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Direitos humanos na sociedade multicultural: necessidade de igualdade que reconheça as diferenças

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUI

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

ROBERTA DA SILVA

DIREITOS HUMANOS E INTERCULTURALIDADE NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: NECESSIDADE DE IGUALDADE QUE RECONHEÇA AS

DIFERENÇAS

Ijuí (RS) 2014

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUI

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

DIREITOS HUMANOS E INTERCULTURALIDADE NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: NECESSIDADE DE IGUALDADE QUE RECONHEÇA AS

DIFERENÇAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito - Mestrado em Direitos Humanos da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, sob orientação do Professor Doutor Doglas Cesar Lucas e submetida à Banca de Avaliação para obtenção do título de Mestre em Direito.

Ijuí (RS) 2014

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S586d Silva, Roberta da.

Direitos humanos e interculturalidade na sociedade contemporânea: necessidade de igualdade que reconheça as diferenças / Roberta da Silva. – Ijuí, 2014. –

134 f. ; 29 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Direitos Humanos.

“Orientador: Doglas Cesar Lucas”.

1. Direitos humanos. 2. Interculturalidade. 3. Igualdade. 4. Diferença. 5. Dialogo intercultural. I. Lucas, Doglas Cesar. II. Título. III. Título: Necessidade de igualdade que reconheça as diferenças.

CDU: 342.7

Catalogação na Publicação

Aline Morales dos Santos Theobald CRB10/1879

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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Direito

Curso de Mestrado em Direitos Humanos

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

DIREITOS HUMANOS NA SOCIEDADE MULTICULTURAL: NECESSIDADE DE IGUALDADE QUE RECONHEÇA AS DIFERENÇAS

elaborada por

ROBERTA DA SILVA

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Doglas Cesar Lucas (UNIJUÍ): __________________________________________ Prof. Dr. Marcio Renan Hamel (UPF): ____________________________________________ Prof. Dr. Andre Leonardo Copetti Santos (UNIJUÍ): _________________________________

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Aos meus pais, Nilton e Selvina, pelo apoio incondicional ao longo de todo o curso, a quem devo tudo que sou e possuo amor indescritível em palavras. Aos meus irmãos Rodrigo, Rubia e Rafaela, pelo ombro amigo nos momentos de dificuldade. A Maurício, pelo encorajamento, compreensão e carinho.

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AGRADECIMENTOS

Antes de tudo, preciso expor que meus agradecimentos não são protocolares. São agradecimentos sinceros a todas as pessoas que, de uma forma ou outra, se fizerem presentes.

Primeiramente, a Deus por me permitir viver e conceder mais esta oportunidade de aprendizagem, de evolução espiritual, moral, e intelectual.

Ao meu orientador, Professor Doutor Doglas César Lucas pela paciência ao longo do curso, principalmente na realização do Estágio de Docência, pelos valiosos ensinamentos, dicas de pesquisa e empréstimo de livros, e pelas horas de leituras gastas no meu trabalho. Minha eterna gratidão.

A todos os demais professores do Curso de Mestrado em Direitos Humanos da UNIJUÍ, em especial ao Professor Dr. Daniel Rubens Cenci, ao Professor Dr. André Leonardo Copetti Santos, à Professora Dra. Janaína Machado Sturza e à Professora Dra. Angelita Maria Maders, que, de forma carinhosa e informal, expuseram comentários interessantes sobre meu trabalho de pesquisa. Meu sincero reconhecimento.

Aos meus colegas de mestrado, pelas trocas ao longo do curso, fiéis e merecedores do meu respeito, ficarão pra sempre no meu coração. De forma especial, à colega Aline Damian Marques e à colega Denise Tatiane Girardon dos Santos, pelo companheirismo, conversas e ombro amigo nos momentos de dificuldades.

A todo o Curso de Mestrado em Direitos Humanos da UNIJUÍ, em especial ao coordenador, Professor Dr. Gilmar Antonio Bedin e à secretária, Janete Teresinha Sloczinski Guterres, por se fazerem sempre presentes e estimularem minhas curiosidades acadêmicas.

Agradeço a todos que, de uma forma ou de outra, me têm ensinado a compreender cada vez mais profundamente o sentido do desejo ardente de que sejam abatidas todas as separações dentro do ser humano e entres os povos e as culturas, e que, de maneira diferente, proporcionaram que esta reflexão pudesse ser concebida e desenvolvida.

Minha gratidão muito especial à minha família, que com tanto apoio e paciência me ensinou a ver o mundo com simplicidade e a ter confiança em minha capacidade, tornando-se uma das responsáveis pela conclusão deste trabalho.

Por fim, agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- CAPES e à UNIJUÍ pelo suporte financeiro, sem o qual se tornaria mais difícil a realização do curso de mestrado.

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RESUMO

O presente trabalho de dissertação, inserido na linha de pesquisa Fundamentos e Concretização dos direitos humanos, trata da efetivação dos direitos humanos numa sociedade multicultural. Utilizou-se para tanto o método de estudo de pesquisa bibliográfica, buscando analisar fontes de pesquisa que versem sobre a temática, como livros, artigos científicos, inclusive utilizando-se de bibliotecas virtuais e revistas eletrônicas. Para atingir o objetivo central deste estudo, tornou-se necessário no primeiro capítulo conceituar e situar os direitos humanos ao longo da história. Já o segundo capítulo aborda a diversidade cultural, a afirmação das identidades e o efeito da globalização nesse cenário. Por fim, o terceiro capítulo trata do diálogo intercultural como forma de efetivação dos direitos humanos universais frente à sociedade multicultural. Constatou-se que a sociedade globalizada clama pela efetiva concretização dos direitos humanos. Entretanto, com o multiculturalismo visualizam-se incessantes disputas pelo reconhecimento de identidades particulares. Para o tratamento desses conflitos é possível destacar os direitos humanos como mínimo ético a serem seguidos. O multiculturalismo e os direitos humanos lançam à sociedade o enorme desafio de buscar harmonia entre os povos por meio da tolerância e do respeito à diversidade e, em contrapartida, que os indivíduos possam ter seus direitos humanos garantidos independentemente do vínculo de pertença. Assim, trazem intrinsecamente o debate entre a igualdade e a diferença, o limite de diferença que a igualdade suporta na sociedade democrática. A abordagem leva à conclusão de que os direitos humanos poderão efetivar-se e concretizar-se por meio do estabelecimento de um mínimo ético para o diálogo intercultural.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Interculturalidade. Igualdade. Diferença. Diálogo

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ABSTRACT

The present dissertation, developed within the line of research called “Fundamentals and Implementation of Human Rights in a Multicultural Society”, deals with the actual accomplishment of human rights in a multicultural society. Bibliographic research was chosen as the study method, having books, scientific articles, as well as virtual libraries and electronic magazines as sources. In order to reach the main goal of the study, it was organized in a way that the first chapter addresses the concept and context of human rights throughout history. The second chapter focuses on the cultural diversity, the affirmation of identities and the effect of globalization upon the whole scenery. Finally, the third chapter aims at the intercultural dialogue as a means of achieving an effective implementation of human rights in the context of a multicultural society. All in all, the study allowed us to conclude that the modern globalized society actually calls for the real implementation of human rights. However, multiculturalism may be the cause of continuous dispute over recognition of private identities, in which case human rights appear as the ethical minimum to be pursued. Multiculturalism and human rights present to society, on one side, a huge challenge, consisting of the search for harmony among different peoples by means of tolerance and respect to diversity, and, on the other side, demanding that individuals be able to have their human rights respected and guaranteed regardless to the group they belong to. Being so, they – multiculturalism and human rights – intrinsically create a debate between equality and difference, the limits of difference that equality can tolerate in a democratic society. The work points towards the conclusion that human rights may actually be implemented by means of establishing an ethical minimum for intercultural dialogue.

