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CAPÍTULO 1. O PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE EDUCADORAS: “A ESCOLA QUE

II.II. A Escola que Aperfeiçoamos (2000-2006)

A segunda fase no Programa de Formação de Educadoras é reconhecida pelo MMTR/NE como “A Escola que Aperfeiçoamos”. Os direcionamentos das atividades estavam inseridos, neste momento, no próprio ato de refletir com as mulheres que participaram do primeiro processo (1994-2000) sobre as ações que foram realizadas até então e sobre os novos caminhos a seguir na formação política das trabalhadoras rurais.

Os registros da Estrada da Sabedoria apontam para o trabalho de sistematizar como uma estratégia importante para que o Programa ganhasse o status de atividade ordenada dentro da organização. Além disto, era preciso criar autonomia para este trabalho, como aponta Margarida Silva, trabalhadora rural de 69 anos que foi Secretária Executiva do Momento neste período: “Como aperfeiçoamos a escola que

50 precisávamos? Entendendo a sistematização como parte da nossa própria formação e não como tarefa de especialistas” (MARGARIDA SILVA, A ESTRADA DA

SABEDORIA, 2008:34).

As sistematizações aconteceram em dois momentos nestes seis anos, mas foi interrompida logo que iniciou em 2000, por falta de recursos, e retomada em 2004 quando o Movimento acessa fundos por vias de projetos com cooperação internacional. De junho de 2004 até 2006 foram realizadas oficinas com uma equipe sistematizadora instituída pela direção regional do Movimento, composta por treze mulheres, dentre elas as trabalhadoras rurais e assessoras que tinham participado do Programa até então. Maria Soledade Leite, militante do MMTR/NE, poetisa e repentista, que atuou como educadora rural no Programa, escreve em versos como foi esta fase da sistematização:

Sistematização, Êita coisa complicada! Tem cara de boazinha Tem jeito de educada Parece avaliação No fim, não é isso Nem é nada. A gente vai numa estrada Pensando ter resultado Juntando peça por peça Com um trabalho danado Montando o quebra-cabeça Quando vai ver tá errado. Tem mais um eixo pesado Que é a mola central E o fio da meada Que leva o essencial Quem achar tá eleito Quem não achar se dá mal. Para mim, que sou rural, Criada lá em Sapé Busco o eixo e me animo Pego no fio com fé Solto e digo as companheiras Parece, porém não é. Hoje sei que o eixo É difícil de encontrar Mas com experiência Se vai a qualquer lugar Ela é o ponto certo Para se sistematizar. Resgate com atenção Toda aquela experiência Vão avaliando

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Mas com outra incumbência Aonde querem chegar Pois lá está a essência Foi uma luta que vencemos Uma parte da questão Conquistando a mulherada Trabalhando com formação Buscando o companheirismo Para mais integração É só esta posição Que acho gratificante A sistematização do Projeto Fica logo importante Pois o trabalho completo É bem mais interessante. (MARIA SOLEDADE LEITE-MMTR/NE, A ESTRADA DA SABEDORIA, 2008:1).

Estes versos de Soledade abrem as sistematizações e nos revelam algumas dificuldades enfrentadas para o entendimento do que é sistematizar e a utilização da experiência como recurso para concretizar o trabalho. Demonstra também o lugar utilizado pelas militantes, em significar a atividade, como caminho para formação, companheirismo e fortalecimento da integração das mulheres.

Para o MMTR/NE a necessidade de sistematizar reside no alcance que registros podem ter em apresentar experiências de vida que diferem da lógica dominante. Garantem, em alguma medida, a possibilidade da perpetuação e multiplicação das ideias construídas coletivamente para dentro e para fora da organização. Ao mesmo tempo em que estimula esta prática, valoriza as mulheres trabalhadoras rurais enquanto protagonistas em seus locais de fala e problematizam os lugares convencionalmente destinados às pessoas que são autorizadas a produzirem conhecimentos.

Dentro dos moldes formais de produção de conhecimento, há a predominância de um tipo de conhecimento em detrimento de outros que invisibiliza a pluralidade de saberes e, consequentemente, seus/suas protagonistas. Sobre isto, Santos, Nunes e Menezes (2005) dizem que dentro do horizonte infinito de saberes, não há conhecimentos puros, nem conhecimentos completos, há constelações de conhecimentos.

