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"A Estrada da Sabedoria" : a produção de conhecimento no interior do movimento da mulher trabalhadora rural do Nordeste (MMTR/NE)

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Academic year: 2021

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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

Iasmim de Araujo Vieira

“A Estrada da Sabedoria”: a produção de conhecimento no interior do movimento da mulher trabalhadora rural do Nordeste (MMTR/NE)

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2 Iasmim de Araujo Vieira

“A Estrada da Sabedoria”: a produção de conhecimento no interior do movimento da mulher trabalhadora rural do Nordeste (MMTR/NE)

Dissertação apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para obtenção do título de mestra em sociologia.

Orientadora: Bárbara Geraldo de Castro

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA IASMIM DE ARAUJO VIEIRA E ORIENTADA PELA PROFª. DRª. BÁRBARA GERALDO DE CASTRO.

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4 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado, composta pelas Professoras Doutoras a seguir descritas, em sessão pública realizada em 09 de novembro de 2017, considerou a candidata Iasmim de Araujo Vieira aprovada.

Banca

Profª. Drª. Bárbara Geraldo de Castro (Orientadora) Profª. Drª. Mariana Miggiolaro Chaguri

Profª. Drª. Allene Carvalho Lage

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna.

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Dedico este trabalho ao Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste, minha eterna escola feminista.

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6 Agradecimentos

Tantas pessoas contribuíram com este trabalho que seria impossível listar todos os nomes. Cada uma a sua forma, diretamente ou em conversas esporádicas. Especialmente, gostaria de destacar e reconhecer a contribuição das mulheres que estiveram comigo nesta caminhada.

Agradeço imensamente a minha orientadora Bárbara Castro. Tive a oportunidade e o privilégio de trabalhar com ela ao longo deste estudo e aprender não só sobre pesquisa. Sua exorbitante sabedoria me incentivou em cada palavra, em cada ensinamento. Muitas vezes bati em sua sala apenas para conversar, na verdade eu ia buscar inspiração, pois sempre saía de lá mais confiante e com gás para continuar. Com certeza, este trabalho é fruto de todo ânimo e crença que vem dela.

Agradeço a professora Allene Lage, minha orientadora da graduação, pelo início de tudo. Sem dúvida, minhas escolhas profissionais foram nutridas pelos ensinamentos dela. Sempre acreditou em mim e me oportunizou não apenas trilhar os caminhos da pesquisa, mas me auxiliou materialmente quanto à permanência na graduação. Sempre preocupada com as condições de vida dos/as estudantes, lutou para que eu tivesse bolsas de estudo e pudesse fazer uma boa graduação. Além disso, foi através dela que chego ao MMTR/NE, a isto minha eterna gratidão.

À professora Mariana Chaguri pela imensurável contribuição na qualificação. Os seus ensinamentos foram como escancarar portas e ampliar os horizontes. Auxiliou muito nos direcionamentos do estudo e pude aprender com sua experiência e sabedoria. Grata pela leitura atenciosa e indicações de textos.

Agradeço ao Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR/NE) pela oportunidade de aprender. Lá conheci mulheres como Elizete, Madalena, Sílvia, Ilda, Dona Lulu, Lourdes, Aparecida, e muitas outras, que foram responsáveis pela minha transformação. Especialmente agradeço a Verônica pelas conversas, oportunidade de reflexão e por ter estado comigo pensando juntas desde a semente desta pesquisa.

À minha mainha Regina, pelo exemplo de fortaleza e coragem, pela vida e pela oportunidade dos estudos. A sua história de vida é digna de uma epopeia. Sempre com um sorriso no rosto, passou por todos os dilemas de ser uma mãe sozinha no interior de Pernambuco, sem que o amor ao mundo e as pessoas fosse abalado. Acima de tudo, ela me ensinou a amar.

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Agradeço as minhas irmãs que são verdadeiros presentes que o universo me deu. Nós somos o quarteto mais diferente e cheio de afeto que há no mundo. À minha irmã Nívea que é a pessoa mais amável e alegre que conheço, cuidou de mim e sempre se entusiasmou com cada passo que dei. A felicidade que vem dela é inspiração e insumo para minha vida. À minha irmã Natália por ser a sabichona militante da família, minha professora desde a infância. Sempre acompanhada dos livros me incentivou ao estudo, me ensinou a ler, a escrever, a interpretar o mundo e a vida. Devo a ela o início da militância, quando ainda com pouca idade, me levou para os atos políticos e para suas aulas de sociologia. À minha irmãzinha Isabel, minha pequena, minha companheira de aventuras, que hoje é um mulherão. A curiosidade e simpatia que são inerentes a ela me inspiram sempre. Ao lado dela nunca me senti só.

Agradeço as mulheres que me abraçaram em Campinas, companheiras queridas sempre presentes e que foram fundamentais no apoio deste trabalho. Mimi e Camis que leram o texto várias vezes e me aguentaram nas horas de desassossego. Especialmente, agradeço a Nara, companheraça que quase decorou o trabalho de tanto que leu. O otimismo dela é um verdadeiro gás para o mundo.

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8 ¿En perseguirme, mundo, qué interesas? ¿En qué te ofendo, cuando sólo intento poner bellezas en mi entendimiento y no mi entendimiento en las bellezas? Yo no estimo tesoros ni riquezas, y así, siempre me causa más contento poner riquezas en mi entendimiento que no mi entendimiento en las riquezas. Yo no estimo hermosura que vencida es despojo civil de las edades ni riqueza me agrada fementida, teniendo por mejor en mis verdades consumir vanidades de la vida que consumir la vida en vanidades. Sor Juana Inés de La Cruz

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9 Resumo: Neste estudo, investigamos a produção de conhecimento no interior do Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR/NE). Para isto analisamos a experiência de formação política denominada Escola de Educadoras Feministas (EEF). Este curso é elaborado pelas/para as trabalhadoras rurais desde 2014, tem o objetivo de difundir a formação feminista no interior do Movimento e produzir a ideia de feminismo rural. Isto ocorre porque há na trajetória do MMTR/NE aproximações, críticas e ressignificações do feminismo. Os modos com os quais a Escola foi organizada e o desenvolver dela, demonstram os esforços coletivos que o Movimento faz em entender o feminismo enquanto orientação política, ao mesmo tempo em que traduz o exercício que é feito para produzir conhecimentos. Durante as aulas, há a sistematização de um arcabouço de ideias que organiza e reflete as concepções de educação e de feminismo do Movimento. Para as interpretações, analisamos três EEF microrregionais. A primeira reuniu militantes dos estados de Sergipe, Bahia e Alagoas, a segunda os estados de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte e a terceira os estados do Maranhão, Piauí e Ceará. O IV módulo da EEF que objetiva discutir auto-organização das mulheres trabalhadoras rurais e produzir a ideia de feminismo rural foram gravados e transcritos para fins desta pesquisa. A auto-organização é compreendida como uma estratégia metodológica que reconhece os locais de fala das trabalhadoras rurais enquanto mecanismo indispensável para a construção de conhecimentos que promovam autorreflexão, incida sobre suas vidas e, consequentemente, sobre o Movimento. Para significar a ideia de feminismo rural na perspectiva da auto-organização, constrói-se uma estrutura pedagógica dentro da EEF em que há possibilidades de construção de uma narrativa coletiva do MMTR/NE, capaz de informar, a partir das experiências das militantes, os sentidos do feminismo rural.

Palavras Chave: Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR/NE); Produção de Conhecimento; Feminismo Rural.