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 10 1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS ... 14

1.1 ANTECEDENTES PRÉ-MODERNOS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS DO HOMEM ... 16 1.2 O ESTADO E OS DIREITOS HUMANOS NA MODERNIDADE ... 22

1.3 O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS NA

CONTEMPORANEIDADE: A FASE DOS DIREITOS SOCIAIS E DA INTERNACIONALIZAÇÃO ... 31 1.4 A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DO DIREITO HUMANO À DIVERSIDADE ... 40

2 A DIVERSIDADE CULTURAL NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA E SUA INTRÍNSECA RELAÇÃO COM OS DIREITOS HUMANOS ... 50

2.1 A AFIRMAÇÃO DAS IDENTIDADES: O DESPERTAR PARA A DIFERENÇA .... 51 2.2 CULTURA, IDENTIDADE E DIFERENÇA ... 63 2.3 DIVERSIDADE CULTURAL, GLOBALIZAÇÃO E HOMOGENEIZAÇÃO CULTURAL ... 71 2.4 DEBATE NECESSÁRIO: UNIVERSALIDADE VERSUS RELATIVISMO CULTURAL DOS DIREITOS HUMANOS ... 79

3 O DIÁLOGO INTERCULTURAL NA SOCIEDADE MULTICULTURAL ... 88

3.1 MULTICULTURALISMOS: NOS PASSOS DE DIVERSOS CONCEITOS ... 88 3.2 INTERCULTURALIDADE E ALTERIDADE: NOVO PARADIGMA DAS RELAÇÕES ENTRE AS CULTURAS ... 99 3.3 O DIÁLOGO ENTRE A IGUALDADE E A DIFERENÇA ... 105 3.4 OS DIREITOS HUMANOS COMO MÍNIMO ÉTICO PARA O DIÁLOGO INTERCULTURAL ... 114

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 124 REFERÊNCIAS ... 128

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Vive-se uma época de imensas e constantes transformações, uma época de agonia das grandes utopias. A diversidade cultural vem, gradualmente, merecendo a atenção de muitos estudiosos e ampliando sua visibilidade na sociedade. No passado, as culturas ficavam mais isoladas em seus territórios, e as diferenças culturais a cada dia mais se acentuavam, consequentemente, as identidades se preservavam mais, mantinham-se intactas, à medida que praticamente não interagiam com outras e não sofriam influência alguma.

Com a globalização, as interações culturais transitam em diferentes espaços e conduzem um intenso e instigante debate relacionado ao reconhecimento do outro e de suas diferenças. Nesse cenário, surgem o multiculturalismo e os direitos humanos universais. O primeiro, na busca incessante pelo reconhecimento da diversidade cultural e proteção das diferenças, e o segundo, na procura pela efetivação universal. Assim, o multiculturalismo e os direitos humanos alimentam intrinsecamente o debate entre a igualdade e a diferença e qual o limite de diferença que a igualdade comporta diante desse cenário.

Para o entendimento dessa questão, é possível situar os direitos humanos em distintas fases históricas. A primeira, na Modernidade quando os direitos humanos representaram, pela primeira vez, um limite ao poder soberano e estabeleceram uma pauta objetiva de proteção do indivíduo. A segunda fase é a da igualdade, da generalização, no início do século XIX, na qual os direitos humanos passam a ser inerentes à pessoa, independentemente de qualquer vínculo de pertença.

Concomitantemente com o direito da igualdade surge o fenômeno da internacionalização dos direitos humanos, sua terceira fase. Assim, eles saem da agenda nacional e passam a dominar a agenda internacional, impondo limites à soberania dos Estados no trato com seres humanos. A quarta fase histórica do desenvolvimento dos direitos humanos é a da diferença, da especificação, surgida a partir da Segunda Guerra Mundial, no século XX, objetivando a proteção de grupos específicos, das minorias, das diferenças.

Nesse cenário, o presente trabalho trata de um tema atual e polêmico, a possibilidade de efetivação dos direitos humanos frente à sociedade multicultural. A sociedade cada vez mais globalizada tem desafios que se agigantam, dentre os quais se destaca a preservação da dignidade humana frente às constantes violações aos direitos humanos, as quais são escudadas em pretensas fundamentações que reivindicam as questões ligadas às diferenças culturais.

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Pretende-se demonstrar que com o multiculturalismo e os direitos humanos surgem duas necessidades essenciais: a proteção das identidades culturais e, em contrapartida, a garantia de efetivação dos direitos humanos, isso por que, em que pesem os avanços tecnológicos e de tantas áreas de conhecimento, isso não impede que ocorram em qualquer cultura constantes agressões aos direitos básicos do ser humano.

Para a realização deste trabalho, utilizou-se como base para estudo parte das fundamentações teóricas de autores como Bauman, Bobbio, Herkenhoff, Lafer, Comparato, Wolkmer, Bicudo, Canclini, Taylor, Sousa Santos, Touraine, kymlicka, Lucas, Pannikar, Parekh, além de outros. Para melhor dar conta da temática, o texto apresenta-se dividido em três capítulos.

No primeiro capítulo, A evolução histórica dos direitos humanos, o texto é dedicado notadamente à análise do contexto histórico dos direitos humanos. Para que isso fosse possível, foi necessário sistematizar a trajetória histórica em partes, tratando inicialmente da Pré-Modernidade, a qual perpassa a Idade Antiga de aproximadamente 4.000 a.C a 476 d.C, e a Idade Média, de 476 d.C a 1453 d.C, na sequência a Modernidade, de 1453 a 1789, e por fim a contemporaneidade, de 1789 aos dias atuais.

Definitivamente, por uma série de fatores históricos e culturais, o período histórico marco de surgimento dos direitos humanos não está sustentado em unanimidade de entendimento doutrinário. Nada obstante, para que os direitos humanos fossem reconhecidos e positivados, o ser humano enfrentou tempos obscuros nos quais não havia proteção do indivíduo frente às atrocidades cometidas pelas classes que detinham o poder. Nesse cenário, é possível visualizar o palco do nascedouro de diversos movimentos em busca de proteção dos indivíduos e a instauração do movimento de busca incessante por reconhecimento dos direitos do homem.

Ainda no capítulo, buscou-se verificar os antecedentes históricos de proteção do homem, iniciando na Antiguidade com o Código de Hamurabi, na sequência passando pela Idade Média, com contribuições significativas do Cristianismo. Portanto, nesses períodos históricos foi possível visualizar características de proteção ao homem, embora singelas e limitadas.

Alguns documentos destacaram-se na proteção dos direitos do homem ao longo da história, como a Declaração de Direitos de Virgínia e a Declaração de Independência dos Estados Unidos, ambas em 1776; a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Esses documentos podem ser considerados os precursores escritos das garantias individuais.

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Foi possível identificar que somente com a Modernidade, período no qual se deu início ao processo de positivação e inserção dos direitos humanos nos ordenamentos jurídicos, tendo como marcos principais a Revolução Francesa e os ideais iluministas, os direitos humanos representaram, pela primeira vez, um limite ao poder soberano e estabeleceram uma pauta objetiva de proteção do indivíduo.

Na sequência, chega-se à análise da Idade Contemporânea, tendo como marco fundamental a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, pela Organização das Nações Unidas – ONU, dando azo ao processo de internacionalização dos direitos humanos. Por meio dessa esquematização, buscou-se delinear a evolução dos direitos humanos ao longo da história.

Da mesma forma, analisa-se a proteção internacional do direito humano à diversidade. Como é sabido, somente no pós- guerra é que se deu azo ao processo de internacionalização ou universalização dos direitos humanos iniciado pela Declaração Universal de 1948, seguida dos Pactos Internacionais posteriormente declarados. Nessa conjuntura é possível destacar a importância ainda mais significativa da Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural da UNESCO de 2002, a qual elevou a diversidade cultural ao patamar de patrimônio comum da humanidade.

O segundo capítulo, A diversidade cultural na sociedade contemporânea e sua intrínseca relação com os direitos humanos, é dedicado notadamente à analise da diversidade cultural. Enfatiza que as demandas comunitaristas e identitárias começaram a reclamar seu lugar no mundo e na pós-Modernidade já extrapolam a competência dos Estados-nação, proliferando problemas de ordem global, afetando o homem, independente do seu vínculo de pertença.

