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CAPÍTULO 1. O PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE EDUCADORAS: “A ESCOLA QUE

II.III. A Escola Feminista de Formação Política e Econômica

Em paralelo às sistematizações do Programa, a Escola Feminista de Formação Política e Econômica acontecia no MMTR/NE em parceria com as outras organizações integrantes da Rede Mulher e Democracia43. Quando em 2010 foi levada para dentro do convênio que financiava o projeto “Formação e Empoderamento de Mulheres Populares e Diversas para a Construção de Novas Cidadanias em Colômbia, Equador, Brasil e Peru”, contou com edições nos moldes da Escola no âmbito da Rede no Brasil, com mulheres das três organizações financiadas pela “Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECID)”, de 2010 a 2014.

O currículo da Escola Feminista de Formação Política e Econômica foi pensado pelas organizações envolvidas a partir de módulos. Verônica Santana, conta em linhas gerais como o currículo foi pensado.

“Depois, a gente passou continuou fazendo no Movimento, formação de educadoras e junto com a Casa da Mulher do Nordeste, o Centro das Mulheres do Cabo, dentro de outra articulação chamada Rede Mulher e Democracia, pensamos em uma escola. Daí veio o desafio de pensar uma escola e unir o que seria a necessidade das mulheres urbanas e a necessidade das mulheres rurais, [...]. Essa formação começou a ser modular e aí começou: quais seriam os temas importantes? “História do Brasil”, então vamos começar com a História do Brasil, para a gente conhecer essa história contada de outro jeito da história oficializada, que não traz as mulheres, que não

43 Em 2010 experiência foi levada para dentro do convênio e desenvolvida no âmbito do projeto

“Formação e Empoderamento de Mulheres Populares e Diversas para a Construção de Novas Cidadanias em Colômbia, Equador, Brasil e Peru”. A Escola é vivenciada pelas organizações que representam os demais países como uma ação do convênio que busca fortalecer por intermédio da formação, as capacidades das mulheres em termos de discurso, análise e ação política. A Escola Feminista, agora com atuação internacional, passa a ser coordenada também pela agência financiadora que sugere, para fins de aprofundamento, parceria com a Faculdade Latina Americana de Ciências Sociais/FLACSO no Equador. O desenvolvimento da Escola em nível internacional aconteceu durante os quatro anos de financiamento do convênio de 2010 a 2014 e se desdobrou em três edições. Com a FLACSO inserida no processo, alguns formatos foram alterados e experimentados pelas organizações que idealizaram a Escola. A execução dos módulos passou a ser dirigida por um corpo docente organizado pela faculdade, mantendo a metodologia e conteúdos iniciais. A institucionalização da Escola foi encarada pelo MMTR/NE como o momento do “Ensino Superior” da Escola, contando com a participação de mulheres que já haviam participado de edições anteriores quando a Escola se caracterizava enquanto linha de ação da Rede Mulher e Democracia. O MMTR/NE participa das três edições internacionais que aconteceram com participação de quatro trabalhadoras rurais. Não dispomos de dados suficientes para a análise da Escola Feminista de Formação Política e Econômica em nível internacional.

69 traz a perspectiva, por exemplo, da população trazida da África, da população escravizada, da questão indígena, a história traz a partir do colonizador. Então isso é importante? É importante. A questão da sociologia para a gente entender então qual é o nosso papel na sociedade, é importante, vamos trazer sociologia. Vamos discutir a questão do feminismo. Esses temas foram debatidos e o que seria importante. Então, vamos fazer a escola. O Movimento fez a Escola junto com as mulheres do Cabo e da Casa da Mulher do Nordeste e também continuou fazendo a formação de educadoras” (VERÔNICA SANTANA, entrevista em outubro de 2015).

O primeiro e introdutório módulo, destinava-se ao acolhimento das educandas e ao resgate, a partir do olhar das mulheres, da história do local em que estão. Nota-se aqui como, independentemente da articulação da Escola com organismos internacionais, mobiliza-se uma estrutura pedagógica flexível, que possibilita articular os conteúdos com as realidades locais.

São trabalhados também nesta primeira etapa os conceitos de gênero e raça, bem como a análise do lugar dessas mulheres em seu espaço. O segundo módulo destina-se à discussão histórica do Brasil, com atenção às experiências coletivas de mulheres na construção desta história. Espera-se, neste momento, que se realizem a desconstrução de mitos e naturalizações construídas historicamente com relação a estereótipos e preconceitos.

