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O papel do outro na atuação do Professor Coordenador MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

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PUC-SP

Lilian Corrêia Pessôa

O papel do

outro

na atuação do Professor Coordenador

MESTRADO EM EDUCAÇÃO:

PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

SÃO PAULO

(2)

PUC-SP

Lilian Corrêia Pessôa

O papel do

outro

na atuação do Professor Coordenador

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação: Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação da Professora Doutora Laurinda Ramalho de Almeida.

SÃO PAULO

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FICHA CATALOGRÁFICA

PESSÔA, Lilian Corrêia. O papel do outro na atuação do Professor Coordenador.

Dissertação de Mestrado – PUC – São Paulo, 2010.

Área de concentração – Educação: Psicologia da Educação

Orientador(a): Profª Drª Laurinda Ramalho de Almeida

1. Professor Coordenador.

(4)

BANCA EXAMINADORA

________________________________________

________________________________________

(5)

Dedico este trabalho a duas mulheres. 

À Aline... 

Que no auge dos seus oito anos suportou com 

bravura minhas ausências e o pouco tempo para 

ficarmos juntas. 

Apoiou, me deu colo e todo o seu carinho. 

Mas, acima de tudo, me ensinou, e ainda ensina, a 

ser mãe... a sua mãe! 

Onde quer que eu esteja você sempre está no meu 

coração. Te amo muito. 

 

À Luiza...   

Que me embalando num berço de amor, colocado 

sempre  à  frente  de  tudo,  me  fez  entender 

sentido da vida. 

Com a sua sabedoria aprendi aquilo que a ciência  não explica e não se encontra nos livros, mas que 

é essencial para viver. 

Você  alimentou  meus  sonhos  mesmo  sem 

compreendê‐los...  

(6)

Agradecimento

Por todos os caminhos trilhados nesta pesquisa, pelas muitas dificuldades

enfrentadas, pela queda e pela mão estendida na hora certa, por toda a

aprendizagem obtida nessa trajetória, só há um agradecimento a fazer... a Deus!

Pela Profª Dra. Laurinda Ramalho de Almeida, orientadora desta pesquisa

que, com competência e dedicação, guiou-me nos caminhos wallonianos,

colocando-se à frente para desbravar regiões mais difíceis de serem adentradas e

encorajando-me a fazer o mesmo. Se cheguei até aqui foi porque tive o privilégio de

contar com ela...

Pela Profª Dra. Vera Maria Nigro de Souza Placco que, pelo compromisso

com a qualidade da pesquisa acadêmica, exigiu que eu fosse além do que

imaginava conseguir. Não sei se cheguei até onde deveria mas, olhando para o

ponto do qual parti, sei que caminhei muito. Agradecer me parece tão pouco...

Pela Profª Dra. Regina Célia de Almeida Rego Prandini que, com toda a

habilidade que lhe é puculiar, mostrou-me aquilo que estava tão próximo de mim,

sem que eu pudesse enxergá-lo. Contar com as suas considerações neste trabalho

foi um presente que eu não imaginava receber...

Pela Profª Dra. Mitsuko Aparecida Makino Antunes e pela Profª Dra. Maria

Regina Maluf que durante as suas aulas não se limitaram ao ensino de um

conteúdo, de um método, de um fato... a alegria de poder contribuir com a

aprendizagem e o desenvolvimento dos seus alunos é uma marca que levarei para

(7)

que me proponho a realizar e pelo investimento nesta etapa da minha vida. Contar

com tudo isso foi fundamental para chegar até aqui...

Pela minha mãe, Luiza Correia Araujo, modelo de superação das limitações

impostas pela vida, sua maneira de acreditar que há sempre uma força que

desconhecemos dentro de cada um, nos dirige para avante. Como foi bom contar

com o seu carinho e compreensão nos meus momentos de crise. Você sabe me

fazer sair da sua presença mais feliz...

Pela minha filha, Aline Pessôa Hoffmann, que precisou lidar com a minha

ausência e, muitas vezes, para contar com a minha companhia no período da

realização desta pesquisa, pegou cadernos e canetas para “estudar” comigo... Sua

existência dá sentido à minha luta pelo mundo melhor que você merece...

Pelos meus irmãos, cunhados e sobrinhos, que por serem muitos não seria

possível falar de cada um individualmente, apesar de merecerem tal destaque.

Foram eles que, inúmeras vezes, foram buscar a minha Aline na escola para que eu

não perdesse aula; eles não me deixaram ir para as aulas a pé quando o meu carro

apresentava problemas; foi na porta da casa deles que eu bati quando a minha

impressora não funcionou e eu precisava imprimir um trabalho... ainda que fosse

num domingo às 23h. Suportaram a minha ausência nos almoços de família,

aniversários e confraternizações que sempre foram tão importantes na família. Sei

que teriam feito muito mais se preciso fosse... eles são demais!

Pelo participante desta pesquisa, Moreira, cuja história de vida aqui

(8)

Entrevistá-lo foi para mim um grande aprendizado...

Pelas verdadeiras amizades constituídas durante o mestrado, dentre as

quais destaco Ana Lúcia Pereira, parceira em todos os momentos dessa caminhada.

Nas horas difíceis sempre pude contar com a sua mão estendida... Pelas amigas

Adriana Soares Souza e Soraya Ramirez, cujo apoio no desenvolvimento desse

trabalho foram de extrema importância...

Pelos amigos da EE Pasquale Peccicacco, a qual pertenço, representada

aqui pela diretora Débora Finocchiaro, pessoa de extrema importância na minha ida

para a Diretoria de Ensino por ocasião da minha aprovação no mestrado...

Pelos parceiros profissionais e amigos da Diretoria de Ensino Norte 1,

destacando aqui o Prof. Michel Abou Assali, Dirigente de Ensino, pelo incentivo

constante ao estudo, à formação e pela exigência de uma prática pedagógica de

qualidade. Na Oficina Pedagógica, setor desta diretoria onde hoje atuo, é impossível

não agradecer a todos os colegas que acompanharam cada passo dessa trajetória,

alguns deles desde o seu início, e com os quais sempre pude contar, como é o caso

do Coordenador Luiz Carlos Tozetto, Robson Cleber da Silva, Marta Raquel Bonafé,

Adriana dos Santos Cunha, Luiz Fernando Vagliengo, Milton Álvaro Menon. Eles

presenciaram a minha chegada à diretoria, trazendo na bagagem o desejo de

consertar o mundo inteiro e puderam acompanhar o amadurecimento desta

pesquisa...

Pela bolsa de estudo recebida pela Secretaria de Educação do Estado de

(9)

trabalho, deixo essa poesia que diz muito mim...

Metade

Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio. Que a morte de tudo em que acredito não me tape os ouvidos e a boca. Porque metade de mim é o que eu grito... mas a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe seja linda ainda que tristeza. Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada, mesmo que distante. Porque metade de mim é partida... mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor, apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos. Porque metade de mim é o que ouço... mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço.

Que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada. Porque metade de mim é o que eu penso... mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.

Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso que eu me lembro ter dado na infância.

Por que metade de mim é a lembrança do que fui... a outra metade eu não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria pra me fazer aquietar o espírito. E que o teu silêncio me fale cada vez mais.

Porque metade de mim é abrigo... mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba.

E que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer.

Porque metade de mim é platéia... e a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada. Porque metade de mim é amor e a outra metade... também.

(10)

saber, mas os loucos desprezam a 

sabedoria e o ensino.   