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10 Abstract: In this study, we investigated the production of knowledge within the Movement of the Rural Working Woman of the Northeast (MMTR/NE). To do so, we analyze the experience of political formation called School of Feminist Educators (EEF). This course is developed both by and for female rural workers since 2014, with the aim of spreading the feminist formation within the Movement and producing the idea of rural feminism. This is possible because there are approximations, critiques and resignifications of feminism in the MMTR/NE trajectory. The ways in which the school has been organized and its development demonstrates the collective efforts the Movement makes in understanding feminism as a political orientation, while at the same time translating the exercise that is done to produce knowledge. During the classes, there is a systematization of a framework of ideas that organizes and reflects the Movement's conceptions of education and feminism. For the interpretations, we analyzed three micro-regional EEFs. The first gathered militants from the states of Sergipe, Bahia and Alagoas, the second, the states of Pernambuco, Paraíba and Rio Grande do Norte, and the third, states of Maranhão, Piauí and Ceará. The IV module of the EEF that aims to discuss self-organization of female rural workers and produce the idea of rural feminism was recorded and transcribed for purposes of this research. Self-organization is understood as a methodological strategy that recognizes the rural workers' speaking places as an indispensable mechanism for the construction of knowledge that promotes self-reflection, affects their lives and, consequently, about the Movement. In order to signify the idea of rural feminism in the perspective of self-organization, a pedagogical structure is constructed within the EEF in which there is a possibility of constructing a collective narrative of the MMTR/NE, that is capable of informing, from the experiences of the militants, the meanings rural feminism.

Keywords: Movement of the Rural Working Woman of the Northeast (MMTR/NE); Production of Knowledge; Rural Feminism.

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11 Sumário

INTRODUÇÃO ... 12

I.I. Mulheres rurais na luta por direitos, reconhecimento e visibilidade. ... 16

I.II. A Estrutura do MMTR/NE e a Formação da Escola de Educadoras Feministas ... 22

I.III. Materiais e Métodos de Análise... 33

CAPÍTULO 1. O PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE EDUCADORAS: “A ESCOLA QUE PRECISÁVAMOS” E “A ESCOLA QUE APERFEIÇOAMOS” ... 41

II.I. A Escola que Precisávamos (1994-2000) ... 43

II.II. A Escola que Aperfeiçoamos (2000-2006) ... 49

II.III. A Escola Feminista de Formação Política e Econômica ... 68

CAPÍTULO 02. FAZER-SE FEMINISTA: OS CAMINHOS E SIGNIFICADOS DA AUTO-ORGANIZAÇÃO DE MULHERES NO MMTR/NE ... 73

III.I. Perspectiva do conhecimento situado ... 76

III.II. Casa pequena, mundo fechado ... 88

III.III. Mundo aberto lá fora ... 96

III.IV. Significados da auto-organização das mulheres trabalhadoras rurais do Nordeste ... 105

III.IV.I. Contextualizando o feminismo no Nordeste ... 106

III.IV.II- Porta aberta: mulheres que ensinam mulheres ... 111

CAPÍTULO 03. A COLHEITA DAS MULHERES SÁBIAS: O FEMINISMO RURAL NO NORDESTE DO BRASIL. ... 119

IV.I. Só deixo o meu Cariri no último pau de arara ... 121

IV.II. “Sem feminismo não há agroecologia” ... 134

IV. III. A construção da identidade feminista: uma nova forma de ser mulher rural. ... 143

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 151

VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 157

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Introdução

Mulher da Zona Rural

Se quer mulher valente Veja a mulher camponesa Lutando pela defesa Da sua querida gente Enfrenta chuva e sol quente Pedra xexo e lamaçal

Acha tudo natural Naquela estrada espinhosa Quer ver mulher corajosa Visita a Zona Rural Quando ela está gestante

E chega o dia do parto Trancada dentro de um quarto Manda buscar a parteira Com um porte de guerreira Conforma seu pessoal Dizendo o parto é normal Tomei gota milagrosa Quer ver mulher corajosa Visite a Zona Rural Dorme tarde acorda cedo Acha o horário comum Quando tem faz desjejum Se não tem guarda segredo Lava roupa num lajedo De um riacho local Limpa mato no curral Mata cobra venenosa Quer ver mulher corajosa Visite a Zona Rural (Maria da Soledade Leite, Trabalhadora Rural da Paraíba, militante do MMTR/NE).

Conheci o Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste em (MMTR/NE) 2011. Estava no segundo ano do curso de pedagogia e sabia que em Caruaru- PE havia um movimento de mulheres, o único que tinha ouvido falar. Até então, nesta época, o curso que estava fazendo exigia que elaborássemos um trabalho de campo com movimentos sociais para pensar a educação que era vivenciada fora dos moldes formais de ensino. A escolha de qual movimento social analisar era livre.

Estava começando a me interessar pelas discussões de gênero e tinha participado de um seminário sobre mulheres na universidade. Neste evento conheci Silvia, trabalhadora rural e militante do MMTR/NE, que pegou o microfone e fez um discurso à universidade. Disse-nos o quanto as questões da mulher rural ainda eram invisíveis,

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falou sobre a Marcha das Margaridas1 e especificidades do cotidiano da mulher rural do Nordeste; tanto no trabalho doméstico quanto no acesso a políticas públicas. A potência do seu discurso tão elaborado e incisivo me deixou encantada naquele momento. Escolhi o MMTR/NE para estudar.

Lembro muito bem quando cheguei à sede do Movimento (Caruaru-PE) pela primeira vez e me apresentei como estudante. Falei que gostaria de aprender sobre a organização e estava disponível para ajudar no que fosse preciso. Fui muito bem recebida, me apresentaram em linhas gerais o que era a organização e me falaram que se eu quisesse ajudar, tinha uns livros para organizar na biblioteca do Movimento. Aceitei e passei a frequentar a sede diariamente. Entre um livro e outro que organizava, observava a dinâmica do local: poucas mulheres na sede, muitas ligações, falava-se de questões do Maranhão à Bahia, organizavam-se encontros e reuniões.

Fui convidada a participar de uma reunião da direção regional, que aconteceria poucos dias depois que passei a frequentar a sede. Sabia que existiriam mulheres de todos os estados do Nordeste2 reunidas e estava muito curiosa para conhecer mais de perto sobre o que falariam na reunião. No dia, cheguei mais cedo e lá já estavam, dezoito mulheres, duas de cada estado. Fiquei ao canto da sala, observando tudo. A alegria do encontro entre elas era perceptível em seus rostos, muitos abraços de amigas de longas datas, a maioria mulheres mais velhas que recebia umas às outras com cânticos populares e palavras de ordem. Aquela mística me arrepiava a cada momento que ouvia o coro cantar: “Eu sou mulher, seu doutor, o que é que é? Eu sou mulher do

Nordeste, eu sou mulher. Para ir votar, eu sou mulher. Para não ter voz, eu sou mulher. Para não ter vez, eu sou mulher. E no sindicato, por que é que eu não sou mulher? ”.

Naquela reunião, recordo de ouvir um debate sobre trabalho doméstico em que se falava sobre o termo “ajuda”. Diziam umas às outras: “Quem ajuda não tem responsabilidade, ajuda quando quer. Então não é para termos “ajudas”, queremos ter responsabilidades repartidas”. Eu nunca tinha ouvido falar sobre isso. Saí da reunião

1 A Marcha das Margaridas é a maior mobilização de mulheres do Brasil, composta por trabalhadoras rurais, extrativistas, indígenas, quilombolas, movimentos de mulheres e movimentos feministas que tomam as ruas de Brasília para dar visibilidade à luta das mulheres. Dentre as bandeiras de luta estão: a superação das desigualdades de gênero, agroecologia, denúncias contra a fome, a pobreza e todas as formas de violência, exploração e discriminação. São expostas demandas ao Governo Federal, propondo políticas públicas para as mulheres do campo, da floresta e da cidade. O nome foi escolhido para homenagear Margarida Maria Alves, trabalhadora rural e líder sindicalista assassinada na Paraíba em 1983 por latifundiários. Já ocorreram cinco edições da Marcha das Margaridas, nos anos de 2000, 2003, 2007, 2011 e 2015, sendo que a última edição articulou mais de 100 mil mulheres na Capital Federal, de acordo com a organização.