Para tanto, buscou-se situar a identidade ao longo da história e sua situação na Pós-Modernidade, bem como delinear a afirmação das identidades como o despertar para a diferença. Na sequência, procurou-se relacionar identidade, cultura e diferença, enfatizando que o reconhecimento da diversidade cultural torna-se um instrumento hermenêutico fundamental para proteger as diferentes identidades culturais e garantir, por conseguinte, o respeito aos direitos humanos.

Por meio dessa esquematização, buscou-se delinear a intrínseca relação entre a diversidade cultural e o fenômeno da globalização e, nesse mesmo contexto, o enfrentamento da temática da homogeneização cultural. Realizou-se também o debate necessário entre o universalismo e o relativismo cultural, situando que a diversidade cultural, por meio das

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crenças e tradições, jamais poderá ser invocada para justificar a denegação ou violação aos direitos humanos em nome da humanidade, que é comum a todos.

No terceiro e último capítulo, O diálogo intercultural na sociedade multicultural, propõe-se a interculturalidade, por meio do diálogo intercultural, como possibilidade de alargar e consolidar as conquistas realizadas em nome dos direitos humanos universais, com reconhecimento das diferenças que são próprias de cada identidade cultural, entretanto, reconhecendo uma humanidade comum a todos os indivíduos.

Foi necessário referir que os direitos humanos necessitam de efetivação universal como forma de garantir a dignidade humana e a consequente paz social. Em contrapartida, o multiculturalismo propõe a busca incessante pelo reconhecimento da diversidade cultural e proteção das diferenças. Assim, o multiculturalismo e a efetivação universal dos direitos humanos alimentam intrinsecamente o debate entre a igualdade e a diferença.

Para tanto, buscou-se situar o multiculturalismo como uma realidade inafastável e como mais uma etapa desse envolvimento constante da humanidade na busca pela efetivação dos direitos humanos. Na sequência, procurou-se relacionar a interculturalidade e a alteridade como novos paradigmas nas relações entre as culturas, haja vista que despontam como possibilidade ao diálogo intercultural.

Na continuação, buscou-se também realizar o diálogo entre a igualdade e a diferença, enfrentado pelo multiculturalismo e pelos direitos humanos, lançando a problemática da igualdade formal, a qual é substancializada pelas demandas de reconhecimento do direito à diferença. Por fim, situou-se o estabelecimento dos direitos humanos como mínimo ético para o diálogo intercultural, buscando o limite de diferenças que a igualdade suporta no contexto de proteção universal dos direitos humanos.

Dessa forma, a compreensão e o reconhecimento entre as culturas por meio do diálogo intercultural constituem o enfoque principal desta dissertação, despontando como forma de efetivação dos direitos humanos universais frente à sociedade multicultural.

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1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS

Quando se reflete acerca do surgimento dos direitos humanos, depara se com inúmeras imprecisões e discordâncias, isso por que ao se pensar na história é possível perceber que “as formas de se olhar para o passado e para o futuro são muitas” (BEDIN, 2008, p. 7), mas uma certeza há que se ter: “enquanto houver raça humana haverá história” (HOBSBAWM, 1995, p. 16).

O olhar mais atento pode sugerir que o passado traz consigo a necessidade de encontrar maneiras de se escapar de preconceitos ultrapassados e situações complexas vivenciadas que devem ser superadas na atualidade, no presente, já que “não há nada mais vivo na atualidade do que o passado” (BEDIN, 2008, p. 7). O resultado das lutas ocorridas no passado para a afirmação de valores éticos, a história da caminhada dos seres humanos para afirmarem a igualdade, a dignidade e os direitos inerentes a todos os homens nada mais são do que a história dos próprios direitos humanos.

Nesse sentido, faz-se necessária a análise histórica dos direitos humanos, pois sua afirmação se deu gradualmente a partir da luta contra os poderes instituídos. Os direitos humanos são históricos, universais e variáveis, já que surgiram pouco a pouco, e a partir das transformações históricas ao longo do tempo foram reconfigurando-se.

Definitivamente, por uma série de fatores históricos e culturais, o período histórico marco de surgimento dos direitos humanos não é uma unanimidade no entendimento doutrinário. Um olhar menos atento pode atribuir o surgimento desses direitos ao ano de 1215, na Inglaterra, com a elaboração da Magna Carta, ou em qualquer outra declaração da Pré-Modernidade. Entretanto, foi somente com as Declarações do século XVIII, com a criação da Organização das Nações Unidas e com a elaboração, em 1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos que os direitos humanos foram efetivamente discutidos em âmbito universal.

Devido às incessantes divergências quanto ao período histórico de surgimento dos direitos humanos torna-se importante retomar, no momento histórico contemporâneo a reflexão acerca da sua trajetória histórica para a concretização dos direitos considerados essenciais à pessoa humana.

Para que os direitos humanos fossem reconhecidos e positivados, o homem enfrentou tempos obscuros, nos quais não havia proteção frente às atrocidades cometidas pelas classes que detinham o poder. Nesse cenário, é possível visualizar o palco do nascedouro de diversos

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movimentos em busca de proteção dos indivíduos e a instauração do movimento de busca incessante por reconhecimento dos direitos do homem.

Dessa forma, o presente capítulo é dedicado notadamente à análise do contexto histórico dos direitos humanos. Para que isso fosse possível, foi necessário sistematizar a trajetória histórica em partes, tratando da pré-Modernidade, na sequência discorrendo sobre a Modernidade, e por fim, a contemporaneidade. Num primeiro momento buscou-se verificar os antecedentes históricos de proteção do homem, iniciando na Antiguidade com o Código de Hamurabi, na sequência passando pela Idade Média, com contribuições significativas do Cristianismo. Portanto, nesses períodos históricos foi possível visualizar características de proteção ao homem, embora singelas e limitadas.

Foi possível identificar que somente com a Modernidade, período no qual se deu início ao processo de positivação e inserção dos direitos humanos nos ordenamentos jurídicos, tendo como marcos principais a Declaração de Direitos de Virgínia e a Declaração de Independência dos Estados Unidos, ambas em 1776, a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, a Revolução Francesa e os ideais iluministas, os direitos humanos representaram, pela primeira vez, um limite ao poder soberano e estabeleceram uma pauta objetiva de proteção do indivíduo.

Na sequência, chega-se à análise da Idade Contemporânea, tendo como marco fundamental a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Organização das Nações Unidas – ONU, a qual representou um compromisso universal de proteção dos direitos humanos. Por meio dessa esquematização, buscou-se delinear a evolução dos direitos humanos ao longo da história, já que são inúmeros e valiosos os legados históricos que confirmam a importância da sua efetivação.

Por fim, analisa-se a proteção internacional do direito humano à diversidade. Como é sabido, somente no pós-guerra é que se deu azo ao processo de internacionalização ou universalização dos direitos humanos, iniciado pela Declaração Universal de 1948, seguida dos Pactos Internacionais posteriormente declarados. A proteção da diversidade cultural destaca-se como meio de proteção dos direitos humanos.

Por meio da adoção de diversos instrumentos internacionais a UNESCO consagra uma nova visão de mundo acerca do tema da proteção e promoção da diversidade cultural. Fruto das reconfigurações do cenário contemporâneo e das exigências de reconhecimento das diferenças culturais, é possível destacar a importância significativa da Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural da UNESCO de 2002, a qual elevou a diversidade cultural ao

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patamar de patrimônio comum da humanidade, buscando garantir uma interação harmoniosa entre pessoas e grupos com identidades culturais diversas.

1.1 Antecedentes pré-modernos de proteção aos direitos do homem

A civilização humana, desde os primórdios até a atualidade, passou por inúmeras fases e transformações, cada uma com suas peculiaridades, com os desafios inerentes ao seu tempo, de modo que a evolução científica, tecnológica, política, econômica, social, jurídica e, principalmente, dos direitos inerentes à pessoa humana foi, demasiadamente, lenta e gradual.