(11)

Resumo

Partindo do pressuposto de que o outro desempenha papel de relevância na atuação de um profissional, esta pesquisa busca compreender o papel que este

outro exerce na atuação de um Professor Coordenador. Entende-se que, desse modo, seja possível apreender aspectos relevantes que possam contribuir para uma

atuação cada vez melhor desse profissional junto à sua equipe docente. A

metodologia adotada para a realização desta pesquisa foi a narrativa autobiográfica

por entender-se que a análise de uma trajetória particular pode desvelar aspectos da

categoria como um todo. Para tanto, selecionou-se um Professor Coordenador, cujo

trabalho realizado foi considerado de sucesso durante o tempo em que atuou nesta

função, expresso por aqueles que com ele trabalharam. A teoria psicogenética de

Henri Wallon, mais especificamente no que se refere à relação eu-outro, meios e integração (das dimensões funcionais: afetividade, ato motor, conhecimento e

pessoa, bem como organismo-meio), foi desencadeadora da questão de pesquisa e

ofereceu recursos para iluminar os dados na análise. Como resultado da forma de

análise proposta, alguns pontos se destacaram: a relação eu-outro pressupõe troca,

reciprocidade; a relação eu-outro pautada em negociações propicia condições mais

favoráveis ao desenvolvimento; o outro íntimo, parceiro constante do eu, torna-se

aparente nas situações de decisão e mudança de rumo. Compreender a pessoa

numa perspectiva integradora permite reavaliar a prática pedagógica do Professor

Coordenador junto à sua equipe docente, tornando-a mais adequada ao

desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem.

Palavras-chave: Professor Coordenador; Formação de Professores; Psicogenética

(12)

Supposing that the other exerts relevant influence at a professional actuation, this search looks for to understand the figure that this other exerts on a Coordinator Teaching actuation. From this point of view, we believe to be possible to catch

relevant aspects which may contribute for an improvingly better actuation of this

professional with his teaching staff altogether. The methodology adopted to compose

this search was an autobiographic narrative since we understand that the analysis of

a particular trajectory may disclose aspects of that category as a whole. Thereby we

selected a coordinator Teacher, whose work has been considered outstanding during

all the time he exerted that function, as expressed by those who had worked with

him. The psychogenetic theory of Henry Wallon, more specifically the section

referring to the me-other relationship, means and integration (of functional dimensions, affectivity, motion act, knowledge and person, as well as

organism-mean), was the reason for the question of this search, and offered resources to

illuminate the analysis data. As a result of the proposed analysis, some points

excelled: the relationship other, implies changes, reciprocity; the relationship

me-other based on negotiations propitiates more favorable conditions to the

development; the intimate other, constant partner of me, turns apparent at decisions situations and course changes. To understand the person at an integrator

perspective, permits re-evaluate the Coordinator Teacher pedagogic practices

together with his teaching staff, turning it to a more adequate to the teaching-learning

process development.

Key words: Coordinator Teacher; Teachers Graduation; Psychogenetic of Henri

(13)

Lista de Ilustrações

Figura 1 A Rua da Barragem... 84

Figura 2 O vilarejo em que Moreira morava: a região sem iluminação ... 90

Figura 3 O marceneiro que Moreira gostava de observar na sua infância... 93

Figura 4 A Barragem... 98

Figura 5 As mulheres lavavam a louça e a roupa na barragem enquanto as crianças nela brincavam... 100

Figura 6 Parte da Barragem de onde geralmente as crianças retiravam a argila para construir os seus brinquedos... 103

(14)

Apêndices

Apêndice A Transcrição da 1ª entrevista... 131

Apêndice B Transcrição da 2ª entrevista... 148

Apêndice C Síntese esquemática da 1ª entrevista... 167

Apêndice D Síntese esquemática da 2ª entrevista... 172

(15)

Introdução... 16

1. Origem do problema e delineamento da pesquisa... 24

1.1 Objetivo do Estudo... 28

1.2 Delimitação da Pesquisa... 29

1.3 Relevância do Trabalho... 30

1.4 Perspectiva da Pesquisa... 31

1.5 Narrativa Autobiográfica... 33

1.6 A realização da pesquisa... 36

1.7 A definição de uma trajetória... 38

1.8 O percurso metodológico... 41

2 O referencial teórico de Henri Wallon... 46

2.1 O desenvolvimento do psiquismo humano... 48

2.2 Integração... 49

2.3 Afetividade... 50

2.4 Ato Motor... 57

2.5 Conhecimento... 61

2.6 Pessoa... 63

2.7 Os meios... 65

2.8 Os grupos... 70

2.9 O outro, os outros e o outro íntimo... 74

(16)

3. Apresentação e análise dos dados... 81

3.1 Fato e cenário: a construção de uma visão panorâmica... 82

3.2 A questão sobre o outro na narrativa autobiográfica... 88 3.2.1 Um contador de histórias, um marceneiro, um artesão...

marcas desses outros reais... 89 3.2.2 A barragem, as brincadeiras, a escola... implicações dos meios

também chamados de outros... 98

3.2.3 Conflitos, escolhas, desafios... o outro íntimo na construção de uma trajetória... 111

4. Uma conclusão possível... 120

(17)

Introdução

A escola não pode esquecer que toda prática verdadeiramente 

pedagógica tem por finalidade o desenvolvimento da pessoa e o 

fortalecimento do eu. Sua intenção, portanto, tem de ser levar o 

aluno a fortalecer sua autoestima, ter confiança em si e nos 

outros,  ter  respeito  próprio.  E,  assim  fortalecido,  pode  ser 

solidário em suas relações. 

(18)

Atuando desde o ano 2000 nas séries iniciais do ensino fundamental (1º ao

5º ano), nas redes particular e pública estadual paulista, como Professora e

Professora Coordenadora, foi possível perceber em diferentes momentos o quanto

do meu proceder assemelhava-se com muitos daqueles com os quais convivi

durante a vida. Percebi também que as decisões por mim tomadas, as quais

delinearam a minha trajetória de vida, também revelavam o eco dessas outras

pessoas em mim. Um exemplo disso é a própria opção que fiz pela carreira docente.

Recordo-me que, ainda criança, muito me aprazia ouvir o meu irmão Laércio

explicar sobre os princípios básicos do funcionamento de um aparelho de televisão...

sobre o que é o sistema solar... o buraco negro... como se forma o arco-íris... como a

imagem era projetada numa tela de cinema... Para cada explicação havia uma série

de desenhos e objetos que se transformavam em planetas, estrelas, mecanismos,

enfim, no que fosse necessário para que eu pudesse compreender o assunto em

pauta. A verdade é que eu não chegava a compreender aquelas ideias complexas,

mas isso não era motivo de frustração para mim. O que considerava fascinante era

vê-lo “transformar” os materiais disponíveis ao nosso redor tecendo suas

considerações e exemplificações sobre algo, repetindo quantas vezes fossem

necessárias, com modificações que pudessem auxiliar o meu entendimento, sem

demonstrar indícios de impaciência. Sentia sua determinação ao ensinar, seu

empenho, percebia que o desafio de conseguir com que eu entendesse aquilo que

ele se propôs a explicar-me era algo que o empolgava. Admirava-o e pensava:

“quando crescer, quero ser assim”. Ainda que não soubesse disso na época acredito

que, desde então, intimamente alimentei o desejo de lecionar, pois, como

professora, teria a oportunidade de também realizar essas “transformações mágicas”

(19)

Somente aos 28 anos foi possível ingressar numa universidade com o

propósito de me preparar para a realização desse desejo de tornar-me professora.

Cursei Pedagogia contando com o apoio fundamental de toda a minha família.

