônimos em alguns aspectos e diferentes em outros.

Reformados

0 presbiterianismo derivou da Reforma Protestante do século 16. Pouco depois que o protestantismo começou na Alemanha, sob a liderança de Martinho Lutero, surgiu uma

segunda manifestação do mesmo no Cantão de Zurique, na Suíça, sob a direção de outro ex-sacerdote, Ulrico Zuínglio (1484-1531). Para distinguir-se da reforma alemã, esse novo movi mento ficou conhecido como Segunda Reforma ou Reforma Suíça. O entendimento de que a reforma suíça foi mais profunda em sua ruptura com a igreja medieval e em seu retorno às Escrituras, fez com que recebesse o nome de movimento re f o r ma d o e s e u s s i mp a t i za n t e s f i c a s s e m c o n h e c i d o s simplesmente como "reformados". Inicialmente, o movimento reformado esteve mais ligado à pessoa de Zuínglio. Porém, com a

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morte prematura deste, o movimento veio a associar-se com seu maior teólogo e articulados, o francês João Calvino (1509-1564). A propósito, os "protestantes", fossem eles luteranos ou reformados, só passaram a ter essa designação a partir da Dieta de Spira, em 1529.

P o r t a n t o , o m o v i m e n t o r e f o r m a d o é o r a m o d o protestantismo que surgiu na Suíça, no século 16, tendo como líderes originais Ulrico Zuínglio, em Zurique, e João Calvino, em Genebra. Esse movimento veio a caracterizar-se por certas concepções teológicas e formas de organização eclesiástica que o distinguiram dos outros grupos protestantes (luteranos, anabatistas e anglicanos). A tradição reformada foi preservada e desenvolvida pelos sucessores imediatos e mais remotos dos líderes iniciais, tais como João Henrique Bullinger (1504-1575), Teodoro Beza (1519-1605), os puritanos ingleses e outros.

Até hoje, as igrejas ligadas a essa tradição no continente europeu são conhecidas como Igrejas Reformadas (da Suíça, França, Holanda, Hungria, Romênia e outros países). Porém, o termo reformado é mais que a designação de uma tradição teológica ou eclesiástica. É um conceito abrangente que inclui todo um modo de encarara vida e o mundo a partir de uma série de pressupostos, dentre os quais se destaca a soberania de Deus.

calvinistas

O calvinismo, como o nome indica, é o sistema de teologia elaborado pelo mais articulado e profundo dentre os reformadores, João Calvino. Esse sistema, contido especialmente na obra magna de Calvino, a Instituição da Religião Cristã ou Institutos, resulta de uma interpretação cuidadosa e sistemática das Escrituras, e tem como um de seus principais fundamentos a noção da absoluta soberania de Deus como criador, preservador e redentor. O calvinismo não é somente um conjunto de doutrinas, mas inclui concepções específicas a respeito do culto, da liturgia, do ministério, da evangelização e do governo da igreja.

Normalmente, todos os reformados deveriam ser calvinistas, mas isso nem sempre ocorre na prática. Muitos herdeiros de Calvino, embora se considerem reformados, não mais se designam ou podem ser designados como calvinistas, por terem abandonado certas convicções e princípios básicos defendidos pelo reformador. Portanto, todo calvinista é reformado, mas nem sempre a recíproca é verdadeira.

Presbiterianos

O termo presbiteriano foi adotado pelos reformados nas Ilhas Britânicas (Escócia, Inglaterra e Irlanda). Isso se deve ao contexto político-religioso em que o protestantismo foi introduzido naquela região, no qual a forma de governo da igreja teve uma importância preponderante. Os reis ingleses e escoceses preferiam o sistema episcopal, ou seja, uma igreja governada por bispos e arcebispos, o que permitia maior controle da igreja pelo estado. Já o sistema presbiteriano, isto é, o governo da igreja por presbíteros eleitos pela comunidade e reunidos em concílios, significava um governo mais democrático e autônomo em relação aos governantes civis. Das Ilhas Britânicas, o presbiterianismo foi para os Estados Unidos e dali para muitas partes do mundo, inclusive o Brasil.

Daí resulta outra distinção importante. Todo presbiteriano é, por definição, reformado e, em teoria, calvinista. Porém, nem todos os calvinistas são presbiterianos. Um bom exemplo é a Inglaterra dos séculos 16 e 17. Quase todos os protestantes ingleses daquela época eram calvinistas, mas muitos deles não aceitavam o sistema de governo presbiteriano. Entre eles estavam os anglicanos e os congregacionais, além de outros

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grupos.

Conclusão

Em conclusão, ao dizermos que somos reformados, calvinistas e presbiterianos, ficam implícitos outros dois elementos igualmente importantes da nossa identidade, que nos lembram que não estamos sozinhos na caminhada — somos cristãos e somos evangélicos. Se de um lado devemos valorizar a nossa herança, de outro lado não devemos nos tornar exclusivistas, lembrando que o corpo de Cristo é maior que o movimento ao qual estamos ligados.

Capítulo 2 _____________

BreveHistóriCod,

Presbiterianismo

Conforme já observamos, as origens mais remotas do presbiterianismo remontam aos primórdios da Reforma Protestante do século 16. Poucos anos após o início da dissidência luterana na Alemanha, surgiu na região de língua alemã da vizinha Suíça, mais precisamente ria cidade de Zurique, um segundo movimento de reforma protestante, freqüentemente denominado "Segunda Reforma". Esse movimento teve como líder inicial o sacerdote Ulrico Zuínglio (1484-1531) e, pretendendo reformara igreja de maneira mais profunda que o movimento de Lutero, passou a ser conhecido como "movimento reformado", e seus seguidores como "reformados".

Apesar do seu aparente radicalismo, Lutero e seus seguidores romperam com a igreja majoritária somente nos pontos em que viam conflitos irreconciliáveis com as Escrituras. Especialmente na área crucial do culto, os luteranos julgavam que era legítimo manter tudo aquilo que não fosse explicitamente proibido pela Bíblia. Já os reformados partiam de um princípio diferente, entendendo que só deviam abraçar aquilo que fosse claramente preconizado pelas Escrituras. Foi isso que os levou a uma ruptura mais profunda com o catolicismo.

João Calvino

Após a morte de Zuínglio em 1531, o movimento reformado passou a ter um novo líder, que se revelou muito mais articulado e influente que o anterior: João Calvino (15091564). Calvino nasceu em Noyon, no nordeste da França, e

ainda adolescente foi estudar teologia e humanidades em Paris. Depois de um breve período em Orlémis e Bourges, quando se d ed icou a o estu do do d ire ito , re torn ou a Par is p ara dar continuidade aos estudos humanísticos que tanto o fascinavam. Em 1532, publicou o seu primeiro livro, um comentário do tratado De Clementia, escrito pelo antigo filósofo romano Sêneca.

Em 1533, Calvino teve uma experiência de conversão à fé evangélica. Forçado a fugir de Paris por causa das suas novas convicções, dirigiu-se para a cidade de Angoulême. Pouco

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depois, começou a escrevera sua obra magna, a Instituição da Religião Cristã ou Institutos, publicada em Basiléia em 1536. Nesse mesmo ano, de maneira totalmente inesperada, Calvino viu-se convocado a auxiliar na implantação da fé reformada na cidade de Genebra, na Suíça francesa. Após um interregno de

três

anos em Estrasburgo (1538-1541), o reformador retomou a Genebra e ali permaneceu até o final da vida.

