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OS DIREITOS HUMANOS COMO MÍNIMO ÉTICO PARA O DIÁLOGO INTERCULTURAL

3 O DIÁLOGO INTERCULTURAL NA SOCIEDADE MULTICULTURAL

3.4 OS DIREITOS HUMANOS COMO MÍNIMO ÉTICO PARA O DIÁLOGO INTERCULTURAL

Vive-se uma época de imensas e constantes transformações no campo do relacionamento humano. No mundo contemporâneo, a consciência de que se está vivendo mudanças profundas, ainda inalcançáveis pela compreensão humana, é uma realidade. Isso ocorre constantemente quando se está a falar de cultura e de interculturalidade, porque, nesse contexto, é enfatizado o aspecto relacional, as interações entre as identidades culturais, entre indivíduos e grupos na busca da eliminação de barreiras e da promoção dos direitos humanos, o que parece, de pronto, um objetivo complexo.

Ao se pensar a complexidade e as dificuldades de convívio entre as diferentes culturas, a teoria de Derrida (2003, p. 109) sobre a hospitalidade responderia a muitas inquietações do mundo contemporâneo ao estabelecer a relação hóspede e hospedeiro, a partir de um movimento solidário em que esses papéis se misturam, se confundem, a ponto de não haver mais hierarquias, imposições ou estranhamentos. Assim, a hospitalidade engendra uma relação de respeito, de “lançar-se ao outro”; engendra a possibilidade de diálogo por meio de um posicionamento de não reverência e submissão ou de dominação do outro.

Assim, hóspede e hospedeiro se beneficiam, e relações de poder são quebradas numa aproximação solidária, numa flexibilização das fronteiras por meio de um movimento de trocas e doações, numa atitude de complementação, de reformulação das relações humanas, substituindo a intolerância e o desrespeito pela negociação e pela solidariedade (Derrida, 2003). Esse é o entendimento de Serres (1990) para quem o homem deverá deixar de ser parasita do outro, devendo estar em simbiose com o outro, já que quem não está em simbiose é um ser abusivo, é um parasita.

Há que se destacar, então, a necessidade de participação do homem como ser que interage com os outros na busca de mudanças e de melhorias. Ou seja, é urgente e necessária a

construção de uma nova postura ética dos seres humanos que verdadeiramente humanize o mundo para que seja outra a essência do homem do futuro. Assim, “os homens do futuro importam porque o homem importa” (JONAS,2006, p. 96) e os direitos humanos importam porque o homem importa também.

Assim, parece que somente quem realmente importa é sempre o homem, o qual, diante dos direitos humanos, encontra-se coagido pelo sentimento de responsabilidade frente ao futuro, relação semelhante à experiência de acertar no centro de um alvo, uma exceção no meio de múltiplas possibilidades de falhar (JONAS, 2006). Por isso que os direitos humanos permanecem no topo da agenda pelo progresso da humanidade, e como bem refere Bobbio “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los” (2004, p. 24).

Desse modo, “a luta dos direitos humanos deve ser aportada como o movimento social contemporâneo de maior força e de maior radicalidade, que enfatiza o direito à diferença e abarca em seu delicado e difícil trabalho filosófico o resgate da memória e da história das vítimas que haviam sido condenadas ao silêncio” (SIDEKUM, 2003, p. 9).

Talvez, bem como diz Jonas (2006), a primeira de todas as responsabilidades humanas seja a de garantir a possibilidade de que haja humanidade futura, sem destruições de qualquer natureza, já que “a existência da humanidade significa simplesmente que vivam os homens. Que vivam bem é um imperativo que segue o anterior” (JONAS, 2006, p. 177). E para que a existência humana tenha sentido e razão de ser, segundo Lucas, os direitos humanos devem constituir-se

como horizonte de sentido para as decisões político-jurídicas preocupadas em proteger um mínimo de igualdade, bem como garantir que as virtudes da diferença possam cumprir o papel de construção de identidade na sociedade global, sem, entretanto, afrontar a reciprocidade moral mínima exigida dessas mesmas diferença (2013, p. 271-272).

Segundo Sousa Santos (2003a), a luta pelos direitos humanos e, em geral, pela defesa e promoção da dignidade humana não é um mero exercício intelectual, é uma prática fruto de uma entrega moral, afetiva e emocional, baseada na incondicionalidade do inconformismo e da exigência de ação. O que só será possível, segundo o autor, a partir de uma identificação profunda com postulados culturais inscritos na personalidade e nas formas básicas de socialização, razão pela qual a luta pelos direitos humanos nunca será eficaz se for baseada em canibalização ou mimetismo cultural.

