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Linguagem escrita, habilidades metacognitivas e tecnologia digital : uma relação em construção

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

ALEJANDRA SILVA SALCIDO

Linguagem escrita, habilidades

metacognitivas e tecnologia digital:

uma relação em construção

CAMPINAS

2016

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ALEJANDRA SILVA SALCIDO

Linguagem escrita, habilidades

metacognitivas e tecnologia digital:

uma relação em construção

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do tí-tulo de Mestra em Educação, na área de con-centração de Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Heloísa Andreia de Matos Lins Co-orientadora: Profa. Dra. Fraulein Vidigal de Paula

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA ALEJANDRA SILVA SALCIDO, ORI-ENTADA PELA PROFA. DRA. HELOÍSA AN-DREIA DE MATOS LINS E COORIENTADORA PELA PROFA. DRA. FRAULEIN VIDIGAL DE PAULA

CAMPINAS

2016

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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.

Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Faculdade de Educação

Rosemary Passos - CRB 8/5751

Silva Salcido, Alejandra,

Si38L SilLinguagem escrita, habilidades metacognitivas e tecnologia digital : uma relação em construção / Alejandra Silva Salcido. – Campinas, SP : [s.n.], 2016.

SilOrientador: Heloísa Andreia de Matos Lins. SilCoorientador: Fraulein Vidigal de Paula.

SilDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação.

Sil1. Metacognição. 2. Linguagem escrita. 3. Tecnologia digital. 4. Letramento digital. I. Lins, Heloísa Andreia de Matos,1974-. II. Paula, Fraulein Vidigal de. III. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. IV. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Connections between writing language, metacognitive skills and digital technology Palavras-chave em inglês: Metacognition Writing Digital technology Digital literacy

Área de concentração: Educação Titulação: Mestra em Educação Banca examinadora:

Heloísa Andreia de Matos Lins [Orientador] Sérgio Antônio da Silva Leite

Sylvia Domingos Barrera Neusa Lopes Bispo Diniz Data de defesa: 11-10-2016

Programa de Pós-Graduação: Educação

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Linguagem escrita, habilidades metacognitivas e

tecnologia digital: uma relação em construção

Autor: Alejandra Silva Salcido

COMISSÃO JULGADORA:

Orientadora Profa. Dra. Heloísa Andreia de Matos Lins

Prof. Dr. Sérgio Antônio da Silva Leite Profa. Dra. Sylvia Domingos Barrera Profa. Dra. Neusa Lopes Bispo Diniz

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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Agradecimentos

Este trabalho é dedicado a todas as pessoas que colaboraram por ação ou simples presença na realização deste trabalho:

À UNICAMP por ter me acolhido durante estes anos na minha estância no Brasil e ter sido parte da minha formação educacional;

À Organização de Estados Americanos e o Grupo Coimbra de Universidades Brasileiras (OEA-GCUB) pela oportunidade de estudar no Brasil com concessão de bolsa do Programa de Alianças para a Educação e a Capacitação;

A minha orientadora, Prof. Dra. Heloísa Andreia de Matos Lins, quem me aco-lheu como orientanda sem me conhecer e por navegar comigo neste mar de incertezas e de descobertas;

A minha co-orientadora, Prof. Dra. Fraulein Vidigal de Paula, quem subiu ao nosso barco e nos acompanhou nesta aventura;

À Escola Municipal de Ensino Fundamental de Campinas e diretivos que abriram as portas para a realização da pesquisa e aos 6 alunos participantes da coleta de dados; Aos meus amigos, de perto e de longe, que sempre estiveram para acalmar as tempestades;

A minha família que sempre me incentivou a continuar, na maré baixa e na maré cheia.

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“...sobre las palabras ha recaído la tarea y el poder de «representar el pensamiento» (...) el lenguaje representa el pensamiento como éste se representa a sí mismo. [...El lenguaje] no es un efecto exterior del pensamiento, sino pensamiento en sí mismo”.

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Resumo

O estudo das habilidades metacognitivas nos ambientes digitais é um campo pouco explorado que pode abrir possibilidades nos processos de alfabetização e letramento (di-gitais) na prática pedagógica. A presente pesquisa está focada na produção escrita digital (blog) de alunos do sexto ano de ensino fundamental e as habilidades (meta)cognitivas envolvidas no processo. O objetivo é analisar as habilidades ‘meta’ durante a produção e revisão das produções textuais digitais para compreender as mudanças nos aspectos cognitivos e educacionais gerados pelos novos espaços de produção. Os participantes da pesquisa são seis alunos, matriculados no sexto ano de uma E.M.E.F. na região sudoeste no município de Campinas, SP. Explora-se o caminho dos alunos para a produção de um texto (post), bem como as interações dele com o hipertexto e com a variedade de linguagens presentes no espaço digital, a partir de uma abordagem qualitativa, usando como instrumentos a observação participante, a entrevista e a roda de conversa. A coleta compreende cinco fases: Fase A-Roda de conversa para mapear o uso e conhecimento das mídia digitais; Fase B- Sessão piloto de realização de tarefas através de comandas no meio digital; Fase C- Sessão de produção escrita de post no blog; Fase D- Entrevista individual para reflexão do processo de escrita e de revisão do texto; Fase E- Roda de conversa para reflexão sobre as atividades realizadas ao longo da coleta. Os dados foram analisados a partir do diálogo entre a perspectiva interlocutiva de Bakhtin e a psicologia cognitiva. Construi-se uma relação estreita entre a linguagem escrita, as habilidades metacognitivas e a tecnologia digital. As habilidades metacognitivas usadas na cultura do papel são também usadas na cultura digital, visando a possibilidade de que as novas tecnologias peçam o desenvolvimento de novas habilidades, exclusivamente para agir nos ambientes digitais. Evidencia-se o desenvolvimento de habilidades digitais básicas dos alunos, porém existe uma subutilização da tecnologia digital, pelas ações restritas que fazem dos dipositivos móveis e das novas tecnologias. Os resultados da pesquisa sugerem repensar os processos de alfabetização e letramento digitais e analisar o ’novo’ das novas tecnologias para um aproveitamento holístico delas nas práticas escolares. Portanto, o papel da escola se torna imprescindível na estimulação, desenvolvimento e aprimoramento de habilidades digitas e habilidades metacognitivas para a produção de textos hipermidiáticos nas novas tecnologias.

Palavras-chave: habilidades metacognitivas, linguagem escrita, tecnologia digital,

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Abstract

The reduced number of studies about metacognitive abilities and digital environments offer many possibilities in the literacy processes and pedagogical practices. This study focuses on digital written production (blog) of sixth grade students and in the metacog-nitive abilitites involved in the writing process. The objective is to analyze the ’meta’ abilities during the process and revision of the digital writing productions in order to understand the cognitive and educational alterations caused by new production spaces and possibilities. The research participants were sixth-grade elementary students from the south-western region in Campinas, São Paulo. The path taken by the student to produce digital text, as well as the student’s interaction with hypertexts and variety of languages was explored, using a qualitative research method and instruments such as participant observation, unstructured interviewing and conversation circles. The data collection consists of five phases: Phase A- Conversation circle: Mapping of dig-ital media usage and knowledge; Phase B- Pilot session: Task performance in digdig-ital environments; Phase C- Writing session: Blog post production; Phase D- Interview: Re-flections on the writing and revision process; Phase E- Conversation circle: ReRe-flections on the research activities. The data was analyzed considering the Bakhtin’s interlocutive perspective, in dialogue with the cognitive psychology’s perspective. A close connection was established between written productions, metacognitive skills and digital tech-nology. Metacognitive skills used in paper may also be used in digital environments, nevertheless, these new techonologies may be asking for new abilites to be developed for digital culture, exclusively. The development of students’ basic digital skills is clear, however a subuse of digital technology has been also been manifested due to the re-stricted usage of mobile devies and new technologies. The research results suggest a need to rethink digital literacy processes and also to analyse ’what is new’ in new media, in order to promote its holistic use in educational practices. In this way, the school’s role becomes essential for the promotion, development and improvement of digital and metacognitive skills for the production of multimodal texts in new technologies.