Graças à sua vasta e competente produção teológica, sua habilidade como organizador e seus contatos pessoais com inúmeros indivíduos e comunidades em toda a Europa, Calvino e x e r c e u u ma p o d e r o s a i n f l u ê n c i a e c o n t r i b u i u p a r a a disseminação do movimento

reformado em muitos países. Em 1559, ele fundou a Academia de Genebra, que contribuiu de modo decisivo para a formação de uma nova geração de líderes reformados. Dada a

importância desse reformador, um novo termo surgiu para designar os reformados — "calvinistas".

Nas Institutos, comentários bíblicos, sermões, tratados e outros escritos que produziu, Calvino articulou um sistema compl et o de teologi a cri st ã que fi cou conheci do como calvinismo. Esse sistema incluía normas específicas, retiradas das Escrituras, acerca da doutrina, do culto e da forma de governo das comunidades reformadas. Na base do sistema estava a ênfase no conceito da absoluta soberania de Deus como criador, pr eser vador e redent or do mundo. A estrutura eclesiástica preconizava o

presbíteros e a associação das igrejas em presbitérios regionais e em sínodos nacionais.

Calvino e Serveto

Muitos livros e palestrantes fazem a afirmação de que João Calvino foi o responsável pela morte de um homem chamado Miguel Serveto. Com freqüência essa é uma das poucas coisas que as pessoas, principalmente os estudantes, sabem a respeito do reformador. De fato, Calvino teve uma participação nesse lamentável episódio, mas é importante

entender a questão no seu contexto histórico.

Miguel Serveto era um médico e estudioso espanhol. Credita-se a ele a descoberta da circulação pulmonar do sangue. No aspecto religioso, ele era um unitário, ou seja, alguém que negava a doutrina da Trindade, tão cara à maioria dos cristãos, fossem eles católicos ou protestantes. Serveto conhecia Calvino e trocou cartas com ele sobre questões teológicas, expressando suas divergências. Ele também publicou obras expondo suas idéias antitrinitárias. Em

conseqüência disso, acabou preso, julgado e condenado à morte pela Inquisição na cidade de Lião, no sul da França. Finalmente, conseguiu fugir da prisão e foi parar em Genebra, mesmo sabendo que as suas idéias não eram bem recebidas nessa cidade. Foi prontamente reconhecido e preso pelas autoridades civis.

Na Europa do século 16, tanto em regiões católicas quanto protestantes, a heresia era considerada não só um pecado, mas um crime de alta gravidade. Por causa da união entre a igreja e o estado, as questões de crença interessavam às autoridades seculares.

Considerava-se que as idéias heréticas eram uma séria ameaça à integridade e segurança da igreja e do estado. Nessas circunstâncias, Serveto foi levado a julgamento, e Calvino, na qualidade de líder da igreja reformada de Genebra, foi convocado para ser a

nessa época o reformador tinha um relacionamento bastante tenso com as autoridades da cidade.

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Em conseqüência disso, Serveto foi condenado à cruel morte na fogueira. Calvino pediu que a morte fosse por decapitação, algo mais rápido e menos doloroso. As autoridades, pouco simpáticas ao reformador, insistiram na fogueira, e assim foi feito. Das mais diferentes partes da Europa chegaram mensagens concordando com as ações dos genebrinos. Essa foi a única execução que teve a participação de Calvino. Outras pessoas receberam a pena capital em Genebra naquele período, como acontecia em quase todas as cidades européias, mas sem qualquer participação de Calvino.

A partir do século 17, uma nova mentalidade começou a surgir na Europa, defendendo valores como a liberdade de expressão e a tolerância. As ações de Calvino obviamente foram muito criticadas, causando constrangimento aos seus herdeiros. Estes, em 1903, no transcurso dos 350 anos da morte de Serveto, erigiram em Genebra um monumento em que lamentaram o envolvimento do seu líder nessa questão e reafirmaram o compromisso com a liberdade de pensamento e expressão. Ninguém deve ser perseguido, torturado ou morto por causa das suas idéias, por mais que não concordemos com elas.

Os reformados atuais entendem que, se por um lado Calvino agiu como um homem do seu tempo, por outro lado ele cometeu um erro triste e desnecessário que manchou a sua

biografia. Todavia, eles também entendem que é injusto, em razão do caso Serveto, esquecer todas as contribuições positivas de Calvino como reformador, líder eclesiástico, teólogo e escritor. Também erram as pessoas que ficam lembrando esse caso, mas convenientemente se esquecem de que na mesma época a Inquisição e as guerras religiosas contra os protestantes estavam fazendo centenas ou mesmo milhares de vítimas. Por exemplo, de 10 a 20 mil protestantes foram massacrados no

infame Dia de São Baríolorneu, 24 de agosto de 1572. Para maiores informações sobre esse assunto, sugerimos o livro de Abster McGrath, A Vida de João Calvino (Editora

Cultura Cristã, 2004), especialmente as páginas 137-144.

Europa Continental

Logo após o início da carreira de Calvino, o movimento reformado começou a difundir-se em muitas regiões da Europa, notadamente na França, no vale do Reno (Alemanha e Países Baixos), na leste europeu e nas Ilhas Britânicas. Vários fatores contribuíram pua essa difusão. Em primeiro lugar, a ampla divulgação das idéias de Calvino através da imprensa e de outros meios; em segundo lugar, o intenso deslocamento de refugiados que procuravam escapar da repressão religiosa em seus países; finalmente, o papel irradiador desempenhado por Genebra e outras cidades reformadas. Muitos homens e mulheres iam a Genebra, eram treinados nos preceitos da fé reformada e retomavam aos seus países imbuídos das novas idéias.

Como era de se esperar, Calvino nutria grande interesse pela propagação da fé evangélica no

seu próprio país, a França. Ali, apesar de intensas perseguições, o movimento reformado experimentou notável crescimento na década de 1550. Em 1559, reuniu-se o primeiro sínodo da Igreja Reformada de França, representando centenas de comunidades locais. Pela primeira vez, o presbiterianismo era organizado em âmbito nacional. Esse sínodo aprovou uma importante declaração da fé reformada, a Confissão Galicana.

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penetrou no sul da Alemanha. O movimento cresceu com a chegada de milhares de refugiados vindos de outras regiões, como a França e os Países Baixos. Nos Países Baixos, a fé reformada surgiu inicialmente em Antuérpia, em 1555. Em dez anos, formaram-se mais de trezentas igrejas, em parte devido à chegada de imigrantes

huguenotes que fugiam das guerras religiosas em seu país. Essas igrejas adotaram como sua declaração de fé a Confissão Belga, escrita por Guido de Boês em 1561. Quanto à Europa

oriental, na década de 1540, graças a contatos com cidades suíças, s u r g i r a m i g r e j a s r e f o r m a d a s n a P o l ô n i a , n a B o ê m i a (Checoslováquia) e mais tarde também na Hungria.

Ilhas Britânicas

Especialmente importante para a fé reformada foi a sua introdução nas Ilhas Britânicas. Nessa região ao é que surgiu o o u t r o n o m e h i s t ó r i c o a s s o c i a d o a o m o v i m e n t o : " pr e sb i t e r i a ni s mo '. E ss e n o me t i n ha ao me s mo t e mp o conotações teológicas e políticas. Os reis ingleses e escoceses eram firmes partidários do episcopalismo, ou seja, de uma igreja governada por bispos. Como esses bispos eram nomeados pela coroa, esse sistema favorecia o controle da igreja pelo estado. Assim sendo, a insistência dos reformados da Escócia e Inglaterra em uma igreja governada por presbíteros, eleitos pelas congregações e reunidos em concilies, era uma reivindicação de independência da igreja em relação ao poder público. Tal foi a origem histórica do termo -presbiteriano" ou "igreja presbiteriana".