Contudo, destaco duas pessoas extremamente importantes: minha mãe (que

sempre acreditou nos meus sonhos e os alimentou com a sua fé, coragem e crença

num futuro melhor – esperança inabalável de uma das tantas migrantes que viajou

com sua família de Alagoas para São Paulo, na década de 50, para tentar uma vida

melhor, trazendo na bagagem um mundo de sonhos pueris...) e meu marido (que

dissipou meus medos e se colocou ao meu lado disposto a transpor comigo – e não

por mim – todos os obstáculos que dificultassem o meu caminho; ao lado dele tudo

parecia possível).

Em 2000 comecei a lecionar para uma turma da então 1ª série (atualmente

2º ano) do ensino fundamental em uma escola particular. O início da docência é um

período em que os medos e as inseguranças imperam. Foi assim que, no cotidiano

escolar, nos momentos em que as teorias mostravam suas lacunas e as incertezas

se faziam presentes, fui percebendo o quanto do meu irmão Laércio havia em mim.

Ele era o meu referencial para buscar soluções a partir daquilo que havia na sala de

aula ou daquilo que pudesse aproximar-se do que os alunos conheciam bem,

ilustrando o assunto que estava sendo tratado. É sabido que existem aportes

teóricos que embasam essa prática pedagógica, entretanto, o que as minhas

lembranças apontavam-me não eram apenas os estudos realizados, havia também

a imagem do meu irmão, com as estratégias e a paciência que lhe eram peculiares.

E isto não era tudo. Havia na minha atuação como professora, ações que me

remetiam também a: outros professores que tive ao longo da minha formação

(20)

de Filosofia – na Universidade); aos meus outros cinco irmãos (o jeito de brincar do

Luciano, a habilidade manual da Maria Aparecida – Tuca, a praticidade da Luci –

Cica, o bom humor da Lúcia, a garra do Luiz); ao meu pai; aos amigos da infância,

adolescência e juventude (especialmente a inseparável Maria da Penha).

Mais surpreendente, ainda, foi perceber que mesmo aqueles pelos quais eu

não nutria nenhuma admiração ou até mesmo cujas atitudes eu reprovava, também

se faziam presentes na minha prática como referências daquilo que eu não gostaria

de fazer. Em momentos mais críticos, prestes a perder o controle da situação, dizia a

mim mesma: não posso ser como aquele(a) professor(a); vou respirar fundo e

buscar uma outra solução. Ou então, ao refletir sobre uma atitude inadequada já

realizada, pensava: por que agi deste modo se eu mesma já disse a alguns colegas

que este não é o jeito mais adequado de lidar com essa situação?

Recordo-me que a diretora de uma escola disse que eu precisava ter um

filho logo. Ela dizia gostar muito do meu trabalho, mas acreditava que ter um filho

era fundamental para o professor que atua nas séries iniciais pois, nas palavras

dela, como pai ou mãe este profissional teria “um outro olhar” para o aluno. Anos

depois, já com uma filha, eu dizia aos alunos coisas como: “Coloque a blusa, está

frio!” ou “Não tome gelado, você não estava muito bem ontem”. Nesses momentos,

recordava-me das palavras daquela diretora, pois antes de ter a minha filha, esses

cuidados até existiam na minha prática, mas eram como formalidades a serem

cumpridas; eu não me preocupava muito com eles, pois não tinha a dimensão das

suas possíveis consequências.

Numa outra etapa profissional, ou seja, na minha atuação como Professora

(21)

minha formação. Eu procurava imitá-los pela competência de suas aulas, pelo

respeito ao aluno, pelo comprometimento com a educação. Outros, entretanto,

serviam para lembrar-me daquilo que eu não gostaria de fazer sob o risco de faltar

com o compromisso assumido como educadora.

Uma experiência marcante na minha trajetória profissional ocorreu quando

conheci a professora Cida que lecionava Geografia. Era o meu primeiro ano como

professora e eu a admirava pela forma como havia me acolhido no grupo, bem como

pelo modo como lidava com os alunos: sempre com muito respeito, carinho e

paciência, de modo a permanecer, por onde quer que estivesse na escola, sempre

rodeada de alunos. Nas formaturas de todas as turmas era certa a homenagem à

professora Cida. De certa forma eu me espelhei nela e quis tornar-me também uma

professora cujos alunos estivessem sempre ao seu redor. Esforcei-me para

conquistar o carinho dos meus alunos do mesmo modo que a professora Cida o

havia conquistado junto aos seus. No afã de tornar-me “igual” a ela perdi o controle

da situação, pois não era eu mesma. Eu havia conseguido alunos à minha volta

mas, ao contrário do que eu imaginava, aquilo não me deixava numa situação

confortável. Eu sentia o meu espaço invadido por eles e ficava incomodada; eu

sentia falta e necessidade dos meus momentos de privacidade. Percebi, então, que

apesar de muito admirar a relação da Professora Cida com os seus alunos eu não

poderia ser “igual” a ela. Abandonei a ideia de imitá-la e os alunos demonstraram

que gostavam mais de mim do jeito que realmente eu era.

Entretanto, não pude (nem quis) “apagar” a professora Cida da minha vida.

Ela é uma referência pessoal e profissional para mim até hoje. Trabalhamos em

(22)

que nem tudo que é admirável em uma pessoa o será também em mim mesma foi

uma valiosa lição.

Por vezes a minha atuação como professora também me remetia às

pequenas e ingênuas histórias que a minha mãe contava, as quais lhe tinham sido

narradas pela minha avó como expressão da verdade, para delas serem retirados

ensinamentos que orientassem o convívio social. Também recordava a sensação de

felicidade quando a professora substituta das séries iniciais nos deixava desenhar e

pintar livremente. Invadia-me, em diversos momentos, a lembrança da liderança

exercida pelo gerente das empresas para as quais trabalhei antes de ingressar no

magistério; as diferentes atitudes dos meus amigos de outrora que me deixavam

triste ou alegre e que, portanto, serviam, em alguns momentos, como reguladoras da

minha conduta social.

Hoje, observando a minha filha de sete anos, percebo o quanto de suas

ações são parecidas com as minhas (na época em que eu tinha a sua idade) e como

as minhas atitudes como mãe se assemelham com as da minha mãe. Por outro

lado, como avó, a minha mãe é com a minha filha muito diferente do que foi comigo

como mãe: é mais permissiva, paciente, tolerante... Essa reflexão me fornece

elementos para inferir que é provável que, quando me tornar avó, terei um

comportamento análogo ao da minha mãe... Não porque esteja determinado que a

história se repita ou porque haja uma transmissão hereditária de comportamentos,

mas porque na nossa convivência vamos nos constituindo mutuamente de modo

processual, dinâmico, contínuo... Não sou a mesma pessoa todos os dias e as

experiências vivenciadas na relação com os outros me constituem a cada dia (posso apresentar um comportamento parecido com o da minha mãe) ao mesmo tempo em

(23)

concomitante a esta diferenciação individual, há também a permanência de certos

padrões relacionados ao comportamento humano, à cultura em que se está inserido,

às regras que são estabelecidas em prol do bem comum.

Transpondo essas reflexões para a minha atuação profissional, sobretudo

como Professora Coordenadora, onde as relações que ocorrem no processo de

formação de professores revelam aspectos que corroboram com a premissa de que

os outros exercem papel de relevância na formação do indivíduo, surgiu o desejo de investigar a relação eu-outro a partir do princípio que doravante torna-se o pressuposto desta pesquisa, ou seja: se o outro desempenha papel de relevância na atuação de um profissional, refletir sobre o papel que este exerce na atuação de um

Professor Coordenador, buscando compreender tanto quanto possível como se

constitui essa trama, pode desvelar aspectos significativos que possam contribuir

para uma atuação cada vez melhor do Professor Coordenador junto à sua equipe

docente.

