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Academic year: 2021

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Prefácio

É com imenso prazer que aceitei o convite para escrever este prefácio ao volume de Papia em homenagem a John A. Holm. Sarah Thomason (John Holm and Creole Linguistics, neste volume) já apresenta uma detalhada e minuciosa biografia, começando pelos seus primeiros passos na vida acadêmica, aí inclusas a pesquisa, a participação em eventos científicos e publicações. Por esse motivo, vou enfatizar outros aspectos da profícua carreira crioulística do homenageado. Vou me restringir às relações que mantive com ele no âmbito da crioulística, o que envolve sua preciosa colaboração com a própria revista, desde seu surgimento, e com algumas pesquisas que surgiram no Brasil estimuladas por ele.

Eu criei esta revista em 1990, mantive-a até 2010, ou seja, durante 20 anos. A primeira pessoa com quem falei sobre sua criação foi Jürgen Lang (então da Freie Universität Berlin), que também tem um texto neste volume. A segunda foi a precocemente falecida Charlene Sato (da Universidade do Havaí), então organizadora de Carrier pidgin, a quem enviei uma carta falando da intenção de criar a revista. Charlene publicou o texto de minha carta no Carrier Pidgin. Assim que viu a notícia, John me escreveu uma carta curioso sobre a proposta do novo empreendimento na área de crioulística e se dispondo a colaborar. Como eu já conhecia seu nome e sabia que era uma das maiores autoridades no assunto, fiquei muito lisonjeado por ter recebido essa carta dele. Aproveitei a oportunidade e já o convidei para fazer parte da organização. Como se pode ver no volume 1, número 1 (1990) da revista, seu nome consta como coorganizador (coeditor ), ao lado de Alain Kihm (também presente neste número) e Matthias Perl, então da Universidade de Leipzig, depois, da de Mainz. Foram tempos heroicos, em que tudo era feito um tanto artesanalmente. O fato é que nosso homenageado está ligado à história de Papia desde seu surgimento em 1990.

Além desse contato, via Papia, eu desenvolvi um programa de pós-doutorado com ele na City University of New York (cuny), no segundo semestre de 1997 e o primeiro de 1998. Foi um período muito produtivo, pois tivemos discussões bastante profícuas, além de ter tido acesso a uma grande

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quantidade de informações de meu interesse. Eu tive até mesmo o prazer de degustar algumas deliciosas refeições em sua casa, momentos em que John mostrou que além de grande professor e pesquisador, entende muito bem de culinária. A pesquisa feita em New York sob sua orientação resultou numa monografia de 214 páginas intitulada Contato interlinguístico: Da interação à gramática1, composta durante o ano de 1999. Ela é inteiramente crioulística, mas já deixava vislumbrar o que viria a ser minha principal área de pesquisa uns tempos depois, a ecolinguística, que é um ótimo arcabouço para se estudar contato de línguas em geral e culturas e línguas crioulas em especial. Tanto que dois dos mais conhecidos crioulistas são também ecolinguistas, ou seja, Salikoko Mufwene e Peter Mühlhäusler.

Em diversos números de Papia encontram-se textos de alunos ou ex-alunos de John na cuny. A começar do vol. 2, n. 1 (1992) com artigos de Eduardo Faingold e Gerardo Lorenzino. O primeiro aparece também em Papia v. 2, n. 2, de 1993 e v. 3. n. 1, de 1994. O volume 3, número 2 (1994) da revista contém trabalhos apresentados no Colóquio sobre Crioulos de Base Portuguesa e Espanhola, organizado por mim na Universidade de Brasília. Embora o John não tenha podido comparecer, enviou seu texto ‘A semicrioulização do português vernáculo do Brasil: Evidências de contacto nas expressões idiomáticas’, além de outro em coautoria com colaboradores intitulado ‘Relative clauses in Atlantic and Non-Atlantic Creoles’. O assunto do segundo artigo está claramente expresso no próprio título. Por isso, gostaria de chamar a atenção para o primeiro. Eu sou da opinião de que com ele John abriu uma área inteiramente nova de pesquisa nos crioulos ibéricos, ou seja, a da semântica. Geralmente os estudos, sobretudo os norte-americanos, são de cunho morfossintático ou lexical. Nesse texto, John mostrou que muitas expressões fixas brasileiras revelam influência semântica africana, porque ‘estas expressões idiomáticas do pvb, largamente desconhecidas em Portugal, têm equivalentes letra-a-letra em línguas africanas e/ou crioulas’ (p. 53). É o caso de ‘cabeça ruim’, ‘olho grande’ e ‘filho homem/filha mulher’, entre outras. Adicionalmente, portanto, esse ensaio representa uma grande contribuição ao entendimento do português brasileiro.