O ato de sistematizar experiências nas práticas de educação nos movimentos sociais populares, ganha novos sentidos. Sistematizar experiências pode ser visto como um dispositivo que problematiza as relações de poder dentro dos embates sobre as disputas de conhecimentos que acontecem. Na medida em que a pessoa protagonista de

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sua experiência constrói o mecanismo de sistematizar sobre si ou seu/sua semelhante, rompe com a lógica de dominação historicamente construída que divide hierarquicamente as pessoas que teorizam e as pessoas “objeto” de estudo (VIEIRA E SANTOS, 2015).

Nossas referências para discutir os objetivos de sistematizar dialogam com os escritos de Jara e Falkembach (2013) quando afirmam que “o objetivo da sistematização é recuperar as práticas e os saberes gerados no âmbito das mesmas, para reconhecer os sentidos que vão sendo construídos a partir da visão dos diferentes atores, sem emitir necessariamente um juízo” (p.159). Compreendemos que o processo de sistematizar é de grande relevância para o tratamento das experiências das mulheres rurais do Nordeste. Ele valoriza os saberes tradicionais que são construídos historicamente por elas, contribuem para significar suas vidas, além de afirma-las enquanto protagonistas de todo o processo.

Em 2004, quando o programa de formação de educadoras retorna a partir das oficinas de sistematizações, o MMTR/NE indica eixos para a discussão das experiências construídas no Programa. Reconhece que, até 2000, o centro dos debates estava na relação das trabalhadoras rurais com a educação e com o próprio entendimento deste grupo social enquanto agente político. Para concluir e sistematizar esta experiência pedagógica, são estipulados novos eixos: A relação entre as trabalhadoras rurais e o feminismo; a relação entre o MMTR/NE e os demais movimentos sociais do campo; a relação entre o espaço rural e espaço urbano- local e global (A ESTRADA DA SABEDORIA, MMTR/NE, 20008). Esses novos eixos serviram como referência para analisar o que tinha sido construído e para fomentar indicadores para a proposta político-pedagógica do Movimento com base nas experiências formativas vividas. Resulta deste processo a indicação de novos trajetos a trilhar.

Ainda neste período, o MMTR/NE, em paralelo às atividades de sistematizar o Programa, inicia uma interessante parceria com outras organizações de mulheres que atuam no Nordeste. As articulações e trocas de experiências com outras organizações de mulheres é de significativa importância para pensar a formação política do Movimento. A Rede Mulher e Democracia é expressão das articulações que são feitas e do intercâmbio de experiências formativas que contribuem para a projeção do Programa.

A Rede tem início em 2004 e é formada em Recife inicialmente por três entidades, o Centro das Mulheres do Cabo, Casa da Mulher do Nordeste e Fundação Joaquim Nabuco. O MMTR/NE adentra na articulação posteriormente, compondo a

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direção colegiada da Rede. A preocupação em construir esta articulação para pensar as mulheres e o poder adveio da necessidade reconhecida pelas mulheres das organizações em preparar candidatas para eleições e assessorar com base em gênero e raça as que já estavam em cargos representativos na política. Com este objetivo, a Rede concentrava esforços em debater políticas públicas para as mulheres e defender a presença imediata destas em esferas de decisão para a radicalização da democracia, pois defendem que não há democracia sem igualdade entre homens e mulheres (BUARQUE, 2009).

A partir de então, a Rede atuou no Nordeste e buscou contribuir para o lançamento de candidaturas e eleições de mulheres. Sua estratégia de luta era a formação política, sobretudo para o estímulo à participação das mulheres nas disputas eleitorais. Enquanto linha de ação, a Rede atuou a partir de publicações em Cadernos Feministas35, Linha de Informação, Pesquisa e Comunicação36, e a Escola Feminista de Formação Política e Econômica. Essas atividades foram desenvolvidas ao longo da atuação da Rede pelas organizações envolvidas, sobretudo até 2010, quando o convênio que reunia as três organizações de mulheres inicia o Projeto “Formação e Empoderamento de Mulheres Populares e Diversas para a Construção de Novas Cidadanias em Colômbia, Equador, Brasil e Peru” 37.