O protestantismo reformado foi levado para a Escócia por George Wishart, que estudara na Suíça e foi morto na fogueira em 1546. As primeiras igrejas reformadas surgiram no final da década seguinte. Os eventos se precipitaram com o retomo do líder John Knox (e. 1514-1572), que passou alguns anos em Genebra como refugiado, estudou aos pés de Calvino e regressou ao seu país em 1559. No ano seguinte, o Parlamento aboliu o catolicismo, adotou a fé reformada e criou uma igreja nacional presbiteriana. Sua declaração doutrinária ficou conhecida como Confissão Escocesa.

Ironicamente, entre 1561 e 1567 a Escócia, formalmente presbiteriana, foi governada por uma rainha católica, Maria

outro ex-exilado em Genebra, tornou-se o principal defensor do sistema presbiteriano e de uma igreja autônoma do estado. Os próximos quatro reis escoceses, especialmente Carlos II (1660-1685), procuraram impor o anglicanismo e perseguiram os presbiterianos. Somente em 1689 o presbiterianismo foi estabelecido definitivamente.

Na Inglaterra, surgiram fortes influências reformadas e calvinistas desde o reinado de Eduardo VI (1547-1553). No reinado de Carlos I (1625-1649) ocorreu um evento marcante na história do presbiterianismo. Esse rei precisou convocar a eleição de um parlamento, o que, para sua surpresa, resultou em uma maioria parlamentar puritana. Dissolvido o parlamento, foi feita nova eleição, que tomou a maioria puritana ainda mais expressiva. Esse parlamento puritano convocou a célebre Assembléia de Westminster (1643-1648), que produziu os "padrões presbiterianos" de culto, governo e doutrina. Quando esses documentos foram aprovados pelo parlamento, a Igreja da Inglaterra deixou de ser episcopal e tornou-se presbiteriana. Porém, depois que Carlos II assumiu o trono em 1660, houve a restauração do episcopado e seguiram -se vários anos de repressão contra os presbiterianos. Com o tempo, os padrões de West mi nst er t ornar am-se os princi pai s document os teológicos adotados pelas igrejas reformadas ao redor do mundo.

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Estados Unidos

O cal vi ni smo chegou à Amér i ca do Nort e com os puritanos ingleses que serarlicarara em Massachusetts no início do século 17.0 primeiro grupo fixou-se em Plymouth em 1620 e o segundo fundou as cidades de Salero e Boston em 1629 1630. Nas décadas seguintes, mais de 20 mil puritanos cruzaram o A t l â n t i c o e m b u s c a d e l i b e r d a d e r e l i g i o s a e n o v a s oportunidades. Todavia, esses calvinistas optaram pela forma de governo congregacional, e não pelo sistema presbiteriano.

A Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos foi criada pelos

América do Norte no século 18, e pelos seus descendentes. O primeiro presbitério surgiu em 1706 e o primeiro sínodo em 1717, ambos em Filadélfia, na Pensilvânia. Finalmente, em 1789 foi organizada a Assembléia Geral da nova denominação. Os presbiterianos foram um dos grupos mais destacados na luta pela independência da nova nação. Entre os signatários da declaração de independência estava um ministro presbiteriano, J o hn W i t h e r s p o o n . O u t r o s gr u p o s r e f o r ma d o s q u e s e estabeleceram nos Estados Unidos foram holandeses, alemães e franceses.

Em meados do século 19, o problema da escravidão e a Guer ra Ci vi l resul t ara m na di vi são d os pr esbi t eri anos americanos. Surgiram duas grandes denominações, a Igreja Presbiteriana do Norte (POUSA), com sua junta de missões estrangeiras sediada em Nova York, e a Igreja Presbiteriana do Sul (PCUS), com o seu comitê de missões em Nashville, no Tennessee. Os missionários pioneiros dessas duas igrejas chegaram ao Brasil respectivamente em 1859 (Ashbel G. Simonton) e em 1869 (Edward Lane e George Nash Morton).

Capítulo 3 _________________

A Visão

Calvinista

do

Estado

e da

Sociedade

A concepção calvinista acerca do Estado e da sociedade tem como ponto de partida o pensamento do próprio reformador João Calvino, conforme expresso nas instituías da

Religião Cristã e em seus comentários, sermões, tratados e cartas. Essa visão também foi articulada por outros líderes e teólogos reformados, contemporâneos de Calvino e posteriores a ele, tais como Ulrico Zuínglio, Henrique Bullinger, John Knox, Abraham Kuyper e Karl Barth, entre outros, bem como pelos documentos confessionais da fé reformada (confissões de fé e catecismos).

Em seus escritos, Calvino disse muitas coisas importantes a respeito do Estado, da sociedade e dos problemas sociais. Todavia, ele não foi um político, um sociólogo ou um ativista social, e sim um pastor e um estudioso das Escrituras. Portanto, não se deve dissociar o seu pensamento social e econômico da sua reflexão teológica. Esse pensamento resultou de seus pressupostos teológicos e bíblicos, dentre os quais, as convicções de que Cristo é Senhor de todos os aspectos da existência humana e de que a Bíblia contém princípios que devem reger todas as áreas da vida. Dessas duas premissas fundamentais — a soberania de Deus sobre toda a vida e a centralidade das Escrituras como revelação de Deus — decorre todo o pensamento teológico de Calvino, inclusive as suas concepções sobre a ordem política e a ordem social.'

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vários aspectos da sua reflexão foram condicionados pelas realidades políticas e sociais da sua

época. Isso significa que o seu pensamento padece de algumas limitações, que mais tarde foram sanadas por herdeiros da fé reformada. O mais importante é o fato de que, desde os seus primórdios, a tradição reformada entendeu que a fé bíblica tem importantes implicações não só para o indivíduo, mas para a coletividade, a começar da vida política e da relação entre a Igreja e o Estado.

Igreja e Estado

Assim como Lutero, também os fundadores da tradição reformada, Zuínglio e Calvino, reconheceram a importância e a legitimidade do Estado. Ao mesmo tempo, eles destacaram que Igreja e Estado são duas esferas distintas, que não devem ser confundidas. Essa distinção entre a Igreja e o Estado significa que cada domínio temo direito de existir e que o Estado, assim como a Igreja, também é estabelecido por Deus, devendo, portanto, ser igualmente respeitado pelos cristãos 2 Portanto, a Igreja não deve usurpar as funções do Estado

nem o Estado, as funções e prerrogativas da Igreja.

Porém, depois de afirmar essa distinção das duas esferas, Calvino insiste que elas não devem ficar separadas: "Assim como acabamos de indicar que o governo temporal é distinto do Reino espiritual e interior de Cristo, também temos de saber que eles não são contraditórios" (Institutos, 4.20.2). Isso leva a uma importante diferença entre o pensamento de Lutero e o dos reformadores suíços. Lutero tinha certa indiferença em relação ao Estado e queria deixá-lo ao arbítrio da razão humana. Ele transferiu as categorias de `lei e evangelho" às categorias de "Estado e Igreja". Para ele, o Estado é a esfera da lei; sua marca essencial é a espada. Porém, a Igreja tema ver com o evangelho. Zuínglio e Calvino tiveram um entendimento diverso. Eles afirmaram que existe uma relação entre a Igreja e o Estado, e isso decorre do fato de que o Senhor proclamado pela Igreja é também o Senhor do reino político.