Nesse sentido, “o mais certo é uma sociedade multicultural incluir uma grande variedade de divergências morais respeitáveis, o que nos dá uma oportunidade de

defendermos os nossos pontos de vista perante pessoas cuja consciência moral nos leva a discordar delas e, assim, de aprendermos com as nossas diferenças” (TAYLOR, 1994, p. 41- 42). Mas é de se ressaltar que algumas diferenças são indignas de respeito, como aquelas atitudes de menosprezo notório para com os interesses dos outros, com a presunção de que outros grupos são inferiores por natureza (TAYLOR, 1994).

Isso quer dizer que nem todos os aspectos da diversidade cultural são dignos de respeito, já que existem algumas diferenças que não devem ser respeitadas (TAYLOR, 1994). Como as que ocorrem, por exemplo, nos casos de infanticídio indígena, no qual o direito universal à vida da criança é desafiado pelos valores culturais indígenas, por meio de rituais de execução em que as crianças são enterradas vivas, enforcadas ou afogadas. Antes de serem indígenas, essas crianças são humanas.

A universalidade dos direitos humanos não tolera todas as formas de particularidades culturais, não podendo prevalecer as demandas de reconhecimento que estejam em desacordo com a moralidade que caracteriza o homem independentemente de qualquer vínculo particular com uma dada cultura, é, antes de qualquer coisa, condição para o desenvolvimento, reconhecimento e tolerância das identidades e das culturas que respeitam as outras e que garantem para os seus integrantes o direito de exercerem sua individualidade (LUCAS, 2013).

Os direitos humanos só terão a possibilidade de efetivação a partir do diálogo intercultural, o qual possui um papel de suma importância na sociedade multicultural, já que há a necessidade do estabelecimento de mínimos éticos a serem seguidos, da defesa dos direitos humanos como mínimo ético para as exceções culturais, essa é a grande razão de ser do direito como fenômeno universal (LUCAS, 2013).

Sousa Santos (2003) propõe a superação do universalismo por meio de diálogos interculturais que focalizem questões isomórficas, isto é, questões que, embora oriundas de universos de sentido diferentes, possam ser convergidas numa unidade valorativa. Para o autor, o diálogo intercultural sobre os direitos humanos, sobre a dignidade humana, deve empenhar-se em estabelecer exigências máximas de dignidade, e não valores mínimos, o chamado “denominador comum”.

Nesse sentido, segundo Lucas (2013) defender os direitos humanos como ponto de partida para o estabelecimento de diálogos interculturais é condição necessária para se apostar em sua capacidade emancipatória. Segundo o autor, para o estabelecimento de uma efetiva universalidade dos direitos humanos, o diálogo intercultural deve visar à identificação nas diferentes culturas, dos traços de humanidade que dizem respeito à existência digna do homem, independentemente da nação, religião ou outro vínculo de pertença (LUCAS, 2013).

Entretanto, segundo Sousa Santos (2003) um dos limites ao diálogo intercultural sempre foi o Ocidente, que durante muito tempo não quis saber de diálogo intercultural e que, de repente, decidiu que ele era preciso. Quanto a isso, Höffe (2000) alerta que é um equívoco negar o fundamento intercultural dos direitos humanos por supor que se reduzem à experiência cultural e política do Ocidente.

Independente dessa discussão, o diálogo intercultural não pode considerar legítimas todas as formas culturais (PANIKKAR, 1990), já que “as próprias bases morais/universais do diálogo estarão inviabilizadas, haja vista que os encontros culturais não impedirão o relativismo de valores e, por conseguinte, a realização de diálogos válidos também entre aquelas culturas que não respeitam a dignidade humana de seus integrantes” (LUCAS, 2013, p. 265). Eberhard (2004, p. 167) propõe um diálogo mútuo, o qual pressupõe que o homem descubra os outros e a si mesmo e que possam construir juntos um futuro comum.

Para Arendt (1987), a pluralidade humana, com as características da igualdade e da diferença, é a condição da existência humana sobre a Terra como seres racionais igualmente humanos, mas cada ser humano apresenta diferenças e variações em seus caracteres individuais que se refletem necessariamente na constante presença e no continuado diálogo com os outros.