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com tantas aprendizagens que parecia que eu já era outra. Eu realmente tinha mudado. Terminei o trabalho de um semestre que tinha começado no Movimento para a universidade e de lá não saí mais.

Aos poucos, fui entendendo mais da organização. Cada conversa que tinha com elas era um ensinamento novo. Contavam-me sobre suas estratégias de sobrevivência e sobre a importância de estarmos sempre juntas para desconstruir “mentalidades de submissão”. Este lema, diziam, era a missão do Movimento. Tive a oportunidade de acompanhá-las em muitas ações, marchas, reuniões, eventos, rodas de conversas, tantas coisas que não saberia descrever aqui. O que sei é que me ensinaram sobre o que é ser mulher nordestina no mundo e sobre feminismo.

A minha relação com o Movimento se estreitou. E, em 2014, tive duas grandes oportunidades. A primeira foi de participar de um projeto de formação política e econômica para mulheres da pesca artesanal no estado de Pernambuco. Ofereceram-me a coordenação pedagógica do projeto, para que eu trabalhasse neste cargo junto a uma mulher trabalhadora rural. Na experiência deste trabalho, as próprias militantes do Movimento eram, em sua maioria, as educadoras do projeto. No trabalho educativo, pela manhã, as militantes do MMTR/NE ensinavam sobre política e economia para as pescadoras, conforme o curso exigia. À tarde, elas iam para o rio e o mar aprender a pescar com as educandas. Isto não estava previsto nos planejamentos do curso, mas era uma predisposição que existia. Eu, que já tinha estudado sobre educação popular, consegui enxergar na prática aquilo que Paulo Freire sempre disse: “o/a educador/a já não é o/a que apenas educa, mas o/a que, enquanto educa, é educado/a, em diálogo com o/a educando/a que, ao ser educado/a, também educa”.

A segunda oportunidade está relacionada com o meu envolvimento direto no movimento feminista. Também em 2014 conheci a Marcha Mundial de Mulher (MMM) através do MMTR/NE. Por sentir as urgências de estar auto-organizada, encontrei na MMM afinidades políticas quanto à perspectiva de feminismo em que acreditava. Com outras mulheres da cidade de Caruaru- PE, começamos neste ano um novo núcleo feminista no Agreste do Estado.

Muitos foram os desafios de construir este coletivo, pela realidade conservadora da região ou até mesmo pelas dificuldades de entendermos juntas os propósitos de estarmos reunidas. Militar em um movimento feminista me trouxe muitas aprendizagens. A MMM reunia mulheres de muitos lugares: campo, cidade, pobres, classe média, negras, brancas, mulheres jovens, mulheres mais velhas, lésbicas,

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bissexuais e heterossexuais. A experiência de militar coletivamente nesta diversidade me aguçou muitas reflexões. Na época, nossa principal preocupação, por sermos um núcleo inicial, estava em nos educarmos no feminismo. Seguimos este objetivo com uma série de oficinas que aconteciam mensalmente.

Por já ter observado as experiências de formação do MMTR/NE, comecei a sentir algumas dificuldades nas formações da MMM que estávamos iniciando. Notei que existia, de algum modo, a partir das mulheres vinculadas a universidade, uma exigência de estarmos “formadas no feminismo”, o que muitas vezes criava relações de poder entre “as que sabem sobre” e as “que não sabem sobre”. O conflito estava posto e sempre retornava a cada reunião. Continuamos juntas e aos poucos conseguíamos decifrar os ranços sobre hierarquias de conhecimentos que estavam inscritos em nossas experiências. Desconstruir isto era o nosso desafio. Neste momento, percebi que este conflito poderia ser lido a partir da chave da produção de saberes e que o MMTR/NE tinha muito a ensinar ao feminismo.

A pesquisa nasce desta experiência. Nesta dissertação busquei investigar os conhecimentos construídos nos processos formativos3 do MMTR/NE, bem como as formas em que se dá essa construção. Considero esta estrada de sabedoria, como um percurso autônomo e próprio das Trabalhadoras Rurais do Nordeste, que revela seus modos de ser, concepções de mundo e projetos de sociedade.

Elegi para a análise uma experiência formativa produzida e desenvolvida pelo Movimento, cujo título é: Escola de Educadoras Feministas. A partir da interlocução com trabalhadoras rurais que construíram e participaram da Escola, acredito que este é um espaço privilegiado para estas investigações, por considerar que o objetivo do curso, estrutura curricular, metodologia e desenvolvimento, são elementos pensados e construídos pelas/para trabalhadoras rurais e refletem, em grande medida, as expressões e os significados da luta feminista nas áreas rurais no Nordeste do Brasil.

Entendemos que esta preocupação, a do entendimento do feminismo no Nordeste rural, está inscrita enquanto uma problemática em toda a Escola. Há, em sua estruturação, momentos específicos para produzir coletivamente uma ideia de Feminismo Rural.

3 Considero esses processos formativos as atividades cujo objetivo se destina à formação política das

trabalhadoras rurais como cursos, oficinas, sistematizações de experiências, entre outras ações que refletem a produção de conhecimento do Movimento.

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A proposta de conceituar o que é Feminismo Rural põe em evidência os esforços do MMTR/NE em sistematizar as ideias políticas que fomentam suas lutas. Traduz, também, a preocupação do Movimento em disputar o campo de produção do conhecimento de modo autônomo e conectado com o cotidiano dessas mulheres.

A disputa por se inserir na produção de conhecimentos pelas feministas rurais tornou-se nosso objeto de investigação por considerarmos que há uma invisibilidade nos saberes oriundos dos grupos historicamente oprimidos (SANTOS, NUNES E MENEZES: 2005). Além disso, acreditamos que os embates contidos no campo da produção do conhecimento permitem pensar em elementos não tradicionalmente eleitos, como a resistência desses grupos. Consideramos também, na escolha, o acúmulo na produção de saberes que o MMTR/NE vem construindo ao longo de seus trinta anos de existência. Este acúmulo vem sendo traduzido e sistematizado pelas trabalhadoras rurais com o nítido objetivo de evidenciar a luta e trazer para a discussão o protagonismo da mulher rural no que tange à defesa dos seus direitos e na desconstrução de um sistema patriarcal que violenta, oprime e desvaloriza a mulher. Nossa pergunta de pesquisa, pode ser lida, portanto, da seguinte forma: quais são os conhecimentos produzidos no âmbito das práticas educativas/políticas que são desenvolvidas no interior do MMTR/NE, na luta feminista que se constrói?

I.I. Mulheres rurais na luta por direitos, reconhecimento e visibilidade.

A história de organização política das mulheres trabalhadoras rurais no Brasil remete ao contexto de 1980. É nesta década que através de reuniões e encontros de mulheres, surgem movimentos autônomos de trabalhadoras rurais no país. Isto não significa dizer que em momentos anteriores existia ausência da mulher nas lutas sociais do campo. Podemos enxergar esta presença através da história de Margarida Alves4, Alexina Crespo5 e Elizabeth Teixeira6, importantes líderes que atuaram em defesa dos

4 Margarida Maria Alves nasceu em Alagoa Grande, Paraíba em 1933. Foi a primeira mulher presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande- PB em 1973, atuando neste cargo por mais de 10 anos. Dentre suas bandeiras estava a luta pelo fim da violência no campo, em prol dos direitos trabalhistas, como jornada de 8 horas de trabalho, carteira assinada, 13º salário e férias remuneradas. Ela foi assassinada em 12 de agosto de 1983 aos 50 anos, a mando de latifundiários da região.

5 Alexina Lins Crêspo de Paula, nasceu em 1926 e participou ativamente da estruturação do movimento das Ligas Camponesas no Brasil que, começou, em 1955. Neste ano fundou também, fundou a Associação Pernambucana de Mulheres e a Associação de Mulheres do Brasil. Por um período da sua vida esteve casada com Francisco Julião, liderança das Ligas Camponesas no estado de Pernambuco. Sua trajetória foi também em prol da luta pelos direitos e a emancipação das mulheres. Faleceu em Recife- PE aos 87 anos devido a problemas de saúde.