À luz das Escrituras, Calvino afirma que o governo civil

é uma dádiva de Deus (ver Romanos 13.1-7) e que o ofício de governante é uma elevada vocação, a mais sagrada e honrosa que existe (Institutos, 4.20.4). Ele explica que o propósito do regime terreno é "proteger o serviço externo de Deus, defender o sadio ensino da piedade e a condição da igreja, regular as nossas vidas para a sociedade humana, moldara nossa moral para a justiça civil, reconciliar-nos uns aos outros, e fomentar a paz e tranqüilidade comum" (Institutos, 4.20.2).

A desobediência civil ou a rebelião somente sejustificam quando o Estado quer obrigar as pessoas a desobedecerem a Deus. Apesar de o Estado se basear numa ordem divina, ele nunca ocupa o lugar de Deus. Tendo ordenado o governo, Deus continua sendo Senhor sobre a sua ordenação, e o governo continua estando sujeito a Deus. A obediência a Deus e a obediência ao governo temporal são sempre duas coisas diferentes, bem como a obediência ao governo sempre vem depois da obediência a Deus, porque ele é o Senhor da Igreja e do Estado?

Para os próceres da tradição reformada, existe uma relação entre o Estado e a Igreja, assim como entre a lei e o evangelho. Não se pode separara justiça de Deus da sua graça. A Igreja não pode simplesmente delegara noção de lei ao Estado. Sua proclamação deve incluir tanto a lei como o evangelho, visto que ambos são formas da justa graça de Deus .4 Assim

sendo, o cristão não pode ser indiferente à maneira como as autoridades governam, devendo se esforçar e cooperar para que as leis se tomem mais harmoniosas com a vontade de Deus.

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A Responsabilidade Social da Igreja

A mesma razão que fez com que Calvino se interessasse pela área política também o levou a preocupar-se intensamente com as realidades sociais do seu tempo. A revelação bíblica testifica acerca do senhorio de Deus sobre todas as dimensões da existência humana e Deus desej a que haj a j ust iça e integridade nos relacionamentos. Mais

de Calvino que se deve buscar o fundamento para as suas posições acerca das questões econômicas e sociais.'

Segundo o reformador de Genebra, a Igreja tinha um tríplice ministério a desempenhar nesse campo: didático, político e social.' Através da instrução pública e particular por meio dos pastores e mestres, a Igreja devia orientar os seus fiéis quanto ao ensino bíblico sobre a administração dos bens concedidos por Deus (mordomia cristã), sobre o valor do trabalho e do descanso, aqui incluída a guarda do Dia do Senhor, e sobre questões dejustiça social. No exercício desse ministério, a igreja devi a, quand o necessári o, r epreende r os me mbr os q ue esti vessem incorrendo em pecados sociais, tais como a ociosidade, a cobrança de juros excessivos, a especulação e outros males.

A Igreja também tinha algumas importantes tarefas a desempenhar com relação ao Estado. Em primeiro lugar, a Igreja tinha o dever de orar pelas autoridades constituídas (ver 1 Tm 2.1-2). Ela também devia exortar o Estado a defender os pobres e os fracos contra os ricos e poderosos. Não se trata de substituir a pregação bíblica pelo discurso político, mas de fidelidade aos princípios de "sola Scriptura- e "rota Scriptura".

Finalmente, um outro aspecto importante e indispensável da atuação da Igreja era o seu ministério na área social propriamente dita. Embora os cristãos individuais tivessem cl aras responsabi li dades dadas por Deus no t ocant e ao envolvimento com as necessidades da comunidade, a Igreja como instituição devia dedicar-se ao serviço cristão, socorrendo os necessitados e contribuindo para atenuar ou eliminar os males sociais.

Conclusão

Como um homem do seu tempo, Calvino experimentou certos condicionamentos e limitações em seu pensamento e ação. Por exemplo, ele aceitou tacitamente a ordem social e política então vigente, de forte integração e colaboração entre

a Igreja e o Estado. Em Genebra, todos os cidadãos eram, em princípio, ao mesmo tempo cidadãos do Estado e membros da Igreja reformada. Os males desse sistema hoje são óbvios. A Igreja usava as instituições do Estado para impor a sua disciplina a todos os

moradores, e o Estado, por sua vez, sentia-se livre para interferir em vários aspectos da vida da Igreja e da esfera religiosa. Hoje, com o princípio amplamente aceito da separação entre Igreja e Estado, entendemos que isso não é mais aceitável. Todavia, corremos o perigo oposto de achar que, por causa dessa separação, a esfera religiosa nada tem a ver com a vida política e social.

Foram os herdeiros de Calvino que levaram a sua teologia profundamente bíblica e teocêntrica, e o seu revolucionário pensamento social, às suas últimas implicações. John Leith observa: "A maior contribuição de Calvino para a teoria política não deve ser buscada em quaisquer propostas específicas, mas na sua teologia. A insistência no senhorio de Deus, diante do qual todos os seres humanos são iguais, e a insistência na pecaminosidade de todas as pessoas, quando traduzidas em ações políticas, foram poderosos incentivos para uma ordem política de controle mútuo entre os órgãos governamentais".'

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No início do século 20, foi primeiro-ministro da Holanda o pastor e teólogo reformado Abraham Kuyper, que muito fez para promover a justiça e a paz social em seu país.' Outro goveritarine, calvinista que se destacou pela sua coerência e equilí bri o, pr inci p al ment e na área sensí vel da pol ít ica internacional, foi o presidente norte -americano Woodrow Wilson (1913-1921). Posteriormente, o reformado suíço Karl Barth (1886-1968), o mais influente teólogo do século 20, notabilizou-se por sua corajosa denúncia da malignidade do nacional-socialismo de Hitler, o que levou à sua expulsão da Alemanha, onde trabalhava como professor. Mais recentemente, houve uma participação decisiva dos reformados na luta contra o opressivo regime comunista da Romênia.

Que as convicções e exemplos de envolvimento político

e social coerente e bíblico dos fundadores e herdeiros da tradição reformada possam servir de encorajamento e incentivo para sermos agentes de reconciliação em nossa sociedade enferma, para sermos instrumentos na promoção da justiça e da paz que também fazem parte do evangelho de Cristo.

Capítulo 4 _______________

Calvinismo

e

Capitalismo:

Qual

é

Mesmo a sua Relação?

A questão de como se relacionam o calvinismo e o capitalismo tem sido objeto de enorme controvérsia, estando longe de produzir um consenso entre os estudiosos. O tema popularizou-se a partir do estudo do sociólogo alemão Maus, Weber (1864-1920) intitulado A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, publicado em 1904-1905. Numa tese oposta à de Karl Marx, Weber concluiu que a religião exerce uma p r o f u n d a i n f l u ê n c i a s o b r e a v i d a e c o n ô m i c a . M a i s especificamente, ele afirmou que a teologia e a ética do calvinismo foram fatores essenciais no desenvolvimento do capitalismo do norte da Europa e dos Estados Unidos.

(14)

Weber partiu da constatação de que em certos países da Europa um número desproporcional de protestantes estavam envolvidos com ocupações ligadas ao capital, â indústria e ao comércio. Além disso, algumas regiões de fé calvinista ou reformada estavam entre aquelas onde mais floresceu o capitalismo. Na sua pesquisa, ele baseou-se principalmente nos puritanos e em grupos influenciados por eles. Ao analisar os dados, Weber concluiu que entre os puritanos surgiu um "espírito capitalista" que fez do lucro e do ganho um dever. Ele argumenta que esse espírito resultou do sentido cristão de vocação dado pelos protestantes ao trabalho e do conceito de predestinação, tido como central na teologia calvinista. Isso gerou o individualismo e um novo tipo de ascetismo "no mundo", caracterizado por uma vida disciplinada, apego ao trabalho e valorização da poupança. Finalmente, a secularização do espírito protestante gerou a mentalidade burguesa e as realidades cruéis do mundo dos negócios.