Taylor (2004) e Eberhard (2004) destacam a necessidade da sensibilização dos sujeitos envolvidos para a compreensão das diferenças e a formação de consensos sobre as semelhanças que devem fundamentar a universalidade dos direitos humanos. Taylor (2004) busca reconhecer o papel de outros padrões culturais como importantes para os direitos humanos e defende que há determinados parâmetros ocidentais que devem ser passíveis de plena universalização, são valores que mesmo acreditando serem ocidentais, ainda assim, são úteis e legítimos para embasar pretensões de direitos humanos em culturas distintas. O autor busca um modelo de universalização que não resulte em imposição cultural.

O diálogo intercultural parece ser, na atualidade, a alternativa histórica para empreender a transformação dos modos de pensar vigentes (FORNET-BETANCOURT, 1994, p. 19). Um exemplo importante de diálogo intercultural que já se articulou e vem a cada dia mais ganhando força é o Fórum Social Mundial, um evento altermundialista organizado por movimentos sociais de muitos continentes, com objetivo de elaborar alternativas para uma transformação social global. Esse fórum tem como slogan “um outro mundo é possível”. Opõe-se ao Fórum Econômico Mundial e se destaca por ser um novo espaço para a reflexão, voltado para a formulação de alternativas e trocas de experiências em âmbito mundial.

Neste século, em que a globalização e a diversidade cultural são realidades inafastáveis, o diálogo entre as diversas culturas mundiais assume fundamental importância, a fim de promover o respeito e a tolerância pela outra cultura. A tolerância é capaz de permitir o diálogo entre as diferenças e de funcionar como uma espécie de encontro e de responsabilidade com o outro, produzindo entendimentos compartilhados pela identificação de traços comuns nas diversas identidades (LUCAS, 2013).

Entretanto, há que se demarcar os limites da tolerância. Relativamente a isso, Höffe (2000) lembra que a tolerância recíproca das diferenças, antes de representar a aceitação do relativismo de todas as ordens, supõe a liberdade e a dignidade de cada pessoa. Assim, o diálogo intercultural destaca-se, antes de tudo, como uma exigência ética, pois sua agenda de preocupações está centrada nas demandas que perpassam todas as culturas, por meio da definição de uma pauta comum de preocupações que será a base para o diálogo (LUCAS, 2013).

Diante disso, é necessário criar mínimos éticos que regulem as condutas humanas, com base em um consenso mínimo (LUCAS, 2013), uma forma de universalidade moderada, a qual permite que identidades culturais se afirmem, superando o debate entre universalismo e relativismo cultural. Höffe (2000, p. 138) defende a teoria da universalidade moderada que refuta a universalidade uniforme, reconhecendo uma generalidade limitada que não permita o desaparecimento do particular. Nesse sentido, Eberhard entende que

comprometerse en un diálogo intercultural sobre los derechos humanos no debería interpretarse como la adopción de un punto de vista completamente relativista, o como negación de toda universalidad o relevancia de los derechos humanos. Comprometerse en un diálogo intercultural sobre los derechos humanos debería verse como un esfuerzo constructivo, más que destructivo. La cuestión no esta en desconstruir la visión occidental, negando su universalidad, sino en enriquecer este enfoque a través de perspectivas culturales diferentes, con el fin de aproximarnos progresivamente hacia una practica intercultural de los derechos humanos, asi como la apertura de nuevos horizontes para la buena vida de todos los seres humanos (2002, p. 256).

Como abertura para novos horizontes é necessário que os direitos humanos surjam como resultado de uma efetiva tomada de consciência acerca do ser humano e de sua dimensão universal, devendo ser entendidos como o único meio capaz de sugerir validamente os limites do diálogo entre a igualdade e a diferença em uma sociedade multicultural (LUCAS, 2013).

Nem sempre será fácil estabelecer o limite entre o que é respeito à diversidade e o que é violação aos direitos humanos. Para Lucas, reside justamente aí a tarefa dos direitos

humanos, “a de estabelecer os exatos limites da igualdade e de diferença entre os indivíduos e entre as culturas, sem, contudo, negar os aspectos comuns que os identificam na qualidade de sujeitos particulares” (2013, p. 236). Para o autor, os direitos humanos são direitos de todos os humanos, sem exceção, não visam a uniformização, pelo contrário, mediam o limite que comporta seu projeto de universalidade (LUCAS, 2013).

