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A AFIRMAÇÃO DAS IDENTIDADES: O DESPERTAR PARA A DIFERENÇA

2 A DIVERSIDADE CULTURAL NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA E SUA INTRÍNSECA RELAÇÃO COM OS DIREITOS HUMANOS

2.1 A AFIRMAÇÃO DAS IDENTIDADES: O DESPERTAR PARA A DIFERENÇA

Ao longo da história é possível vislumbrar a evolução do pensamento reflexivo do homem acerca da sua própria essência e condição existencial, bem como a busca por mecanismos destinados a fazer respeitar as condições de vida que possibilitaram a todo ser humano manter e desenvolver suas qualidades peculiares de inteligência, dignidade, consciência, que permitiam a satisfação de suas necessidades vitais e a proteção de sua identidade.

Nesse cenário, é possível vislumbrar que na Antiguidade a relação de identidade, de individualidade é uma decorrência da própria condição da vida feliz na Polis, isso por que o indivíduo depende da organização coletiva para existir, em outras palavras, o indivíduo não se individualiza, não é em sua particularidade, mas sendo em si mesmo parte da cidade, uma vez que não é possível viver fora dela (LUCAS, 2012a).

Em oposição ao período pré-moderno, durante a Modernidade as identidades tornaram-se uma construção, resultado de um processo. A Modernidade inaugurou um novo período, transformando a identidade numa questão de realização (BAUMAN, 1998). Referiu- se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século

XVII e que se tornaram posteriormente mais ou menos mundiais em sua influência (GIDDENS, 1991).

Dessa forma, “quando a Modernidade substituiu os estados pré-modernos (que determinavam a identidade pelo nascimento e assim proporcionavam poucas oportunidades para que surgisse a questão do “quem sou eu?”) pelas classes, as identidades se tornaram tarefas que os indivíduos tinham de desempenhar (...) por meio de suas biografias” (BAUMAN, 2005, p. 55).

Os modos de vida produzidos pela Modernidade desvencilharam o indivíduo de todos os tipos tradicionais de ordem social. Assim, tanto em sua extensionalidade quanto em sua intencionalidade, as transformações envolvidas na Modernidade são mais profundas que a maioria dos tipos de mudança característicos dos períodos precedentes (GIDDENS, 1991).

As transformações associadas à Modernidade libertaram o indivíduo de seus apoios estáveis nas tradições e nas estruturas, as quais se acreditava que fossem divinamente estabelecidas. Portanto, o status, a classificação e a posição de uma pessoa na “grande cadeia do ser”, a ordem secular e divina das coisas predominavam sobre qualquer sentimento de que a pessoa pudesse ser um indivíduo soberano. O nascimento do “indivíduo soberano” ocorreu entre o Humanismo Renascentista do século XVI e o Iluminismo do século XVIII e representou uma ruptura importante com o passado (HALL, 2011).

O individualismo moderno afirmou-se, com efeito, como individualismo liberal, ou seja, como reivindicação dos direitos do indivíduo em relação à intervenção do Estado absoluto. Assim, “o reconhecimento do indivíduo isoladamente considerado e sua proteção contra as intervenções arbitrárias do Estado é um traço marcante do estatuto político e jurídico da Modernidade. A ideia de que o indivíduo é portador de direitos que lhe são inerentes é determinante no surgimento do Estado moderno” (LUCAS, 2012a, p. 5).

Na Modernidade surgiram na visão de Hall (2011), algumas concepções de identidade. Inicialmente a identidade do sujeito do Iluminismo, a qual estava baseada numa concepção individualista do sujeito e de sua identidade, caracterizada pelo indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado de razão, de consciência e de ação. Desse modo, o centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa, que emergia do nascimento e por toda sua vida, permanecendo totalmente o mesmo.

Assim, a figura do indivíduo como sujeito autoconsciente de sua própria individualidade e identidade só vai ganhar relevo na Modernidade. A identidade pode ser compreendida como produto da consciência, ou seja, a forma como o sujeito autoconsciente

se percebe, já que é na consciência que se processam as modificações que realmente importam para o indivíduo compreender-se como é (LUCAS, 2012b).