É imperioso ressaltar a válida tentativa de procurar já na Pré-Modernidade alguns resquícios de direitos conferidos ao homem, mesmo que singelos e limitados. É impossível desconsiderar a trajetória histórica passada pela civilização humana até o surgimento dos direitos humanos na Modernidade, não como uma revelação, como uma descoberta repentina, mas como fruto da construção humana ao longo do tempo.

De qualquer maneira, quando se trata da proteção dos direitos do homem na pré-Modernidade é necessário situar que não há unanimidade a respeito do legado deixado pela Antiguidade quanto a esses direitos. No período da pré-Modernidade não é correto o uso da expressão direitos humanos, já que os direitos humanos nasceram na Modernidade, fruto das lutas burguesas. Na Antiguidade, em que pese fossem delineados “direitos e deveres que, embora inerentes à pessoa, não encontravam qualquer respaldo nas regras de convivência social” (BICUDO, 1997, p. 12).

De fato, os direitos humanos não eram conhecidos na Antiguidade. Entretanto, se fosse possível considerar como direitos humanos todo e quaisquer direitos conferidos ao homem, o Código de Hamurabi, na Babilônia, no século XVIII a.C., o Cilindro de Ciro, em 539 a.C, o legado da civilização Romana, como a Lei das XII Tábuas, a Carta Magna de João Sem-Terra em 1215, entre outros, por essa razão, poderiam constituir-se em fontes dos direitos humanos.

Constituindo-se ou não em fontes dos direitos humanos, o fato é que, na Idade Antiga, período que se estende da invenção da escrita, de 4000 a.C. até a queda do Império Romano do Ocidente em 476 d.C., os indivíduos não possuíam direitos no sentido moderno. O Estado foi criado pela religião e tinha o dever de protegê-la, dessa forma, esses dois institutos apoiavam-se mutuamente e aparentavam um só corpo (BICUDO, 1997).

Mas é possível encontrar nesse período vestígios de humanitarismo, embora com aspecto bastante taliônico, nas civilizações da Antiguidade Oriental, com o Código de

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Hamurabi, em aproximadamente 1690 a.C., considerada a primeira legislação escrita de que se tem notícia.

Nessa legislação é possível visualizar a primeira compilação a definir um rol de garantias comuns aos indivíduos, tais como o direito à vida, à propriedade, à honra, à dignidade, entre outros, apesar de ter como grande marca a Lei do Talião. Além disso, enfatizava a superioridade da legislação em relação aos governantes, estabelecendo proteção aos governados e freios aos governantes.

Hamurabi (1792-1750 a.C.), o sexto rei da primeira dinastia da Babilônia, foi quem organizou o primeiro código da história da humanidade. O Código de Hamurabi, como ficou conhecido, contém 282 artigos registrados em um único bloco de pedra e uma seleção de casos jurisprudenciais que auxiliavam na dissolução dos litígios jurídicos que se apresentavam ao arbítrio da alteza. Essa legislação vigorou por aproximadamente 15 séculos (WOLKMER, 2011).

Também é possível encontrar vestígios de proteção ao homem no Cilindro de Ciro, em 539 a.C. Esse documento se destaca como uma compilação de decretos instituidores de direitos, registrados num cilindro de argila pelo Rei persa Ciro II, em nome de Ciro, o Grande, o qual declara paz ao povo (WOLKMER, 2011).

A Grécia Antiga também foi palco de lutas por direitos do homem. Muitos homens por estarem integrados na comunidade tinham a possibilidade de participar do governo da cidade, desse modo, o poder soberano era limitado por meio da democracia com a participação do cidadão no governo e com a superioridade da lei (COMPARATO, 2013).

Fo na Grécia, mais particularmente em Atenas, que a preeminência da lei escrita tornou-se, pela primeira vez, o fundamento da sociedade política, já que a lei escrita foi considerada o grande antídoto contra o arbítrio governamental (COMPARATO, 2013). Tem-se ao lado da lei escrita o surgimento da ideia de um direito natural, de leis não escritas, considerado superior ao direito positivo, assim, o comando da lei poderia variar de um lugar para o outro, entretanto o direito de natureza deveria ser o mesmo em qualquer lugar (COMPARATO, 2013).

Foi também na Grécia que surgiram vários estudos acerca da igualdade e liberdade do homem, merecendo destaque as previsões de participação política dos cidadãos na democracia direta de Péricles, a crença na existência de um direito natural como anterior e superior às leis escritas, definida no pensamento dos sofistas e estóicos, refletida na obra Antígona, em 441 a.C., na qual Sófocles sugere a existência de normas não escritas e imutáveis, superiores aos direitos escritos pelo homem (SCHMITT, 2007). Na tragédia grega, Antígona, indignada,

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invoca leis imutáveis contra a lei particular que impedia o enterro de Polinice seu irmão (LAFER, 1998).

Quanto ao legado deixado pela civilização romana, a Lei das XII Tábuas, escrita há aproximadamente 460 anos a.C., pode ser considerado outro documento que se destaca na história da civilização antiga. Plebeus romanos conseguiram que aproximadamente 10 magistrados se reunissem para elaborar um conjunto de leis que diminuíssem o poder arbitrário dos privilegiados, da aristocracia da época. O texto foi gravado em 12 placas de madeira, cujo propósito era resolver o conflito entre plebeus e patrícios. O texto original foi destruído por ocasião do saque de Roma pelos Gauleses em 390 antes da era cristã (WOLKMER, 2011).

Assim, muitos doutrinadores corroboram o entendimento de que foi em Roma, com Lei das XII Tábuas, o lugar no qual se originaram os primeiros documentos escritos consagradores da liberdade, da propriedade e da garantia de direitos aos indivíduos, ou seja, a origem do direito romano, não sendo por acaso que as normas contidas nesse ordenamento jurídico perduraram por vários séculos, inclusive sendo estudadas na contemporaneidade. Isso se justifica pelo fato de que foi o “direito romano quem estabeleceu um complexo de mecanismo de interditos visando os direitos individuais em relação aos arbítrios estatais” (SCHMITT, 2007, p. 175).

Assim “a inversão e a difusão da técnica da escritura, somada à compilação de costumes tradicionais, proporcionam os primeiros códigos da Antiguidade” (WOLKMER, 2011, p. 5). Pode-se considerar que os textos legislados e escritos nesse período foram os melhores depositários do direito e os meios mais eficazes para conservá-lo do que a memória de certo número de pessoas, por mais força que tivessem em função de seu constante exercício (WOLKMER, 2011).

O Império Romano, com o surgimento do Cristianismo no século IV como religião dominante, também lançou bases para a limitação do poder político por meio da distinção entre o que é de “César” e o que é de “Deus”, e do fato de a salvação cristã ser possível a todas as pessoas de todos os povos. Com o Cristianismo, religião monoteísta que nasceu do judaísmo, centrada nos ensinamentos de Jesus Cristo, houve um salto qualitativo nos avanços do pensamento e das instituições da época.

A doutrina cristã descortinou novos horizontes e traçou novos caminhos à ininterrupta peregrinação do homem ao “estabelecer a vida como sagrada, o homem como ponto culminante da criação” (CORRÊA, 2002, p. 161), ou seja, foi com o Cristianismo que

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todos os seres humanos, só por o serem e sem acepção de condições, são considerados pessoas dotadas de um eminente valor (MIRANDA, 2000).

Assim, nascia uma visão religiosa baseada no conceito de que cada indivíduo é criado à imagem e semelhança de Deus e por isso todos tinham uma liberdade irrenunciável que nenhuma sujeição política ou social poderia destruir, sendo chamados à salvação por meio de Jesus (MIRANDA, 2000). A “Igreja não somente reconheceu os direitos do homem, mas também sua liberdade, que está associada ao respeito dos direitos invioláveis da pessoa humana” (BICUDO, 1997, p. 27).

Nesse diapasão, é de se notar que o Cristianismo estimulou a igualdade de todos os homens, independentemente de origem, raça, sexo ou crença. A maior parte da Europa foi cristianizada durante a Idade Média, período histórico entre a queda do Império Romano no século V e o surgimento do Renascimento no século XV, aproximadamente de 476 a 1453 depois da Era Cristã, no qual também é possível perceber vestígios de proteção aos direitos do homem.