Taylor (1994) focaliza sua atenção para a possibilidade de se alcançar um consenso genuíno e voluntário, um consenso sobre as normas de direitos humanos universais que não tenha de ser forçado, um acordo sobre certas normas capazes de governar o comportamento humano que possa ser justificado pelas diferentes e incompatíveis visões de vida digna.

É preciso alcançar uma universalidade legítima dos direitos humanos, que, de forma alguma, comprometa a diversidade cultura na busca de efetivação dos direitos humanos, até por que o principal entrave entre ambas é a cultura da violência presente em muitas sociedades, o que fere os direitos humanos em seu âmago. Não se pode confundir a universalidade dos direitos humanos com a uniformidade de uma cultura única e universal (BIELEFELDT, 2000, p. 207).

Desse modo, os direitos humanos não podem ser explicados e fundamentados em si mesmos, mas na universalidade que constitui o homem como tal, pretendendo retratar o que é universalmente indispensável ao homem, independentemente de sua identidade cultural (LUCAS, 2013, p. 252-253), até porque, antes de possuir uma identidade cultural, o homem é refém de sua própria condição humana universal (FERNÁNDEZ, 2003).

Segundo Eberhard (2004) todas as culturas partilham de uma condição humana comum, ou seja, de um horizonte comum, que pode e deve ser compartilhado. E por essa razão, segundo Lucas (2013), o apelo à diversidade cultural não pode sufocar a universalidade dos direitos como um todo e a diferença deve ser reconhecida quando a universalidade for homogeneizadora e ser posta contra uniformizações expropriadoras.

Nesse viés, ninguém pode invocar a diversidade cultural para fragilizar os direitos humanos, garantidos pelo Direito Internacional, nem para limitar seu alcance (UNESCO, 2002). Assim, embora todas as culturas sejam importantes e devam ser igualmente respeitadas entre si, uma cultura de direitos humanos que pretenda ser universal não pode aceitar como adequadas aquelas culturas que desconsideram a dignidade humana e a liberdade de seus integrantes (LUCAS, 2013). Para Taylor (1994), há um núcleo de direitos fundamentais que não são passíveis de negociação, embora sobre eles seja possível construir várias interpretações.

Os direitos humanos se fundamentam no reconhecimento do outro, na diversidade, e são entendidos como patrimônio comum da humanidade (UNESCO, 2002). Dessa forma, opor-se aos direitos humanos em nome do multiculturalismo, é, de certa forma, negá-los. Sendo assim, para garantir a diversidade um acordo básico deve ser cumprido: ao menos o de que todos precisam respeitar as diferenças. Assim, em nome da “reivindicação por identidade não pode chegar ao ponto de depreciar ou de negar o outro, de olvidar a moralidade dos direitos humanos que são tidos como essenciais e próprios da condição humana universal” (LUCAS, 2013, p. 251).

Para Höffe (2000, p. 62) possui importância global a possibilidade de exigir das sociedades, mesmo que distintas, o cumprimento de obrigações comuns, sujeitando-as a um conjunto de obrigações jurídicas. Logo, a universalidade dos direitos humanos é de direito e não de fato, “suas exigências permanecem intactas mesmo quando na prática as comunidades particulares não os cumprem” (LUCAS, 2013, p. 247).

Barreto (1997) acentua que os direitos humanos encontram-se, na contemporaneidade, em situação paradoxal. De um lado, proclama-se em diversos textos legais um número crescente de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais que constituem a afirmação mais acabada da crença do homem na sua própria dignidade; por outro lado, esses mesmos direitos transformam-se em ideais utópicos, à medida que são sistematicamente desrespeitados.

Com isso, a luta volta-se para a busca de proteção a fim de construir “uma cultura dos direitos que recorra, em seu seio, à universalidade das garantias e ao respeito pelo diferente” (HERRERA FLORES, 2004, p. 365), por meio da interação entre as diversas tradições produzidas no contexto social, visando ao enriquecimento recíproco. Mas, como bem refere Sidekum, “somos uma civilização fracassada pela morte das utopias e pelos enormes equívocos morais existentes entre o discurso ideal e a práxis na vida real” (2003, p. 237).