Nesse contexto, “o estudo do indivíduo e de seus processos mentais tornou-se o objeto de estudo especial e privilegiado da psicologia” (HALL, 2011, p. 31), da descoberta do inconsciente por Freud e estudos de outros pensadores psicanalíticos. Entretanto, a sociologia localizou o indivíduo em processos de grupo, desenvolvendo uma explicação alternativa do modo como os indivíduos são formados subjetivamente por meio de sua participação nas relações sociais e de sua contribuição pelo papel desempenhado, em outras palavras, a teoria da socialização é constituída pela internalização do exterior no sujeito e pela externalização do interior, por essa reciprocidade estável (HALL, 2011).

O primeiro nome moderno dado à identidade é subjetividade (SOUSA SANTOS, 1994), a qual foi constituída a partir do termo subjetivo, designando aquilo que pertence à consciência individual, ao pensamento humano. Porém, a subjetividade é cruzada pela alteridade, já que o indivíduo como ser autoconsciente só será possível se assentado na comunidade a que pertence pelo sentimento de pertencimento.

Desse modo, ainda era possível no século XVIII imaginar os grandes processos da vida moderna como estando centrados no indivíduo sujeito da razão. Mas, na medida em que as sociedades modernas se tornaram mais complexas, elas adquiriram uma forma mais coletiva e social, emergindo, então, o sujeito sociológico, que reflete a complexidade do mundo moderno e a consciência de que esse núcleo moderno não era autônomo e autossuficiente, mas formado na relação com o outro, que é mediador da cultura, do mundo habitado (HALL, 2011).

No conceito de sujeito sociológico, a identidade é formada da interação do eu e da sociedade, num diálogo contínuo com o mundo cultural que costura o sujeito à estrutura. Ao mesmo tempo em que são internalizados seus significados e valores, são alinhados os sentimentos subjetivos no mundo social e cultural em que habita (HALL, 2011).

Antes de qualquer coisa, o indivíduo desenvolve suas capacidades caracteristicamente humanas em sociedade, sendo essa uma condição necessária para o desenvolvimento da racionalidade. Nesse diapasão, a identidade cultural do indivíduo moderno apresentava-se estável, localizada, naturalizada, vivenciada de maneira horizontal, compartilhando uma identidade unificada e comum em torno de uma cultura nacional que primava pela homogeneidade e pela igualdade. O termo identidade, inicialmente, designava o caráter do que era idêntico, similar e igual.

O Estado, na Modernidade, buscava a obediência de seus indivíduos detinha o poder de definir, classificar, segregar, separar e selecionar o agregado de suas tradições, dialetos, leis e modos de vida locais, planejando a concretização do futuro da nação e proclamando um destino compartilhado. Isso quer dizer que a identidade nacional era cuidadosamente construída pelo Estado, traçando fronteiras e alimentando práticas de exclusão (BAUMAN, 2005).

Resta assim que a Modernidade teve também um lado sombrio, que se tornou muito aparente no século atual (GIDDENS, 1991). No final do século XX, muita gente argumentou que se estaria no limiar de uma nova era, a qual as ciências sociais deveriam responder o que está levando para além da própria Modernidade (GIDDENS, 1991), iniciando-se, de tal modo, a pós-Modernidade.

Num mundo instável, numa sociedade de risco (BECK, 2003), numa Modernidade líquida (BAUMAN, 2001), o que se encontra na atualidade foge ao controle humano. Parece um mundo em descontrole, já que se supunha que o progresso da ciência e da tecnologia iria tornar a vida mais segura e previsível, mas ocorreu exatamente o oposto (GIDDENS, 2007). Segundo Bauman “o mundo construído de objetos duráveis foi substituído pelo de produtos disponíveis projetados para imediata obsolescência. Num mundo como esse, as identidades podem ser adotadas e descartadas como uma troca de roupa” (1998, p. 112-113).

Na pós-Modernidade, as identidades se tornam instáveis, ou seja, deixaram de ser determinadas por grupos específicos, de ser o foco de estabilidade do mundo social e de serem pensadas como enraizamento numa realidade sociocultural particular. Desse modo, é possível referir que a identidade tornou-se ainda mais relevante num contexto em que as identidades não mais se referem a grupos fechados ou a identidades étnicas (HALL, 2011). A ideia de identidade nasceu da crise do pertencimento (BAUMAN, 2005). E só se tende a perceber as coisas e colocá-las no foco do olhar perscrutador e contemplativo quando elas se desvanecem, fracassam, começam a se comportar estranhamente ou decepcionam de alguma forma (BAUMAN, 2005).