O terceiro módulo destinava-se à discussão sociológica de alguns conceitos como o de sociedade, transformação social, conservação de normas, bem como as ideias de estreitar laços com movimentos sociais e a participação de mulheres nestes organismos. O quarto módulo resguardava discussões ancoradas na economia, com a finalidade de construir interpretações sobre a história política e econômica do país, relacionando-as com a vida das mulheres. São trabalhados também neste módulo temas como a divisão sexual do trabalho e a estrutura econômica sob a ótica da discriminação racial. Objetivava-se potencializar a participação das mulheres na economia dos bairros e comunidades. O quinto módulo concentrava debates na ciência política sobre tipos de democracia, privilegiando as vozes feministas que ecoam nesta discussão, pensando a relação destes conceitos com os contextos vividos. Por último, o sexto módulo discutia especificamente o feminismo, com atenção às ações políticas do feminismo em diferentes tempos históricos, a criação teórica deste debate e a relação dele com a vida das mulheres (QUADROS e SEVERIEN: 2008).

Com estes seis módulos intitulados de Acolhimento, História, Sociologia, Economia, Ciência Política e Feminismo, a formação da Escola Feminista de Formação

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Política e Econômica atuou em diferentes localidades do Nordeste neste formato de 2004 a 2010 com carga horária de 132h total. As educadoras que atuaram na Escola eram, em geral, assessoras das ONGs vinculadas ao projeto.

Toda essa trajetória que vem sendo construída pelo MMTR/NE nos conta sobre o processo de formação política que as trabalhadoras rurais constroem para si. O que nos parece interessante observar desde a construção do Programa de Formação de Educadoras até a inserção na Rede Mulher e Democracia e a vivência da Escola Feminista de Formação Política e Econômica, é que o Movimento, por meio da educação, constrói no campo do conhecimento uma expressão significativa da luta por autonomia. O fato de ter apenas assessoras das ONGs como educadoras desta Escola demonstra que nem todas as relações de poder foram desconstruídas, mas de certo a busca por esta autonomia começa a ser gestada.

Em 2014, acaba o financiamento que fomentava a Escola Feminista de Formação Política e Econômica com as três organizações. Resulta deste processo, a vontade de continuar com a formação política feminista, em uma perspectiva mais aproximada da vida das trabalhadoras rurais:

“Com o fim do apoio desse convênio, do apoio de AECID a gente então pensa no Movimento: como que a gente vai dar continuidade no que foi todo esse aprendizado? E aí a gente precisa dar um passo à frente na questão da formação no Movimento. Primeiro que a formação é processual, no sentido de ela ser sistêmica. Isso quer dizer que não dá para trabalhar um grupo, amanhã outro grupo, você trabalhar um tema, depois outro tema, outro estado trabalhar outro tema, que a gente precisa realmente organizar e estruturar essa escola. Aí a gente faz essa primeira experiência de estruturar o que a gente chamou nessa nova versão de Escola de Educadoras Feministas. Você vê que o nome muda e então a gente teve a formação de educadoras e a gente passa pela Escola de Formação Política e Econômica. Agora o MMTR/NE adota o nome de Escola de Educadoras Feministas. Qual é a proposta? Ela não é mais pensada para as mulheres rurais e urbanas, ela é pensada para as mulheres rurais, as mulheres das bases e lideranças do Movimento. Para a gente, nesse momento, o que é importante uma escola responder? Qual é a necessidade da nossa formação? A gente vê que são várias, mas a gente não tem perna para trabalhar vários temas, em vários módulos. A gente então tenta otimizar e também pensar o que seria nessa experiência [a necessidade] de trabalhar os temas. A questão da história do Brasil ela continua sendo um tema importante, mas que nesse tema a gente precisa reforçar mais a questão racial, a gente então precisa trabalhar a história do Brasil como era antes [na primeira escola], mas trabalhar o descolonizar da nossa história e começar a ver a história de outro jeito, que não seja o jeito do colonizador e nesse primeiro tema trabalhar mais forte a questão racial, que não estava tão forte antes, neste