Considerando o fato de que a análise da trajetória particular de um

profissional pode desvelar aspectos da categoria e, no caso deste estudo, das

relações que se estabelecem na atuação do Professor Coordenador junto à sua

equipe docente, a metodologia adotada para a realização desta pesquisa foi a

narrativa autobiográfica, pois ela permite explicitar a singularidade, e com ela, vislumbrar o universal... (WARSCHAUER In JOSSO, 2004, p.10).

Eu desconhecia, até o ingresso no mestrado, as possibilidades teóricas para

(24)
(25)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1

Origem do problema e

delineamento da pesquisa

Compreender como se dá o desenvolvimento das funções do 

domínio  do  conhecimento  e  o  papel  do  movimento  e  da 

afetividade para sabermos canalizá‐las a favor do processo de 

aprendizagem é essencial para o desenvolvimento da atividade 

docente. 

(26)

Assumir a Coordenação Pedagógica do ensino fundamental em uma escola

da rede particular foi uma experiência significativa na minha trajetória profissional.

De fato, o trabalho pedagógico realizado para além da sala de aula, na perspectiva

do Professor Coordenador, possibilita a ampliação dos conhecimentos referentes à

prática pedagógica: o seu planejamento, o seu discurso, o seu trabalho como um

todo não tem uma relação direta com o aluno, sua relação é mediada pela ação dos

professores. O Professor Coordenador, portanto, lida de forma mais direta com a

equipe docente, o que é algo bastante complexo, um desafio constante no cotidiano

escolar; contudo, é uma relação de aprendizagem recíproca.

Enquanto participava de cursos de formação e especialização fora do

ambiente da minha atuação profissional, como Professora Coordenadora, durante

debates e discussões que realizávamos em grupos, surpreendi-me defendendo

ideias e posicionamentos que outrora me foram expostos por um ou mais

professores da minha equipe de trabalho. Naqueles momentos (em que reconhecia

o outro no meu discurso) e a partir deles, sentia o quanto aquela argumentação por mim proferida passava a expressar também o meu ponto de vista, o meu jeito de ver

as coisas. E no meu discurso era notável o retumbar das palavras proferidas por

este outro em mim, este outro que era eu.

Desde então, passei a refletir sobre a importância do outro no processo contínuo da constituição humana. Compreender que o outro exerce papel de relevância na minha atuação pessoal e profissional exerceu certo impacto na minha

prática pedagógica: passei a ouvir os professores com mais atenção, propiciar

espaços para discussão e debate, tomar decisões de modo coletivo sempre que

possível, estabelecer objetivos articulando o perfil da equipe docente com os

(27)

frequentes, a relação dos professores com a Coordenação Pedagógica tornou-se

mais intensa. Os professores tornaram-se mais receptivos em relação às propostas

de trabalho que lhes eram apresentadas, envolviam-se mais nas atividades que

realizavam, procuravam a Coordenação para expor ideias que pudessem melhorar

as atividades desenvolvidas na escola, evitavam faltar nas reuniões agendadas e,

quando era necessário fazê-lo, avisavam com antecedência, na maioria das vezes.

De um modo geral, a compreensão de que o outro exerce um papel relevante na minha atuação profissional modificou significativamente a minha prática pedagógica.

A afirmação de Fullan e Hargreaves (2000, p.56), encheu-se de sentido para mim:

Nosso desenvolvimento dá-se através de nossas relações, em especial daquelas que estabelecemos com pessoas importantes para nós. Essas pessoas agem como uma espécie de espelho para nossos “eus” em desenvolvimento. Se em nossos locais de trabalho há pessoas que são importantes para nós e estão entre aquelas por quem temos consideração, eles (sic) terão uma enorme capacidade para, positiva ou negativamente, influenciar a espécie de pessoas e, por conseguinte, a espécie de professores que nos tornamos.

De um lado uma constatação pessoal sobre a importância do outro na atuação do indivíduo, numa outra perspectiva a concepção de Wallon sobre o papel do outro. A realização desta pesquisa surge, então, do desejo de articular um pressuposto

pautado em reflexões pessoais, o de que o outro exerce um papel relevante na

minha atuação profissional, com o referencial teórico de Wallon para validá-la. Para

quê? Para que possa contribuir com uma atuação progressivamente melhor do

Professor Coordenador junto à sua equipe docente.

São muitas as relações que se estabelecem na rotina do Professor Coordenador:

alunos, pais, professores, comunidade, profissionais que atuam na secretaria, na

direção, na diretoria de ensino, enfim... há uma rede da qual o Professor

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e outras tantas que possam ser estabelecidas no seu locus de atuação, a escola, urge que se reflita sobre as relações entre Professor Coordenador e equipe docente,

em especial, porque é nessa relação que se insere o processo de formação

continuada, uma das principais atribuições do Professor Coordenador.

Placco (2008, p.62), referindo-se à relação Professor-Aluno, afirma que:

Na sala de aula, a especificidade da relação professor-aluno precisa ser mais bem compreendida enquanto aspecto do desenvolvimento dos atores da prática social da educação. Essas relações, ao mesmo tempo pessoais/ interpessoais e sociais, têm, em sua origem, a preocupação pedagógica e educativa.

Penso que esse mesmo princípio apresentado por Placco para referir-se à relação

Professor-Aluno pode ser utilizado para compreender a relação Professor

Coordenador-Equipe Docente que também tem, em sua gênese, uma preocupação

de caráter pedagógico. É por esse motivo que tais relações precisam ser analisadas

à luz de uma teoria que possa oferecer possibilidades para potencializá-las e,

(29)

1.1 Objetivo do Estudo

Este estudo propõe-se a investigar o papel do outro na atuação de um Professor Coordenador. Utilizando-se da narrativa autobiográfica, busca analisar

retrocessos e avanços, inspirações e modelos, caminhada e trajetória, fracassos

e sucessos... Seu propósito final é compreender, à luz da teoria walloniana, a importância do outro na sua atuação profissional, articulando reflexões que possam propiciar melhorias no cotidiano do Professor Coordenador com a

(30)

1.2 Delimitação da Pesquisa

Sabe-se que são muitas as atribuições sob a responsabilidade de um

Professor Coordenador na escola. Sua atuação inclui, além do trabalho

pedagógico propriamente dito, atividades administrativas, atendimento aos pais,

aos alunos, à comunidade, participação na organização de eventos que

acontecem no âmbito escolar, acompanhamento das excursões e outras saídas

dos alunos, etc. Contudo, para tornar possível a realização deste estudo foi

preciso demarcar, fazer escolhas, ou seja, definir sua abrangência, deixando de

lado uma série de possibilidades e informações que poderiam contribuir com o

propósito de uma pesquisa acadêmica que tenha por meta refletir sobre a

atuação do Professor Coordenador. Deste modo, a delimitação dos aspectos

aqui priorizados reconhece os seus limites por não tratar de “todas” as

atribuições definidas para o Professor Coordenador, mas acredita que tal

restrição permite aprofundar a investigação no seu campo de estudo, apontando

um caminho possível, dentre outros. Assim, esta pesquisa foca as relações

vivenciadas pelo Professor Coordenador com o outro (numa perspectiva

walloniana), sobretudo aquelas que apresentam reflexos na sua prática pedagógica. É mister que se esclareça o fato de que será utilizada a expressão

Professor Coordenador no lugar de Coordenador Pedagógico devido ao fato de ser esta a nomencletura atualmente utilizada pela Secretaria Estadual de

Educação do Estado de São Paulo, a qual pertenço e onde foi realizada esta

(31)

1.3 Relevância do Trabalho

Entende-se que os resultados obtidos na investigação que esta pesquisa

se propôs a realizar podem ser relevantes na medida em que, por meio da

reflexão e análise realizada a partir dos relatos de um Professor Coordenador,

fornecem indicadores para compreender e potencializar a atuação deste

profissional junto à sua equipe docente, podendo, inclusive, apresentar

elementos a serem considerados nos programas de formação de professores.