A centralidade que a questão da identidade passou a ter pode ser considerada relativamente recente. Até porque “o próprio conceito de identidade, em razão de sua complexidade, não é ainda um conceito que possa ser definitivamente colocado à prova” (LUCAS, 2013, p. 165). A discussão da identidade passou a ter maior relevância quando na pós-Modernidade se tornou desestabilizada, instável, transformando-se no foco das discussões contemporâneas. Porém, é inequívoco que “a preocupação com a identidade, não é

obviamente nova. Podemos dizer até que a Modernidade nasce dela e com ela” (SOUSA SANTOS, 1994, p. 120).

Para Bauman (2003) a identidade surge como substituta da comunidade, substituindo a comunidade das normas, das regras, dos padrões de conduta, do conforto pela falta de conforto de um mundo sem padrões sólidos, onde a identificação se torna frágil. No líquido mundo moderno, “identificar-se com” significa dar abrigo a um destino desconhecido que não se pode influenciar, muito menos controlar (BAUMAN, 2005).

Nesse cenário, a identidade se tornou o “papo do momento, um assunto de extrema importância e em evidência” (BAUMAN, 2005, p. 23), assunto que, há algumas décadas não era o centro dos debates; era apenas objeto de meditação filosófica, isso por que o próprio conceito de identidade “é demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e muito pouco compreendido na ciência social contemporânea para ser definitivamente posto à prova” (HALL, 2011, p. 8).

O que se compreende é que o mundo em que se vive na atualidade, “é um mundo carregado e perigoso” (GIDDENS, 1991, p. 15). Para alguns teóricos, as velhas identidades estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, abalando a ideia que tem de si próprio como sujeito integrado visto até então como um sujeito unificado, abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social, causando uma perda de sentido de si (HALL, 2011).

As identidades modernas estão sendo descentradas, deslocadas ou fragmentadas, estão entrando em colapso, instaurando uma crise de identidade (HALL, 2011). Nesse cenário, é preciso reconhecer a vontade e o esforço individual ou coletivo para construir sua individualização, “para dar um sentido geral ao conjunto das situações, das interações e das condutas que formam a sua existência” (TOURAINE, 1998a, p. 69). De acordo com Hall, na atualidade,

a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado, a identificação não é automática, mas pode ser ganhada ou perdida. Ela tornou-se politizada. Esse processo é, às vezes, descrito como constituindo uma mudança de uma política de identidade (de classe) para uma política de diferença (2011, p. 22).

Nesse sentido, a identidade, a partir da Modernidade e, sobretudo, contemporaneamente, identifica ao diferenciar, reproduz unidade por processos de separação, unifica dividindo e inclui excluindo (LUCAS, 2012b). Na Modernidade, a diferença vai fazer parte do conceito de identidade, já que deixa de ser considerado como um valor negativo e

passa a ser considerado um valor positivo, ou seja, a identidade como autoconsciência é um acontecimento moderno (LUCAS, 2012a).

Parece que, na pós-Modernidade, o maior problema do indivíduo consiste em saber qual das identidades escolher dentre as disponíveis. Isso por que a construção da identidade se tornou uma experimentação infindável, sendo possível assumir uma identidade num momento, deixando de escolher outra numa infinidade existente, enquanto outras ainda estão para serem inventadas (BAUMAN, 2005), consubstanciando-se numa política de identidade, ou seja, uma identidade para cada movimento (HALL, 2011).

Referências ao termo identidade proliferam-se em todos os lugares. Assim a identidade tem se estratificado, se tornado múltipla: identidade cultural, nacional, religiosa, étnica, de gênero, profissional, organizacional, entre outras, as quais sugerem uma ideia de valor positivo, uma qualidade que agrega particularidades e garante a unidade com base numa representação comum, reclamando reconhecimento jurídico para as suas diferentes formas de produção de pertença (LUCAS, 2012b).

A pós-Modernidade ou Modernidade tardia é apocalíptica, segundo Giddens (2002), porque introduz riscos que gerações anteriores não tiveram que enfrentar, tornando-se cada vez mais comum a influência de acontecimentos distantes sobre eventos próximos e sobre a intimidade do eu. Bauman (2001) chama de Modernidade líquida essa nova fase da Modernidade, a pós-Modernidade, utilizando a ideia de liquidez em oposição a solidez, que seria a metáfora apropriada da Modernidade. Assim, as identidades também se tornam diferentes das identidades sólidas da Modernidade.

