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A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DO DIREITO HUMANO À DIVERSIDADE

Diante “do flagelo da Segunda Guerra Mundial, emerge a necessidade de reconstrução do valor dos direitos humanos como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional” (PIOVESAN, 2009, p. 27). Assim, no período pós Segunda Guerra, com a democratização do direito internacional e com o surgimento da ONU acentuaram-se as limitações da soberania do Estado-nação. A soberania passou a ser relativa pela subordinação do Estado-nação à ordem jurídica internacional, sendo instituídas obrigações e

responsabilidades quanto à garantia de direitos às pessoas sujeitas à sua jurisdição. Ou seja, o Estado passou a ter o dever de respeitar os direitos humanos dos seus cidadãos.

Numa concepção contemporânea, na qualidade de “reivindicações morais, os direitos humanos nascem quando devem e podem nascer” (PIOVESAN, 2009, p. 119), não nasceram todos de uma vez, nem de uma vez por todas (BOBBIO, 2004). Assim, não são um dado, mas uma construção, uma invenção humana em constante processo de construção e reconstrução (ARENDT, 1979), compondo-se numa racionalidade de resistência, na medida em que traduzem processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana, invocando uma plataforma emancipatória voltada à sua proteção (FLORES, 2004).

No pós-guerra houve o surgimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos e “seu desenvolvimento pode ser atribuído às monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler e à crença de que parte dessas violações poderia ser prevenida, se um efetivo sistema de proteção internacional de direitos humanos existisse” (PIOVESAN, 2009, p. 27). Posteriormente, surgiram organismos e documentos internacionais de proteção aos direitos humanos, como se deu com a criação da ONU em 1945 e posteriormente, em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Foi necessária a criação de outros dois documentos internacionais pela ONU, em 1966: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, os quais significaram uma abertura para que começasse a incluir, sistematicamente, questões relativas ao reconhecimento de direitos culturais na agenda internacional dos direitos humanos. Nesse viés, o paradigma contemporâneo dos direitos humanos encontra-se engajado às questões relacionadas à diversidade cultural, isso por que “na contemporaneidade, de fato, a cultura importa e parece fazer toda diferença” (VIEIRA, 2009, p. 16).

E na contemporaneidade o reconhecimento de direitos culturais importa porque devido a interação cultural com o avanço do processo de globalização, o mundo humano ficou menor nas suas relações de alcance geográfico, mas extremamente complexo na sua articulação histórica, estruturação econômica e dimensão política (SIDEKUM, 2003, p. 249).

E ainda, no decorrer da história, o homem teve sua existência marcada por instabilidades e mazelas, o que acabou abalando a crença em seu semelhante, dando azo a uma nova consciência coletiva, capaz de abrir o debate acerca da possibilidade de efetiva proteção do direito à diversidade. Assim, “a expansão e a generalização da proteção internacional dos direitos humanos também possibilitaram que se voltasse a atenção aos

direitos atinentes a distintas categorias de pessoas protegidas, tidas como necessitadas de proteção especial” (CANÇADO TRINDADE, 1991, p. 39).

Nesse cenário, a proteção do direito à diversidade ganhou destaque em âmbito internacional. Se na Modernidade triunfante o Estado-nação atuou longamente como o principal agente ordenador da vida social, uniformizando e homogeneizando temporalidades, gestos e falas. Na contemporaneidade a esfera cultural parece assumir um lugar cada vez mais central na organização da vida em sociedade. Nesse sentido, torna-se o palco privilegiado onde se travam as lutas de afirmação das identidades e de reconhecimento das diferenças e se ergue a bandeira em nome da diversidade das expressões culturais (VIEIRA, 2009).

No desabrochar do século XXI, o papel das organizações internacionais ganhou merecido destaque, auferindo dimensões a cada dia mais complexas diante da sociedade multicultural. Dentre as organizações internacionais que trabalham com a finalidade de proteger a diversidade cultural, é possível destacar a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, fundada em 16 de novembro de 1945.

O ato constitutivo da UNESCO, elaborado em novembro de 1945, contou com um comitê de redação com representantes da França, da Índia, do México, da Polônia, do Reino Unido e dos Estados Unidos (SILVA, 2012). Embora as tentativas de criação de uma organização internacional voltada para as questões referentes à educação e à cultura tenham- se mostrado uma necessidade desde o início do século XX, foi somente no ano de 1945 que tal organização foi constituída, com sede em Paris e com claro objetivo de propagar, pela educação e pelo desenvolvimento cultural e científico, a proteção aos direitos humanos e às liberdades fundamentais (SEITENFUS, 1997).

Entretanto, é possível afirmar que a UNESCO tem sua origem ainda no tempo da Liga das Nações, que criou uma comissão, em 21 de setembro de 1921, para estudar a questão da educação e da cultura, trabalho este que, no entanto, foi interrompido com a Segunda Guerra Mundial. A criação da UNESCO teve como finalidade a atuação como braço da ONU (SILVA; MACHADO; ARAÚJO, 2006), muito embora se caracterize como uma organização internacional autônoma (SEITENFUS, 1997).