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Sumário

Introdução . . . . 10

Discussão teórica . . . . 14

1 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO . . . . 26

1.1 Alfabetização e letramento: concepções e mudanças . . . 26

1.2 Do papel à tela: Revoluções da escrita . . . 38

1.2.1 Da cultura manuscrita à cultura impressa . . . 39

1.2.2 Da cultura impressa à cultura digital: a revolução do livro eletrônico . 39 1.3 Os letramento(s) e a pluralidade de conceitos . . . 43

1.3.1 Multiletramentos . . . 45

1.3.2 Novos letramentos . . . 47

2 METACOGNIÇÃO E PRODUÇÃO ESCRITA . . . . 50

2.1 Metacognição . . . 50

2.1.1 Evolução histórica do conceito de metacognição . . . 50

2.1.1.1 Metacognição: o conceito . . . 50

2.1.1.2 Pesquisa sobre a metacognição . . . 53

2.1.1.3 Metacognição e sua relação com a aprendizagem . . . 54

2.1.2 Metacognição na aprendizagem da leitura e da escrita . . . 56

2.2 Metalinguística . . . 58

2.3 Metacognição e novas tecnologias: uma relação em construção 62 3 MÉTODO . . . . 65

3.1 Referencial metodológico. . . 65

3.2 Instituição e sujeitos . . . 67

3.3 Procedimentos de coleta e registro de dados . . . 70

3.4 Procedimentos para análise de dados . . . 81

4 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO . . . . 86

4.1 Perfis dos sujeitos . . . 86

4.2 Apresentação dos núcleos de significação . . . 89

4.3 Apresentação dos resultados . . . 99

4.3.1 Categoria I. Conhecimento e uso da tecnologia digital . . . 99

4.3.1.1 a. Uso e regulação dos dispositivos móveis . . . 99

4.3.1.2 b. Mudanças a partir da aparição da tecnologia digital . . . 102 4.3.1.3 c. Experiência e conhecimento dos dispositivos móveis e da tecnologia digital 107

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4.3.1.4 d. Escrita e leitura no tablet . . . 114

4.3.2 Categoria II.Metacognição e atividades (com tecnologia digital) . 123 4.3.2.1 a. Habilidades metacognitivas para a realização de tarefas na escola . . . 124

4.3.2.2 b. Habilidades metacognitivas para a realização das atividades com tecnolo-gia digital . . . 133

4.3.3 Categoria III. Conhecimento da língua e produção de textos . . . 147

4.3.3.1 a. Elaboração do texto no post . . . 147

4.3.3.2 b. Sobre o conhecimento da língua . . . 149

4.3.3.3 c. Sobre processos de alfabetização . . . 161

4.3.4 Categoria IV. Práticas escolares e tecnologia digital . . . 162

4.3.4.1 a. Escola e tecnologia . . . 163 5 CONCLUSÕES . . . 168 5.1 Considerações finais . . . 172 A ANEXO A . . . 173 B ANEXO B . . . 178 C ANEXO C . . . 183 D ANEXO D . . . 188 E ANEXO E . . . 199 F ANEXO F . . . 322 Referências . . . 347

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Introdução

Como é bem sabido, a velocidade das mudanças nas tecnologias digitais torna-se vertiginosa, incerta e deslocadora em muitos torna-sentidos. As revoluções tecnológicas trazem consigo mudanças nas práticas sociais, nos processos e práticas de alfabetização e letramento (dentro e fora da escola), nas técnicas da escrita e da leitura e também nas formas de pensar, de aprender, de saber. “Uma maior conectividade e disponibilidade de informação não só muda o que as pessoas sabem ou conhecem, mas como sabem o que sabem[...] (FLANAGIN; METZGER,2008, p. 5)”. Neste sentido, em que medida as novas tecnologias (e a multimídia/multisemiose ou o hipertexto) alteram os funda-mentos da alfabetização e do letramento, de que formas e quais são as consequências? Acha-se importante neste estudo também colocar em pauta a pluralidade de conceitos surgidos após a inserção destas novas tecnologias: multiletramentos, novos letramentos, etc.

Um dos motores da pesquisa é compreender quais são essas novas habilidades (e se, talvez, nem todas sejam muito diferentes daquelas já desenvolvidas na cultura do impresso e na educação tradicional) que devem ser desenvolvidas para as práticas soci-ais de leitura e escrita nos suportes digitsoci-ais e vêm sendo discutidas nas transformações das práticas pedagógicas e nas práticas de letramento, dentro e fora da escola.

Considera-se que a melhor forma de aprofundar esse tópico é através do uso que os adolescentes fazem dessas novas tecnologias. A juventude evidencia as tendências predominantes de uma sociedade; é a juventude quem tem a característica de ser um catalisador das culturas que vão configurando-se a partir de novas modalidades de comunicação (EFRON,2012, p. 4). São os jovens os que mais sentem os efeitos da ampliação do acesso às informações.

Levando isto em conta, decidiu-se trabalhar com a linguagem escrita dos adoles-centes, produzida nos meios digitais, tendo como intenção compreender as possíveis mudanças que geram esses novos espaços nos processos e produções de textos. A escolha das práticas escritas deve-se a que elas requerem um nível mais elevado de abs-tração, de elaboração e de controle do que as tarefas necessárias para o processamento de linguagem oral (GOMBERT,2013, p. 111) e de leitura. Ela demanda habilidades intelectuais específicas e o requerimento de uma consciência da própria linguagem. "É nesse sentido que o desenvolvimento metalingüístico se reveste de importância primordial para o acesso à escrita" (BARRERA; MALUF,2003, p.491).

Essa dimensão cognitiva nas práticas de leitura e escrita é de grande importância, já que permite que o indivíduo seja consciente da sua aprendizagem. Ele aprende a

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Introdução 11

aprender, quer dizer, ele consegue submeter à reflexão sua aprendizagem, bem como planejá-la e monitorá-la. Nesta pesquisa, far-se-á uma análise metacognitiva ou um estudo da ’cognição sobre a cognição’ como a definia Flavell(1981apudGOMBERT,

1992, p. 5), quer dizer, uma análise do conhecimento cognitivo e seu monitoramento e regulação no processo da escrita. Como parte da análise metacognitiva, far-se-á uma análise metalinguística, da reflexão sobre a linguagem e o seu uso, bem como das habili-dade dos sujeitos de monitorar e planejar os seus próprios métodos de processamento linguístico (compreensão e produção).

Procurou-se em bancos de dados, incluindo o Banco de Teses da CAPES, a Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal, o portal Dialnet, a Red de Repositorios Latinoamericanos, ScieLo, Google Acadêmico, Science Direct, entre outros, para mapear a produção acadêmica feita nas áreas que interessam a esta pesquisa. Antes e durante o desenvolvimento da pesquisa, foi feita uma busca das pesquisas contendo combinações de palavras-chave, tais como: metalinguística, consciência metalinguística, habilidades metacognitivas, metacognição, escrita, produção escrita, escrita digital, letramento digital, suporte digital, hipertexto.

Em relação ao campo da metacognição, encontraram-se mais de 35 pesquisas sobre os processos metacognitivos e sua relação com a leitura e a escrita. No entanto, a quantidade de pesquisas sobre os processos de planejamento, monitoramento e regulação na produção de textos é muito menor. É estudada, também, a relação da metacognição com os processos de aprendizagem e as propostas metodológicas de ensino e de formação docente, focadas ao desenvolvimento de capacidades e habilidades metacognitivas e sua implementação.

Há outras pesquisas que se concentram no desenvolvimento da metacognição com o objetivo de se apropriar das atividades desenvolvidas na web. Entre elas encontra-se a pesquisa deencontra-senvolvida por Gurbin(2015), onde se explora o desenvolvimento de habilidades metacognitivas na adoção de novas tecnologias. Em relação à metalinguís-tica nos meios digitais, encontrou-se a pesquisa de Ferraz(2012), que defende a relação dialógica entre enunciados colocados em rede, tanto no meio digital como impresso, e que analisa tais enunciados a partir da proposta de análise metalinguística apresentada por Bakhtin.

Aquelas pesquisas que estudam a escrita nos meios digitais geralmente estudam os gêneros discursivos (e transposição deles) bem como recursos textuais linguístico-discursivos envolvidos na escrita, tanto individual quanto colaborativa, mas mídias digitais, especialmente em blogs ou redes sociais. Dentre as pesquisas de leitura e escrita nos meios digitais, encontram-se aquelas que querem conhecer as diferenças entre tais processos desenvolvidos no papel e na tela. Destacam-se as pesquisas de

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Introdução 12

escrita em produção textual em dois suportes diferentes, papel e tela.Komesu e Tenani

(2010) fazem uma pesquisa a respeito das práticas de letramento e de escrita no contexto da tecnologia digital, destacando aspectos linguísticos e discursivos, como a pontuação e a abreviação. Por sua vez, encontra-se a pesquisa de Mangen et al.(2013) sobre os efeitos da compreensão de leitura no papel e na tela.