Muito embora a Antiguidade tenha prestado algumas contribuições ao reconhecimento de direitos do homem, nesse período não se conhecia a lei como sistema de limitação ao poder soberano. Ou seja, por lei os indivíduos não teriam direitos que pudessem ser exigidos em face do poder estatal, não havendo proteção ao homem nas regras de convivência social.

Por esse motivo, durante esse período, práticas como a escravidão, preconceito por sexo ou classe social não eram incomuns, já que por não haver garantias legais, a proteção aos direitos do homem ficava à mercê da vontade do soberano. Essa circunstância, conquanto importante ser assinalada, de forma alguma exclui a necessária contribuição da Antiguidade na criação do ideário dos direitos humanos, já que os direitos humanos não nasceram como uma revelação, como obra do acaso, mas fruto do próprio caminhar da civilização humana na busca de proteção aos direitos do homem.

A Idade Média iniciou-se sob o domínio do poder do Cristianismo, o qual foi reconhecido como religião oficial do Império Romano. Com a queda deste império “a Igreja foi a única instituição capaz de reconstruir a vida civilizada” (PERRY, 1999, p. 153). Assim, a doutrina cristã tornou-se referência central e deu ao homem medieval um horizonte de sentido comum, refletido na participação no grande drama de salvação da humanidade. Com isso, a Igreja passou a se constituir na instituição mais importante da vida na Idade Média, regulamentando todas as esferas da vida em sociedade, adquirindo um poder extraordinário, já que passou a exercer poderes típicos de Estado (BEDIN, 2008).

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O período medieval é considerado um momento de revisão de valores, de confronto de objetivos temporais, imediatos e permanentes. Foi um período histórico bastante longo, aproximadamente um milênio, caracterizado pelo domínio do poder da Igreja, ou seja, foi um período muito complexo, visto por muitos como um período de inflexão e do obscurantismo (BEDIN, 2008).

A Idade Média, como um período histórico complexo, pode ser dividida em quatro períodos específicos: a Primeira Idade Média, que se estande da queda de Roma, do século V até o início do século VIII; a Alta Idade Média, do século VIII ao século X; a Idade Média Central, do século X até a segunda metade do século XIII; e a Baixa Idade Média, das últimas décadas do século XIII ao século XIV (BEDIN, 2008).

O período medieval foi marcado pela descentralização política, com diversos centros de poder, pelo domínio do Cristianismo, pelo modo de organização feudal, pela divisão em estamentos, clero, nobreza e povo (COMPARATO, 2013). O primeiro com a função de oração e pregação; o segundo com a incumbência de vigiar e proteger; e ao terceiro restava realizar o trabalho em prol de todos.

No campo teórico foram de fundamental importância nesse período os escritos de Santo Agostinho, também chamado de Agostinho de Hipona (354-430), bispo, escritor, teólogo, filósofo, praticamente o pai da Igreja católica, e os de São Tomás de Aquino (1226-1274), padre dominicano e teólogo, ambos podendo ser considerados os precursores na defesa do direito natural, os quais interpretavam a lei natural a partir de uma perspectiva cristã.

Nesse cenário, o padre Santo Agostinho acreditava que toda criação humana era advinda do pecado, considerando a Igreja Católica como a guardiã de todas as maneiras possíveis de salvação ao indivíduo. Para esse religioso, caso as leis humanas se manifestassem claramente incompatíveis com a lei divina, essas normas não teriam nenhuma validade e não deveriam ser obedecidas.

Dessa maneira, o ponto culminante que monopolizou o pensamento filosófico medieval foi a tentativa de conciliação de dois campos distintos: a fé e a razão. Segundo as ideias de Santo Agostinho e de São Tomás de Aquino, foi reconhecida a necessidade do conhecimento, desde que a razão não fosse contrária à fé e se submetesse a ela (CHAUÌ, 2000). A fundamentação teológica baseava-se na ideia de que o ser humano possuía direitos naturais atribuídos pela divindade, e que faziam parte de sua natureza humana, devendo ser protegidos.

Também nesse período, as leis vigentes deveriam ser medidas pela sua conformidade com o direito natural. Assim, uma lei injusta não seria uma lei. O poder estatal era vinculado

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ao direito natural, o qual deveria ser respeitado independentemente de sua positivação no ordenamento jurídico e de fronteiras territoriais e temporais. Houve então o nascedouro da ideia de dois sistemas paralelos e coexistentes. De um lado, o direito natural, e de outro, o direito positivo ou legislação vigente (CHAUÍ, 2000).

A Idade Média pode ser considerada um “período que se caracteriza por ser um longo período histórico; que é um momento de transição entre o mundo antigo e o mundo moderno” (BEDIN, 2008, p. 8), mas muito mais do que período da história que antecede e precede, a Idade Média é a antecipação, a preparação para a Idade Moderna. Assim, no “bojo da Idade Média foi gerado também, o mundo moderno” (OLIVEIRA, 1997, p. 5).

Como na Antiguidade, na Idade Média, a realeza considerava-se movida pela divindade. Por esse motivo ordenava a confecção de leis com ínfima preocupação com direitos conferidos ao homem. Entretanto, a decadência do feudalismo devido às revoluções burguesas e o consequente crescimento político da burguesia favoreceram o crescimento dos direitos humanos, o que não se tornou empecilho para que a sociedade vivenciasse posteriormente momentos de intensa opressão com o absolutismo.

Assim, o absolutismo teve início no final do período medieval, caracterizando-se por ser o momento em que a vontade do rei passou a ser considerada lei. Como importante destaque desse período é possível citar o rei da Inglaterra, conhecido como Rei João Sem Terra, que gerou a fúria dos barões ingleses por violar leis antigas e costumes pelos quais a Inglaterra havia sido governada há séculos.

Os barões ingleses objetivavam a criação de uma autoridade que fosse capaz de controlar o cumprimento das obrigações assumidas pela majestade e pelo estabelecimento de institutos que a obrigasse a respeitar as leis e as liberdades fundamentais do reino. Então, em junho de 1215, foi lavrada a Carta Magna, a qual sucedeu um pacto entre o Rei João Sem Terra e os barões ingleses, sendo o primeiro freio que se colocou ao poder soberano, impedindo o poder absoluto. Tal documento provocou uma intensa guerra civil. Ao término, com a morte do rei em 1216, assumiu o trono o seu sucessor, que republicou esse documento em 1225 e 1272.

Conquanto a carta inglesa houvesse declarado alguns direitos como a liberdade eclesial, a não cobrança de impostos sem anuência dos contribuintes, a propriedade privada, a liberdade de ir e vir, a desvinculação da lei à pessoa do monarca (COMPARATO, 2013), tal documento não teve caráter universal, ou seja, não garantia liberdade ao homem comum, aplicando-se apenas aos nobres e cidadãos livres.

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A Carta Magna de 1215 destaca-se como o início ou a influência mais significativa de um longo processo histórico de surgimento do constitucionalismo, sendo fonte tradicional das instituições inglesas, contemplando garantias de ordem individual e política, inclusive facultando o direito de resistência legal aos nobres se estes violassem as garantias reconhecidas no documento. Com essa carta, “pela primeira vez, o próprio rei estava sujeito à lei” (BICUDO, 1997, p. 31).

Nesse diapasão, esse documento contribuiu para reforçar o regime feudal, o qual a longo prazo já trazia consigo o germe de sua definitiva destruição e o reconhecimento de que os direitos próprios de dois estamentos livres, a nobreza e o clero, existiriam independentes do consentimento do monarca, que não poderia modificá-los, consistindo nisso o sentido inovador do documento.

Assim, o poder dos governantes passaria a ser limitado não apenas por normas superiores, fundadas no costume ou na religião, mas também por direitos subjetivos dos governados (COMPARATO, 2013), muito embora esse documento não tivesse o caráter de proteção do homem comum.

Em que pese a evolução em torno do reconhecimento dos direitos do homem, nenhum documento jurídico desse período histórico pode ser considerado marco inicial para a institucionalização dos direitos humanos, ainda mais no significado que atualmente lhe é conferido, visto que poderiam ser suprimidos a qualquer momento pelo monarca.