O volume 4, número 1, de 1995, contém os demais artigos do Colóquio de 1994. Entre os textos nele presentes, temos o da finlandesa Angela Bartens, que também desenvolveu programa de pós-doutorado com John na cuny. Como a partir de então a revista se tornou anual, desapareceu a distinção entre

1Disponível em https://dl.dropboxusercontent.com/u/101161181/Meus%20textos/

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‘volume’ e ‘número’, de modo que a seguir veio o número 9 (1997). No número 11 (2001) contém os textos apresentados no I Encontro de Estudos Crioulos e Correlatos, realizado na Universidade de Brasília no dia 10 de novembro de 2000, em que foi criada a abecs (Associação Brasileira de Estudos Crioulos e Similares). Nele temos um texto de minha ex-aluna Ulisdete Rodrigues de Souza, justamente sobre a então proposta de semicrioulização de John. Ela defendeu a tese de que o português conservador de Mato Grosso apresentava características semicrioulas. O número 12 (2002) é inteiramente dedicado às variedades crioulizadas do espanhol nas Filipinas, contendo, entre outros, mais um texto de Angela Bartens, que está presente também nos números 10 (2000) e 15 (2005). No número 16, de 2006, inteiramente em inglês, temos mais um excelente texto do John, sob o título de ‘Portuguese and Spanish-based creoles and typologies’. O número 19 (2009) contém outro texto de John, ou seja, ‘The genesis of the Brazilian vernacular: Insights from the indigenization of

Portuguese in Angola’, aplicando sua nova proposta teórica de ‘reestruturação parcial’, substituindo a da ‘semicrioulização’.

O número 20 (2010) da revista, o último que eu organizei, é dedicado inteiramente à língua e à cultura da Guiné-Bissau. A partir daí, Papia voltou a ser semestral. Mas, John continuou colaborando com ela. Assim, no volume 23, número 1 (2013), ele comparece com o texto ‘Sixteenth-century evidence regarding the origins of the Capeverdean verbal marker -ba’, e no número 2 (2013) com ‘Copulas in Atlantic Creoles and other languages’.

Enfim, o nome de John Holm está intimamente ligado à história de Papia, em todos os sentidos. Portanto, é mais do que justa a homenagem que a revista lhe presta agora, dedicando os números 1 e 2 do volume 24 (de 2014) a ele. Os 16 textos aí contidos refletem bem a diversidade de interesses do homenageado.

No volume 24, número 1 (2014), temos, além da já mencionada biografia acadêmica de Sarah Thomason e da lista de publicações do homenageado, textos de Alain Kihm, John McWhorter, Marlyse Baptista, Bart Jacobs, Jürgen Lang, Nicholas Faraclas et al., Dulce Pereira e John R. Rickford. São todos competentes estudiosos de línguas crioulas e dos processos de pidginização e crioulização. O texto de Kihm relaciona as teorias morfológicas às teorias sobre o surgimento dos crioulos. O de McWhorter revisita a ideia de semicrioulos de John Holm, sugerindo que o chamado mesoleto da maioria dos crioulos estaria próximo deles. Marlyse Baptista investiga a presença de traços do português arcaico no sistema tma do crioulo caboverdiano da ilha de Santiago. Bart Jacobs tenta mais uma vez levantar semelhanças entre o Papiamentu e os crioulos da região da Guiné-Bissau, exemplificando com o léxico, ou melhor, com a léxico-semântica, termo que John Holm também usa em seu

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livro Pidgins and creoles (1988/1989). Jürgen Lang, grande conhecedor do caboverdiano, retoma a questão das consoantes pré-nasalizadas dessa língua, defendendo uma interpretação monofonemática, contrariamente a Couto & Souza (2006)2, que as vê como constituindo dois fonemas, numa interpretação gerativa. Nicholas Faraclas et al. vê não só uma origem múltipla nos crioulos atlânticos, mas também uma espécie de identidade múltipla, no sentido de estar ligada a múltiplas origens. Dulce Pereira trata da questão da aquisição e aprendizagem do caboverdiano em contexto semiformal. Entre outras coisas, ela constatou o que era de se esperar, que uma criança falante de português adquire com mais facilidade os traços crioulos não marcados. O último texto do número 24(1) é de John R. Rickford. Ele fala da mudança de estilo numa comunidade falante de crioulo. De acordo com ele, o assunto tem sido estudado pelos sociolinguistas, mas não pelos crioulistas. O autor acha que deveriam fazê-lo, pois essa mudança é muito comum, como ele constatou no crioulo da Guiana.