6 Elisabeth Teixeira é uma líder camponesa brasileira nascida em 1925 na cidade de Sapé, Paraíba. Foi uma das fundadoras da Liga Camponesa de Sapé em 1959, junto com seu marido, João Pedro Teixeira.

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direitos dos/as trabalhadores/as rurais e que ascenderam como lideranças neste período por vias do trabalho político de seus maridos.

No entanto, é no bojo das transformações políticas desta década que vários movimentos sociais retomam forças e se organizam em prol da abertura democrática no país. Maria da Glória Gohn (2011) em estudo sobre a atuação dos movimentos sociais neste período, entende este setor da sociedade civil organizada como “ações coletivas de caráter sócio-político e cultural que viabilizam formas distintas da população se organizar e expressar suas demandas” (GOHN, 2011:335). Além disto, considera que neste contexto de redemocratização no Brasil, movimentos populares ficaram amplamente conhecidos pela oposição ao regime militar vigente, sobretudo a partir de movimentos de base cristãos inspirados pela teologia da libertação.

Nas áreas rurais é possível observar a articulação de movimentos sociais do campo com movimentos de base cristã, principalmente a partir da atuação da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Vinculada aos setores progressistas da Igreja Católica, a CPT é fundada em pleno regime militar, no ano de 1975, com o objetivo de apoiar a luta dos/as trabalhadores/as rurais e de suas organizações. Para o engajamento político das mulheres rurais, o envolvimento da igreja torna-se determinante. Isto porque, dentre os vários espaços de sociabilidade que são restritos às mulheres a igreja é um espaço quase sempre possível ou até mesmo obrigatório7. Neste cenário observa-se uma mudança na qualidade da participação política da mulher rural, sobretudo nas regiões Sul e Nordeste, primeiros territórios em que se registra o surgimento de movimentos autônomos de trabalhadoras rurais (CARNEIRO, 1994).

No Nordeste há um aspecto fundamental que fomenta esta organização de mulheres. Dada a realidade geográfica do clima semiárido e as implicações socioeconômicas que assolam a região por ocasião da seca, há entre os anos de 1979 a 1984 –período de uma forte seca- o fenômeno de mulheres como “chefes de família”, pois há massiva migração de homens para outras regiões em busca de trabalho. Essas mulheres passam a exigir participação em Frentes de Emergências8, que se tornou uma

Em 1962 João Pedro foi assassinado por dois policiais à paisana, a mando de usineiros paraibanos, momento em que Elisabeth Teixeira assume a liderança da organização. Com o golpe militar, entrou na clandestinidade trocando seu nome para Marta Maria Costa, chegando a ser dada como morta pela repressão política, reaparecendo após 1981. Atualmente está com 92 anos e reside em João Pessoa- PB. Sua trajetória é marcada pela mobilização de trabalhadores/as rurais em defesa da reforma agrária.

7 Trataremos melhor desta relação entre as trabalhadoras rurais e a igreja progressista como impulsionador do engajamento político das mulheres no capítulo 2.

8 As Frentes de Emergências concentravam fundos do Governo Federal para obras em áreas atingidas pela seca no Nordeste. Eram realizadas ações como construção de açudes, barragens, cercas e plantios. As

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pauta prioritária nas organizações de mulheres rurais que estavam sendo gestadas nesta época (BORDALO, 2008; CORDEIRO, 2004).

Entre os anos de 1982 e 1984 há mobilizações de mulheres rurais por participação nas Frentes de Emergências em vários estados do Nordeste (SILIPRANDI, 2015). No Sertão Central de Pernambuco, a expressão desta movimentação pode ser vista através do trabalho realizado por Vanete Almeida9, que desde o início da década de 1980 começa a organizar mulheres rurais. A princípio, em torno das questões referentes à sobrevivência na seca e posteriormente, pela participação em sindicatos rurais, que até esta época também era vetada a presença das mulheres. É neste cenário que, em 1984, nasce o Movimento de Mulheres Rurais do Polo Sindical do Sertão Central de Pernambuco no município de Serra Talhada-PE (BORDALO, 2008).

O trabalho destas mulheres sertanejas foi de fundamental importância para a articulação de mulheres rurais na região. Reconhecem situações comuns entre elas, como a impossibilidade de sindicalizar-se, bem como o não reconhecimento destas enquanto trabalhadoras. Motivadas a reverterem esta estrutura, no ano de 1985 encaminham ao IV Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, uma moção exigindo o incentivo à sindicalização das trabalhadoras rurais. O documento tem por título: “Como Aumentar a Participação das Mulheres Trabalhadoras Rurais no Movimento Sindical”.

Além disso, neste mesmo ano, as mulheres rurais que atuaram politicamente nesses movimentos, participaram do III Encontro Feminista Latino-Americano e do

análises feitas por Campos (2004) sobre os programas e ações que foram implantadas no período de 1979 a 1983, contexto de uma das piores secas que atingiu a região, conta que as perspectivas de atuação dessas ações eram fomentadas sob a lógica da modernização conservadora, privilegiando donos de terras de grande ou médio porte no acesso ao recurso para as obras. Para as pessoas que não dispunham desta condição, a maioria esmagadora de sem terras no sentido estrito do termo, e pobres, restava o alistamento enquanto mão de obra para a realização das construções. Embora um dos objetivos das frentes de emergências se associasse à redução de problemas sociais, o que se enxerga é uma verdadeira reafirmação dos poderes dos donos de terra, que continuavam no controle do trabalho dos/as que se alistavam nas Frentes, a partir de longos regimes de horas de trabalho, pagamentos baixos com tempos de atrasos, além de forte controle por vias do exército. Ou seja, uma verdadeira condição de exploração do trabalho por parte dos donos de terra, que se utilizava deste cenário para fins próprios. A participação das mulheres nestes alistamentos acontece depois de muitas pressões, haja vista que só poderia se inscrever apenas duas pessoas de cada família. Além de ser um ambiente explicitamente violento, marcado pela discriminação da força de trabalho feminina, para as mulheres eram negados qualquer tipo de direito (CAMPOS, 2004).

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Maria Vanete Almeida foi uma importante liderança que atuou junto às mulheres no Nordeste do Brasil

a partir de 1980. Definia-se como mulher negra, feminista e do Sertão. Sua atuação incidia no trabalho educativo com mulheres trabalhadoras rurais, sobretudo no estímulo à conscientização sobre direitos. Institucionalmente, trabalhou no CECOR (Centro de Educação Comunitária Rural) em Serra Talhada, Sertão pernambucano, fundou a Rede LAC (Rede de Mulheres Rurais da América Latina e Caribe), bem como foi assessora da FETAPE. Estas informações foram retiradas de entrevista concedida por ela ao site VIOMUNDO disponível em: http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/vanete-almeida-a-guerreira-do-semi-arido-de-pe-partiu.html.

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Caribe10, que aconteceu em 1985, em Bertioga, Estado de São Paulo. A presença dessas mulheres neste Encontro se deu por sua participação em outras organizações, como a Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de Pernambuco e Comissão Pastoral da Terra. As reflexões provocadas por este evento ressaltam problematizações sobre que feminismo latino-americano e caribenho é este que se organiza, considerando a diversidade de mulheres existentes no continente, seus pontos de convergências e diferenciações. No retorno do Encontro, decidem fundar um movimento autônomo de mulheres trabalhadoras rurais em alguns estados do Nordeste. Maria Auxiliadora Cabral, trabalhadora rural de 68 anos e que foi uma das fundadoras do MMTR/NE, relata sua participação neste Encontro:

“O encontro de Bertioga é histórico na organização do MMTR/NE. Foi lá onde nasceram as primeiras ideias de articular mulheres do Nordeste. Porque a gente estava em um encontro feminista latino-americano grande e que não se via mulheres rurais. A gente sentiu que essas mulheres também tinham que estar nesses espaços [...]. O Encontro de Bertioga marcou demais essa desigualdade entre mulheres do campo e da cidade, inclusive não só de conteúdo, mas de aceitar que a gente estivesse ali mesmo” (AUXILIADORA CABRAL, agosto de 2017).