No nascedouro dos direitos humanos surgiram, antes de qualquer coisa, as liberdades específicas, sobretudo em favor dos estamentos superiores da sociedade, o clero e a nobreza, com algumas concessões em benefício do povo, do “Terceiro Estado”. Dessa maneira, a liberdade geral em benefício de todos, sem distinções, só veio a ser declarada no final do século XVIII (COMPARATO, 2013).

Os tempos obscuros da Idade Média, que se caracterizaram por um longo período histórico pela descentralização política, pela dominação da Igreja Católica e pelo modo de organização feudal, foram deixando, paulatinamente, de existir, ensejando o surgimento de uma revolucionária sociedade, a sociedade moderna, a qual foi marcada pelo balizamento do poder do Estado pela lei e pelo estabelecimento de uma pauta objetiva de proteção do indivíduo.

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Se for evidente o papel dos direitos humanos no decorrer da história, igualmente não se deve contestar que sua importância se agiganta a partir da Modernidade, um período de transição por excelência, o qual foi cenário de duas grandes guerras mundiais e palco de barbáries contra a pessoa humana. Concomitantemente, estimulou o desenvolvimento tecnológico com a transição do modo de produção feudal para o capitalista.

Essa transição do feudalismo para o capitalismo foi, em grande parte, estimulada pelo aparecimento nesse período da classe burguesa, formada por pessoas livres, independentes das relações feudais. O grande intento da burguesia era fomentar a ampla liberdade e exorcizar o nefasto fantasma do Estado Absolutista, que defendia os interesses da aristocracia feudal e do alto clero. Com isso, ocorreu o desenvolvimento das cidades, em decorrência das atividades produtivas e comerciais realizadas pela burguesia.

A Idade Moderna foi, assim, o período de desmontagem progressiva do que ainda restava do feudalismo e de edificação gradual da nova ordem capitalista. Os acontecimentos marcantes desse período foram o Renascimento, a Reforma Protestante, o Iluminismo e as declarações burguesas do século XVIII.

O florescimento cultural do Renascimento, no fim do século XIII e meados do século XVII, e as navegações transoceânicas, ou seja, as grandes navegações, com a descoberta de novas rotas marítimas e terras desconhecidas, possibilitaram a abertura às comunicações com o mundo todo, puseram fim definitivo ao período medieval, apontando, dessa forma, para o começo da Idade Moderna no século XV avançando até o século XVIII.

A Modernidade é um período de transição, fruto dos períodos históricos que a antecederam. A passagem da Idade Média para a Modernidade representa uma transformação na mentalidade dos homens em âmbito mundial, pois, “a visão teocêntrica do universo cedeu lugar a uma concepção nova, o antropocentrismo ou humanismo, em que o homem ocupa o centro de todas as coisas” (SOUTO, 2007, p. 7-9) e para a “aparição de uma nova dimensão na vida jurídica em suas relações povo/poder” (BICUDO, 1997, p. 33).

Isso por que, se a luta pela concretização de melhores condições de vida acompanhou o homem ao longo da história da civilização, foi somente na Modernidade que os direitos humanos representaram, pela primeira vez, um limite ao poder soberano e estabeleceram uma pauta objetiva de proteção do indivíduo, destacando-se como “direitos históricos, surgidos na Idade Moderna a partir das lutas contra o Estado absoluto” (CORRÊA, 2002, p. 169).

Nesse cenário, é possível perceber que os direitos humanos nasceram inicialmente da mudança na relação entre o Estado e o indivíduo. Assim, os direitos foram vislumbrados como pertencentes aos cidadãos, ou seja, a sociedade que representava um todo anterior ao

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indivíduo passa a dar valor ao caráter individualista, caráter presente na era moderna. Nesse período, afirmam-se “os direitos de liberdade, isto é, todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado” (BOBBIO, 2004, p. 32-33).

O Estado Moderno surge com uma roupagem diferente, com características próprias, dentre elas, a concentração e a centralização do poder, com uma organização burocrática de poder a serviço da população e de todos (SOUTO, 2007) e a mudança na mentalidade humana, pois, os fenômenos passaram de uma visão teocêntrica, tipicamente medieval, para serem explicados por meio da racionalidade.

O processo de reconhecimento dos direitos humanos foi marcado por um período no qual teve início o seu processo de positivação na expectativa de que a inclusão da proteção dos direitos humanos nos ordenamentos jurídicos dos Estados-nação fosse suficiente para garantir a sua concretização. De fato, “essa crença teve como base o pensamento desenvolvido a partir da Modernidade, cujo berço remonta ao fim do século XVI e representou um processo de ruptura de paradigma” (BARRETO; BAEZ, 2009, p. 2).

Tornou-se necessário que se passasse a acreditar que a razão e a ciência vinham para explicar os fatos da vidaem contraposição à concepção medieval, que utilizava como resposta a divindade (BARRETO; BAEZ, 2009). Nos termos da racionalidade moderna, a ideia de direito natural, que a tradição identificava como uma eterna e imutável orientação axiológico-normativa, submete-se na Modernidade aos pressupostos fundamentados na autonomia da razão (NEDEL, 2008).

Nesses moldes, o modelo de sociedade reconhecido até meados do século XVI pode ser denominado de organicista ou holista, possuindo como tese central a de que o Estado era anterior e superior ao indivíduo (BEDIN, 2008). Há então uma mudança de paradigma, e o modelo surgido nos séculos XVII e XVIII pode ser denominado de individualista ou atomista, possuindo como ponto culminante a ideia de que os indivíduos são anteriores e superiores ao Estado (BEDIN, 2008).

Os homens, a partir desse período, passam a ser vistos como seres iguais pelo menos em dignidade e direitos (BEDIN, 2008), numa nova sociedade onde o individual começa a ter preferência sobre o coletivo, diferentemente do mundo antigo. Isso por que, “no mundo antigo a relação de identidade interna é uma decorrência da própria condição da vida feliz no interior da Polis” (LUCAS, 2012a, p. 4).

Na Antiguidade, o indivíduo dependia da organização coletiva para existir, não é em sua particularidade. Ou seja, ele não se individualizava, somente era numa relação com o

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todo, era em si mesmo parte da cidade, uma vez que não seria possível viver fora dela, logo, não se poderia prescindir da vida comunitária como espaço natural de sobrevivência individual (LUCAS, 2012a).

Esse novo modo de pensar revolucionário na sociedade moderna alterou a vida do homem. Assim, com as novas concepções de mundo e de pensamento na Modernidade houve o surgimento do Renascimento, que se caracteriza como o período “em que os homens finalmente despertaram, mudaram completamente de atitude perante a vida e tomaram o seu destino nas mãos” (HEERS, 1994, p. 17-18).

Assim, o Renascimento foi considerado um movimento cultural importante que transformou a visão do homem acerca de si próprio pelo fato de o conhecimento e de a razão deixarem de ser percebidos por meio de uma visão teocêntrica. Houve também nesse período a Reforma Protestante, que pode ser considerada como um movimento reformista cristão, que combatia certos abusos cometidos pela Igreja, influenciado pelo pensamento renascentista, os quais contestavam os valores medievais-feudais.

Nesse período, outro ponto fundamental para o reconhecimento de direitos inerentes à pessoa foi o surgimento durante o Renascimento do Humanismo, que se destaca como uma revolução intelectual, como um movimento pelo qual o homem se tornou o centro das preocupações intelectuais, dando azo ao nascimento da concepção antropocêntrica.

Esse período oportunizou também o surgimento de estudos na área científica, os quais foram marcados pelo desenvolvimento do racionalismo, desprendido de misticismos, que questionou o poder da Igreja Católica. Nesse mesmo contexto, difundiu-se um movimento filosófico e político ou uma corrente de pensamento que ficou conhecida como Iluminismo, em meados do século XVIII. Antagônica aos ideais de Santo Agostinho e de São Tomás de Aquino, reivindicava a superioridade da razão sobre a fé.