Isto porque, com a possibilidade de “enxergar” caminhos já trilhados por outrem,

o desgaste com alguns equívocos podem ser evitados e, consequentemente, o

Professor Coordenador poderá potencializar a sua atuação junto à sua equipe

de professores. Nesta perspectiva, experiências de sucesso merecem um olhar

atento que possa verificar a sua aplicabilidade junto à equipe sob a sua

Coordenação, buscando sempre as adaptações necessárias à sua realidade, à

sua especificidade, ao seu objetivo.

É neste contexto que se insere este estudo, buscando desvelar aspectos

facilitadores que possam contribuir para a construção de uma prática

(32)

1.4 Perspectiva da pesquisa

A narrativa autobiográfica está imersa num contexto de formação de

adultos, onde o participante da pesquisa, a partir de seus relatos experienciais1,

vai traçando um itinerário que o permite: refletir sobre os acontecimentos

significativos neles presentes; compreender com mais clareza as escolhas que

se sucederam; planejar ações futuras com mais propriedade. Por esse motivo,

há autores que adotam a narrativa autobiográfica numa perspectiva de

pesquisa-formação, assim denominada visto que os participantes envolvidos na

investigação são, concomitantemente, autores e atores da formação, conforme

assinala Nóvoa, quando afirma que:

O seu contributo principal passa pela definição das histórias de vida como

metodologia de pesquisa formação, isto é, como metodologia onde a pessoa é, simultaneamente, objeto e sujeito da formação. (NÓVOA In JOSSO, 2004, p.15)

Assim, é mister que se esclareça que esta não é a perspectiva aqui

adotada, visto que os conhecimentos, experiências e relações pessoais que uma

pessoa estabelece ao longo da sua trajetória podem ou não ser transformados

em formação. A aprendizagem, o conhecimento e, portanto, a formação

dependem de elaborações pessoais para que possa obter o êxito esperado.

Este é também um dos grandes motivos pelo qual Wallon já não admitia a

separação entre afetividade e conhecimento, pois um não ocorre sem o outro e

a autoridade conferida a outra pessoa ou situação de ensino é também uma

questão afetiva.

      

(33)

Outra consideração igualmente relevante a ser enfatizada relaciona-se

com a questão temporal, ou seja, com o período necessário a cada um para

compreender-se a si mesmo e optar ou não pelo investimento próprio em

mudanças, em formação. Este tempo poderia compreender o período em que

esta pesquisa se realiza ou necessitar de um intervalo maior para ganhar outra

perspectiva por parte do entrevistado, podendo, ainda, os aspectos tratados no

estudo não se tornarem significativos para ele e, consequentemente, não

mobilizá-lo. Não obstante, admite-se também a opção que faz o autor do relato

autobiográfico em tornar ou não pública a sua decisão sobre mudança ou

formação. A propósito, vale ressaltar que tal decisão é válida para toda narrativa

realizada durante a pesquisa, visto que coube ao participante selecionar o que

iria explicitar e até que ponto, bem como escolher de que forma o faria.

Assim, ainda que a metodologia adotada para esta pesquisa propicie ao

seu participante a possibilidade de formação, este não é o seu intento primeiro,

nem motivo de preocupação que levasse a pesquisadora a buscar estratégias

com vistas a promovê-la. Entende-se que a formação pode surgir como

consequência da reflexão sobre os relatos autobiográficos, mas não numa

relação de causa e efeito e sim como uma possibilidade que pode ou não ser

adotada pelo participante da pesquisa ao qual pertence a decisão da

(34)

1.5 Narrativa

Autobiográfica

A narrativa autobiográfica é, muitas vezes, entendida como análoga à

história de vida. No entanto, Josso (2004, p.31) apresenta uma diferenciação

entre ambas:

Notar esta diferença é salientar que as histórias de vida postas ao serviço de um projeto são necessariamente adaptadas à perspectiva definida pelo projeto no qual elas se inserem, enquanto que as histórias de vida, no verdadeiro sentido do termo, abarcam a globalidade da vida em todos os seus aspectos, em todas as suas dimensões passadas, presentes e futuras e na sua dinâmica própria.

Longe de querer estabelecer níveis de relevância entre as duas

modalidades, tal distinção visa esclarecer as especificidades de cada uma delas,

bem como os objetivos que se propõem a cumprir, de modo a fornecer à

pesquisadora a possibilidade de realizar escolhas que estejam de acordo com a

sua proposta.

No caso desta pesquisa, as histórias de vida postas a serviço de um projeto, que Josso também denomina abordagem autobiográfica ou abordagem experiencial, são aqui entendidas como narrativas autobiográficas, uma vez que, a partir dos relatos coletados, foram selecionados para fins de análise aqueles

considerados significativos na sua relação com o tema “O papel do outro na atuação do Professor Coordenador”.

Entende-se, portanto, que a definição do tipo de abordagem

autobiográfica a ser utilizada na pesquisa tem por meta focalizar o objeto do

estudo, evitando que as informações não relacionadas com o tema ofusquem ou

obscureçam os aspectos da narrativa que são relevantes para o tema proposto.

(35)

de dados. Para a análise foram selecionados aqueles que se articulam com o

tema central da pesquisa.

Paradoxalmente, ainda que muitas informações tenham sido

descartadas para efeito de análise dos dados, elas não foram evitadas; tiveram

espaço garantido durante o tempo necessário para que o seu autor as

rememorizasse de modo satisfatório. Esta decisão deve-se ao fato de se

reconhecer que a pessoa2 tem uma constituição psíquica integrada. Sendo

assim, as experiências que vivenciou não estão compartimentalizadas, mas

relacionam-se direta ou indiretamente com outras experiências. Esta articulação

sugere admitir que, para que seja possível resgatar na narrativa autobiográfica

um aspecto que remeta à questão central deste trabalho, pode ser necessária

uma incursão em outras áreas da vida do participante desta pesquisa. É como

desembaraçar um emaranhado de fios: é preciso encontrar pelo menos uma das

extremidades, afrouxar os nós e passar a ponta por dentro deles, refazendo um

caminho oposto àquele que culminou na situação atual. Este “retorno”, contudo,

ocorre a partir de trajetórias diferentes que dependem de vários fatores, como o

olhar de quem está a desatar os nós, o que este entende por ser o caminho

mais fácil, as experiências anteriores com esta tarefa, dentre outros. Tal

“retorno”, muitas vezes, deixa a impressão de que a situação está ficando mais

complicada (e não se pode negar que esse é realmente um risco). Porém, sem

desfazer cada um dos nós, não se obtém o resultado esperado que, no caso

deste exemplo, é esticar os fios.

      

2 Pessoa é um conceito genérico, uma abstração utilizada por Wallon em oposição ao sujeito concreto. Ele 

constrói o conceito de pessoa que é o conjunto funcional resultante da integração dos outros três (afetividade, 

ato motor e conhecimento). “Pessoa é todo diante do qual cada um dos outros domínios deve ser visto...” 