Atualmente, encontram-se uma quantidade mínima de pesquisas que se focam nas habilidades metacognitivas ou metalinguísticas na escrita digital ou de produ-ções multisemióticas nos meios digitais, foco principal desta pesquisa. Neste caso, encontrou-se a pesquisa de Chaverra(2011) que estuda as habilidades metacognitivas no processo de escrita de textos digitais em estudantes do ensino fundamental, visando uma proposta pedagógica para seu desenvolvimento.

A partir deste levantamento, surgem perguntas, tais como: Quais são essas habilidades (metacognitivas e metalinguísticas) que o aluno desenvolve (ou deveria desenvolver), dentro ou fora da escola, e que ele põe em prática ao produzir textos (multisemióticos, hipertextos) em espaços digitais? Qual o papel da escola, como ins-tituição alfabetizadora por excelência, na implementação de práticas que incluam o desenvolvimento destas habilidades metacognitivas? Levando em conta a baixa quanti-dade de produções acadêmicas sobre as habiliquanti-dades metacognitivas na produção de textos em espaços digitais, pensa-se que esta pesquisa pode ser utilizada como alicerce para futuros estudos.

O objetivo definido para a pesquisa, a partir da informação apresentada, é conhecer e analisar as habilidades metacognitivas envolvidas na produção escrita de adolescentes (matriculados no sexto ano do ensino fundamental), usando o meio digital como suporte. Entre alguns dos objetivos específicos estão: Mapear o nível de letramento digital e explorar as interações e caminhos percorridos pelos alunos nos ambientes digitais para a produção de textos; Identificar novas possibilidades nos processos de alfabetização e letramento (digitais) e suas práticas pedagógicas.

Para organizar o referencial teórico desta pesquisa, primeiro apresenta-se a discussão teórica, problematizando os estudos da linguagem desde duas perspectivas, a da psicologia cognitiva e cultural e a perspectiva interlocutiva bakhtiniana.

Após, foi necessário apresentar os grandes tópicos teóricos nos quais se focou a pesquisa. Um primeiro capítulo, intitulado "Alfabetização e letramento", trata sobre as mudanças nas concepções dos termos de alfabetização e de letramento, passando pelas revoluções da escrita e as mudanças nas tecnologias. Nesse capítulo também se fala sobre o surgimento de novos conceitos como resposta às mudanças geradas pelas tecnologias digitais. Levantam-se perguntas sobre o ’novo’ das chamadas novas tecnologias e as consequências que podem gerar para o desenvolvimento das práticas de letramento, dentro e fora da escola.

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Introdução 13

O capítulo 2, intitulado "Metacognição e produção escrita", faz uma revisão teórica do desenvolvimento do conceito de metacognição e a importância que adquiriu nos processos de aprendizagem, no caso desta pesquisa, da leitura e da escrita. Nele também se faz uma abordagem do termo de metalinguística, como habilidade metacog-nitiva de grande importância para produzir textos escritos. Por último, neste capítulo se faz uma ancoragem entre a metacognição com as novas tecnologias –uma relação em construção–.

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Discussão teórica

Como parte essencial do desenvolvimento desta pesquisa, pretende-se proble-matizar o estudo da linguagem, podendo ser olhado a partir de duas perspectivas, ao menos, que mesmo não sendo consensuais pelos marcos teóricos e ideológicos nos quais são inseridos, podem se aproximar em certos aspectos e gerar um diálogo rico e de grande contribuição teórica. Por um lado, encontra-se a perspectiva da psicologia cogni-tiva e por outro a da perspeccogni-tiva interlocucogni-tiva, as quais, apesar de observar o fenômeno da linguagem desde concepções/pontos de origem epistemológicos muito distintos, podem ainda ter alguns importantes elementos em comum que nos permitiriam avançar nesse complexo campo de estudo, de uma forma dialógica.

Nesta direção, apresenta-se uma síntese das teorias pertencentes a estas duas perspectivas, ressaltando aspectos que permitam apontar as mudanças nas concepções de sujeito e de linguagem, bem como do papel da cultura e do contexto sócio-histórico, sendo eles indispensáveis na compreensão do desenvolvimento e uso da linguagem.

Nas duas áreas, tanto na linguística quanto na psicologia cognitiva, as concepções de sujeito e de linguagem, bem como da relação pensamento-linguagem, tiveram importantes mudanças. Na linguística, ressalta-se a importância da crítica feita por Bakhtin ao subjetivismo idealista e ao objetivismo abstrato, propondo uma concepção dialógica, social e ideológica da linguagem. Na psicologia, passa-se por duas revoluções cognitivas, afastando-se do behaviorismo e aprofundando-se nos estudos da cognição. Essas revoluções, levaram a uma revolução cultural em que a mente é considerada como produto dos contextos sócio-históricos. Torna-se de grande importância a referência de Vygotsky na concepção de linguagem como signo construído culturalmente, elemento mediador entre o sujeito e o contexto mais amplo.

Durante o começo do século XX, na linguística, a abordagem dos estudos da língua e da linguagem continuou com a tensão das épocas anteriores, entre as pers-pectivas ‘universalista’ e ‘particularista’. Como apontaWeedwood(2002, p.125–138), desde os finais do século XIX, Saussure, bem como Chomsky, na primeira metade do século XX, faziam uma distinção entre essas perspectivas: langue/ parole e competên-cia/desempenho, respectivamente. No caso de Saussure, langue poderia se traduzir como sistema linguístico e parole como comportamento linguístico. Enquanto Chomsky distingue competência, quer dizer, o conhecimento que uma pessoa tem das regras de uma língua e desempenho, o qual refere-se ao uso da língua em situações reais.

No final do século, criticou-se fortemente a ambos autores, Saussure e Chomsky, por se focarem predominantemente nas abordagens universalistas e definindo o objeto

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Discussão teórica 15

da linguística como abstrato, sistêmico e formal. Para Saussure, o verdadeiro objeto da linguística era a língua em si mesma e por si mesma e para Chomsky os estudos mais importantes eram aqueles focados na competência e não no desempenho. A partir de então, os linguistas e filósofos da linguagem se dedicaram “à abordagem funcionalista da língua e aos aspectos pragmáticos do uso da língua, bem como pelos defensores da língua como uma atividade social, sujeita portanto à pressão da ideologia”. (WEEDWOOD,2002, p.125). A partir do século XX, os estudos da linguagem avançaram para uma interdisciplinariedade, afastando-se da linguística dura e se aproximando a outras ciências humanas, como a psicologia. ConformeWeedwood(2002, p.144–144), a linguística se interessou por outros fenômenos, como menciona aqui:

É comum dizer que a lingüística sofreu, na segunda metade do século XX, uma ‘guinada pragmática’: em vez de se preocupar com a estrutura abstrata da língua, com seu sistema subjacente (com a langue de Saussure e a competência de Chosmky), muitos lingüistas se debruçaram sobre os fenômenos mais diretamente ligados ao uso que os falantes fazem de língua.

Bakhtin, no entanto, fez uma grande contribuição ao criticar as duas concepções de língua e de linguagem que vinham se desenvolvendo séculos atrás. Ele chamou de subjetivismo idealista e objetivismo abstrato, identificando-se o primeiro com a tendên-cia universal e o segundo com a tendêntendên-cia particular, mencionadas anteriormente.

Ele denomina subjetivismo idealista à concepção da língua enquanto atividade mental materializada em atos de fala individuais. Entre as afirmações que ele faz sobre as concepções da língua, está:

A língua, na qualidade de produto acabado (“ergon”), na qualidade de sistema estável (léxico, gramática, fonética) se apresenta como um depósito inerte, tal como a lava esfriada da criação lingüística, abstra-tamente construída pelos lingüistas em vista de sua aquisição prática como ferramenta pronta para o uso (BAKHTIN,2004, p.73).

O objetivismo abstrato, por sua vez, é uma concepção da língua, segundo Bakhtin, como um sistema de regras. Ele critica a Saussure por focar-se na langue, um construto teórico abstrato, e não na parole, a produção dos falantes. Do mesmo jeito, ele faz afirmações sobre essa abordagem, entre as quais se encontram que a língua conforma-se com leis que têm vínculos dentro de um sistema lingüístico fechado e que esses vínculos nada têm a ver com valores ideológicos ou de outro caráter. (WEEDWOOD,2002, p.151).