Os principais idealizadores do Iluminismo foram John Locke (1632-1704), Charles Montesquieu (1689-1755), Françoise Voltaire (1694-1778) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), os quais foram responsáveis pela construção de um contexto ideológico que possibilitou o questionamento do pensamento medieval na defesa da liberdade, da justiça, da igualdade, sugerindo ideias inovadoras para a época, principalmente no que tange à proteção dos direitos humanos.

Assim, “o pensamento iluminista abraçou a ideia do progresso e buscou ativamente a ruptura com a história e a tradição esposada pela Modernidade. Foi, sobretudo, um movimento secular que procurou desmistificar e dessacralizar o conhecimento e a organização social para libertar os seres humanos de seus grilhões” (HARVEY, 2007, p. 23). O

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Iluminismo consolidou-se por ter sido a manifestação da visão crítica da burguesia intelectual, tendo como berço primitivo a Inglaterra e a Holanda, mas alcançando repercussão também na França, onde se opôs às injustiças sociais, à intolerância religiosa e às regalias do absolutismo em declínio. Influenciou a Revolução Francesa, atribuindo-lhe o lema Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Para a corrente iluminista, Deus estaria na natureza e no homem, o qual poderia descobri-lo por meio da razão e da ciência, consideradas como as bases do entendimento do mundo. Dessa forma, segundo essa corrente, as leis naturais deveriam reger as relações sociais, garantindo a todos o direito de liberdade de expressão, culto, igualdade perante a lei e amparo contra o arbítrio de poder.

Nesse cenário, durante a Modernidade o direito natural foi completamente revisto, assumindo um papel importante e revolucionário, estabelecendo-se uma moral natural e racional, independente dos preceitos religiosos. Desse modo, todas as coisas deveriam ser explicadas por meio da razão.

A Modernidade instituiu um novo papel para o poder estatal, o qual deveria ter comprometimento com a garantia dos direitos aos cidadãos. Diante desse novo papel do Estado, o direito natural foi visto como um direito que tem sua origem na própria natureza humana, distanciado do teocentrismo, sendo declarado pela conjugação da experiência e da racionalidade e constituído por um conjunto de princípios universais, eternos e imutáveis. Assim, o poder estatal passou a ser compreendido como força da vontade popular, diferentemente da visão teleológica medieval em que o direito natural era visto como vinculado à vontade divina.

Destarte, “os direitos naturais são direitos históricos; nascem no início da era moderna, juntamente com a concepção individualista da sociedade; tornam-se um dos principais indicadores do progresso da humanidade” (BOBBIO, 2004, p. 2). Nesse cenário, surge a teoria contratualista que concebe o direito natural como insuficiente para sustentar o poder do Estado Moderno.

O estado de natureza de Hobbes, o homem como o lobo do homem, no século XVII, e de Rousseau, a guerra de todos contra todos no século XVIII evidenciam uma percepção do social como a lei da selva ou o poder da força. Entretanto, para fazer cessar esse estado, os humanos decidem passar do estado de natureza ao Estado Civil, criando o poder político e as leis (CHAUÍ, 2000).

A passagem do estado de natureza à sociedade civil se dá por meio de um contrato social, pelo qual os indivíduos renunciariam à liberdade natural e à posse natural de bens,

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riquezas e armas e concordariam em transferir a um terceiro, o soberano, o poder para criar e aplicar as leis, tornando-se autoridade política (CHAUÍ, 2000). Na concepção dos contratualistas, o Estado moderno precisaria de um contrato social para transformar o direito natural em direito positivo.

O contratualismo serviu de fundamentação ao Constitucionalismo Contemporâneo. Seus ideais foram largamente difundidos à época das Revoluções burguesas: a Inglesa, a Americana e a Francesa. Na concepção dos filósofos iluministas, o contratualismo se constitui como um meio de defesa dos direitos naturais. Em outras palavras, o homem abandona o estado de natureza e cria o Estado como entidade política para garantir e proteger os seus direitos naturais (CHAUÌ, 2000).

Os pensadores iluministas acolhiam a ideia de que a humanidade possui condições de tornar o mundo melhor, de progredir a partir da introspecção, da reflexão quanto a liberdade em sua relação com o mundo. Nessa corrente é possível mencionar figuras como René Descartes (1596-1650), considerado o primeiro filósofo moderno, e Immanuel Kant (1724-1804), filósofo alemão, que se destacou como um dos mais conhecidos expoentes dessa corrente.

A Modernidade pode ser considerada o ápice da racionalidade “principalmente com o desenvolvimento do subjetivismo e do psiquismo, inovado por Descartes, que o conceito de subjetividade vai ser intermediado pela concepção de autonomia, tendo seu destaque principal em Imannuel Kant” (SIDEKUM, 2003, p. 240).

Kant (1980) acreditava que o homem em seu estado natural tinha um só direito, o direito de liberdade, concebido como independência diante de toda repressão imposta pela vontade do outro. Também concebia o direito natural como o direito que todo ser humano tem de subordinar-se somente à lei.

A filosofia kantiana concebia o homem como um ser racional, condição comum a todos os seres humanos, que existiam como um fim e não como um meio passível de utilização e manipulação, diferentemente dos outros seres desprovidos de razão. Por possuir racionalidade, é que o homem poderia ser chamado de pessoa, logo, pessoa humana (KANT, 1980).

Kant (1980) buscou o estabelecimento da base filosófica de um direito cosmopolita além do direito natural, diferente do direito internacional para regular as relações da comunidade mundial. Esse direito era considerado como um princípio de direito que constitui a ideia racional de uma sociedade de paz de todos os povos, na qual podem ser estabelecidos vínculos. Ou seja, refere-se à possibilidade de relações recíprocas universais entre os

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indivíduos para que nacionais e estrangeiros possam se relacionar de forma amigável (SIDEKUM, 1993).

Logo, o advento do Renascimento e da corrente iluminista marcaram profundamente a Idade Moderna. Juntamente com os acontecimentos políticos dos séculos XVII e XVIII, também surgiu a luta pelo reconhecimento e pelo respeito aos direitos do homem (BEDIN, 2008). Assim, ocorreram nesse período outros acontecimentos que representaram verdadeira mutação histórica e tiveram importante significação para a questão dos direitos humanos. Os primeiros acontecimentos foram a Declaração de Direitos de Virgínia e a Declaração de Independência dos Estados Unidos, em 1776, seguidas da Revolução Francesa, em 1789.

Tanto a Declaração de Direitos de Direitos de Virgínia (1776) quanto a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) se caracterizam como os primeiros dois grandes indicadores de uma profunda mutação histórica: da emergência de um novo modelo de sociedade, modelo individualista, ou uma nova perspectiva de análise das relações políticas, perspectiva ex parte Populi, do ponto de vista do povo, do governado (BEDIN, 2008, p. 38).

Ao fim da Revolução Americana que se deu entre os anos de 1775 e 1783, a América do Norte declarou, em 1776, sua independência. A Declaração de Independência dos Estados Unidos foi “o primeiro documento político a reconhecer, a par da legitimidade da soberania popular, a existência de direitos inerentes a todo ser humano, independentemente das diferenças” (COMPARATO, 2013, p. 107). Consubstancia-se num documento de inestimável valor histórico.

Mas foi somente com a Revolução Francesa em 1789 que se rompeu a continuidade do curso da história, assinalando o fim de uma época e o princípio de outra. A importância devida à Revolução Francesa é fruto da expansão de seus ideais norteadores por todo o globo, o que fez dessa revolução “o modelo ideal para todos os que combateram pela própria emancipação e pela libertação do próprio povo” (BOBBIO, 2004, p. 105).

É possível frisar duas datas bastante próximas que podem ser levadas a símbolos desse momento histórico: o dia 4 de agosto de 1789, quando da renúncia dos nobres aos privilégios, assinalando o fim do regime feudal, e o dia 26 de agosto de 1789, quando da aprovação da Declaração dos Direitos do homem, que marca o início de uma nova era (BOBBIO, 2004, p. 101).