0 Capitalismo e a Ética Calvinista

Calvino de fato interessou-se vivamente por questões econômicas e existem elementos na sua teologia que certamente contribuíram para uma nova atitude em relação ao trabalho e aos bens materiais. Sua aceitação da posse de riquezas e da propriedade privada, sua doutrina da vocação e sua insistência no trabalho e na frugalidade, foram alguns dos fatores que colaboraram para o eventual surgimento do capitalismo. Mesmo um crítico contundente da tese de Weber como André Biéler admite: "Calvino e o calvinismo de origem contribuíram, cert ament e, para t ornar mui t o mai s f ácei s, no seio das populações reformadas, o desenvolvimento da vida econômica e o surto do capitalismo nascente"

(O

pensamento econômico e social de Calvino, p. 661).

Todavia, esse e outros autores têm ressaltado como a ética e a teologia do reformador divergem radicalmente dos excessos do capitalismo moderno. Por causa das difíceis realidades econômicas e sociais de Genebra, Calvino escreveu amplamente sobre o assunto. Ele condenou a usura e procurou limitar as taxas de juros, insistindo que os empréstimos aos pobres fossem isentos de qualquer encargo. Ele defendeu a justa remuneração dos trabalhadores e combateu a especulação financeira e a manipulação dos preços, principalmente de alimentos. Embora considerasse a prosperidade um sinal da bondade de Deus, ele valorizou a pessoa do pobre, considerando-o um instrumento de Deus para estimular os mais afortunados à prática da generosidade. A tese de que as riquezas são evidência de eleição e a pobreza é sinal de reprovação, é uma caricatura da ética calvinista. Para Calvino, a propriedade, o lucro e o trabalho deviam ser utilizados para o bem comum e para o serviço ao próximo.

Conclusão

Em conclusão, existe uma relação entre o calvinismo e o capitalismo, mas não necessariamente uma relação de causa e efeito. Provavelmente, mesmo sem o calvinismo teria surgido alguma forma de capitalismo. Se é verdade que a teologia e a ética reformadas se adequavam ás novas realidades econômicas e as estimularam, todavia, o tipo de calvinismo que mais contribuiu para fortalecer o capitalismo foi um calvinismo secularizado, que havia perdido de vista os seus p rincípios básicos. Entre esses princípios está a noção de que Deus e o Senhor de toda a vida, inclusive da atividade

econômica, e, portanto, esta atividade deve refletir uma ética baseada na justiça, compaixão e solidariedade social.

(15)

Os

Cinco

Pontos

do

Calvinismo

João Calvino (1509-1564) faleceu no dia 27 de maio de 1564, antes de completar 55 anos de idade. Não teve uma vida muito longa, mas realizou uma grande obra. Além de suas atividades políticas, administrativas e eclesiásticas, Calvino foi um grande teólogo.

Após a morte de Calvino, alguns teólogos, sob a influência das tradições humanistas, passaram a questionar algumas doutrinas formuladas por ele. Entre estes se destacou Jacó Armínio (1560-1609), professor da Universidade de Leyden, na Holanda. O sistema de doutrina formulado por Armínio, em oposição às doutrinas formuladas por Calvino, é conhecido como arminianistuo. Após a morte de Armínio, um grupo de seus

seguidores redigiu um documento denominado Rentonstrância (Representação), no qual

questionavam cinco pontos fundamentais das doutrinas sistematizadas por Calvino.

A divulgação da R e m o n s t r â n c ia gerou grande controvérsia entre os

protestantes dos Países Baixos. Uns se posicionaram ao lado do calvinismo, outros ao lado do arminianismo. Por isso, foi convocado um sínodo para tratar do assunto. 0 sínodo, constituído de pastores e presbíteros, representando os sínodos provinciais ou regionais da Igreja Reformada da República dos Sete Países Unidos (confederação de sete províncias, entre as quais estavam Bélgica e Holanda), reuniu-se na cidade de Dort (ou Dordrecht), na Holanda. A reunião foi aberta no dia 13 de novembro de 1618 e no dia 6 de maio de 1619 as deliberações do sínodo foram solenemente

promulgadas. O documento teológico elaborado pelo sínodo é conhecido como Cânones de

Dort.

Os cinco pontos do arminianismo foram rejeitados. E a resposta dada pelo sínodo â

Remonstrância ficou conhecida como Os Cinco Pontos do Calvinismo: (1) depravação total, (2) eleição incondicional, (3) expiação limitada, (4) graça irresistível e (5) perseverança dos santos.

Depravação Total

Quando falam em depravação total, os calvinistas estão afirmando que, em decorrência da queda de nossos primeiros pais – Adão e Eva – o ser humano está totalmente corrompido no corpo e na alma e, portanto, nele não há nenhum bem espiritual.

O Sínodo de Doa afirmou:

No princípio o homem foi criado à imagem de Deus. Foi adornado em seu entendimento com o verdadeiro e salutar conhecimento de Deus e de todas as coisas espirituais. Sua vontade e seu coração eram retos, todos os seus afetos, puros; portanto, era o homem completamente santo. Mas, desviando-se de Deus sob instigação do diabo e pela sua livre vontade, ele se privou desses dons excelentes. Em lugar disso trouxe sobre si cegueira, trevas terríveis, leviano e perverso juizo em seu entendimento; malícia, rebeldia e dureza em sua vontade e em seu coração; e, ainda, impureza em todos os seu afetos.

(16)

acordo como justo julgamento de Deus, passou de Adão até todos os seus descendentes, com exceção de Cristo somente.

Portanto, todos os homens são concebidos em pecado e nascem como filhos da ira, incapazes de qualquer ação que os salve, inclinados para o mal, mortos no pecado e escravos do pecado. Sem a graça do Espírito Santo regenerador não desejam nem tampouco podem retornar a Deus, corrigir sua natureza corrompida ou ao menos estar dispostos a essacorreção.1

Eleição Incondicional

Os calvinistas crêem, â luz dos ensinos bíblicos, que Deus não permitiu que toda a humanidade perecesse eternamente no inferno. Por isto, antes da fundação do mundo, escolheu homens e mulheres para serem santos e irrepreensíveis perante ele, e, em amor, os predestinou para a salvação (ver Efésios 1.3-14). Esta eleição é incondicional porque não se baseia em nenhum mérito ou virtude da pessoa predestinada, mas unicamente no amor e na misericórdia de Deus. Também não é o conhecimento prévio de Deus, de que tais pessoas vão receber Jesus como Salvador, que levou o Criador a escofitê-Ias para a salvação. Pelo contrário, é a escolha feita por Deus que leva essas pessoas ao arrependimento de seus pecados e à fé salvadora. Portanto, a eleição ou predestinação para a salvação é um ato soberano de Deus totalmente incondicional. "A fé e o arrependimento não são condição, mas resultado da eleição, o meio que Deus escolhe para aplicara salvação aos eleitos. Deus não elege porque antevê arrependimento e fé. Ele produz arrependimento e fé porque elegeu-.'

Expiação Limitada

O que é expiação? "O sentido da idéia envolvida nessa palavra é o processo da reunião de duas partes, antes alienadas, para que formem uma unidade".' O pecado havia estabelecido uma separação entre Deus e o homem. E alguma coisa precisava ser feita para remover a culpado pecado e restabelecera união entre Deus e o ser humano. Portanto, quando falamos em expiação, estamos nos referindo â obra que foi feita para reconciliar o homem com Deus. Jesus tomou o lugar dos pecadores, a culpa deles lhe foi imputada e a punição que mereciam foi transferida para ele.