Por outro lado, Bakhtin considera a língua como uma atividade social e dá importância à enunciação, ou seja, ao processo verbal: “Não é a atividade mental que organiza a expressão, mas, ao contrário, é a expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina sua orientação” (BAKHTIN,2004, p.112). Segundo

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Discussão teórica 16

Flores(1998), Bakhtin propõe que a língua seja estudada na realidade em que ela está inserida, servindo aos propósitos comunicacionais do locutor, pois “não importa a forma lingüística invariável, mas sua função em um dado contexto"[p.12–13].

Bakhtin afirma a natureza social da língua e afirma que toda enunciação está impregnada de um conteúdo ideológico. O estudo da língua como isolada do contexto histórico, e como sistema sincrônico abstrato, é criticado por Bakhtin; ele defende à evolução da língua como uma dinâmica gerada pela força ideológica que ela envolve (FLORES,1998;WEEDWOOD,2002). Como indicado pelo mesmo (BAKHTIN,2004, p.124): “A língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema lingüístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes”; ela mesma reflete variações sociais (WEEDWOOD,2002).

A língua só pode existir, segundo Bakhtin, em uma interação social (portanto ideológica), ou seja, em uma atividade dialógica; não é possível estudar a língua senão contemplada como diálogo, considerando este dentro de uma realidade social, tendo sempre um interlocutor, ainda que potencial. Toda enunciação1imbui um conteúdo

ideológico, portanto:

[. . .]se a língua é determinada pela ideologia, a consciência (portanto, o pensamento), a ’atividade mental’, que são condicionadas pela lingua-gem, são modeladas pela ideologia. A mente é um produto social [. . .] (WEEDWOOD,2002, p.153).

Neste sentido, Bakhtin aproximou-se a Vigostki e seu postulado de uma constru-ção social da mente. Para o psicólogo soviético "não há invenções individuais no sentido estrito da palavra, em todas existe sempre alguma colaboração anônima"(AGUIAR; OZELLA, 2013, p.301). Bakhtin, assim como Vigotski, indicam o fato de que tanto o discurso interior quanto o exterior são um produto e uma expressão do convívio social. O indivíduo não pode se desvincular da sociedade, ele vive em uma relação constantemente dialógica.

A linguística do século XX foi influenciada em grande parte por Bakhtin, tor-nando os estudos do fenômeno linguístico mais abrangentes, no sentido em que incluem as condições de produção das enunciações linguísticas. Entre as novas abordagens encontram-se a pragmática, a sociolinguística, a psicolinguística, entre outras, as quais estão ganhando espaço na história da linguística do século XXI (WEEDWOOD,2002). O pensamento bakhtiniano permitiu:

1 Para compreender o que é aqui referido como enunciação, aponta-se a oposição oração/enunciado,

presente na teoria bakhtiniana: "a oração é uma unidade da língua e como tal não possui existência real, entretanto, isso não impede que tenha um valor semântico (a significação); o enunciado é uma unidade da comunicação verbal que somente tem existência em um determinado momento histórico, porém, sua constituição não exclui a oração. O enunciado é, exatamente, a realização enunciativa da oração. O valor semântico do enunciado, por sua vez, é o sentido"(FLORES,1998, p.18–19).

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Discussão teórica 17

observar a linguagem não apenas no que ela tem de sistemático, abstrato, invariável, ou, por outro lado, no que de fato tem de individual e absolu-tamente variável e criativo, mas de observá-la em uso, na combinatória dessas duas dimensões, como uma forma de conhecer o ser humano, suas atividades, sua condição de sujeito múltiplo, sua inserção na his-tória, no social, no cultural pela linguagem, pelas linguagens (BRAIT, 2006, p.22–23)

Ao longo do século XX, na psicologia foram constituidas abordagens divergentes a respeito da aprendizagem humana, que geraram revoluções cognitivas, de rupturas nas formas de explicar os processos cognitivos e de conceber e investigar a mente. A produção dessas revoluções permite entender, de forma paralela à linguística, as mudanças e divergências nas concepções de sujeito e de linguagem e sua relação com o desenvolvimento e a aprendizagem.

Em relação à grande dissociação entre duas grandes tradições da aprendizagem humana, por um lado encontra-se a tradição construída em torno do behaviorismo e, por outro lado, as abordagens que permitiriam detectar a aprendizagem como um processo de reflexão pessoal, orientado a uma melhor compreensão de si, que permita mudar a forma em que o ser humano vê o mundo e a forma em que se representa a si mesmo e aos outros (POZO,2014). Há ainda uma terceira abordagem conciliadora que coloca em um mesmo contínuo as aprendizagens mais associativas e as mais reflexivas.

Os modelos behavioristas passaram por uma transformação, do ano 1910 até, aproximadamente, o ano 1960, passando por cinco fases2, conforme Yela(1996). Foi na

segunda metade do século XX, no final da década de 1950 e no início da década de 1960, que as limitações dos modelos behavioristas abriram as portas à psicologia cognitiva. Em termos gerais, segundo Gardner(2003apudVASCONCELLOS; VASCONCELLOS,

2007) foi no ano de 1956 que se deu a ruptura com o behaviorismo e deu-se início à revolução cognitiva3.

A psicologia cognitiva procurou, em primeira instância, um modelo de mente nas tecnologias computacionais. Este modelo adotou uma concepção de mente que era

2 1. De 1910 a 1930 foi o nascimento e difusão do conductismo, representada por Watson e caracterizada

pelo objetivismo antimentalista; 2. Era do neobehaviorismo, de 1930 a 1950, quando foram elaborados grandes sistemas caraterizados pelo objetivismo positivista. 3. A crise, de 1950 a 1960, representada por grandes críticas a respeito da falta de rigor nas regras behavioristas e por acreditar de forma absoluta nessa regras que criaram um sistema científico lógico, talvez de forma prematura; 4. Declínio do conductismo, fase em que passa-se do behaviorismo sistemático à psicologia da conducta, a qual continua colocando a conduta como objeto principal da psicologia, mas ela é reinterpretada; 5. A queda, na qual a conduta continua sendo como fundamental para a verificação de hipóteses psicológicas, mas que não é mais o único nem principal objeto de estudo Yela(1996)

3 The cognitive revolution in psychology was a counter-revolution. The first revolution occurred much

earlier when a group of experimental psychologists, influenced by Pavlov and other physiologists, proposed to redefine psychology as the science of behavior. They argued that mental events are not publicly observable. The only objective evidence available is, and must be, behavioral. By changing the subject to the study of behavior, psychology could become an objective science based on scientific laws of behavior (MILLER,2003, p.141).

(19)

Discussão teórica 18

mecanicista, analítica, lógica, racional, a qual não incluia a capacidade de aprender, de mudar, de se emocionar, etc. A respeito disso, Vasconcellos e Vasconcellos(2007, p.387) mencionam que: “No cerne desse amplo conjunto de pesquisas, estava presente a idéia de que a mente poderia ser interpretada como um software específico rodando em um hardware específico” (VASCONCELLOS; VASCONCELLOS,2007, p.387).

Bruner, segundo Cole(1998), argumentava que no início, a revolução pretendia ser mais do que uma forma de melhorar o behaviorismo, pois era para ser uma psico-logia baseada nos processos de construção de sentido. Apesar dessa nova psicopsico-logia investigar a memória, a percepção, a atenção, inclusive a linguagem, ela não focou os seus estudos na aprendizagem, área que continuava sendo considerada como behavio-rista e que seria explorada só depois (POZO,2014). Quando finalmente a psicologia cognitiva adotou o estudo da aprendizagem, esta foi reduzida aos mesmos processos associativos que a sustentavam no projeto behaviorista. Devido ao uso desses mesmos princípios behavioristas, disse-se que a revolução cognitiva começou com um giro rumo a um ‘behaviorismo subjetivo’ (BRUNER,2003apudPOZO,2014).

O processamento da informação na psicologia cognitiva usava esses princípios aplicados a tarefas complexas, tais como habilidades de aprendizagem, linguagem e aquisição de regras e conceitos. Deu-se início a uma nova forma de associações cognitivas, de forma que não eram mais estudados os estímulos e suas respostas, mas os nós semânticos, de representação, duplas de condição-ação e unidades de informação subsimbólica (POZO,2014).