O ano de 1986 é um marco para a história de organização das trabalhadoras rurais nesta região. Agregaram-se cada vez mais municípios as lutas e estas extrapolam os limites estaduais. As mulheres do Sertão Central de Pernambuco, por exemplo, passam a se articular com as mulheres rurais da região do Brejo da Paraíba. Neste ano, acontece o I Encontro de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Paraíba e a fundação do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Pernambuco.

Neste mesmo ano, segundo Deere (2004), há o I Encontro Nacional de Mulheres Rurais em Barueri-SP, evento apoiado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na intenção de criar uma organização nacional de mulheres trabalhadoras rurais. No evento, que reuniu 16 estados do Brasil, foi decidido que criar um movimento nacional de mulheres rurais seria prematuro, e que os esforços deveriam estar concentrados em fortalecer articulações e redes regionais. Em 1987, depois da participação nestes eventos e a partir do intercâmbio entre as mulheres da Paraíba e de Pernambuco, é fundado o Movimento

10 Este encontro feminista em Bertioga é marcado por um conflito entre as mulheres que reverberou na

discussão sobre a diversidade de mulheres no feminismo no Brasil. Ribeiro (1995) relata que a tensão ocorreu pela chegada de um ônibus com mulheres negras ligadas a setores populares, vindas do Rio de Janeiro, que não tinham feito a inscrição no encontro por questões financeiras, mas que exigiam a participação. O debate ocorreu promovendo discussões sobre raça e classe entre as mulheres.

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da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR/NE), em um encontro que aconteceu em João Pessoa-PB com a presença de oito estados da região11.

Segundo Bordalo (2008), as primeiras bandeiras de luta e ações do MMTR/NE eram: por uma maior e mais ampla participação das mulheres na estrutura sindical, direitos trabalhistas e previdenciários. Carneiro (1994) também aponta que existiam demandas por terra, salários mais justos (tanto em termos absolutos quanto em relação aos homens), creche, educação, saúde, e repúdio à ideologia machista 12.

Em nível nacional, só foi possível observar o surgimento de uma organização mais ampla de mulheres trabalhadora rurais em 1995, quando foi criada a Articulação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais (ANMTR) 13, a partir de um encontro nacional em São Paulo com representação de dezessete estados. Neste evento foi estabelecido que a prioridade política fosse fortalecer a campanha nacional “Ter Documentos é um Direito”.

Segundo Butto (2006), a partir da criação da ANMTR em que foi estabelecida a prioridade da campanha por documentação com o lema “Nenhuma Trabalhadora Rural sem Documento”, as militantes dos movimentos de mulheres rurais passam a realizar uma ampla sensibilização com ONGs, Igreja Católica e governos federal, estadual e municipal quanto à necessidade da documentação. Politizaram o debate sobre a ausência de documentos considerando que se tratava de acesso desigual às políticas públicas e direitos sociais entre homens e mulheres. Entre eles, estavam: créditos agrícolas, direitos trabalhistas e previdenciários.

As considerações de Butto (2006) ressaltam que de, 1997 a 2001, a campanha pela documentação foi a pauta principal no MMTR/NE. O Movimento atuou, sobretudo, na criação de mutirões em áreas rurais para emissão da documentação. Além disto, os mutirões criavam espaços em que o Movimento produzia reflexões e debates com as trabalhadoras rurais sobre a necessidade de organizar-se politicamente.

11 No capítulo 2 em que nos dedicamos ao estudo sobre o processo de auto-organização do MMTR/NE, tratamos da história de organização do Movimento de modo mais aprofundado.

12 É importante destacar que em torno do fortalecimento da identidade “trabalhadora rural”, todas essas lutas foram afirmadas, principalmente por neste período se relacionar prioritariamente com questões referentes à invisibilidade do trabalho e acesso a direitos trabalhistas e previdenciários. A ideia de trabalho evocado no termo realça esta demanda. Mas, de igual forma, é pertinente destacar que quando nos referimos a mulheres “trabalhadoras rurais” estamos incluindo mulheres agricultoras, quebradeiras de coco, extrativistas, assentadas, cortadoras de cana, quilombolas, indígenas, pescadoras, do campo, das águas e da floresta), tal como o MMTR/NE destaca em seus escritos.

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No ano 2000, na primeira Marcha das Margaridas, ato político que reivindica direitos às trabalhadoras rurais de grande expressão nacional, a questão da documentação estava em destaque. Como consequência dessa luta, em 2004 o Governo Federal institui o “Programa Nacional de Documentação da Mulher Trabalhadora Rural”. O Programa Nacional tinha por objetivo atender as mulheres acampadas, assentadas, agricultoras familiares, quilombolas e indígenas, e foi desenvolvido no âmbito do II Plano Nacional de Reforma Agrária, no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres e nas estratégias de desenvolvimento rural e de inclusão social do Governo Federal (BUTTO, 2006).

Além de continuar com os mutirões para emissão da documentação, o Programa fornecia orientações para acesso a políticas públicas e previdência social. O Ministério de Desenvolvimento Agrário, responsável pela execução e coordenação do Programa, estabelecia parcerias com diversas organizações governamentais14. Já no nível de organizações da sociedade civil, integravam o Programa: Comissão Nacional das Mulheres da Confederação Nacional das Mulheres da CONTAG; Movimento de Mulheres Camponesas (MMC); Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste (MMTR/NE); Setor de Gênero do MST; Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB); Comissão de Mulheres da Federação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (FETRAF) (BUTTO, 2006).

Nos dois anos do Programa, 2004 e 2005, todas as regiões do país, com exceção do centro-oeste, apresentaram um crescimento de mais de 50% na emissão de documentos, com potencial destaque às regiões Sul e Nordeste, que ampliaram significativamente os números de mulheres e municípios atendidos. Nestes dois anos do Programa foram realizados 338 mutirões itinerantes em 363 municípios, com a emissão de 211 mil documentos atendendo um total de 122.000 mulheres rurais (BUTTO, 2006). A partir deste breve panorama da fundação do MMTR/NE e de sua participação política em território nacional, busquei destacar os aspectos da formação do Movimento que lhe caracterizam e lhe confere aspectos peculiares, desde o realce da realidade nordestina como também suas principais bandeiras de luta. Trataremos na seção

14 Secretaria Nacional de Direitos Humanos: Registro de Nascimento; Ministério da Justiça: Carteira de Identidade; Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres: Difusão e apoio ao Programa; Ministério do Trabalho e Emprego: Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS); Ministério da Previdência Social: registro do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e desenvolvimentos de ações de educação previdenciária; Receita Federal: Cadastro de Pessoa Física (CPF); Caixa Econômica Federal: Cadastro de Pessoa Física (CPF) e bancárias constituídas; Banco do Nordeste do Brasil: Mobilização, apoio à infraestrutura e orientação para obtenção de crédito (BUTTO, 2006).

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seguinte, ainda nesta introdução, da estrutura do Movimento e sobre a constituição da Escola de Educadoras Feminista.

I.II. A Estrutura do MMTR/NE e a Formação da Escola de Educadoras Feministas

Imerso neste cenário político desde o ano de 1986, é que o MMTR/NE se constrói enquanto movimento social. Ele está presente nos nove estados da região Nordeste e possui, atualmente, uma sede administrativa situada no município de Caruaru, Agreste de Pernambuco. Sua estrutura é composta por: grupos de base, direção estadual colegiada, direção regional e secretaria executiva. Os grupos de base são formados em sua maioria por mulheres de comunidades rurais que participam de grupos produtivos. A direção estadual colegiada é composta por trabalhadoras rurais eleitas em assembleias estaduais, responsáveis pelas deliberações do Movimento em nível de estado. A direção regional conta com duas mulheres, representantes de cada estado, somando na direção regional o total de dezoito mulheres que se reúnem periodicamente para pensar as ações do Movimento. A direção regional também é responsável por indicar, a cada três anos, com possibilidade de renovação, uma secretária executiva que responde legalmente pelo Movimento. Durante o mandato, a secretária assume as tarefas de ordem mais técnicas, representativas e administrativas. Para melhor visualização da atuação do MMTR/NE na região, elaboramos um mapa indicando os territórios em que trabalhadoras rurais estão organizadas a partir do Movimento.