(36)

Isto posto, delimita-se um foco a ser observado na narrativa do

participante da pesquisa, o que não significa dizer que serão considerados

somente os aspectos significativos contados a partir da sua formação

profissional ou atuação como Professor Coordenador. As diferentes razões,

motivos, influências e modelos podem ser encontrados, por exemplo, ainda na

(37)

1.6 A realização da pesquisa

A entrevista autobiográfica, instrumento prioritariamente utilizado neste

estudo para potencializar o relato oral, oferece vantagens e limitações como,

aliás, todo instrumento de pesquisa. Uma de suas consideráveis vantagens em

relação a outros instrumentos está no fato de permitir uma relação face a face

(entrevistado/entrevistador), o que possibilita à pesquisadora a exploração

imediata dos aspectos que a pesquisa se propõe a investigar, bem como o

esclarecimento pontual dos fatos que sugerem mais de uma interpretação ou

cuja compreensão inicial por parte da pesquisadora não foi suficiente. Contudo,

tem como limitação justamente a possibilidade do entrevistado sentir-se

intimidado ou pouco à vontade para revelar-se devido a esta interação face a

face, ou seja, por causa da presença da pesquisadora.

Considerando, ainda, a análise que faz Bolívar (2002, p. 183-184) sobre

a entrevista autobiográfica, quando revela que “numa entrevista não-diretiva de

tipo biográfico o que se procura é encontrar grandes linhas que marquem uma

lógica nos relatos de vida”, foram realizadas duas entrevistas com um Professor

Coordenador, sendo que no primeiro encontro lhe foi solicitado que discorresse

a respeito da sua infância e, no segundo encontro, iniciasse a partir do início da

sua trajetória docente, sendo essas as duas “grandes linhas” em torno das quais

discursou o entrevistado.

Sabe-se, porém, que apesar de toda a tentativa de garantir a obtenção

de informações de modo mais fidedigno possível, há que se considerar, mais

uma vez, que a decisão de se autorrevelar e até que nível isto será feito,

(38)

participante da pesquisa vá fornecer informações equivocadas durante as

entrevistas. Este comportamento, que pode ou não ser apresentado de forma

intencional, é compreendido de modo natural, sob a ótica da necessidade

humana de se autoproteger. Qualquer pessoa, numa situação que apresente

algum risco à sua imagem, tende a defender-se com os recursos dos quais

dispõe e, a presença e a escuta de um outro (neste caso, a pesquisadora) pode ser tranquila ou ameaçadora, dependendo da relação que se estabelece entre

ambos. Ou, ainda, nas palavras de Bolívar (2002, p.183):

(39)

1.7 A definição de uma trajetória

O resultado das duas entrevistas realizadas foi a reunião de um valioso

material, propício a uma diversidade de análises e discussões. Por esse motivo,

é preciso um cuidado redobrado para que não haja desvios quanto ao objetivo

inicialmente proposto, ou seja, compreender o papel do outro na atuação do Professor Coordenador.

A seleção dos dados das entrevistas não foi uma tarefa fácil. Várias

leituras do material coletado foram realizadas, mas a definição de um ponto

inicial a partir do qual toda a discussão pudesse ser desenvolvida, continuava a

apresentar-se como um caminho difícil de ser trilhado, pois conferir um

tratamento acadêmico a um relato autobiográfico é um trabalho complexo.

Entretanto, a afirmação de Ferrarotti (1986, p. 27) sobre esse aspecto, aponta

para uma forma de iniciar esse trabalho. Diz ele:

Da subjectividade reivindicada à ciência: o que torna único um acto ou uma história individual propõe-se como uma via de acesso – por vezes a única possível – ao conhecimento científico de um sistema social. Via não linear, frequentemente críptica, que exige a invenção de chaves e de métodos novos para ser percorrida.

Desse modo, foram destacados os aspectos da narrativa que, na

perspectiva do Professor Coordenador entrevistado, fossem relevantes ou que,

na visão de Ferrarotti, tornassem “único um acto ou uma história individual...”.

Foram, portanto, consideradas algumas palavras ou expressões, proferidas pelo

participante da pesquisa na 1ª entrevista, que pudessem desvelar esses fatos

(40)

Há, ainda, aqueles fatos para os quais expressões similares não foram

utilizadas e que, ainda assim, foram selecionados devido à importância dada

pelo entrevistado à situação em si no decorrer do seu relato. É preciso

considerar que, todos os aspectos presentes na narrativa do Professor

Coordenador já foram intencionalmente por ele selecionados, o que faz com que

seja possível compreender que todos mereceriam uma análise em profundidade

(tal análise, entretanto, torna-se inviável devido às limitações que envolvem uma

pesquisa de natureza acadêmica no nível do mestrado, além de não ser

compatível com o objetivo do trabalho).

Desse modo, as tabelas 1 e 2 (Apêndices A e B), chamadas de “Síntese

Esquemática da Entrevista”, foram constituídas (a tabela 1 elaborada após a

primeira entrevista e a tabela 2 após a segunda entrevista – ambas seriam

utilizadas na devolutiva ao entrevistado, mas este as dispensou), apresentando

o fato tal como captado pela pesquisadora, bem como o trecho da narrativa que

sustenta essa possibilidade de compreensão.

Após a seleção inicial dos fatos narrados verificou-se, durante a análise,

a necessidade de incluir outros que pudessem explicitar melhor ou validar a

análise em questão. É mister que se resgate que uma narrativa autobiográfica

constitui-se num material de complexidade ímpar, sendo este o motivo pelo qual

impera a necessidade de realizar um trabalho com parâmetro flexível.

A sistematização dos dados nas duas tabelas propiciou uma melhor

visualização e organização das informações selecionadas pela pesquisadora. A

partir de então, foi possível construir a tabela 3 (Apêndice C) para que fosse

(41)

profissional do entrevistado e possibilitar uma articulação inicial com a teoria que

fundamenta este trabalho.

Uma vez selecionados os aspectos da narrativa a serem analisados,

procurando neles identificar a presença do outro, foi preciso buscar um “eco” desses aspectos na atuação profissional do entrevistado, conforme foram

apresentados no relato da 2ª entrevista. Findada esta etapa, outros aspectos da

teoria walloniana foram relacionados com os dados a serem analisados, constituindo-se, dessa forma, a tabela 3.

Portanto, entendendo que seria preciso desbravar um caminho a ser

percorrido ou, como afirmou Ferrarotti, inventar chaves e métodos, já que cada

narrativa autobiográfica é única e possui configuração própria, jamais realizada

do mesmo modo por outrem (nem pelo seu autor), foi preciso uma análise

criteriosa dos fatos e ousadia para eleger um início que não se apresentou como

tal durante a narrativa mas que, de acordo com a compreensão desta pesquisa

(42)

1.8 O percurso metodológico

O meu intento não é ensinar aqui o método que cada qual deve seguir para bem conduzir a sua razão, mas somente mostrar de que maneira procurei conduzir a minha.

(DESCARTES apud SANTOS, 1989, p.11)

 

Assim como Wallon concebe o psiquismo humano como uma unidade

que resulta de diferentes domínios funcionais, este estudo entende que não é

possível fazer uma cisão entre os aspectos pessoais e profissionais de um

indivíduo, neste caso, do Professor Coordenador. Ainda que admita a existência

de ambos, também reconhece que suas manifestações ocorrem de modo

articulado, imbricado. Deste modo, a atuação profissional do Professor

Coordenador não é isolada de sua atuação no âmbito pessoal e, para que seja

possível compreender a primeira, torna-se indispensável incluir o estudo da

segunda.

Neste sentido, a narrativa autobiográfica foi a metodologia adotada

devido ao fato de permitir a investigação das relações estabelecidas nas

experiências vividas pelo Professor Coordenador, considerando aspectos de

âmbito profissional e pessoal, na medida em que estes se revelam significativos

no processo de sua atuação.