Apesar da dificuldade de estabelecer postulados cognitivos convergentes, a cha-mada revolução cognitiva desenvolveu estudos experimentais sobre diferentes funções cognitivas, os quais desencadearam uma “proliferação de novos procedimentos investi-gativos sobre uma série de aspectos constitutivos do psiquismo” (VASCONCELLOS; VASCONCELLOS,2007, p.387).

Uma das mais importantes contribuições da psicologia cognitiva foi o resgate das obras da Gestalt, de Piaget e de Vygotsky, as quais tinham sido tiradas do foco dos estudos da aprendizagem, durante a glaciação behaviorista. As posições das teorias cognitivas da aprendizagem eram de natureza construtiva, nos quais, como diz Pozo

(2014):

(...)la reflexión consciente sobre la propia acción —algo fuera del al-cance de los dispositivos mecánicos a los que la mente computacional emulaba—, ya fuera individual, o socialmente mediada, constituía el núcleo del cambio cognitivo, que pasaba de ser algo accidental o forzado externamente, para constituirse en el centro de la actividad mental, en la medida en que estas teorías constructivistas del aprendizaje conce-bían al sujeto psicológico como un organismo en cambio y no como un mecanismo.

(20)

Discussão teórica 19

A clivagem na psicologia da aprendizagem humana continuou fortemente mar-cada, mas não mais pelas diferenças no que é aprendido -condutas ou representações-, senão no como é aprendido, quer dizer, os processos pelos quais se aprende, se através de processos de associação, –apresentadas pelos modelos behavioristas–, ou se através de processos reflexivos, metacognitivos, dialógicos, de construção de conhecimentos, como assumiam Piaget, Vygotsky e a Gestalt. Apesar da dissociação entre o que é aprendido e o como é aprendido, Pozo(2014) menciona que “si queremos entender la mente humana cuando aprende (...) debemos comprender cómo se relacionan ambas formas de aprender”.

Como aqui exposto, uma primeira revolução cognitiva (ou contra-revolução como Miller a chamou) se caracterizou por afastar-se do behaviorismo e aprofundar-se nos estudos da cognição. No final desse período, o cognitivismo referiu-se a processos simbólicos, dos quais o mais poderoso era o uso da linguagem. A conclusão a que se chega Harré(1992apud CAMPOS,2012) é que há processos cognitivos, claro, mas eles são imanentes às práticas discursivas. Isto leva a compreender o cognitivo como a expressão de processos bem mais complexos, de caráter social, chamados de discursivos, dando início a segunda revolução cognitiva4, a qual se extende e vai além dos limites

disciplinares da psicologia (CAMPOS,2012).

Ao longo desta segunda revolução, se consolida uma nova forma de conceber e explicar os fenômenos mentais. Isto está diretamente relacionado “a um conjunto de teorias que acabou por enfatizar aspectos mais dinâmicos e dialéticos da cognição, considerando-se ainda a própria interface entre o ser humano e o seu meio cultural” (VASCONCELLOS; VASCONCELLOS,2007, p.388).

Bem como essa revolução discursiva, a psicologia cultural5, representada por Bruner(1997), rompe com os modelos de processamento de informação da primeira revolução cognitiva. Segundo Guilar(2009, p.236) a diferença na passagem de uma revolução para a outra está na concepção da mente:

De la consideración de la mente en tanto capacidad que nos permite representarnos la realidad (“revolución cognitiva”) se pasa a considerar

4 Vasconcellos e Vasconcellos(2007, p.389) , no artigo Uma análise das duas revoluções cognitivas,

argu-menta que a segunda revolução não pode ser considerada revolução como tal. Ainda que tenha-se enfatizado o caráter pró-ativo e cultural da cognição, não teve o mesmo grau de convergência nem o mesmo efeito transformador. “Com base nos fatos e nas análises descritas neste artigo, pode-se aventar que o termo “segunda revolução cognitiva” parece não descrever um tipo de transformação tão radical quanto aquela ocorrida no final dos anos cinqüenta”.

5 Ja nos anos 1880s, havia sido, principalmente Wilhelm Wundt, o ‘padre’ da própria psicologia

quem tentou criar uma psicologia geral cultural; sendo seu esforço quase em vão. Wundt reconheceu prontamente que apesar dos métodos experimentais rigorosos da ‘nova’ psicologia poderem examinar as percepções internas do indivíduo, eram inapropriados para o estudo de produtos ‘superiores’ da mente, os quais emergem quando os humanos operam em um mundo social sob o controle da linguagem, mito, costumes, moralidade [Livre tradução] (BRUNER,2008).

(21)

Discussão teórica 20

la mente humana como producto de las fuerzas históricas culturales que conforman la sociedad (“revolución cultural”).

Reivindica-se a necessidade de uma compreensão holística da cognição, que leve em conta a interface dela com os fenômenos culturais. Bruner, apesar de ter sido um autor de grande importância para a primeira revolução cognitiva, se insere na segunda revolução fazendo uma crítica à forma em que ele concebia o sujeito:

En esa época mi concepción del niño podía incluirse en su mayor parte dentro de la tradición que lo estudiaba como un ser aislado, que domina el mundo representándoselo a sí mismo en sus propios términos. En los años posteriores (...) he llegado a ver que (...) el niño debe hacer suyo su propio conocimiento, pero además debe realizar esta ‘apropiación’ en una comunidad que comparte su sentido de pertenecer a una cultura (BRUNER,2007, p.203).

A partir desta manifestação que o autor faz, começa a se preocupar com as interelações entre a evolução humana e a cultura, bem como pela aprendizagem e a relação linguagem-pensamento. Esses interesses afastavam-se dos epistemológicos de Piaget e, portanto, o próprio Bruner afastou-se da abordagem piagetiana para encontrar maiores afinidades com Vygotsky (GUILAR,2009).

Bruner, envolvido amplamente na área da educação, a considerava como um processo público para intercambiar, compartilhar e negociar significados e não como um trabalho solitário de representação e categorização cognitiva. Neste sentido, Guilar

(2009, p.238) menciona que “(...)la mente no se forma de dentro hacia fuera (tesis piagetiana), sino que las ‘prótesis’ de la cultura (...) nos permiten amplificar nuestras capacidades psicológicas”. Portanto, na segunda fase de Bruner, ele se propõe recuperar a imensurável e frutífera relação entre mente e cultura (BRUNER,2008).

Bruner(1986) se aproxima a Vygotsky pelo fato de conceber o homem como sendo formado pela relação dialética da natureza e da história, ou seja uma criatura da biologia e um produto da cultura. ParaBruner(2001, p.158) “...parece absurdo estudar os processos mentais humanos isoladamente”, sem levar em consideração a cultura. O psicólogo americano menciona que Vygotsky é quem gera essa grande provocação: entender o ser humano como um produto da cultura, mas também como produto da natureza.

A partir desta reflexão sobre as contribuições de Vygotsky, e depois de abordar a evolução no pensamento e nas teorias das áreas da linguística e da psicologia, vão se estabelecer pontos de encontro nestas áreas. Diante desse cenário, pode-se compreender a pertinência do uso dessas perspectivas, suas diferenças e aproximações, levando em consideração a noção de sujeito, a concepção de linguagem, bem como a relação dialógica de elementos internos e externos que influem na construção de sentidos.

(22)

Discussão teórica 21

Neste sentido, o sujeito, na corrente da reflexão contemporânea, tanto na linguís-tica quanto na psicologia cognitiva, não deveria ser mais concebido como um sujeito isolado, mas um indivíduo situado no e modificado pelo ambiente em que está inserido. ConformeBruner(2001, p.24):

Nada está “isento de cultura”, mas os indivíduos tampouco são simples-mente espelhos de sua cultura. É a interação entre eles que confere um toque comunal ao pensamento individual e impõe uma certa riqueza imprevisível na forma de vida de qualquer cultura, pensamento ou sentimento.

A interação indivíduo-cultura não pode se ignorada nos estudos da linguagem. Assim, para Bakhtin, na sua teoria/análise dialógica, o ser humano não existe como sujeito fora de uma sociedade.Brait(2006, p.20) diz a respeito que “...os estudos da linguagem reencontraram o sujeito, suas relações com a história, a partir da observação da linguagem em uso”. No caso da psicologia, Shweder (1991 apud COLE, 1991) menciona que a revolução cognitiva teve uma inabilidade de desenvolver uma teoria adequada de ‘pessoa’, devido a um prevalecente platonismo: insistiu em uma separação entre o indivíduo e o contexto, considerado o primeiro como um processador central interior, universal e abstrato. Já a psicologia cultural6 pretende entender o sujeito como

um indivíduo moldeado pela natureza, pela sociedade e pela cultura, de uma forma dialógica.