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25 PANORAMA DOS TERRITÓRIOS E MUNICÍPIOS POR ESTADO

ESTADO TERRITÓRIO MUNICÍPIOS PRINCIPAIS ATIVIDADES PRODUTIVAS Alagoas Movimento da Mulher Trabalhador Rural e Pescadora de Alagoas- MMTRP/AL

Litoral Maragogi Artesanato de fibra de bananeira e palha do Ouricuri; criação de

pequenos animais; poupa de frutas; hortaliças; feijão; tubérculos; arroz; doces e sorvetes de frutas naturais e

nativas. Agreste Arapiraca; Feira

Grande; Limoeiro de Anádia Alto Sertão Inhapi; Mata Grande Mata Norte Santana do Mundaú; União dos Palmares Baixo São

Francisco

Igreja Nova; Penedo; Piaçabuçu

Bahia

Movimento da Mulher Trabalhadora

Rural sem medo de ser feliz- MMTR/BA

Sisal Retirolândia; Serrinha; Teofilândia; Araci

Laranja; milho; feijão; maracujá; mandioca; amendoim

e coco Litoral Norte/

Agreste Baiano

Alagoinha; Aporá; Crisópolis; Entre Rios; Inhanbupe; Sátiro Dias

Ceará

Movimento da Trabalhadora Rural do Ceará- MMTR/CE

Cariri Aurora; Brejo Santo; Crato; Farias Brito; Porteira; Santana do Cariri; Várzea Alegre

Hortaliças; Artesanatos Vales do Curu e Aracatiaçu Itapipoca; Montana; Trairi Paraíba Movimento de Mulheres Trabalhadoras da Paraíba- MMT/PB

Campina Grande Areia; Campina Grande; Lagoa Seca;

Lagoa Nova; Serra Redonda; Solânea.

Mandioca; feijão; milho; abacaxi; cana- de- açúcar; hortaliça; frutas; criação de pequenos animais; artesanato Cariri Ocidental Monteiro

Itabaiana/Vale do Paraíba Joarez Távora. Mogeiro; Riachão do Bacamarte; Aroeiras Curimatau Ocidental Soledade; Remígo

Mata Norte Marcação

Piemonte Alagoa Grande; Lagoa de Dentro Pernambuco Movimento da Trabalhadora Rural de Pernambuco- MMTR/PE

Sertão Afogados da Ingazeira; Brejinho; Carnaíba;

Calumbi; Flores; Iguaraci; Ingazeira; Itapetim; Mirandiba; São José do Egito; São

José do Belmonte; Santa Terezinha; Serra

Talhada

Hortaliça; criação de pequenos animais

Agreste Pombos; Surubim; Riacho das Almas

Piauí

Coletivo de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Piauí- MCTR/PI

Cocais Barra; Batalha; Esperantina; Morro do

Chapéu; Piripiri; São João do Arraial

Apicultura; criação de pequenos animais; arroz; feijão;

mandioca; carnaúba Entre Rios Amarante; Teresina;

União; Floriano Vale dos Guaribas Itaianópolis; Pio IX;

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26 Alto Médio Gurgéia Cristino Castro Rio Grande do Norte Movimento da Mulher Trabalhadora

Rural do Rio Grande do Norte- MMTR/RN

Sertão do Apodi Apodi; Caraúbas; Felipe Guerra

Artesanatos: boneca de pano, ponto cruz, macramê, labirinto,

crochê, bolsas de retalho e produtos de limpeza artesanais;

hortaliça Açu- Mossoró Mossoró; São Rafael;

Montanha Mato Grande Pureza; Touros

Maranhão

Coletivo de Mulheres Rurais do estado do

Maranhão- CMTR/MA

Cocais Peritoró (Codó); Parnarama; Timon;

Alto Alegre do Maranhão

Artesanato da palha do Babaçu; extrativismo e beneficiamento

do coco Babaçu, criação de pequenos animais; arroz; apicultura; processamento de frutas; feijão; milho; mandioca Pindaré Santa Inês; Santa

Luzia do Tidi São Luís São Luís do

Maranhão; Santa Rita Médio Mearim Esperantinópolis;

Igarapé Grande; Lima Campos; Pedreiras; Poço de Pedra; São Roberto; Bacabau; Trizidela do Vale; São

Mateus do Maranhão Presidente Dutra São Domingos do

Maranhão Lençóis

Maranhenses

Bacabeira; Paulino Neves; Rosário Vale do Itapecuru Vale do Itapecuru

Mirim

Campo de Lagos Arari

Sergipe

Movimento da Mulher Trabalhadora

Rural do Sergipe- MMTR/SE

Alto Sertão Monte Alegre de Sergipe; Nossa Senhora da Glória; Poço Redondo; Porta

da Folha; Nossa Senhora de Lourdes

Feijão carioca; milho; mandioca; coco; hortaliças; criação de pequenos animais

Médio Sertão Itabi

Baixo São Francisco

Malhada dos Bois; Neópolis; Santana do

São Francisco Sul Sergipano Indiaroba; Santa Luzia

do Itaim; Salgado (Elaboração própria).

Na sua forma de atuação, o MMTR/NE age a partir de programas internos, construídos desde 1994, que direcionam as ações organizadas pelo Movimento. São eles: os programas de Geração de Renda, Comunicação, Cidadania e Formação de Educadoras. Estes programas não são isolados. Articulam-se de acordo com as atividades desenvolvidas e servem para direcionar as ações dentro de cada âmbito de atuação.

Para o programa Geração de Renda, compreendem-se as atividades que envolvem o fortalecimento das ações produtivas, impulsionando, assim, a autonomia econômica

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das mulheres trabalhadoras rurais em consonância com os princípios da agroecologia. Para o programa de Comunicação, são pensadas as ações que defendem a comunicação como direito humano, possibilite o acesso aos meios de comunicação, com o objetivo de ampliar a difusão dos conteúdos produzidos pelas mulheres, como demais informações do Movimento. No programa Cidadania, se concentram as atividades de monitoramento das políticas públicas voltadas para as mulheres de um modo geral, e para a população do campo, pensando as mulheres neste espaço. Este programa se fortalece a partir da campanha pela documentação acima citada. Por fim, o programa de Formação de Educadoras conta com as atividades que afirmam as trabalhadoras rurais como educadoras, produtoras e multiplicadoras de saberes construídos coletivamente. Tem por objetivo contribuir para a inclusão das mulheres rurais em espaços de poder e ampliar as possibilidades de atuação e transformação social15.

Por intermédio destes programas, o MMTR/NE constrói suas ações tendo como principal projeto político de sociedade a transformação das realidades de opressão que há nas relações entre mulheres e homens, ampliando a participação política das mulheres em espaços públicos. Além disto, contribui com o fortalecimento das organizações produtivas, inserindo nestas uma perspectiva de direito para as mulheres. Dentre as atividades do Movimento, que caminham para a construção deste projeto político, os espaços formativos passam a ser ambientes privilegiados de exercício de conscientização e construção da visão de mundo a partir da lógica interpretativa das trabalhadoras rurais.

A Escola de Educadoras Feministas, experiência em análise nesta pesquisa, nasce do reconhecimento e da necessidade de se construir uma formação política feminista específica para as trabalhadoras rurais. Suas origens passam pela junção de duas outras experiências significativas de formação dentro do Movimento: A Escola Feminista de Formação Política e Econômica e a experiência de formação construída desde o início do Programa de Formação de Educadoras, sistematizadas, sobretudo, no livro “A Estrada da Sabedoria- Sistematizando os caminhos para a formação de educadoras rurais do Nordeste entre 1994 e 2006”16.