Segundo Aragão (2004), a luta por direitos humanos traz em seu bojo o processo de humanizar o homem e de reconhecer que a condição de ser humano precisa ser respeitada, favorecendo a proteção e afirmação de direitos para todos aqueles que se veem em situação degradante diante de sua humanidade. Desse modo, os direitos humanos tem o dever de questionar todas as formas de exercício que, porventura, sejam denegatórias da própria condição humana enquanto tal (LUCAS, 2013).

Herrera Flores (2004) considera que os direitos humanos pugnam por inserir os seres humanos no circuito de reprodução e manutenção da vida, permitindo abrir espaços de luta e reivindicação. Segundo Barreto (1997) referem-se a situações sociais, políticas e culturais que

se diferenciam, significando muitas vezes manifestações emotivas face à violência e à injustiça. Diante desse cenário, a função dos direitos humanos é permitir que todos os seres humanos, em igualdade de condições, possam acessar o mundo com liberdade e dignidade, independente de seus vínculos de pertença (LUCAS, 2013).

Assim sendo, não se está vivendo o fim da história nem mesmo o princípio do fim, mas o limiar de outra grande transformação: as forças globais descontroladas e seus efeitos cegos e dolorosos devem ser postas sob o controle popular democrático e forçadas a respeitar e observar os princípios éticos da coabitação humana e da justiça social. Desse modo, é possível estar razoavelmente seguro de que o teste pelo qual essas formas terão de passar para poderem cumprir o papel pretendido será o de elevar as identidades ao nível mundial, ao nível da humanidade (BAUMAN, 2005).

Em razão dessa humanidade, os direitos do homem como tal cobram o respeito recíproco entre as culturas, as quais não poderão negociar a validade e a abrangência de ditos direitos em favor de interesses comunitários. Reside justamente aí o problema, em práticas culturais que aviltam, que impõem um comportamento indesejado para um parcela dessa mesma cultura, funcionando como mecanismo de poder e de autoridade hierárquica, um exemplo importante refere-se à cultura indígena como se fosse visto mais índio no homem do que homem no índio, sem perceber que há um homem atrás do índio (LUCAS, 2013).

E assim, de que forma a humanidade se tornará sensível à percepção da diferença sem perder a noção de que o homem compartilha de uma mesma condição humana? Para Eberhard (2004) o diálogo intercultural é a ferramenta mais importante para o autoconhecimento e conhecimento dos outros, é o instrumento capaz de descobrir o que a humanidade tem em comum e de ampliar a janela pela qual se olha o mundo e se busca compreender a vida.

Na verdade, “nosso mundo contém, em realidade, vários mundos. Quem poderá ignorar que o mundo é um grande mestiço, a não ser aquele que nunca saiu de seu lugar, ainda que tenha viajado e visitado outras regiões?” (ZAOUL, 2003). Assim, imprime-se uma caminhada que concentre a humanidade num vértice comum, estabelecendo mínimos éticos a serem seguidos, fundamentados em parâmetros mundiais de reconhecimento universal dos direitos humanos.

É preciso estabelecer um novo paradigma no entendimento sobre a questão do reconhecimento das identidades culturais, já que defender o reconhecimento à diferença para Lucas, “é defender o encontro do homem com ele mesmo, a busca do indivíduo por seu lugar no mundo” (2013, p. 273). E assim, “a presença humana no mundo não é unicamente uma consequência da natureza, mas uma práxis que a determina e transforma. O ser humano

transforma e ao transformar cria o mundo em que vive e se transforma e se recria a si mesmo” (CALDERA, 2003, p. 365). Daí a importância do reconhecimento e valorização da diversidade.

Enquanto as múltiplas identidades culturais postulam o direito de manifestarem sua especificidade, os direitos humanos entendidos como universais devem tutelar apenas as diferenças que não sufoquem sua missão de garantir a todos os homens os direitos necessários ao exercício de sua liberdade e autonomia (LUCAS, 2013). O reconhecimento da diferença tem-se transformado numa categoria imprescindível na sociedade democrática contemporânea.

Para Cançado Trindade (1991) se cada pessoa reconhecesse as demais como seus semelhantes, se cada um tratasse os próximos como iguais, com o respeito que ensinam todos os credos, já não haveria como pretender contrapor ‘particularismos’ à universalidade dos direitos humanos, já não haveria lugar para a discórdia. Embora se trate de uma lição de praticamente todos os credos, assinala Leonardo Boff (2002) que ela costuma ser aplicada tão-somente em relação aos membros mais próximos culturalmente.