Neste sentido, Freitas (1994) aproxima o pensamento de Bakhtin e Vygotsky pela ruptura com uma psicologia descritiva e descontextualizada, a qual ignorava a relação sujeito-meio ambiente. A autora-pesquisadora, quem se dirige aos textos destes teóricos, busca uma psicologia que “possa apreender o homem-sujeito-histórico-social como uma totalidade, em uma relação dialética com o seu contexto social” (FREITAS,

1994, p.18).

Vygotsky (1984), neste sentido, diz que o homem realiza sua mediação com o ambiente "por meio de instrumentos, de signos (linguagem, escrita, sistemas de números, etc.) que são criados pela sociedade ao longo do curso da história humana, mudando a forma social e o nível do seu desenvolvimento cultural”. Em outras palavras, como Bruner (1991) menciona: os produtos culturais, como a linguagem e outros sistemas simbólicos, medeiam o pensamento e as representações da realidade.

Bruner menciona o seguinte a respeito da premissa a partir da qual desenvolve

6 A respeito dessa busca de uma psicologia que considere o sujeito como um indivíduo histórico-social,

influenciado e constituido pela cultura, Kashima(2015) menciona que antes dos anos 1980, menos de 5% dos artigos listados no maior banco de dados de psicologia, PsycINFO, continham a palavra cultura ou cultural nos seus textos. Ao longo dos anos o aumento é claro e a cultura torna-se em um conceito crítico para a psicologia.

(23)

Discussão teórica 22

sua teoria de narrativas7–como forma de organização da experiências e memórias dos

acontecimentos humanos–:

Há domínios específicos de conhecimento e habilidades humanas, os quais são sustentados e organizados por kits de ferramentas culturais. Se aceitamos esta visão, a primeira conclusão seria que para compre-ender a natureza e o desenvolvimento da mente em qualquer cenário, não podemos assumir como unidade de análise um indivíduo isolado, operando ‘dentro de sua própria pele’ em um vácuo cultural. Em vez disso, devemos aceitar a visão de que a mente humana não pode expres-sar seus poderes nascentes sem a ativação dos sistemas simbólicos da cultura [Livre tradução] (BRUNER,1991, p.20).

A aproximação histórico-cultural de Vygotsky concilia o estudo de experiências culturais e o desenvolvimento cognitivo, como menciona Freitas(1994, p.87) nesta citação: “Enfatizou a origem social da linguagem e do pensamento, compreendendo que o individual e o social devem ser concebidos como elementos mutuamente constitutivos de um todo” . A teoria de Vygotsky gira em torno do “princípio da gênese social da consciência” (SINDER,1997, p.184). Para Vygotsky, o desenvolvimento cultural é realizado, primeiro em um plano social, ou seja, interpsicológico, e depois no plano individual, quer dizer, intrapsicológico; o passo de processos psicológicos elementares a processos psicológicos superiores se faz através da internalização de relações sociais. A respeito, e considerando a influência marxista e o contexto em que surge a teoria vygotskiana,McCaslin e Hickey(2001) mencionam que o homem muda a natureza e, ao fazê-lo, se muda a si mesmo. Ou seja, conformeLuria(1979apudMCCASLIN; HICKEY,

2001) o homem não é produto do ambiente, ele é um agente ativo para a criação desse ambiente.

Bakhtin, de acordo com Vygotsky, menciona que não é suficiente nascer de forma física, como um organismo biológico abstrato, mas precisa haver um nascimento social. Ele menciona que “a estrutura da atividade mental é tão social como a da sua objetivação exterior” (BAKHTIN, 2004, p.114). O centro de toda enunciação, portanto, situa-se no meio social que envolve ao indivíduo. Neste sentido, Bakhtin considera o homem um ser histórico e social, logo a linguagem contextualiza-se histórica e socialmente (SINDER,1997).

Para Bruner, o sentido está enraizado na linguagem e na cultura e sua evolução é produzida quando o interno (biológico) e o externo (social) se entrecruzam. Isto ocorre quando o sujeito se apropria da linguagem. “En conclusión, el lenguaje permite a los sujetos participar en la cultura, entender y construir sus significados” (ARCILA et al.,

7 Para Bruner a narrativa é um modo de pensamento e um veículo de produção de significado. A

organização das experiências e da memória dos acontecimentos humanos é feita através de narrativas: histórias, desculpas, mitos, entre outros. A narrativa é a produção de histórias através das quais as culturas produzem significações, compartilhadas e negociadas entre os membros (BRUNER,1991; BRUNER,2001).

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Discussão teórica 23

2010, p.43). Bruner se aproxima a Vygotsky neste sentido, pois também acredita na linguagem como instrumento mediador entre o sujeito e o ambiente.

Aqui vale a pena mencionar as funções que Vygotsky atribui à linguagem: comunicativa e intelectual. Para Vygotsky a linguagem tem uma função mediadora de organização do pensamento e da comunicação:

A função da linguagem é comunicativa. A linguagem é, antes de tudo, um meio de comunicação social, de enunciação e compreensão (...) A linguagem como que coadunava as funções da comunicação e do pensa-mento [função intelectual], mas essas duas funções estão de tal forma interligadas que a sua presença na linguagem condicionava a maneira como transcorria a sua evolução e como as duas se unificavam estrutu-ralmente (VYGOTSKY,2009, p.11).

Para Bakhtin o estudo da língua não pode se desvincular do social e da função comunicativa contextualizada. Inclusive, menciona que o sujeito não ‘adquire’ a língua materna, mas que nela e por meio dela desperta sua consciência: “O processo pelo qual a criança assimila sua língua materna é um processo de integração progressiva da criança na comunicação verbal. A medida que essa integração se realiza, sua consciência é formada. . . ” (BAKHTIN, 2004, p.108). Os atos de fala e as enunciações não são consideradas por ele como individuais, pois elas não podem ser explicadas a partir das condições psicofisiológicas do sujeito, elas são de natureza social (BAKHTIN,2004). Vygotsky já tinha mencionado que a consciência só podia ser compreendida na relação do homem com sua realidade histórica e social, na qual ressalta o trabalho e a linguagem. (FREITAS,1994).

O estudo da linguagem, então, não pode ser unicamente um estudo abstrato, universal, ideal e descontextualizado, senão também um estudo situado social e histori-camente, carregado de sentidos, de ideologias. O desafio é entender a relação dialógica entre estas duas dimensões. Para Bakhtin, existe, nas interações verbais, nas enunciações, uma dialética entre a psique e a ideologia, entre o interno e o externo (FERNÁNDEZ,

2009).

Como mencionado anteriormente, Vygotsky tinha chamado processo de inter-nalização à reconstrução interna das operações externas. O início do processo é uma atividade externa que é reconstruida e que começa a acontecer de forma interna, isto é essencial para o desenvolvimento de funções mentais superiores. Assim, estas fun-ções se originam nas relafun-ções entre sujeitos. Os processos interpessoais, ou externos, transformam-se em processos intrapessoais, internos a partir de uma serie de sucessos evolutivos. A internalização das atividades social e historicamente situadas é o aspecto distintivo da psicologia humana (VYGOTSKY,1984). “Não se trata da internalização de cópias dos objetos reais, mas de suas significações. O que permite isso é a operação

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Discussão teórica 24

com signos. E a linguagem constitui-se na instância de internalização por excelência” (SMOLKA; GÓES,1993, p.66).

A cognição do indivíduo não só se desenvolve por meio da interação com o outro, mas também através da reflexão consciente e deliberada das significações sobre aquilo que experimentou ou aprendeu e que formará parte do repertório de ideias, ações, habilidades e conhecimentos do sujeito. Essa toma de consciência é chamada de reflexividade por Vygotsky. Smolka e Góes (1993, p.101) dizem a respeito que as concepções da criança são espontâneas e acabam sendo não reflexivas porque “a atenção da criança está centrada no objeto a que o conceito se refere e não no ato de conceitualizar o objeto” e colocam um exemplo das práticas discursivas da criança: ela está centrada no objeto do dizer e não no próprio dizer.

Bruner(1986) também põe no foco a reflexividade que Vygotsky coloca como fundamental para o desenvolvimento da cognição do indivíduo. O psicólogo esta-dunidense fala sobre se distanciar daquilo que se sabe para refletir sobre o próprio conhecimento. Ele denota a importância desse distanciamento, dessa reflexão ao longo dos processos de aprendizagem e na educação, dizendo que

...a linguagem da educação deve ser um convite para refletir e para criar cultura. . . deixar um espaço para a reflexão, para a metacognição. É isto que permite o indivíduo alcançar um lugar mais alto, o processo de objetificar através de linguagem ou imagens o que ele pensou e depois lhe dar a volta e reconsiderá-lo [Livre tradução] (BRUNER,1986, p.129).