O volume 24, número 2 (2014) também contém oito textos, começando pelo de Gabriel A. de Araújo & Ana Lívia S. Agostinho, que investigam um jogo de linguagem no fa d’ambô, no caso, ‘fa do vesu’. Eles salientam que esse jogo pode apresentar estruturas silábicas diferentes das do fa d’ambô. J. Clancy Clements discute as consoantes vibrantes alveolares simples e múltipla do português do século xv ao xix e sua possível transferência para os crioulos. O autor argumenta que até certo ponto a distinção se mantém. Hugo Cardoso investiga a influência do substrato e do superstrato nas variedades crioulizadas do português de Kerala (Índia) e Sri Lanka. Diante do debate entre abordagem morfêmica e não morfêmica da morfologia, Ana R. Luís defende, no seu texto, a segunda alternativa, estendendo-a às línguas crioulas de base lexical portuguesa. A ex-aluna de John Holm e agora produtiva professora e pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais, Heliana Mello, mostra o que a linguística de corpus pode oferecer à linguística do contato, com dados efetivamente produzidos por falantes, como se fez no c-oral-Brasil que contém esse tipo de dados para o português brasileiro. Márcia Santos Duarte de Oliveira mostra que, diferentemente de outras análises, os sintagmas fronteados seguidos de ‘que’ sem cópula são melhor descritos como sentenças não clivadas, o que significa que são construções monoclausais. Ela leva em conta tanto a perspectiva

2Couto, Hildo Honório do & Ulisdete Rodrigues de Souza. 2006. As consoantes

pré-nasalizadas no crioulo caboverdiano: Por uma interpretação bifonemática. In Lang, Jürgen, John Holm, Jean-Louis Rougé & Maria João Soares (orgs.) Cabo

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diacrônica quanto a dos universais. Por fim, o texto de Alan N. Baxter et al. trata da questão do duplo objeto e das influências do substrato no português afro-brasileiro e no africano, salientando a possível influência do substrato na emergência do fenômeno. A discussão envolve línguas subsaarianas, variedades do português africano e dados quantificados do português afro-brasileiro e do dos tongas. Sobre a certamente profícua atividade de John em Coimbra eu não tenho muita informação. No entanto, o esboço biográfico de Sarah Thomason contém muitos dados sobre esse período de sua carreira.

Digno de nota no relacionamento de John Holm com Papia, com o Brasil e com os estudos de contato de línguas e de crioulística que aqui se fazem é a tese de Heliana Ribeiro Mello (presente neste volume), orientada por ele na cuny e defendida em 1997. O título é: The genesis and development of Brazilian Vernacular Portuguese. Heliana, que é professora da ufmg, ex-presidente da abecs e constante colaboradora de Papia, comparece em diversas coletâneas organizadas por John.

O livro de John em dois volumes, Pidgins and creoles, sempre foi uma referência para mim e meus alunos no Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade de Brasília. Tanto que, em 1999, Ulisdete Rodrigues de Souza defendeu aí sua já mencionada dissertação de mestrado intitulada Fonologia do português mato-grossense: uma perspectiva crioulística. O português de Mato Grosso apresenta muitas características diferentes das de outras regiões do Brasil. Souza considerou esse dialeto como um semicrioulo, bem no espírito que John havia proposto uns tempos atrás.

John Holm é um dos mais entusiasmados pesquisadores que conheci. Ele é altamente colaborativo e interativo, sempre disposto a compartilhar informação. Se fica sabendo que no Japão e na Argentina há pessoas pesquisando determinado tema, ele as põe em contato. O seu livro Pidgins and creoles (1988/1989) não é o primeiro do gênero, mas é com toda certeza um dos mais consultados, por motivos que ficam bem claros na biografia escrita por Sarah Thomason. A tal ponto que eu o tomei como modelo para escrever meu Uma introdução ao estudo das línguas crioulas e pidgins (Brasília: Editora da

UnB, 1996).

Como se viu, e como se pode ver na tantas vezes citada biografia de Sarah Thomason, a carreira acadêmica e de pesquisa de John começou pelo ensino de inglês, passando pelas variedades linguísticas crioulizadas do Caribe e pelo inglês afro-americano até chegar aos crioulos de base lexical portuguesa e ao que chamou de ‘português popular brasileiro’. Suas contribuições em todas essas áreas são referências de valor inestimável para o investigador.

Enfim, gostaria de lembrar que além do entusiasmo pelo que faz e do sorriso franco, John é sempre um dos mais ativos participantes nos eventos

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científicos em que participa. Após cada apresentação, ele aplaude vivamente e é o primeiro a pedir a palavra e comentar o que foi exposto. Sempre de modo positivo, nunca para menosprezar o trabalho de quem apresentou.

Hildo Honório do Couto Brasília, Julho de 2014

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