Para que fosse possível uma análise mais minuciosa dos dados obtidos,

optou-se pela seleção de um Professor Coordenador, com quem foram

realizadas duas entrevistas autobiográficas com intervalo de seis meses entre

elas. A seleção deste participante deu-se a partir de uma aproximação com o

mesmo em uma das Diretorias de Ensino da Capital Paulista, onde a

pesquisadora passou a atuar desde o início do mestrado. Observando os breves

(43)

Pedagógica (projetos realizados, conflitos, conquistas, frustrações, propostas...),

bem como o reconhecimento profissional de professores e outros colegas que

com ele atuaram e/ou atuam, compreendeu-se que este poderia ser um

representante significativo para o estudo ora realizado. Soma-se a isto o fato

deste Professor Coordenador demonstrar muito interesse e disponibilidade para

participar de estudos e pesquisas que tenham como propósito contribuir para a

melhoria das práticas pedagógicas atuais. Cabe, ainda, ressaltar que o

entrevistado é titular de cargo efetivo na rede pública municipal e estadual

paulista, tendo, portanto, uma visão considerável sobre as esferas do ensino

público em algumas regiões do Estado de São Paulo. Por sua escolha, será

chamado nesta pesquisa por Moreira, pois alega sentir-se mais confortável

desse modo. Este Professor Coordenador tem 45 anos de idade, é graduado em

Geografia, possui complementação em Pedagogia, é mestre em Didática e

doutorando em Currículo. Sua experiência como Professor Coordenador é de 5

anos na rede de ensino estadual paulista.

No primeiro encontro que tivemos para a realização da entrevista

(17.04.2009)3, optou-se pela utilização de uma das salas de reunião da Diretoria

de Ensino, após o nosso horário de trabalho, visto que neste local seria possível

permanecer o tempo que nos fosse necessário, sem as rotineiras interrupções,

além do fato de que esta tranquilidade favoreceria a utilização do gravador.

Nesta oportunidade, Moreira levou seu notebook onde havia instalado um programa que, segundo ele, reconheceria a sua voz e criaria uma versão

escrita da entrevista, facilitando o trabalho da pesquisadora. Após alguns testes

      

(44)

foi constatado que o resultado não era o esperado, por esse motivo a ideia de

utilizar esse equipamento foi abandonada, passando-se à utilização do gravador

digital levado pela pesquisadora.

Apesar de demonstrar empolgação com a entrevista, Moreira revelou um

nervosismo inicial, uma ansiedade que o impedia de organizar suas lembranças.

A gravação foi reiniciada três vezes a seu pedido, o que surpeendeu a

pesquisadora pois, por se tratar de doutorando, ela achou que Moreira estivesse

habituado com procedimentos como uma entrevista. E talvez estivesse mesmo,

mas ocupando a posição de entrevistador e não de entrevistado. De qualquer

modo, naquele momento inicial a entrevista deixava a ambos tensos,

afetando-os de modo diferente: ele talvez preocupado com afetando-os reais objetivafetando-os da

pesquisadora e com a exposição dos aspectos pessoais da sua vida; ela estava

diante de uma situação de fundamental importância para a sua pesquisa e o

entrevistado revelava uma ansiedade não prevista que exigia dela uma atitude

para contorná-la, sob o risco de que todo o trabalho fosse comprometido.

Fica evidente, neste caso, o quanto a dimensão afetiva interfere na

situação de entrevista que, segundo Almeida e Szymanski (2010, p.87):

...é um momento de encontro entre duas pessoas, com diferentes histórias, experiências, expectativas e com diferentes disposições afetivas. Se por um lado, para quem pesquisa a intenção clara é a de colher informações para sua investigação, para quem é entrevistado as intenções subjacentes à sua participação podem variar e serem ou não explicitadas.

Diante dessa situação que se configurou, a pesquisadora valeu-se da

experiência da entrevista piloto realizada com outro participante para verificação

da validade do método adotado, bem como de outras entrevistas realizadas por

(45)

professora orientadora, além das valiosas contribuições da banca examinadora,

por ocasião do exame de qualificação desta pesquisa.

Depois desse início um tanto turbulento para ambos, houve um

reencontro o propósito da entrevista e pesquisadora e entrevistado ficaram mais

a vontade na ocupação desses papéis. É como revela, ainda, Almeida e

Szymanki (2010, p.87): “Afetar e ser afetado é condição inerente às interações

humanas e a situação de entrevista não escapa dessa condição.”

Assim a narrativa de Moreira começou a fluir. Em pouco tempo, já

transitava pela sua história com as idas e vindas que julgava necessárias, com

naturalidade. A partir de então, não foram necessárias intervenções por parte da

pesquisadora, apenas aquelas indispensáveis para o esclarecimento de alguns

aspectos não compreendidos.

Considerando a importância de propiciar ao entrevistado um momento

de reflexão sobre os aspectos que emergiram da sua narrativa e que foram

considerados significativos para a pesquisa, foi programada uma devolutiva por

meio de um quadro esquemático4 inspirado no biograma proposto por Bolívar

(2002).

O biograma, conforme apontam Sá e Almeida (2004, p.186), constitui-se

de uma síntese esquemática que confere certa organização e cronologia aos

acontecimentos narrados, além de oferecer ao entrevistado a oportunidade de

corrigir eventuais equívocos ou preencher lacunas, conferindo maior

credibilidade à investigação.

      

(46)

Entretanto, no segundo encontro, ocasião em que a tabela esquemática

(inspirada no Biograma proposto por Bolívar) foi apresentada, Moreira não

demonstrou interesse em rever as informações que já haviam sido dadas.

Informou que gostaria de dispensar esta etapa. Por outro lado, encontrava-se

ávido pela realização da segunda entrevista, uma vez que ao final do primeiro

encontro havia dito o quanto lhe foi prazeroso relembrar fatos que julgou

significativos na sua vida. Esse foi, então, o motivo pelo qual as tabelas

elaboradas nas duas entrevistas não foram utilizadas no seu propósito inicial.

Neste segundo encontro (15.10.2009) a entrevista5 foi iniciada um pouco

antes das 18h com o propósito de encerrá-la em 1h pois, como era dia dos

professores, Moreira havia marcado com alguns colegas uma comemoração às

19h. Entretanto, a exemplo do que aconteceu no primeiro encontro, começou a

sua narrativa e um fato foi puxando outro de modo que só se apercebeu do

horário após o encerramento da entrevista, quando se despedia e olhou para o

relógio que já marcava 19h15.

      

(47)

2

O referencial teórico

de Henri Wallon

Temos dito que a formação do sujeito se dá no seio da cultura, em 

parceria e em presença do outro. O que isso significa? Se, por um lado, 

isso se traduz por uma articulação de saberes, por uma troca, que mobiliza 

e permeia  os  processos  cognitivos,  por  outro  isso também  significa 

considerar que cada um, nessa interação, expõe seus pensamentos, seus  modos de interpretar a realidade, suas perspectivas de ação e reação, seus 

motivos e intenções, seus desejos e expectativas – seus afetos, enfim. 

(48)

A teoria psicogenética walloniana apresenta informações e conceitos de grande importância para a compreensão do desenvolvimento humano. No que se

refere a este estudo, serão destacados os conceitos sobre o outro (conceito genérico empregado por Wallon para referir-se ao outro de modo abstrato e ao meio), o outro íntimo (também chamado de socius, entendido como o parceiro permanente na vida psíquica), os meios e os grupos para fundamentação do trabalho e análise dos dados. Entretanto, para estudá-los de modo mais adequado,

faz-se necessária uma compreensão prévia de outros conceitos que com eles se

articulam, tais como: domínios funcionais, integração, predominância e alternância.