Agora, Bakhtin diz que “a consciência adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado no curso de suas relações sociais (...) Se privarmos a consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada” (BAKHTIN,2004, p.36). Para ele a consciência não se deriva da natureza e nem a ideologia se deriva da consciência, quer dizer que a mente, ou a atividade mental, é constituida socialmente, através dos signos e da interação semiótica dos grupos sociais.

Segundo Sinder(1997), Bakhtin destaca a palavra como constituidora da consci-ência. A respeito, (BAKHTIN,2004, p.) menciona que “se a língua é determinada pela ideologia, a consciência, portanto o pensamento, a “atividade mental”, que são condici-onados pela linguagem, são modelados pela ideologia”. Ele conclui que a consciência, a linguagem, a ideologia se inter-relacionam e que portanto: “O psiquismo e a ideologia estão em “interação dialética constante” (idem).

Neste sentido, acha-se importante destacar que a atividade mental, o psicológico, e o contexto social e ideológicamente construido do sujeito, indiscutivelmente, intera-gem e se constituem em uma relação dialógica, conformeBruner(2001, p.171) “para que a psicologia avance na compreensão da natureza e da condição humanas, ele deve aprender a entender a interação sutil da biologia com a cultura”.

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Discussão teórica 25

Nas análises desta pesquisa foram levadas em consideração as teorias aqui ex-postas, buscando convergências que permitissem uma análise cognitiva e interlocutiva, sem serem elas excludentes, mas convergentes em pontos essenciais para o estudo da linguagem.

Ressalta-se, então, a concepção de sujeito, enquanto indivíduo social, consti-tuido de e pela linguagem, em constante relação com o ambiente histórico-cultural em que se encontra inserido. Sem deixar de lado a relação dos elementos internos e externos –psicológicos e sociais– que constituem, de forma dialógica, a construção de conhecimento e que são essenciais na relação aprendizagem-desenvolvimento.

(27)

26

1 Alfabetização e letramento

Aquilo que é radicalmente novo, com a revolução eletrônica atual, é que não há processo de aprendizagem transmissível de nossa geração à geração dos novos leitores. É por isso que esta revolução, fundada sobra uma ruptura da continuidade e sobre a necessidade de aprendizagens radicalmente novas, e portanto de um distanciamento com relação aos hábitos tem muito poucos precedentes tão violentos na longa história da cultura da escrita. (CHARTIER,1999a, p. 93)

1.1

Alfabetização e letramento: concepções e mudanças

Chegar a um consenso de uma única definição de alfabetização é quase impossí-vel (HARRIS; HODGES,1995apudBRASLAVSKY,2003, p. 3–4)1. Geram-se confusões

ao redor deste conceito que podem dever-se à imaturidade dos conceitos ou, simples-mente, a um desentendimento de equivalência entre línguas, a partir do seu uso como tradução do termo literacy, em inglês (BRASLAVSKY,2003, p. 3), bem como distintos paradigmas teóricos. Além disso é importante destacar que a alfabetização é

[. . .]um processo complexo [. . .] de uma multiplicidade de perspectivas, resultante da colaboração de diferentes áreas de conhecimento, e de uma pluralidade de enfoques, exigida pela natureza do fenômeno, que envolve atores (professores e alunos) e seus contextos culturais, métodos, material e meios (SOARES,2008, p. 14).

Por conseguinte (e para o desenvolvimento desta pesquisa) é importante que, neste primeiro capitulo, sejam apresentadas e discutidas algumas das concepções de alfabetização e letramento, a relação entre estes conceitos, bem como suas mudanças no Brasil e em outras línguas.

O termo literacy foi usado pela primeira vez no final do século XIX, posterior ao uso dos termos contrários letrado/iletrado que datam do final do século XVI. Conforme

Braslavsky(2003, p. 10):

En la Edad Media, ser letrado significaba saber leer, mínimamente, latín. No comprendía la escritura, que entonces era una técnica compleja y ardua reservada a los “copistas”. Téngase en cuenta que esa técnica, que incluía el procesamiento del pergamino y las plumas, requería instrumentos especiales y esfuerzos corporales.

A partir das mudanças tecnológicas produzidas pelo uso do papel e os novos instrumentos de escrita, o conceito de letrado abrange as habilidades de leitura e

1 Harris e Hodgesenumeram 38 tipos de alfabetização no seu Dicionário de Alfabetização da Associação

(28)

Capítulo 1. Alfabetização e letramento 27

também de escrita. Literate, o termo en inglês referente a letrado2, vem do latin literattus

(derivado de littera -letra-) que significa sábio, douto, instruído. Deste termo deriva-se literacy, definido pelo Diciónario de Oxford como a habilidade de ler e escrever, sendo alfabetização sua tradução em português (alfabetización em espanhol). Entre indivíduos de uma sociedade letrada

[. . .]há em geral concordância quanto ao conceito que a palavra alfabeti-zação nomeia: pergunte-se a qualquer pessoa o que é alfabetialfabeti-zação, e a resposta dificilmente será outra que não a de que alfabetização é “o processo de ensinar a ler e a escrever” (GLOSSÁRIO CEALE,2014).

Etimologicamente, este conceito não ultrapassa o significado de ‘levar à aquisição do alfabeto’ e, portanto, não parece apropriado que o termo designe processos de aquisição da língua (oral e escrita) e também de seu desenvolvimento. Soares(2008, p. 15) escreveu a respeito: “Tem-se tentado, ultimamente [em 1985], atribuir um significado demasiado abrangente à alfabetização, considerando-a um processo permanente, que se estenderia por toda a vida, que não se esgotaria na aprendizagem da leitura e da escrita”. Apesar do conceito de alfabetização parecer óbvio à primeira vista, o termo, –e o que ele descreve–, tem uma variedade de significados que foram alterados ao longo do tempo.

A partir de meados dos anos 1980, o conceito de alfabetização foi posto em dis-cussão por profissionais do ensino e da Educação, devido às exigências das sociedades modernas, como mencionado nesta citação:

[. . .]evidenciaram a insuficiência de apenas “saber ler e escrever” e, em decorrência, a necessidade de que se ampliasse o conceito de alfa-betização, para incluir nele o saber fazer uso competente da leitura e da escrita nas situações sociais em que a língua escrita esteja presente (GLOSSÁRIO CEALE,2014).

Soares (2008) já mencionava que no ano 1985 era necessário um termo para enfrentar a realidade social onde não bastava simplesmente ‘saber ler e escrever’: “dos indivíduos já se requer não apenas que dominem a tecnologia do ler e do escrever, mas também que saibam fazer uso dela, incorporando-a a seu viver, transformando-se assim seu ‘estado’ ou ‘condição’, como conseqüência do domínio dessa tecnologia” (SOARES,

2008, p. 29). Desta maneira, a autora faz uso do conceito de alfabetismo3, que pretendia

2 Letrado neste caso considera-se a tradução do inglês literate que designa aquele que vive em estado

de literacy, embora na língua portuguesa, letrado pode ter um sentido diferente: ‘versado em letras, erudito’ (SOARES,2008, p. 41).

3 Essa palavra tem o mesmo significado de literacy e foi introduzida no final do século XIX. “O

surgimento do termo [. . .] nessa época, representou, certamente, uma mudança histórica nas práticas sociais: novas demandas sociais pelo uso da leitura e da escrita exigiram uma nova palavra para desginá-las” (SOARES,2008, p. 29).

(29)

Capítulo 1. Alfabetização e letramento 28

designar esse estado ou condição que assume aquele (o alfabetizado) que aprende a ler e a escrever, através da ação de alfabetizar.

Na medida em que as demandas sociais da língua escrita aumentam e tornam-se mais complexas, vão surgindo novas palavras, novos conceitos. Como exemplo disto, nos anos 1930, foi cunhado o termo alfabetismo funcional, após se perceber que os membros do exército dos Estados Unidos podiam ler e escrever, mas com um nível que não lhes permitia cumprir efetivamente as funções militares básicas (VILANOVA,

1989, p. 259). Este conceito é utilizado para indicar a capacidade de entender instruções escritas necessárias para realizar tarefas militares (BRASLAVSKY,2003;ROJO,2009). “A partir de então, o termo passou a ser utilizado para designar a capacidade de utilizar

a leitura e a escrita para fins pragmáticos, em contextos cotidianos, domésticos ou de trabalho, muitas vezes colocado em contraposição a uma concepção mais tradicional e acadêmica[...]” (RIBEIRO,1997apudROJO,2009, p. 97–98).