Os calvinistas crêem que Cristo sofreu o castigo em lugar dos eleitos e que pagou pelos pecados de cada um daqueles que Deus havia escolhido para a salvação, isto é, a expiação é obra expiatória de Cristo tenha sido incompleta ou imperfeita. A obra de Cristo foi completa e perfeita. O termo limitada se aplica apenas à extensão da expiação. Daí a afirmação de que o sacrifício de Cristo é suficiente para a salvação da humanidade toda, mas é eficiente para salvar apenas os eleitos.

Jesus declarou: "Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas. Eu sou o bom

pastor; conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem a mim, assim como o Pai me conhece a mim, e eu conheço o Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas" (Jo 10.11,14,15). Fica claro que Jesus morreu por suas ovelhas, isto é, pelos eleitos.

A Bíblia afirma que nenhum plano de Deus pode ser frustrado (Jó 42.2). Portanto, se o sacrifício de Jesus tivesse o objetivo de salvar todos os homens, todos os homens seriam salvos. Mas esse não era o plano de Deus. Ele enviou seu Filho para salvar os seus escolhidos. Logo, os escolhidos de Deus serão salvos. E é nessa certeza que nós vivemos e descansamos.

Graça Irresistível

(17)

"Deus realiza seu bom propósito nos eleitos e opera neles a verdadeira conversão da seguinte maneira: ele faz com que ouçam o Evangelho mediante a pregação e poderosamente ilumina suas mentes pelo Espírito Santo de tal modo que possam entender corretamente e discernir as coisas do Espírito de Deus. Mas, pela operação eficaz do mesmo Espírito regenerador, Deus também penetra até os recantos mais íntimos do homem. Ele abre o coração fechado e enternece o que está duro, circuncida o que está incircunciso e introduz novas qualidades na vontade. Esta vontade estava morta, mas ele a faz reviver; era má, mas ele a toma boa; estava indisposta, mas ele a toma disposta; era rebelde, mas ele a faz obediente, ele move e fortalece esta vontade de tal forma que, como uma boa árvore, seja capaz de produzir frutos de boas obras (1 Co 2.14)114

A graça de Deus é eficaz, irresistivel, porque "a ação de Deus no coração dos seus eleitos não poderá ser eficazmente resistida; isso não quer dizer que os pecadores serão convertidos à força, mas que suas vontades serão eficazmente convencidas; serão levados ao arrependimento e crerão no evangelho, de modo que acabarão respondendo positivamente ao chamado do Espírito Santo"."

Perseverança dos Santos

A Perseverança dos Santos é a conclusão natural a que se chega depois de examinar os quatro primeiros pontos do calvinismo. "Se o homem é totalmente depravado e não pode fazer nada para ajudar a si mesmo no que diz respeito às coisas espirituais; se Deus é absolutamente soberano na questão da eleição, fundamentada tão -somente em sua própria vontade; se a mort e de Cri st o r e al i zou -se e m f a vor dos el ei t os, assegurando-lhes a salvação; e se Deus chama os eleitos de maneira irresistivel, conclui-se que Deus assegurará a salvação final destes eleitos, ou seja, eles perseverarão até o fim ", afirmou o professor Richard Belcher, do Reformed Theological Sentinary de Charlotte, Estados Unidos, na Conferência Fiel de 2002.

O t e ó l o g o L o u i s B e r k h o f d e f i n i u a d o u t r i n a d a Perseverança dos Santos "como a contínua operação do Espírito Santo no crente, pela qual a obra da graça divina, iniciada no coração, tem prosseguimento e se completa'.s Richard Belcher, n a

C o n f e r ê n c i a a q u e n o s r e f e r i m o s , a f i r m o u q u e " a perseverança dos santos é a doutrina que afirma que os eleitos continuarão no caminho da salvação (por serem eles o objeto do eterno decreto da eleição e por serem eles o objeto da expiação realizada por Cristo) visto que o mesmo poder de Deus que os salvou os preservará e os santificará até o final".'

Conclusão

João Calvino não foi o autor dos Cinco Pontos do

Calvinismo. Nem todos os calvinistas aceitam, integralmente, as afirmações do Sínodo de Dort. Mas, apesar disto, é inegável que os Cinco Pontos sintetizam o ensino calvinista.

Estes Cinco Pontos refletem bem a ênfase doutrinária da Igreja Presbiteriana: a soberania de Deus em todas as coisas. Nós cremos que Deus é absolutamente soberano em tudo. Nossa Confissão de Fé afirma: "Deus tem, em si mesmo, e de si mesmo, toda a vida, glória, bondade, e bem-aventurança. Ele é todo-suficiente em si e para si, pois não precisa das criaturas que trouxe à existência; não deriva delas glória alguma, mas somente manifesta a sua glória nelas, por elas, para elas e sobre elas. Ele é a única origem de todo ser; dele, por ele e para ele são todas as coisas e sobre elas tem ele soberano domínio pua fazer com elas, para elas e sobre elas tudo quanto quiser".8

(18)

Capítulo

6 _____________

Primeiras

Ten tivas

de

Implantação

no

Brasil

Como já foi mostrado, a fé reformada implantou-se inicialmente no hemisfério norte

(Europa e América do Norte). Depois, foi levada para várias regiões de colonização anglosaxônica em outros continentes. Por fim, deitou raízes entre as populações locais de muitos países do chamado "terceiro untada" (Ásia, África e América Latina).

Apenas dois países ibero-americanos possuem comunidades presbiterianas de maior expressão: México e Brasil. A Igreja Presbiteriana Nacional do México, cujos primórdios remontam a 1872, possui cerca de 2 milhões de membros, sendo a segunda maior denominação evangélica do país. No Brasil, todos os grupos presbiterianos e reformados somam por volta de 1 milhão de pessoas. Existem pequenas denominações presbiterianas em muitos outros países: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Cuba, Guatemala, Guiana (Inglesa), Paraguai, Perue Venezuela.

O presbiterianismo foi implantado definitivamente no Brasil a partir de 1859, coma chegada do Rev. Ashbel Green Simonton (1833-1867). Todavia, houve tentativas anteriores de trazer a fé reformada para o país. Esses esforços ocorreram nos dois primeiros séculos da colonização do Brasil. Foi nesse contexto que ocorreram as primeiras tentativas dos reformados de anunciar o evangelho a povos pagãos.

A Invasão dos Franceses

Após o descobrimento do Brasil, Portugal demorou a se interessar pela ocupação e a colonização dos novos domínios.

Com isso, a colônia atraiu a atenção de outras nações européias, especialmente a França. O militare aventureiro francês Nicolas Durand de Villegaignon (1510-1571) teve a idéia de fundar uma colônia no Brasil. Sua expedição chegou à baía de Guanabara no dia 10 de novembro de 1555, sendo bem recebida pelos índios tutrinararbás, acostumados à presença de franceses na região. 0 grupo instalou-se na pequena ilha de Sergipe, mais tarde denominada Villegaignon, onde foi construido o Forte Cofigny.