Esta articulação também diz respeito ao contato que o MMTR/NE passa a ter com as discussões feministas a partir de uma perspectiva diferente das experiências vivenciadas até então. Nos referimos a momentos anteriores, quando a relação acontecia mediante a interlocução com ONGs e assessorias que prestavam serviços às mulheres populares. Inseridas na construção das linhas de ação da Rede, o feminismo aparece com outro entendimento, por vias do processo formativo da Escola Feminista de Formação Política e Econômica. Verônica Santana que é trabalhadora rural de Sergipe, ocupa o cargo de secretária executiva, tem 49 anos e participa do MMTR/NE há 12 anos, em entrevista nos conta sobre esse processo anterior ao trabalho da Rede:

35 As publicações foram cinco cadernos intitulados “Cadernos Feministas de Economia e Política” com

temas referentes à: Mulher, Política-Lutas e Conquistas; Eleições de 2004 e a representação política de mulheres no Nordeste; Feminismo no Nordeste; Assessoria Técnica com Mulheres: Uma abordagem Feminista e Agroecológica; Mulheres, Economia Solidária e Cidadania. Além destes cadernos, foram publicadas pesquisas sobre: A Questão da Mulher na Visão Parlamentar no Nordeste do Brasil, a Escola Feminista de Formação Política e Econômica nos Bairros com referências teóricas, práticas e metodológicas e, por fim um boletim com dados sobre mulher e democracia em 2008.

36 Esta linha organizava atividades de pesquisa, sistematizava dados referentes à inserção das mulheres

em espaços de poder e produzia materiais de comunicação.

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No projeto internacional, a Fundação Joaquim Nabuco, que integrava a Rede Mulher e Democracia, não fazia parte.

54 “A gente tinha uma visão muito do feminismo a partir da academia, tipo assim, você para ser feminista, você tinha que entender disso ou daquilo, “você tinha que ser assim, você tinha que ser assado”, tipo assim, uns critérios que às vezes nós [as trabalhadoras rurais] ficávamos assim: “você tem que ter uma carteirinha de feminista”. E tinha uma discussão um pouco antes, de que ser feminista tirava a sua identidade de rural. É um conflito. Essa dificuldade da gente mesmo entender o que era o feminismo, então a gente tinha medo de se assumir como feminista, e depois dizerem “êpa! vocês não são feministas porque vocês não assumem isso e isso”. Só um exemplo, claro que é uma brincadeira, a gente foi participar do 12ª Encontro Feminista de América Latina e Caribe na Colômbia em 2012, e a gente disse: “agora podemos falar que a gente tem uma carteirinha de feminista (rs)”. Tinha esse entendimento e ainda tinha muitas mulheres que pensavam que ser feminista era então você ter que assumir, por exemplo, a questão do aborto, mas não discutia a questão da autonomia do seu corpo a partir dessa perspectiva, e aí para as mulheres, você sabe que a questão religiosa pesa para as mulheres rurais, apesar de todas elas beberem um chazinho, “mas ninguém é a favor do aborto” (rs). Então, ninguém assume isso, é difícil. De forma geral [elas dizem] “eu sou contra”, “mas estou tomando um chazinho” (rs), já praticou em algum momento da vida [aborto]. Tinha aquela coisa de que ser feminista é ser mulher lésbica ou que feminismo era o contrário do machismo, três grandes tabus, digamos assim de maneira geral, que tem com relação à questão do feminismo e muitos outros preconceitos (...)”. (VERÔNICA SANTANA, entrevista em outubro 2015).

É notório que o medo da repressão em assumir-se feminista partia dos julgamentos da sociedade de modo geral, dada às tentativas de significar pejorativamente à identidade feminista, e também das mulheres que se intitulavam feministas “de carteirinha”. Isto demonstra que, mesmo tendo o feminismo todas as discussões consolidadas sobre desigualdades, apresenta limitações neste momento histórico, quando o assunto é diferenças entre perspectivas de atuação das mulheres na luta por direitos ou até mesmo sobre hierarquia entre saberes. Haja vista que, neste período, há uma forte vinculação das mulheres intituladas feministas com a academia, lugar privilegiado de produção e difusão de conhecimentos.