A Unesco deu ênfase à funcionalidade das habilidades, conhecimentos e práticas de leitura e de escrita e definiu uma pessoa funcionalmente alfabetizada como aquela que é “[...]capaz de envolver-se em todas as atividades em que o alfabetismo é necessário para um funcionamento efetivo de seu grupo e sua comunidade[...]“ (UNESCO,1978, p. 1). Para Soares(2008) fica claro que esse conceito de alfabetismo funcional assume que o alfabetismo tem o poder de promover o progresso social e individual;Kalman(2000

apudLÓPEZ-BONILLA; PÉREZ,2013) destaca que essas visões desenvolvimentistas promovem o alfabetismo funcional como condição necessária e garantia de progresso econômico e muitas políticas educativas basearam-se nelas. Ou seja, para se ter êxito social, o alfabetismo é indispensável e precisa-se dele para o desenvolvimento cognitivo, econômico, social, cidadão, profissional e pessoal. Essa perspectiva liberal, progressista, define o alfabetismo como un conjunto de habilidades que respondem a determinadas práticas sociais, de forma pragmática.

Contudo, concebem o conceito de alfabetismo como muito complexo, em acordo com Soares(2008, p. 30–31):

[. . .]o alfabetismo envolve dois processos fundamentalmente distintos, ler e escrever: as habilidades e os conhecimentos que constituem a leitura e as habilidades e os conhecimentos que constituem a escrita são radi-calmente diferentes, como também são consideravelmente diferentes os processos de aprendizagem da leitura e os processos de aprendizagem da escrita.

O alfabetismo precisa de competências e habilidades complexas e, devido a essa complexidade, começou-se a falar em níveis de alfabetismo. O Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF,2014)4 definiu quatro níveis de alfabetismo: analfabeto, rudimentar,

4 Esse indicador foi criado e implementado pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação

(30)

Capítulo 1. Alfabetização e letramento 29

básico e pleno. O nível rudimentar corresponde à capacidade de localizar informação explícita em textos curtos e familiares, enquanto que o nível pleno de alfabetismo fun-cional, segundo oINAF, corresponde à capacidade de ler textos longos, analisando e relacionando suas partes, comparar e avaliar informações, realizar inferências e sínte-ses. Outro exemplo de níveis de alfabetismo são aqueles sugeridos por J.S. Chall da Universidade de Harvard: 1) abaixo do nível funcional; 2) nível funcional; 3) leitura avançada (BRASLAVSKY,2003, p. 7). Já a Unesco tinha reconhecido que “o conceito de alfabetismo é muito flexível, e pode estender-se ao longo de todos os níveis de habilidade, desde um mínimo absoluto até um máximo indeterminado” (UNESCO,

1957apudSOARES,2008, p. 32).

A respeito disso, vale a penar mencionar a perspectiva denominada radical e ’revolucionária’ do alfabetismo, conformeSoares(2008, p. 35). As habilidades de leitura e de escrita, desde uma perspectiva ’revolucionária’, não são vistas simplesmente como necessárias para funcionar na sociedade, como apontam as perspectivas liberais do alfa-betismo, mas como práticas socialmente construídas que configuram-se por processos sociais mais amplos e que reforçam e questionam valores, tradições, padrões no presente social. “Paulo Freire foi um dos primeiros a apontar essa força ’revolucionária’ que pode ter o alfabetismo, afirmando que ser alfabetizado deveria significar ser capaz de usar a leitura e a escrita como um meio de tornar-se consciente da realidade e transformá-la” (SOARES,2008, p. 36). O alfabetismo, na perspectiva liberal progressista, é considerado, simplesmente, como instrumento neutro para ser usado nas práticas sociais e como um conjunto de habilidades necessárias para funcionar adequadamente em um contexto social, entanto que, desde a perspectiva ’revolucionária’, como mencionava Freire, é considerado constitutivo de identidades fortes e de empoderamento dos indivíduos.

Embora tenha-se a palavra vernácula alfabetismo, tradução da palavra en inglês literacy, na década de 1980, no Brasil, cunhou-se uma nova palavra: letramento. Nessa época, nos textos e pesquisas, as palavras alfabetismo e letramento foram usadas com significados muito semelhantes e próximos. Inclusive, os termos podiam ser usados indiferentemente ou como sinônimos nos textos (ROJO,2009, p. 9). SegundoKleiman

( apudROJO,2009, p. 97): “o conceito de letramento começou a ser usado nos meios acadêmicos numa tentativa de separar os estudos sobre o ’impacto social da escrita’ dos estudos sobre a alfabetização, cujas conotações escolares destacam as competências individuais no uso e na prática da escrita”.

funcional da população brasileira adulta. Seu principal objetivo é oferecer informações qualificadas so-bre as habilidades e práticas de leitura, escrita e matemática dos brasileiros entre 15 e 64 anos de idade, de modo a fomentar o debate público, estimular iniciativas da sociedade civil, subsidiar a formulação de políticas públicas nas áreas de educação e cultura, além de colaborar para o monitoramento do desempenho das mesmas” Id.,2014.

(31)

Capítulo 1. Alfabetização e letramento 30

É também, por volta da década de 1980, que adotaram-se, no Brasil, modelos teóricos, os quais foram ganhando destaque e incluiram-se nas políticas públicas como resposta aos problemas de alfabetização enfrentados nessa época. Segundo Mortatti

(2010) os modelos teóricos podem ser chamados construtivismo, interacionismo linguís-tico e letramento, formando o quarto momento crucial5da história da alfabetização no

Brasil, segundo a pesquisadora o denominou.

As práticas alfabetizadoras foram questionadas pelo fracasso escolar existente na escola pública nas etapas iniciais de leitura e escrita, após o fim do regime ditatorial em que se defendeu o direito à escolarização para todos.

Por volta da década de 1980, introduziu-se o pensamento construtivista como destacado acima, a partir das pesquisas desenvolvidas por Emilia Ferreiro, Ana Tebe-rosky e outros colaboradores sobre a psicogênese da língua escrita. Segundo oGlossário CEALE(2014), o construtivismo considera as interações sociais e culturais na aproriação da escrita, como mencionado na citação a seguir:

De acordo com este referencial, a apropriação da escrita se apoia em hi-póteses do aprendiz, baseadas em conhecimentos prévios, assimilações e generalizações, dependendo de suas interações sociais e dos usos e funções da escrita e da leitura em seu contexto cultural.

Segundo Mortatti(2010, p.332), o construtivismo foi uma revolução conceitual que demandava o abandono de teorias tradicionais; "do ponto de vista da história da alfabetização no Brasil, desse modelo teórico decorre o que denomino desmetodização da alfabetização". O construtivismo logrou hegemonia pela sua inclusão nas políticas públicas para a alfabetização.

Os modelos teóricos e suas propostas didáticas do interacionismo linguístico e do letramento foram ganhando espaço no questionamento dos métodos alfabetizadores e foram colocados como complementares ao construtivismo nas políticas públicas. O interacionismo linguístico considera a alfabetização uma atividade discursiva e de relações na qual tenta se compreender como se ensina e como se aprende a língua escrita e baseia sua didática no texto e nos aspectos envolvidos no processo discursivo (MORTATTI,2010, p.332).

5 No texto Os sentidos da alfabetização, publicado no ano 2000,Mortatti(2010) faz um percorrido pela

história do ensino da leitura e da escrita na fase inicial de escolarização no Brasil. A pesquisadora destaca quatro momentos cruciais nos quais atribuiram-se sentidos diferentes à alfabetização. Um primeiro momento (1876-1980 é a disputa entre quem defende o método de palavração e os métodos sintéticos (alfabético, fônico, silábico); o segundo momento (1890 a meados da década de 1920) carateriza-se pela disputa entre os defensores do novo método analítico e os que defendiam os métodos sintéticos; o terceiro momento (meados da década de 1920 a final da década de 1970) disputa entre defensores de métodos antigos de alfabetização e de quem defende a introdução de métodos mistos; o quarto é a disputa de quem defende os métodos antigos e quem acredita na nova perspectiva construtivista.

Referências

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