Nessa esteira, nesse mundo líquido moderno (BAUMAN, 2001), também é possível refletir acerca da mudança da situação existencial do homem, pensando a situação da psicopatologia a partir da transformação ocorrida da passagem da Modernidade à pós- Modernidade. Enquanto na primeira, que se iniciou com Freud, os psicanalistas observavam frequentemente em seus pacientes sintomas como histerias, fobias e fixações, diferentemente ocorre na segunda, na qual os principais problemas apresentados pelos pacientes são representados pela perda do eu, pelo sentimento de vazio, pela insegurança, pela monotonia, pela inutilidade, pela infelicidade, pela crise de autoestima e pela perda do sentido da vida (BAUMAN, 2001).

Esse cenário de mudança da situação existencial do homem acaba por justificar na pós-Modernidade a procura incessante e descontrolada do indivíduo por medicações psicotrópicas devido à sua incapacidade de se autoconhecer e, consequentemente, de

encontrar um sentido para a vida humana. O indivíduo busca, dessa forma, uma solução como um “passe de mágica” para as dificuldades do mundo líquido moderno.

Assim, “a falta de sentido pessoal - a sensação de que a vida não tem nada a oferecer – torna-se um problema psíquico fundamental na Modernidade tardia” (GIDDENS, 2002, p. 16). Segundo Hall, “as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como sujeito unificado” (2011, p. 7), o que se tornou uma dificuldade para o indivíduo que não consegue “lidar” com as mudanças e acaba por se desestabilizar.

Desse modo, surgiu uma nova representação do ser humano e dos seus comportamentos, contrapondo-se à imagem longamente dominante na Modernidade como triunfo da racionalização, a partir da produção de uma vida individualizada, que traz a ideia de um sujeito pessoal, um sujeito democrático (TOURAINE, 1998a). O que será posteriormente considerado como uma ponte para a construção do sujeito pós-moderno.

Segundo Hall (2011), o sujeito como detentor de uma identidade fragmentada é capaz de modificar toda a estrutura social tanto do seu espaço local quanto do espaço global. Destarte, “este mundo é também aquele no qual o indivíduo procura ser o Sujeito de sua existência, de fazer de sua vida uma história singular” (TOURAINE, 1998a, p. 69). Portanto, ao invés de se falar da identidade como uma coisa acabada, dever-se-ia falar de identificação, como um processo em andamento (HALL, 2011).

O sujeito pós-moderno surgiu como uma concepção de identidade muito diferente e muito mais perturbadora, produzida pelo processo de identificação que se tornou mais provisório, variável e problemático. Como a identidade está sendo formada e transformada continuamente, o sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos por suas identificações estarem sendo continuamente deslocadas (HALL, 2011).

Ocorre que o sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando a cada dia mais fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas (HALL, 2011). Desse modo, “no admirável mundo novo das oportunidades fugazes e das seguranças frágeis, as identidades ao estilo antigo, rígidas e inegociáveis, simplesmente não funcionam” (BAUMAN, 2005, p. 33).

Nesse sentido, “quando a identidade perde as âncoras sociais que a faziam parecer natural, predeterminada e inegociável, a identificação se torna cada vez mais importante para os indivíduos que buscam desesperadamente um nós a que possam pedir acesso” (BAUMAN, 2005, p. 30). De tal modo, as mudanças estruturais que se iniciaram nas sociedades modernas

no final do século XX estão transformando a ideia que se tem de sujeito, fazendo surgir novas maneiras de “desempenhar” uma identidade ou mais identidades.

A identidade sugere ser, no contexto contemporâneo de inseguranças, uma ilha de proteção, uma promessa de certeza e de estabilidade (LUCAS, 2012b). Isso por que “os mal- estares da Modernidade proviam de uma espécie de segurança que tolerava uma liberdade pequena demais na busca da felicidade individual. Os mal-estares da pós-Modernidade provêm de uma espécie de liberdade de procura do prazer que tolera uma segurança individual pequena demais” (BAUMAN, 1998, p. 10).

A identidade surge não da plenitude da identidade que já está dentro dos indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é preenchida a partir do exterior, das formas por meio das quais imagina ser visto por outros (HALL, 2011, p. 39). Nesse cenário, a cena cultural contemporânea na busca ilusória e fraudulenta do sentimento de nós para dar substância à identidade pessoal recorre às comunidades virtuais, as quais criam apenas uma ilusão, um simulacro de comunidade, pois tornam ainda mais difícil ao indivíduo chegar a um acordo com o próprio eu, por estar perdendo a capacidade de estabelecer relações espontâneas com pessoas reais (BAUMAN, 2005).