15 Informações sobre os programas estão disponíveis no site do MMTR: <http://www.mmtrne.org.br/> 16 O título da dissertação é inspirado neste livro. É importante destacar que o nome “A Estrada da Sabedoria” foi utilizado no livro do MMTR/NE a partir da declaração da trabalhadora rural do Piauí Maria Aparecida de Sousa, que nos processos de sistematização do documento, relatou que, para ela, o Programa de Formação de Educadoras tinha este sentido.

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A Escola Feminista de Formação Política e Econômica foi uma iniciativa que nasceu em 2004, no âmbito da Rede Mulher e Democracia, uma articulação do MMTR/NE com mais três outras instituições: Casa da Mulher do Nordeste (CMN), Centro das Mulheres do Cabo (CMC) e Fundação Joaquim Nabuco. O Centro das Mulheres do Cabo é uma organização feminista, privada e sem fins lucrativos, que funciona como uma associação de mulheres que lutam pela igualdade de gênero e direitos e cidadania. Atua, principalmente, na região da Mata Sul do Estado de Pernambuco, com sede no município do Cabo de Santo Agostinho. A Casa da Mulher do Nordeste também se estrutura como uma organização não governamental feminista, possui sede em Recife, e atua no Nordeste do Brasil com foco na transformação das relações econômicas das mulheres. A Fundação Joaquim Nabuco é uma instituição pública vinculada ao Ministério da Educação fundada em 1949 com o propósito de preservar o legado histórico e cultural de Joaquim Nabuco.

Em 2010 a Escola adentra um projeto maior denominado “Formação e Empoderamento de Mulheres Populares e Diversas para a Construção de Novas Cidadanias em Colômbia, Equador, Brasil e Peru”. Este projeto, por sua vez, aconteceu por causa do financiamento da “Agência Espanhola de Cooperação Internacional pra o Desenvolvimento” (AECID) e da coordenação da organização não governamental “Fundação Espanhola Intermón-Oxfam”, através de um acordo em matéria de gênero e desenvolvimento para a América do Sul17. Este acordo era focado na representação das mulheres e em sua participação igualitária em espaços sociais, econômicos e políticos, através do apoio a organizações sociais que promovessem e defendessem os direitos das mulheres nestes países.

O objetivo da Escola Feminista de Formação Política e Econômica consistia em contribuir para que as mulheres exercessem plenamente todos os seus direitos a partir de suas identidades diversas. Tentando atingir este objetivo, esta escola foi estruturada a partir de seis módulos temáticos, contando com uma carga horária total de 60h. Eram os Módulos da Escola Feminista de Formação Política e Econômica: Módulo I- Estudo sobre o as relações de gênero enquanto construção social, patriarcado enquanto sistema de dominação, que pressupõe relações de poder entre os gêneros. Módulo II- História do Brasil e a questão racial no marco dos direitos humanos. Módulo III- Discussão no

17 Neste projeto apenas o MMTR/NE, o CMC e a CMN fizeram parte. As organizações foram escolhidas, segundo o Diagnóstico Participativo do Convênio Regional, por incidência e atuação das organizações nas regiões do país que apresentava os piores indicadores sociais para as mulheres. Assim, o Nordeste foi a região do Brasil que foi escolhida para desenvolvimento do projeto a partir destas três organizações.

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âmbito sociológico sobre movimentos sociais e neste, sobretudo, a contribuição do Movimento Feminista para as Ciências Sociais em geral. Módulo IV- Economia Solidária, ressaltam-se os conteúdos que se relacionam com a divisão sexual do trabalho, autonomia econômica das mulheres, trabalho e bases econômicas. Módulo V- No âmbito da ciência política, estudar o estado, sua estrutura e funcionamento, composição dos poderes, democracia e direitos políticos. Módulo VI- Feminismo enquanto movimento histórico, principais bandeiras de luta, perspectivas teóricas e correntes de atuação.

Com esta estrutura, a Escola Feminista de Formação Política e Econômica aconteceu durante dez anos, de 2004 a 2010 no âmbito da Rede Mulher e Democracia, e de 2010 a 2014, quando passou a integrar o Projeto em parceria com as três instituições. O público alvo para a formação eram sempre mulheres populares das organizações18.

A outra experiência que contribui junto a esta primeira para a construção da Escola de Educadoras Feministas do MMTR/NE é a construção do Programa de Educadoras criado em 1994, com o objetivo de organizar formações pedagógicas para o trabalho educativo com as mulheres rurais. Nas sistematizações sobre o Programa no livro a Estrada da Sabedoria, encontrei informações que revelam a avaliação delas sobre a necessidade de formação específica para as trabalhadoras rurais, com destaque a metodologias, conteúdos para a educação política e toda uma discussão sobre as diversas relações que essas mulheres constroem no âmbito dos seus territórios. A sistematização foi elaborada pelas trabalhadoras rurais do Movimento e, no momento de construção da Escola de Educadoras Feministas, foram resgatadas para servir como base para a nova proposta que se fortalece.

Finda a Escola Feminista de Formação Política e Econômica em 2014, o MMTR/NE avaliou que o a Escola deveria ser contínua. Em diálogo com as lideranças e mulheres da base que participaram desta formação, julgaram necessário continuar com a experiência formativa, com algumas modificações. Esta iniciativa da Escola de Educadoras Feministas, inspirada no acúmulo de experiências do Programa de Formação de Educadoras e na primeira Escola Feminista de Formação Política e Econômica vivenciada, se pretendia mais autônoma e original.

Essas características eram justificadas pela possibilidade de construção de uma proposta de formação sem interferência direta e externa, seja de cooperação

18

Estas informações foram retiradas do Diagnóstico Participativo do Convênio Regional do projeto citado, documento disponibilizado por Intermón-Oxfam para fins desta pesquisa.

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internacional, seja de outras organizações que caminharam juntas no projeto e na Rede. Isto ocorreu porque, com o fim do financiamento da primeira escola feminista, o MMTR/NE teve a possibilidade real de reformular alguns conteúdos anteriormente trabalhados. As reformulações tiveram como propósito tornar a Escola de Educadoras Feministas, uma escola do MMTR/NE. Por isso, seu conteúdo deveria estar mais próximo da vida das trabalhadoras rurais. Como veremos, os novos módulos acrescentados no programa de ensino refletem saberes construídos pelas trabalhadoras rurais em suas atividades de militância cotidiana.

A partir da apropriação das experiências anteriores, a Escola de Educadoras Feministas do MMTR/NE passou a ter quatro módulos e a ser realizada a partir das microrregiões no Nordeste19. São eles: I- Acolhimento e História do Brasil; II- Sociologia e Ciência Política: Classes e Movimentos Sociais; III- Economia Feminista e Agroecologia; IV Auto-organização das Mulheres e Feminismo Rural.

No módulo Acolhimento e História do Brasil, o conteúdo introdutório se relaciona com a observação da narrativa colonizadora na formação do Brasil e o desmonte desta, a partir das experiências das mulheres. As educandas são orientadas a rememorar o passado de modo a compreender aspectos comuns das suas histórias e de suas ancestrais. Após este reconhecimento da ancestralidade, são indicados debates sobre a história da colonização, dando ênfase aos interesses econômicos europeus e às violências promovidas, sobretudo no que toca aos povos africanos e indígenas. A partir deste remonte, as educandas são instigadas a construir um perfil das identidades privilegiadas que o processo de colonização gerou, bem como entender as opressões que se manifestam, sobretudo o racismo e o machismo. O fim do primeiro módulo segue com a discussão do mito da igualdade racial e da desconstrução de padrões de beleza imposto às mulheres.