A Revolução Francesa, tendo como principais colaboradores os filósofos iluministas e como lema igualdade, liberdade e fraternidade, impôs limitações ao poder soberano. Em decorrência disso o povo começou a ter garantias de melhora na qualidade de vida, embora ainda estivessem longe de ter os seus direitos efetivamente concretizados.

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Desse modo, a Revolução Francesa desencadeou, em curto espaço de tempo, a supressão das desigualdades entre indivíduos e grupos sociais como a humanidade jamais experimentara até então (COMPARATO, 2013). Na tríade famosa, foi sem dúvida a igualdade que representou o ponto central do movimento revolucionário, isso por que a liberdade limitava-se praticamente à supressão de todas as peias sociais ligadas à existência de estamentos ou corporações de ofícios e a fraternidade, como virtude cívica, seria o resultado necessário da abolição de todos os privilégios (COMPARATO, 2013).

Esses princípios inspiradores da revolução foram proclamados na França durante a Revolução Francesa, mais precisamente em 26 de agosto de 1789 quando foi aprovado um documento sintetizado em dezessete artigos e um preâmbulo, conhecido como a Declaração do Homem e do Cidadão. Esse documento, inspirado nos precedentes norte-americanos, garantiu direitos de liberdade, de propriedade, de segurança, entre outros, os quais anularam os privilégios da nobreza.

A Declaração do Homem e do Cidadão de 1789 proporcionou, num primeiro momento, a formação da consciência dos direitos de cunho individualista e, num segundo momento, consolidou os ideais iluministas, promovendo uma mudança nas relações entre governantes e governados no âmbito da proteção jurídica.

E nessa relação é necessário ter em mente que Declaração de 1789 foi um marco decisivo na história, pois significava que, doravante, o homem, e não o comando de Deus nem os costumes ou a história, seria a fonte da lei (ARENDT, 1989). Essa declaração pode ser considerada como “um manifesto contra a sociedade hierárquica de privilégios nobres, mas não um manifesto a favor de uma sociedade democrática e igualitária” (HOBSBAWN, 2001, p.77).

Isso por que a igualdade declarada nessa Declaração ainda é meramente formal, estando pautada na igualdade civil e jurídica e não na igualdade social. Em outras palavras isso quer dizer que todo indivíduo deveria ser tratado com igualdade perante a lei, mas não impunha que todo indivíduo deveria viver em iguais condições sociais e econômicas, o que não deixa de ser, de forma alguma, uma evolução na proteção do indivíduo.

Nesse sentido, a Revolução Francesa e a Declaração do Homem e do Cidadão de 1789 fizeram da Idade Moderna um período com significância histórica, já que foi um marco no reconhecimento dos direitos humanos, inaugurando uma nova era. O lema dos revolucionários: liberdade, igualdade e fraternidade tentaria realizar o progresso da humanidade. Esses princípios “constituíram, durante um século ou mais, a fonte ininterrupta de inspiração ideal para os povos que lutavam por sua liberdade” (BOBBIO, 2004, p. 118).

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A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão significou o prenúncio da emancipação do homem, porque foi a partir daquele momento que ele se tornou a fonte de toda a lei (ARENDT, 1989). Nesse sentido, o homem não estava mais sujeito a leis provindas da divindade ou asseguradas meramente pelos costumes da história, transitando dos deveres dos súditos perante o príncipe soberano para os deveres do príncipe perante o povo soberano de uma evolução de deveres para direitos humanos. Essa declaração foi reformulada na conjuntura do processo revolucionário numa segunda versão, em 1793, tornando-se o alicerce da Declaração Universal dos Direitos Humanos promulgada pela ONU, em 1948.

Após a Revolução Francesa ocorre a queda do Estado Absolutista e surge o Estado Liberal, que traz consigo o dever estatal da ínfima intervenção na esfera privada do indivíduo, o qual tinha liberdade de atuação no âmbito da legalidade, ou seja, do que é permitido por lei. Assim, surgiram os direitos individuais contrapondo-se aos abusos cometidos pelo Estado Absolutista, foram reconhecidos os direitos de respeito à liberdade, à igualdade, muito embora ainda somente formal, à propriedade e à legalidade.

Nesse âmbito, os primeiros direitos fundamentais têm o seu surgimento ligado à necessidade da imposição de limites e controles aos atos praticados pelo Estado, nascendo, pois, como uma proteção à liberdade do indivíduo frente à ingerência abusiva do Estado. Por exigirem uma abstenção, um não fazer do Estado, são denominados direitos negativos (ALLEXANDRINO; PAULO, 2011).

A moderna doutrina consagrou uma evolução linear de dimensões ou gerações sucessivas de direitos, desde a clássica estabelecida por Marshall até alcançar as formulações de doutrinadores contemporâneos. Contemporaneamente, substituem-se os termos gerações, eras ou fases pelo termo dimensões, porquanto esses direitos não são substituídos ou alterados de tempo em tempo, mas resultam num processo de construção e de complementaridade permanente (WOLKMER, 2011).

Assim, o cenário europeu do século XVIII favoreceu o surgimento dos direitos civis, enquanto o século XIX consagrou os direitos políticos (MARSHALL, 1976). Nesse mesmo sentido, a primeira dimensão de direitos refere-se aos direitos civis e políticos, tendo como princípio a liberdade (BOBBIO, 2004). São os direitos dos indivíduos que nasceram no bojo das revoluções do século XVIII (CORRÊA, 2002). Consubstanciam-se em direitos-garantia, de cunho individualista (LAFER, 1988) os direitos que aparecem com o trânsito para a Modernidade (RUBIO, 2004).

Nesse viés, é possível destacar as liberdades individuais ou direitos civis, que tutelaram os indivíduos de suas disparidades com o Estado e impediram sua dissolução num

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todo coletivo, impondo ao Estado o dever de interferência mínima na realidade privada. Destaca-se como um limite ao poder do Estado em favor da liberdade do indivíduo, consubstanciando-se numa típica obrigação de não fazer. O seu caráter negativo se caracteriza por ser produto do Estado Liberal contrapondo-se ao Estado Absolutista, representando um meio de defesa contra os abusos praticados pelo poder estatal.

Assim, a Modernidade cumpriu um papel extraordinário na história da humanidade, que não se constituiu de repente, sendo fruto de longo processo histórico, marcado por períodos de intensas lutas e embates para limitação do poder soberano, as quais renderam conquistas e vitórias em nome dos direitos humanos e sem as quais todo o repertório que compõe as declarações modernas de direitos restaria abalado.

1.3 O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS NA CONTEMPORANEIDADE: A FASE DOS DIREITOS SOCIAIS E DA INTERNACIONALIZAÇÃO

A intensa preocupação em torno dos direitos da pessoa humana na Modernidade está longe de ter se exaurido, muito pelo contrário, na contemporaneidade essa preocupação persiste. Dentro do processo de transformações vividas nesse período também é possível situar o enriquecimento de pequena parcela da sociedade, bem como a passividade do poder estatal no âmbito de questões de cunho social, o que acabou gerando forte crise no Estado Liberal, agravada com a chegada da Revolução Industrial ocorrida em meados do século XIX. Naquela época, o proletariado trabalhava em situações degradantes, submetido a extensas jornadas de trabalho e a salário miserável. As grandes revoluções do século XVIII e os direitos inicialmente consagrados tinham cunho individualista, mas somente num segundo momento é que foram proclamados os direitos sociais do homem, que instituíram a igualdade de direitos, a liberdade política e os direitos relativos ao trabalho.

Nesse período, a soberania externa alcança seu auge. Segundo Ferrajoli, a soberania externa “liberta-se definitivamente (...) de qualquer vínculo ou freio jurídico” (1997, p.34), isso por que as relações entre os Estados no século XIX acontecem como num estado de natureza, no qual nenhum Estado está vinculado a qualquer princípio ou norma que os freie na busca de seus interesses. Em outras palavras, o Estado configura-se como um sistema jurídico fechado, autossuficiente e o monopólio exclusivo da força por ele alcançado é afirmado no que diz respeito tanto ao seu interior quanto ao seu exterior, não havendo limite à sua soberania (FERRAJOLI, 1997).

Referências

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