Sendo inicialmente simpático à causa da Reforma e procurando elevar o nível moral e espiritual da sua colônia, Villegaignon escreveu a João Calvino solicitando o envio de colonos protestantes. A Igreja Reformada de Genebra atendeu prontamente ao pedido, enviando um grupo de evangélicos sob a liderança de dois pastores, Pierre Richier e Guillaume Chartier. Os seus objetivos específicos eram implantar a fé reformada entre os franceses e evangelizar os indígenas. No dia 7 de março de 1557, eles finalmente entraram no "braço de mar" chamado Guanabara pelos selvagens e Rio de Janeiro pelos portugueses. O desembarque no Forte Coligny deu-se no dia 10 de março, uma quarta-feira. Logo em seguida, reunidos todos em uma pequena sala no centro da ilha, foi realizado um culto de ação de graças, o primeiro culto protestante ocorrido nas Américas, o Novo Mundo. A Santa Ceia segundo o rito reformado foi celebrada pela primeira vez no domingo 21 de março de 1557.

Infelizmente, Villegaignon acabou entrando em conflito com os huguenotes sobre questões doutrinárias e os expulsou da colônia. No dia 4 de janeiro de 1558, eles partiram

(19)

para a França a bordo de um velho navio. O comandante avisou que a viagem iria ser difícil e não haveria alimento para todos. Diante disso, cinco huguenotes se ofereceram para voltar à terra. Inicialmente Villegaignon os recebeu de modo cordial, mas logo os acusou de serem traidores e espiões. Formulou um questionário sobre

para responderem por escrito. O resultado foi a bela Confissão de Fé da Guanabara ou Confissão Fluminense.

O vice-almirante declarou heréticos vários artigos e decidiu pela morte dos reformados. No dia 9 de fevereiro de 1558, Jean du Bourdel, Matthieu Verneil e Pierre Boutrilon foram estrangulados e lançados ao mar. André Lafon teve a vida poupada devido a suas vacilações religiosas e ao fato de ser o único alfaiate da colônia. Jacques Le Balleur fugiu e foi para São Vicente. Levado preso para a Bahia, ficou encarcerado por oito anos, sendo então conduzido ao Rio de Janeiro, onde foi enforcado. Ele e seus companheiros ficaram conhecidos como os mártires calvinistas do Brasil. Dentre os que conseguiram retomar para a França estava o sapateiro Jean de Léry, que mais tarde tomou-se pastor e escreveu a célebre obra Viagem à Terra do Brasil.

Os Holandeses no Nordeste

A próxima tentativa de introdução do calvinismo no Brasil ocorreu em meados do século 17 por meio dos holandeses. Em 1621, eles haviam criado a Companhia das índias Ocidentais com o objetivo de conquistar e colonizar territórios da Espanha nas Américas, especialmente uma rica região açucareis —o nordeste do Brasil. Em 1624, os holandeses tomaram Salvador, a capital do Brasil, mas foram expulsos no ano seguinte. Finalmente, em 1630 eles tomaram Recife e Olinda e depois boa parte do Nordeste.

Embora os residentes católicos e judeus tenham gozado de tolerância religiosa, a igreja oficial da colônia foi a Igreja Reformada da Holanda, que realizou uma grande obra pastoral e missionária. Ao longo dos anos foram criadas 22 igrejas e congregações, dois presbitérios (Pernambuco e Paratilha) e até mesmo um sínodo (1642-1646). Além da

assistência aos colonos europeus, a igreja reformada fez um grande trabalho missionário junto aos indígenas. Ao lado da pregação e ensino, houve a preparação de um catecismo incluíam a tradução das Escrituras e a ordenação de pastores indígenas, o que não chegou a se concretizar.

Em 1654, após quase dez anos de luta, os holandeses foram expulsos, transferindo-se para o Caribe. Os judeus que os acompanhavam foram para Nova Amsterdã, a futura Nova York. Coma expulsão dos holandeses, as igrejas nativas vieram a extinguir-se.

Eventos Posteriores

Após a expulsão dos holandeses, o Brasil fechou as suas portas aos protestantes por mais de 150 anos. Foi só no início do século 19, com a vinda da fundia real portuguesa, que essa situação começou a se alterar. Em 1810, Portugal e Inglaterra firmaram um Tratado de Comércio e Navegação, cujo artigo XII concedeu tolerância religiosa aos imigrantes protestantes. Logo, muitos começaram a chegar, entre eles um bom número de reformados.

Um dos primeiros pastores presbiterianos a visitar o Brasil foi o Rev. James Cooley Fletcher (1823-1901), que aqui chegou em 1851. Fletcher foi capelão dos marinheiros que aportavam no Rio de Janeiro e deu assistência religiosa a imigrantes europeus. Ele manteve contatos com D. Pedro 11 e outros membros destacados da sociedade; lutou em favor da liberdade r eligi osa, da emancipação dos escravos e da i mi gração

(20)

protestante. Escreveu o livro O Brasil e os Brasileiros (1857), que foi muito apreciado nos Estados Unidos.

Fletcher não fez nenhum trabalho missionário junto aos brasileiros, mas contribuiu para que isso acontecesse. Foi ele quem influenciou o Rev. RobertReid Kalley e sua esposa Sarah P. Kalley a virem para o Brasil, o que ocorreu em 1855. Kalley fundou a Igreja Evangélica Fluminense, no Rio de Janeiro, em 1858. No ano seguinte, chegou à mesma cidade o fundador da Igreja Presbiteriana do Brasil, Rev. Ashbel Green Simonton.

Capítulo 7 _____________

A

Confissão

de

da

Guanabara

Conforme vimos ao tratar da França Antártica, o vice almirante Villegaignon entrou em conflito com os huguenotes sobre questões doutrinárias e os expulsou da colônia. No dia 4 de janeiro de 1558, eles partiram para a França a bordo de um velho navio. O navio tinha pequena capacidade: somados os marujos e os passageiros, havia 45 pessoas a bordo. Logo, c o me ç ou a e nt r ar á gu a e m mu i t os po nt os do ca sc o. O comandante avisou que a viagem iria ser penosa e não haveria alimento para todos. À vista disso, Jean de Léry e alguns companheiros se ofereceram para voltar à terra. Léry desistiu no último momento, quando já se encontrava no bote. Os outros eram Pierre Bourdon, Jean du Bourdel, Matthieu Verneuil, André Lafon e Jacques Le Balleur.

Desafio

Os cinco homens foram parar em uma praia, onde vários indígenas vieram eram ao seu encontro. Resolveram voltar para o forte Coligny, onde Villegaignon os recebeu de modo cordial. Doze dias depois, ele mudou radicalmente de atitude: concluiu que os calvinistas haviam mentido e eram traidores e espiões. Decidiu executá-los por heresia. Como representante do rei Henrique 11, podia exigir que eles declarassem publicamente a sua fé. Formulou um questionário sobre pontos doutrinários que já havia levantado anteriormente e deu-lhes doze horas para responderem por escrito.

Tudo de que dispunham os huguenotes era um exemplar das Escrituras. Além disso, não eram teólogos, e sim leigos

Para redigir a resposta escolheram Jean du Bourdel, não só o mais velho deles, mas o mais letrado e conhecedor do latim. Concluída a redação, com tinta de pau-brasil, Bourdel leu-a várias vezes perante os companheiros, interrogando-os sobre cada ponto. O resultado foi a bela Conf issão de Fé da Guanabara ou Confissão Fluminense. Cada um a assinou de próprio punho, indicando que a recebia como sua própria.