Módulo II Sociologia e Ciência Política: Classes e Movimentos Sociais. Nesta etapa, são indicados estudos sobre conceitos de sociologia e ciência política e seus usos na pauta feminista. Nesta ocasião, é debatido, por exemplo, o conceito de gênero no marco destas disciplinas e o entendimento do patriarcado. O conteúdo segue com a discussão sobre a sociedade civil e a luta de classes, com ênfase no estudo de alguns movimentos sociais populares no período da ditadura militar no Brasil e no contexto atual, como movimentos LGBTs e o feminismo negro. A partir deste estudo, são

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indicadas reflexões sobre as mudanças na vida das mulheres a partir dos movimentos sociais e da luta feminista em específico.

O módulo III sobre Economia Feminista e Agroecologia, tem início com a discussão sobre trabalho de mercado (pago) e trabalho doméstico (não pago). As militantes são instigadas a refletir sobre a organização da economia no capitalismo, atentando para as relações de classe, gênero e raça. Em seguida, o debate sobre a economia feminista adentra as discussões, a partir da análise conceitual do termo e das reflexões sobre os usos dos tempos das mulheres (e, de como este tempo, movimenta o capitalismo). O estudo segue com o debate sobe corpo e território para a análise do que seria uma vida saudável e sustentável. Para o fim deste módulo, é estudado o que significa agroecologia enquanto modelo de desenvolvimento alternativo, espaço de reprodução da vida e neste escopo, o protagonismo das mulheres. Em contraposição, estuda-se a lógica de desenvolvimento do agronegócio e do reflexo do patriarcado nos territórios rurais.

No módulo IV, sobre Auto-organização das Mulheres e Feminismo Rural, as militantes iniciam a reflexão relembrando suas vidas a partir dos marcos das opressões de suas identidades subjugadas. Este momento de escuta é indicado como primordial para a valorização das histórias de vida das mulheres e o entendimento do “eu mulher” e do “eu feminista”, como é indicado no plano de aula. Posteriormente, o estudo segue com o debate sobre auto-organizações feminista e a importância desses espaços. A história do feminismo no Brasil é apresentada a partir da demonstração da diversidade de mulheres e de perspectivas de lutas, para entender em que medida as correntes do feminismo se aproximam e se distanciam umas das outras. Por fim, é realizado um debate sobre a luta das trabalhadoras rurais a partir do texto “Feminismo Rural: uma nova forma de ser mulher no campo”, texto construído por assessoras e trabalhadoras rurais para fomentar o debate. O texto é elaborado, mas não é fechado. Durante as aulas da Escola de Educadoras Feministas ele é reformulado mediante as discussões. Além disto, são lançadas perguntas geradoras para que a partir da resposta das mulheres, se construa coletivamente a ideia de feminismo rural20.

Merece destaque na reformulação o acréscimo da dimensão educativa, logo elucidada no nome da escola (Escola de Educadoras Feministas), assim como, a inclusão do debate sobre: a agroecologia como elemento central para pensar a economia

20Essas informações foram retiradas dos planos de aula da Escola de Educadoras Feministas disponibilizados para fins desta pesquisa. Para melhor visualização, encontra-se anexo.

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feminista e a relação com o trabalho no âmbito doméstico (Módulo III), e o módulo para pensar e construir o que vem a ser o Feminismo Rural (Módulo IV). Este último, em especial, nos parece um caminho interessante para refletir sobre os conhecimentos produzidos, tendo como ponto de partida a inclusão de tais discussões.

É importante destacar que para a estruturação do currículo da EEF foi instituída pelo movimento uma equipe organizadora de 06 trabalhadoras rurais que compõem o quadro da direção regional. Em geral, essas mulheres que participaram das experiências anteriores foram indicadas pela assembleia da diretoria regional e no planejamento da EEF, elaboravam uma primeira proposta de ensino. Depois levavam esta proposta para a reunião ampliada da direção, para que fosse reformulada, avaliada e concluída.

Para a formação do coletivo de educandas, são indicadas pela direção colegiada dos estados cinco militantes estaduais do Movimento, para compor um total de aproximadamente quinze mulheres em cada edição Microrregional da Escola. É orientado pelo MMTR/NE que a escolha das mulheres apresente um quantitativo médio de jovens para à formação de novas lideranças e que, dentre as educandas, a maioria possua alguma base de alfabetização, para o estímulo e tratamento de textos nas formações. Ao fim do curso, a ideia é que as educandas concluintes se tornem educadoras para multiplicarem a EEF nas bases em seus estados.

As educadoras para as formações microrregionais são indicadas pela direção regional do MMTR/NE. Na escolha das educadoras, são apontadas preferencialmente mulheres que na trajetória do Movimento tenham passado pela Escola Feminista de Formação Política e Econômica e pelo Programa de Formação de Educadoras.

Com essa estrutura a EEF do MMTR/NE tem início em 2014. As três Escolas microrregionais (I- Alagoas, Bahia e Sergipe. II- Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte. III- Ceará, Piauí e Maranhão), foram executadas com o que sobrou do financiamento do projeto “Formação e Empoderamento de Mulheres Populares e Diversas para a Construção de Novas Cidadanias em Colômbia, Equador, Brasil e Peru”, acima citado. No entanto, até então, a EEF já teve edições estaduais21 em oito estados do Nordeste, com exceção da Bahia. Nossa pesquisa se restringe a análise da produção de saberes apenas nas três EEF microrregionais. Na próxima seção, explicaremos os caminhos que utilizamos para a construção do estudo.

21 As edições estaduais da EEF têm financiamento dos estados que, desenvolvem campanhas financeiras autonomamente.

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33 I.III. Materiais e Métodos de Análise

Sandra Harding (1988) trouxe, já na década de 1980, contribuições importantes para a discussão da epistemologia feminista. Indagada sobre a existência de um método próprio feminista, a autora se posiciona contra esta possibilidade, considerando que a preocupação deveria estar no que há de mais profundo, incisivo, e aqui incluo diferente, nas pesquisas de inspiração feminista.

A autora, fazendo essa ressalva, nos atenta para compreender o que há de peculiar nas investigações próprias do pensamento feminista, e de como as características desafiam e/ou completam, o debate estabelecido e consolidado nas ciências humanas e sociais. No desenvolvimento da questão, a dificuldade de delinear um método feminista também ocorre por outro impasse contido na problemática: as confusões sobre o que significa método, metodologia e epistemologia.

Por método, Harding (1988:11) compreende “as técnicas de recompilação das informações”, por metodologia “teoria e análise dos procedimentos de investigação”, e epistemologia “questões relacionadas com a teoria do conhecimento adequado ou com as estratégias de justificação do conhecimento”. Seguindo estas orientações, que nos parecem apropriadas tendo em vista a questão central da nossa pesquisa, descreveremos o nosso método.

Para construir esse caminho, nossa abordagem de pesquisa se propõe nos delineamentos da pesquisa qualitativa, considerando que o que a faz qualitativa não são necessariamente os métodos escolhidos, mas a forma qualitativa com que são tratados os dados (DESLAURIERS E KÉRISIT, 2008). Reconhecemos a necessidade da pesquisa qualitativa a partir de elementos específicos que Deslauriers e Kérisit (2008) assim apresentam: quando os dados são resistentes à conformação estatística, tratam-se de dados que traduzem experiências, representações, definições; a relação que estabelece com o campo de pesquisa, não como um reservatório de dados, mas como uma fonte de novas questões; o caráter repetitivo e flexível da pesquisa qualitativa lhe confere o elemento da simultaneidade, a qual é permitida uma adaptação contínua; a revisão bibliográfica é outro elemento que permeia todo o desenvolvimento da pesquisa, contribui nas interpretações feitas e, juntamente com o trabalho empírico -em uma relação equilibrada- favorece o desenvolver do estudo. (DESLAURIERS E KÉRISIT, 2008).

Essa compreensão sobre a pesquisa qualitativa nos auxilia no processo de alcance dos objetivos no estudo, por comungarem com o cerne da investigação. Como

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