71 primeiro módulo. No segundo módulo, então, a gente vê que a questão da sociologia ela continua sendo importante, mas gente precisa trazer em uma perspectiva mais do rural também, e aí a gente faz adaptações no conteúdo desse módulo. O outro módulo, para nós trabalhadoras rurais seguir como projeto político do Movimento, hoje é a questão da agroecologia e não mais ter essa coisa que a gente chamou até recentemente, 2013, que tinha o programa de geração de renda. E aí a partir de vários questionamentos “o que é gerar renda? ”. Gerar renda pode significar muita coisa, eu posso gerar renda, por exemplo, produzindo com o uso de agrotóxico. Mas, qual é a nossa perspectiva na geração de renda? É uma geração de renda que ela traga autonomia, que ela traga sustentabilidade, que também traga autonomia política para as mulheres, não desassocie a questão da autonomia econômica da autonomia política. Precisa-se trabalhar a economia em uma perspectiva feminista e trabalhar a economia em uma perspectiva feminista para gente é dizer: a gente precisa discutir a divisão sexual do trabalho, porque a gente precisa dizer que isso que nós mulheres fazemos, que estamos no quintal, que estamos no roçado, que estamos na criação dos animais, que estamos no cuidado com as crianças, que estamos no cuidado da casa, que estamos no cuidado como os idosos, que estamos no cuidado da água. Isso tudo é trabalho e esse trabalho tem um valor. Esse valor sempre foi negado e sempre visto como uma ajuda. Então trabalhar a economia em uma perspectiva feminista é trazer essa dimensão da divisão sexual do trabalho, de valorizar esse trabalho, o cuidado nesse trabalho doméstico, mas também dizer que se a gente continua com essa sobrecarga de trabalho, a gente não avança na nossa economia. Ora, que horas sobra tempo então para a gente trabalhar nossa autonomia econômica, nossa geração de renda? [...]. Então para a gente trabalhar a economia em uma perspectiva feminista, é trazer essa compreensão e produzir de forma que a gente produza alimentos saudáveis e que produza sustentabilidade. Para a gente, é discutir então a agroecologia. As coisas não estão desassociadas, e que a gente possa trabalhar então essas duas dimensões, mas como a gente não tinha recurso para fazer mais um módulo, a gente coloca esse módulo junto; economia feminista e autonomia econômica das mulheres com o tema da agroecologia, então ficou um terceiro módulo. O quarto módulo é a gente trabalhar a questão do feminismo em uma perspectiva da auto-organização das mulheres, aí a gente começou: que feminismo a gente precisa trabalhar? E a gente disse então, nessa primeira etapa: “O Feminismo Rural”, mas o que é o Feminismo Rural? Às vezes na nossa cabeça de tanto dizer feminismo rural, dizemos: feminismo rural é o feminismo rural, é ser uma feminista rural. Mas, a gente precisava então conceituar o que é esse feminismo rural, ou seja, como construir as bases dele, o argumento. Então a gente disse: “vamos trabalhar e tentar construir um conceito, consensuar entre nós o que é esse feminismo rural, nessa perspectiva da auto-organização”, ou seja, que as próprias mulheres a partir da reflexão, se descobrissem ou não feministas, enfim” (VERÔNICA SANTANA, entrevista em outubro de 2015).

A Escola de Educadoras Feministas é a experiência construída pelo MMTR/NE que traduz os esforços da organização em elaborar um curso específico de formação

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feminista pelas/para as trabalhadoras rurais. Consideramos que estes antecedentes, o Programa de Formação de Educadoras e a primeira Escola Feminista de Formação Política e Econômica, são fundamentais nesta estruturação.

A importância do Programa está inscrita em toda trajetória do mesmo. Podemos observar que quando reconhecem a necessidade de elaborar pedagogias e modos de educar que reflitam as realidades das trabalhadoras rurais, a coloque enquanto protagonista de todo o processo de produção de saberes, avive a estratégia da multiplicação como essencial para a difusão da formação em todo o Movimento, além de reconhecer disputas e relações de poder no campo do conhecimento. Todos esses elementos podem ser vistos na nova proposta de educação a partir da EEF.

Quanto à experiência na Rede, através da primeira Escola Feminista de Formação Política e Econômica, destacamos a relação propriamente dita com o feminismo. Porém, com um feminismo que se pretende mais inclusivo do que aquele apresentado a partir da relação com ONGs que prestavam serviço ou ensinavam mulheres populares. Nestas trocas, há o reconhecimento e o fortalecimento da identidade feminista para dentro do MMTR/NE. No entanto, esta mesma identidade, não é aceita sem requalificações. Para afirmarem-se com as devidas diferenciações necessárias, a EEF resguarda em seu IV módulo a incumbência de significar o que é Feminismo Rural. É sobre esta experiência de formação, a partir da Escola de Educadoras Feministas, que trato nos capítulos 2 e 3 desta dissertação.

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Capítulo 02. Fazer-se feminista: os caminhos e significados da auto-