A

Confissão de Fé

Estritamente falando, a Confissão da Guanabara é um credo, pois quase todos os artigos começam com a palavra "cremos". Todavia, a sua extensão e a variedade de temas a coloca na categoria das confissões de fé, comuns na época da Refor ma. Na ver dade, é um dos pr i meir os document os confessionais reformados. A Confissão

Galicana (1559), a Confissão Belga (1561), o Catecismo de Heidelberg (1566) e a

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A Introdução faz uma bela aplicação do texto de 1 Pedro 3.15. A Confissão de Fé em si é composta de 17 parágrafos de diferentes tamanhos que tratam de cinco ou seis questões principais: (1) Parágrafos 1-4: a doutrina da Trindade, em especial a pessoa de Cristo, com suas naturezas divina e humana. (2) Parágrafos 5-9: a doutrina dos sacramentos; a Ceia é tratada em quatro artigos e o batismo em um. (3) Parágrafo 10: a questão do livre arbítrio. (4) Parágrafos 11-12: a autoridade dos ministros para perdoar pecados e impor as mãos. (5) Parágrafos 13-15: divórcio, casamento dos bispos, voto de castidade. (6) Parágrafos 16 -17: a intercessão dos santos e orações pelos mortos.

O texto faz diversas referências aos concílios da igreja antiga e aos pais da igreja, revelando os conhecimentos históricos dos seus autores. Os parágrafos 1 a 4 utilizam uma linguagem tirada do Credo Niceno-Constammopolitano (ano

procedente do Pai e do Filho" (Filioque) são bem conhecidas na história da teologia. O parágrafo 3 se refere ao "símbolo", ou seja, o Credo dos Apóstolos ou algum dos outros credos antigos. O parágrafo 5 se refere explicitamente ao Concilio de Nicéia (ano 325).

A confissão também menciona quatro pais da igreja ou escritores da igreja antiga: Tertuliano (e.160-c.220)—parágrafo 5; Cipriano (c.200-258) — parágrafos 11 e 15; Ambrósio (c.339397) — parágrafos 11 e 13; e, principalmente, Agostinho (354- 430) — parágrafos 5 (três vezes), 7, 11 e 17. Há também referências a um grande número de passagens bíblicas, principalmente na segunda metade do documento.

Considerando o documento como um todo, percebem -se três características: (a) é uma confissão de fé bíblica: está repleta de referências e argumentos extraídos diretamente das Escrituras; (b) é uma confissão de fé cristã: expressa convicções e conceitos dos primeiros séculos da igreja; (e) é uma confissão de fé reformada: contém pontos importantes do

calvinismo, como a centralidade das Escrituras, a natureza simbólica dos sacramentos, a supremacia de Cristo, a importância da fé, o batismo infantil e a eleição, entre outros.

0 Martírio dos Huguenotes

Recebido o texto da confissão, o comandante declarou heréticos vários artigos, especialmente aqueles relativos aos sacramentos e aos votos, e decidiu pela morte dos reformados. No di a 8 de fever ei ro, mandou trazer do cont inent e os signatários (Pieira Bourdon ficou na aldeia por se achar enfermo). Lançou^os em uma prisão pequena e escura, onde os condenados oraram e cantaram salmos. Decidiu que fossem estrangulados e lançados ao mar, pois o carrasco não tinha preparo para eliminá-los de outro modo.

Chegou a sexta-feira 9 de fevereiro de 1558. O primeiro a ser chamado foi o redator da Confissão de Fé, Jean du Bourdel.

conduzido à rocha escolhida para a execução, entoando salmos e louvores no caminho. Orou antes de ser sufocado e lançado às águas. Matüúeu Verticil foi o próximo. Perguntou por que estava sendo executado. Diante da resposta, observou que oito meses antes o almirante havia confessado publicamente os mesmos pontos doutrinários pelos quais condenara à morte os reformados. Após orar, pediu a Villegaignon que, em vez de fazê-lo morrer, o tomasse como escravo. O vice-almirante lhe disse que, caso se retratasse, iria pensar no assunto. Verneil se negou a isso e foi executado.

André Lafon deixou -se persuadir por sugestões de auxiliares de Villegaignon, que lhe disseram como poderia salvara vida. Declarou que não queria ser obstinado em

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suas idéias calvinistas e se comprometeu a retratar-se quando lhe provassem os seus erros pela Palavra de Deus. Foi poupado e ficou preso na fortaleza, como alfaiate do líder e dos seus homens. Pierre Bourdon foi conduzido pessoalmente por Villegaignon e alguns auxiliares da casa onde se achava gravemente enfermo até a ilha. Disseram-lhe que iria receber tratamento. Teve o mesmo fim que os dois colegas.

Às 10 horas, Villegaignon reuniu toda a sua gente e lhes dirigiu palavras de cautela contra a "seita dos luteranos". Em si nal de rego zi j o pel as e xecuções, mandou f a zer f ar t a distribuição de víveres aos seus servos. Ao voltar à França publicou diversos escritos contra a fé reformada, sendo devidamente refutado.

Jacques Le Balleur conseguiu escapar. Alguns acreditam que viera ao Brasil na primeira expedição. Além de eloqüente e teólogo, era versado em espanhol, latim, grego e hebraico. Surgiu na Capitania de São Vicente em 1559, onde chegou em uma canoa de tamoios. Pôs-se a pregar as suas convicções. O jesuíta Luiz de Grã desceu de São Paulo de Piratininga (fundada há cinco anos) para desarraigara heresia. Balleur ia ganhando terreno e dia a dia aumentava o número dos seus ouvintes. O jesuíta não ousou disputar com ele, mas mandou prendê-lo e o

enviou para a Bahia, sede do governo de Mem de Sá, onde ficou encarcerado por oito anos.

Condenado à morte, a execução foi suspensa por algum tempo. Finalmente, foi levado ao Rio de Janeiro para ser executado no lugar onde começara a pregar as suas "heresias". Foi enforcado na época da expulsão dos últimos france ses, pouco após a fundação da cidade do Rio de Janeiro. No momento da execução, revelando -se inábil o carrasco, foi auxiliado pelo padre José de Anchieta, que julgara haver convertido o calvinista e temia que a demora da execução o fizesse voltar atrás.

0 Destino da Confissão

Os huguenotes que voltaram para a França só chegaram ao destino em fins de maio de 1558, após quase cinco meses de viagem. Algumas pessoas que voltaram para a França quatro meses depois contaram ao senhor Du Pont, em Paris, que haviam testemunhado as execuções. Trouxeram consigo não só a Confissão de Fé, mas todo o processo instaurado contra os calvinistas por Villegaignon, entregando-o a Du Pont, de quem mais tarde o obteve Jean de Léry.

Visando a preservação do documento, Léry o entregou no mesmo ano de 1558 a Jean Crespin, para que o inserisse "no livro dos que em nossos dias foram martirizados na defesa do Evangelho- (História dos Mártires, 1564).

Léry regressou a Genebra, onde concluiu os estudos teológicos e foi ordenado. Foi pastor em Belleville-Sur-Saône, perto de Lyon. Voltou para Genebra em 1562 e, a instâncias de amigos, escreveu a sua obra mais famosa, Viagem à Terra do Brasil. A seguir exerceu o ministério em Nevers e La Charité. Escapou por milagre do massacre de São Bartolomeu e refugiou-se na fortaleza de Sancerre, vindo a escrever uma narrativa do cerco dessa cidade, publicada em 1574. Perdeu dois manuscritos da sua obra principal (Viagem à terra do Brasil), mas reencontrou o primeiro deles em 1576, publicando-o dois anos depois em La Rochelle.

Em 1910, quando da organização da Assembléia Geral (Supremo Concílio) da Igreja Presbiteriana do Brasil, no Rio de J a ne i r o, os d el e gad os fi zer a m u ma vi s i t a â i l ha de Vi ll egai gnon como part e das com emorações do quar to centenário do

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