(49)

2.1 O desenvolvimento do psiquismo humano

A formação psíquica do indivíduo tem início no seu nascimento (quando

se iniciam as interações) e ocorre durante toda a sua existência, ou seja, até a

sua morte. Para Wallon (1973a, p.53), “A psicologia genética é a psicologia que

define o psiquismo na sua formação e nas suas transformações.” Por isso, é no

período que compreende a infância que Wallon realiza observações sistemáticas

sobre como se dá o processo de desenvolvimento por meio do qual,

gradativamente, constituem-se os pilares dessa formação da psíquica.

Chamando-os de domínios funcionais este autor apresenta, então,

quatro grandes conjuntos: afetividade, ato motor, conhecimento e pessoa.

(WALLON, 2007, p.117)

Todos esses domínios são constitutivos da pessoa e articulam-se

constantemente no seu processo de desenvolvimento, com suas especificidades

e características próprias. Nenhum deles, no entanto, pode ser compreendido

isoladamente, mas na ação conjunta com os demais e na interação do indivíduo

com o outro e com o meio em que está inserido.

Faz-se necessário, contudo, situar cada um dos domínios funcionais

(também chamados de campos, dimensões ou conjuntos funcionais, de acordo

(50)

2.2 Integração

Sabendo-se que para Wallon o psiquismo humano não é

compartimentalizado, mas um todo articulado e dinâmico, a concepção de

integração que permeia sua proposta ocorre de duas formas (igualmente

articuladas e dinâmicas): a integração organismo-meio e a integração entre os

conjuntos funcionais. A primeira é entendida no âmbito da interação do indivíduo

com os meios com quais se relaciona, sejam eles reais ou virtuais. A segunda

relaciona-se com os domínios funcionais (afetividade, ato motor, conhecimento e

pessoa).

A integração, desta forma, confere certa regularidade e coerência às

ações do indivíduo (que varia de acordo com a cultura em que vive), ampliando

as suas possibilidades de desenvolvimento.

No entanto, para melhor compreender a integração entre os domínios

funcionais, uma cisão entre eles é realizada na tentativa de ampliá-los e

explicá-los, recorte este que só ocorre teoricamente, conforme alerta Wallon (2007,

p.114): “As exigências da descrição obrigam a tratar de forma distinta alguns

grandes conjuntos funcionais, o que não pode ser feito sem certa artificialidade

(51)

2.3 Afetividade

Na teoria walloniana a constituição do domínio funcional afetividade origina-se nas sensações de prazer ou desprazer, conforto ou desconforto,

tensão ou alívio. Manifesta-se precocemente no bebê, de modo rudimentar e, de

acordo com o meio em que está inserido e com as interações sociais

experienciadas, apresenta um tipo de evolução durante a sua vida. Compreende

emoção, sentimento e paixão, cujas especificidades tornam necessária,

minimamente, uma breve análise.

Emoção

As emoções consistem essencialmente em sistemas de atitudes que, para cada uma, correspondem a certo tipo de situação. (WALLON, 2007, p.121)

Wallon entende que a emoção é o substrato orgânico da afetividade. Os

espasmos iniciais do bebê vão, progressivamente, adquirindo formas próprias de

expressão, que variam de acordo com as interações que se estabelecem entre

ele e as pessoas do seu entorno, ou seja, os outros6. Os espasmos iniciais (como o choro e a cólica) e as formas de expressão da emoção (tal como o

sorriso ou a cócega) implicam-se diretamente com a motricidade do indivíduo,

com o seu tônus (contração e descontração), ou seja, manifestam-se

corporeamente e são, portanto, observáveis empiricamente.

A emoção7, portanto, é corpórea; adquire visibilidade por meio da sua

manifestação no corpo. Nota-se, deste modo, quando o indivíduo está nervoso

      

6 

Considera-se sempre os outros no meio em que estão inseridos; o outro nunca está desvinculado do meio e, na perspectiva walloniana, ambos estão imbricados e se constituem mutuamente. 

7

(52)

porque apresenta mãos trêmulas ou sudorese; está encabulado porque há rubor

na face; está triste porque chora (ainda que para todas essas manifestações

possam existir outras interpretações sociais/culturais). Para Zazzo (1978, p. 98):

A emoção é uma linguagem antes da linguagem.(...) Assim, a emoção esboça o pensamento, a representação que lhe é contraditória e não contrária e dá também início à distinção do eu e de outrem, preludia as afirmações da personalidade.

Pautados nesta afirmação diz-se que a emoção é a via pela qual ocorre

a passagem do orgânico para o social, sustentando o princípio de que a emoção

é o substrato orgânico da afetividade, pois ela precede do organismo e se

manifesta nele. Entretanto, na medida em que se expressa socialmente, a

emoção está sujeita a interpretações de cunho social/cultural e individual que

vão, paulatinamente, modulando-a e constituindo a dinâmica deste todo indiviso

que é o psiquismo humano. As atitudes que decorrem da emoção passam,

necessariamente, pela percepção e interpretação do outro. Um sorriso durante um discurso, por exemplo, pode ser considerado por alguém como

exteriorização de descontração; outro, entretanto, pode considerar que o mesmo

sorriso, na mesma situação, revela um estado de tensão, de nervosismo.

Este movimento da emoção na vida psíquica do indivíduo possibilita, de

modo contínuo, o seu desenvolvimento, a sua sofisticação, o seu refinamento,...

Nesta relação, a emoção passa a ter um caráter social e não apenas expressivo.

Assim, às expressões iniciais do bebê vão sendo agregados significados e

interpretações de caráter social e individual a partir da sua interação com o

outro. Gradativamente tais manifestações deixam de ser involuntárias e passam

      

(53)

a ser reproduzidas com intencionalidade, visando obter um resultado específico.

Deste modo, um bebê que chora por causa de algum desconforto (tem fome,

está molhado, sente dor, encontra-se em posição incômoda,...) e obtém

atendimento, tende a relacionar o seu choro com a presença do outro e passa a utilizar-se dele não somente por causa de algum desconforto, mas para

conquistar a companhia desse outro.

Wallon (2007, p.122) também afirma que “O contágio da emoção é um

fato já muitas vezes assinalado”. Pode-se facilmente identificar esse contágio no

cotidiano das pessoas. Ao chamar os pais de um determinado aluno para

conversar a respeito do seu desempenho insatisfatório nas atividades propostas,

o Professor Coordenador pode deparar-se com informações a respeito da

história de vida deste aluno que, imbuídas da emoção de quem as revela,

contagiam-no de forma a suscitar também as suas próprias.

Existe uma espécie de mimetismo emocional que explica até que ponto as emoções são comunicativas, contagiosas e como elas se traduzem facilmente nas massas por impulsões gregárias e pela abolição em cada indivíduo do seu ponto de vista pessoal, do seu autocontrolo. (WALLON, 1973a, p.154).

O caráter contagioso da emoção manifesta-se até mesmo quando a

situação em questão é forjada e a emoção que se apresenta teve uma origem

sabidamente artificial, como no caso de encenações teatrais, tramas de filme ou

novela, em que o espectador, mesmo ciente de que a cena a qual assiste não é

real, torce vigorosamente por um final feliz para um determinado personagem e

revela-se inconformado, e pode até mesmo chorar, quando situações de perda

ou injustiça são apresentadas.

Imagem

Figura 1 – A Rua da Barragem. 
Figura 2 – O vilarejo em que Moreira morava: a região sem iluminação.
Figura 3 – O marceneiro que Moreira gostava de observar na sua infância.
Figura 4 – A Barragem. 
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