A comunidade evoca tudo aquilo de que o indivíduo sente falta e de que precisa para viver seguro e confiante, mas que na contemporaneidade não está ao seu alcance (BAUMAN, 2003), porque, a Modernidade rompeu o referencial protetor da pequena comunidade e da tradição, substituindo-as por organizações muito maiores e impessoais. Assim, o indivíduo sente-se privado e só num mundo em que lhe falta o apoio psicológico e o sentido de segurança oferecidos em ambientes mais tradicionais (GIDDENS, 2002).

Então, na pós-Modernidade, para pessoas inseguras, desorientadas, confusas e assustadas pela instabilidade e transitoriedade do mundo que habitam, a comunidade parece uma alternativa tentadora, ou seja, um sonho agradável, uma visão de paraíso: de tranquilidade, segurança física e paz espiritual, entretanto, para outras, que pelejam pela liberdade de escolha e autoafirmação, pode transformar-se numa visão do inferno ou de uma prisão, assim a comunidade pode ser considerada um fenômeno de duas faces (BAUMAN, 2005).

A comunidade reflete precisamente o senso de identidade grupal, sendo considerados grupos homogêneos que possuem fortes laços internos de união e fronteiras bem estabelecidas que o separam do mundo exterior, mantendo identidades racializadas, étnico-culturais e religiosas (HALL, 2003). Mas, independente do que a comunidade signifique, ela sugere uma

coisa boa, já que é bom pertencer a uma comunidade, ter e estar em uma comunidade, porque é um lugar calmo, aconchegante e seguro (BAUMAN, 2003).

Dentro da estrutura da civilização concentrada na segurança, mais liberdade significa mais mal estar, já limitar a liberdade em nome da segurança, mais ordem significa mais bem estar, ou seja, quanto mais liberdade, mais insegurança (BAUMAN, 1998). Há “um preço a pagar pelo privilégio de viver em comunidade (...) pago em forma de liberdade, também chamada autonomia, direito à autoafirmação e à identidade” (BAUMAN, 2003, p. 9).

Em nome da segurança de viver em comunidade limita-se a liberdade do indivíduo. Isso só ocorre porque, num mundo em que os referenciais estáveis e sólidos de orientação humana se tornaram frágeis e insuficientes, é necessário mencionar o surgimento de novas identidades e novos locais de busca da reconstrução de sentidos.

A “identidade tem se transformado numa categoria essencial para a compreensão dos conflitos contemporâneos” (LUCAS, 2012b, p. 125). Todavia, “responder à questão de nossa identidade é genuína. A confusão que isso causa em nossas mentes também é genuína. Não há receita infalível para resolver os problemas a que essa confusão nos conduz, e não há consertos rápidos nem formas livres de riscos para lidar com tudo isso” (BAUMAN, 2005, p. 105).

Sobretudo na pós-Modernidade, é possível dizer que o indivíduo “é o que é por não ser outra coisa” (LUCAS, 2012b, p. 132). Assim, a característica principal da identidade “é qualquer coisa de próprio que é tal porque pertence ao conjunto ou que é tal porque existe o seu oposto” (RESTA, 2014, p. 24), não faz concessões e mediações, ela afirma sua existência em contraposição ao seu oposto e nega para poder ser o que é (LUCAS, 2012b). O indivíduo é precisamente, porque não pode ser consciência absoluta, porque algo constutivamente estranho o confronta (HALL, 2003, p. 85), algo diferente, oposto. Para Dubar “la identidad es la diferencia” (2002, p. 11), e é, sobretudo porque a identidade é em si mesma, é negação em relação àquilo que não é (HÖFFE, 2000).

O indivíduo somente é numa relação com o todo (LUCAS, 2012a). E nessa necessidade do caráter relacional para a constituição da identidade do indivíduo, Honneth (2003) desenvolve uma teoria a partir do conceito de reconhecimento, segundo o qual a compreensão pessoal do indivíduo seria obtida por meio do reconhecimento do outro, de modo que a família, a sociedade e o Estado seriam considerados fatores constitutivos da essência do indivíduo, por meio do amor, do direito e da solidariedade. Para Honneth, a base da interação é o conflito, e sua gramática a luta por reconhecimento (LUCAS, 2013).

Para Taylor, a questão do reconhecimento passa a ser vista como “uma necessidade