É nesta articulação com a Rede, portanto, que o entendimento do feminismo a serviço da luta das trabalhadoras rurais ganha novos significados. Com a participação na Rede, especialmente na Escola Feminista de Formação Política e Econômica, as trabalhadoras rurais começam a ensaiar novas respostas aos impasses de se assumir feminista. Elizete Silva, é trabalhadora rural de Pernambuco, tem 64 anos e participa do MMTR/NE há 13 anos, em entrevista, relata mudanças após a vivência nesta primeira Escola:

55 “O feminismo para as mulheres do campo e da periferia sempre significou mulheres vagabundas, quengas, mulheres que só queriam andar atrás de homem ou mulheres sapatão. Usavam esse termo e ainda hoje usam isso, então era muito difícil uma mulher se assumir como feminista, porque se ela fosse se assumir como feminista ela era rotulada, hoje ainda é, mas a gente sabe dar a resposta, naquela época [anterior ao contato com esta discussão feminista] a gente não sabia dar a resposta, quando rotulavam a gente de sapatão a gente baixava a cabeça e não sabia dar resposta. Hoje a gente sabe dar uma resposta quando alguém vem dizer “ah, tu és feminista, né? Ah, está na escola [feminista] de sapatão”, a gente sabe o que dizer. Quando vem dizer “Ah, você está nessa escola aprendendo a ser quenga”, a gente sabe como responder, mas isso sempre foi muito forte na vida das trabalhadoras rurais. E aí foi esse processo, essa construção, essa desconstrução do velho para a construção do novo que fez com que a gente enxergasse que a gente sempre foi feminista, porque a gente sempre teve ações e práticas feministas e a gente pode se assumir como feminista e defender o feminismo na nossa vida e não deixar que alguém venha com palavras baixas ou com palavras pejorativas para desqualificar a nossa atuação enquanto sujeito político” (ELIZETE SILVA, entrevista em outubro de 2015).

O reconhecimento do feminismo enquanto campo de atuação necessário ao MMTR/NE nasceu junto à vontade de compreender desde as bases do Movimento os significados desta luta e a relação com as trabalhadoras rurais. O contato com a Rede fortalece a postura reativa frente aos discursos patriarcais que distorcem o feminismo e potencializa a imersão da organização no cenário de discussões feministas. Seguiremos relatando os possíveis impactos da Rede na atuação do Movimento, no que diz respeito ao Programa de Formação de Educadoras. Voltaremos a debater a Escola Feminista de Formação Política e Econômica posteriormente.

Acreditamos que estas articulações contribuem para o realce de novos elementos que foram inseridos no Programa de Formação de Educadoras, haja vista que o acréscimo dos novos eixos diz respeito à relação do MMTR/NE com o feminismo, com outros movimentos sociais do campo e com a atuação das trabalhadoras rurais em seus espaços, entendendo a relação entre cidade e campo, local e global. É a partir do contato com estas organizações e na avaliação que o MMTR/NE faz do Programa que se estruturam novos eixos, indicadores para a proposta política-pedagógica do Movimento38

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38 O primeiro indicador desta proposta diz respeito ao realce do planejamento como ritual de passagem. Neste quesito, entende-se planejar como atividade que permite abstração, senso prático e conhecimento do contexto, oferecendo oportunidade para o reconhecimento das capacidades das trabalhadoras rurais em organizar o trabalho educativo, além de ser uma atividade capaz de oferecer um produto palpável. O

segundo indicador se associa o princípio da construção coletiva, indicando que as atividades ganham

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Nesta segunda fase, o processo de sistematizar o que já tinha sido vivido e o que se esperava construir para seguir com o Programa demandou novos conteúdos a serem pensados e indicados para as formações. Os conteúdos básicos que foram sinalizados, organizados e sistematizados pelo MMTR/NE para a formação diziam respeito a três questões prioritárias: a condição feminina e as trabalhadoras rurais; o feminismo e o MMTR/NE; a relação da classe, raça e gênero com movimentos sociais e as mulheres rurais. Os conteúdos foram definidos tendo por base as avaliações realizadas sobre o Programa em reuniões com as lideranças do Movimento e a equipe sistematizadora, muitas delas inseridas nas atividades da Rede Mulher e Democracia.

Nesta reelaboração o tema da condição feminina e das trabalhadoras rurais, por exemplo, há referência à origem da opressão das mulheres atreladas ao surgimento da propriedade privada, explicando a gênese do casamento e a sacralização da instituição através dos discursos religiosos. O texto a seguir, escrito por Maria Aparecida Sousa, trabalhadora rural do Piauí, de 60 anos, que atuou como educadora no Programa, demonstra os significados deste tema para as trabalhadoras rurais:

“Na primeira sociedade, chamada primitiva, comunitária, o papel da mulher era bem melhor, pois ela não era discriminada. As mulheres não eram casadas porque não existia casamento. Todos se respeitavam mutuamente, sem distinções do ancião, à mulher, à criança. Os filhos e as filhas nasciam e tinham, igualmente, o direito de ser cuidados. Isto, entretanto, não durou para sempre: surgiu a sociedade

proposta. A terceira diretriz diz respeito ao fortalecimento da autonomia e afirma as mulheres do campo como protagonistas capazes de realizar ações necessárias para a transformação das suas condições de vida. O quarto ponto disserta sobre o reconhecimento do feminismo como movimento autônomo e precursor da luta das mulheres por direitos e igualdade, afirmando o sentimento do MMTR/NE em fazer parte desta construção. O quinto indicador reconhece a articulação de categorias como, gênero, raça e classe como possibilidade de compreensão do poder patriarcal. O sexto princípio se atrela a necessidade de construção de novos conceitos, capazes de estar a serviço da luta das mulheres e da desconstrução do patriarcado. Busca-se, neste indicador, a conquista de um patrimônio técnico e intelectual. O estímulo ao uso da leitura e da escrita é a sétima diretriz, que compreende que há entre as trabalhadoras rurais vários níveis de alfabetização que, coletivamente, podem ser potencializados dentro do Programa. O oitavo indicador aponta para a utilização do presente enquanto momento propício para a materialização das mudanças sociais que vislumbram, tendo por chave orientadora a relação entre saber “por quê” e saber “para que”, para construir as alianças entre o passado que se tinha e o futuro que se quer. A nona diretriz indica a necessidade de desmistificar a definição hegemônica de beleza que associa a linguagem urbana como a adequada e primordial, em detrimento de outros formatos. Busca-se enaltecer as formas usuais de expressões das trabalhadoras rurais, valorizando uma estética própria. O décimo ponto ressalta a importância da linguagem feminina e da oferta de literaturas que reflitam o protagonismo da mulher em diversas funções, esta iniciativa se relaciona com o objetivo de construir identificações entre as mulheres. O décimo primeiro indicador diz respeito à análise do contexto enquanto recurso necessário para construir significados e instigar o desenvolvimento de análises entre o mundo distante, global e as realidades locais que as mulheres estão inseridas. Por fim, a décima segunda diretriz ressalta o direito à inclusão digital, como uma necessidade para a comunicação (ESTRADA DA SABEDORIA, MMTR/NE, 2008).

57 ESCRAVISTA. Foi nela que começaram todas as modificações, principalmente para as mulheres, surgindo a ganância dos homens, no sentido de tomar a posse da terra para si próprio. A cerca veio separar aquilo que é meu daquilo que é teu, dizendo quem pode e quem não pode entrar. Para cercar e permanecer cercado foi necessário, também, um grupo para defender a cerca. Os homens, então, foram esses grupos. A saída era a de ser o dono das crianças que nasciam, para que elas, quando crescessem, tomassem conta das terras e, quando os homens morressem, fossem seus herdeiros. Para isto se concretizar, os homens tinham que ter a certeza da sua paternidade, isto é, saber, precisamente, quem eram seus filhos. Então, com tal mentalidade, só existiu um caminho a ser trilhado: o casamento. Foi assim que nasceu a história do “bendito” casamento. E, a partir daí, a mulher passou a ser propriedade do homem. Mais tarde, a “santa madre” igreja abençoou o casamento, e a ideia de que as terras, as mulheres, e os filhos e filhas eram propriedades dos homens, trazendo muitas injustiças, desigualdade, discriminação, exploração e opressão para todas as pessoas do mundo. Porém, se nós mulheres fomos livres no início, teremos que ser no fim” (MARIA APARECIDA SOUSA, A ESTRADA DA SABEDORIA, 2008:75).

No que toca a indicação deste tema para a formação das trabalhadoras rurais, é notória a inspiração na explicação materialista histórica, de matriz engeliana, sobre a origem da opressão das mulheres (ENGELS, 2012). A terra, a mulher e os/as filhos/as são compreendidos como mecanismos de controle para a garantia da propriedade privada, o que, de alguma forma, garante explicações sobre a opressão histórica das mulheres rurais diretamente inseridas nesta relação com a terra e os/as filhos/as. Os registros na Estrada