Assim, a UNESCO desponta como uma organização internacional, sem vinculação a qualquer Estado-nação, objetivando a ascensão da educação, da cultura, da ciência e da tecnologia por considerar esses temas imprescindíveis para o desenvolvimento dos Estados- nação e, consequentemente, para a manutenção da paz mundial. Na contemporaneidade, esse organismo internacional exerce papel de fundamental importância na proteção dos direitos

humanos por ser responsável pela influência a outras instituições internacionais em torno do debate acerca da diversidade cultural.

Aliás, foi a UNESCO que capitaneou as discussões realizadas em âmbito mundial no que diz respeito a um conjunto de ações e propostas de regulamentação, definição e normatização da categoria cultura, devido às profundas transformações ocorridas no final do século XX (ALVES, 2010). Essa organização internacional se destaca pelo papel de criadora e narradora de valores internacionais, em escala planetária, na esfera cultural (VIEIRA, 2009), atuando na criação de condições para o diálogo entre as civilizações, culturas e povos, com base no respeito aos valores comuns e acreditando que o mundo poderá alcançar visões globais que suponham a observância dos direitos humanos e do respeito mútuo.

A renovação dos desafios trazidos pela diversidade cultural desde a criação da UNESCO fez com que essa organização buscasse garantir uma interação harmoniosa entre pessoas e grupos com identidades culturais plurais. Dentre os documentos internacionais adotados pela UNESCO é possível destacar a Declaração sobre os princípios de Cooperação Cultural Internacional, de 1966; a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, de 1972; a Recomendação sobre a Participação dos Povos na Vida Cultural, de 1976; e a Declaração de Princípios sobre a Tolerância em 1995.

É possível destacar a importância ainda mais significativa da Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural de 2002, a qual, em seu artigo 1°, elevou a diversidade cultural ao patamar de patrimônio comum da humanidade, devendo ser reconhecida e afirmada em benefício das gerações presentes e futuras (UNESCO, 2002).

A Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural de 2002, aprovada por 185 Estados-Membros em 2001, representa um importante instrumento de definição de padrão internacional destinado a preservar e promover a diversidade cultural e o diálogo intercultural. É inovadora, pois ao mesmo tempo em que afirma os direitos das pessoas pertencentes às minorias à livre expressão cultural também observa que ninguém pode invocar a diversidade cultural para infringir os direitos humanos nem limitar o seu exercício (UNESCO, 2002).

A Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural é composta por 12 artigos e entre os destaques da declaração é possível salientar o reconhecimento do alto grau de diversidade cultural do mundo e a promoção da diversidade cultural à categoria de patrimônio comum da humanidade, caracterizando os grupos e as sociedades que compõem a humanidade por sua originalidade e pluralidade de identidades.

Também é importante mencionar a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais e Artísticas de 2005ao prever que a diversidade cultural é uma característica essencial da humanidade e constitui-se como patrimônio comum da humanidade, que deve ser valorizado e preservado em proveito de todos, enaltecendo a importância da diversidade cultural para a plena realização dos direitos humanos e liberdades fundamentais proclamados na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e outros instrumentos universalmente reconhecidos (UNESCO, 2005).

Essa Convenção da UNESCO reforça o dever dos Estados soberanos que o ratificarem de adotar e implantar políticas e medidas para a proteção e a promoção da diversidade cultural em seus territórios. Anunciou também a preocupação de proteger e promover a diversidade das expressões culturais e de integrar a cultura como elemento estratégico nas políticas nacionais e internacionais de desenvolvimento (SILVA, 2012).

Por meio da adoção desse instrumento internacional, a UNESCO consagra uma nova visão de mundo acerca do tema da proteção e promoção da diversidade cultural, e acaba contribuindo para emoldurar um específico horizonte hermenêutico que será incorporado e reproduzido por uma diversificada gama de agentes e para a criação de novas realidades sociais (VIEIRA, 2009).

Em 2009, a UNESCO adotou outro instrumento internacional, o Relatório Mundial Investir na Diversidade Cultural e no Diálogo Intercultural, em face da dinâmica da globalização e da internacionalização da proteção dos direitos humanos. Para a realização desse estudo, a UNESCO contou com especialistas do mundo todo, buscando demonstrar a importância da diversidade cultural, de sua proteção e promoção para a efetivação dos direitos humanos. Esse rol de documentos internacionais complementam efetivamente o conjunto de instrumentos jurídicos adotados pela UNESCO para promover a diversidade cultural.

A atuação da UNESCO se “intensifica na aurora do século XXI, acompanhando a tendência da centralidade que a questão cultural passou a ocupar na contemporaneidade” (VIEIRA, 2009, p. 29), isso por que o mundo contemporâneo se caracteriza pela multiplicação de interações, não somente no plano econômico, mas também na esfera política e cultural, o que promove uma reorganização de tempo e espaço nas relações sociais, afetando a própria representação de mundo (GIDDENS, 1991).

A atuação dos organismos internacionais extrapolam a relação diplomática de cooperação entre os Estados para atingir, na contemporaneidade, uma perspectiva mais ampla, um arco de atuação em escala planetária, reinventando ideias e produzindo novas

subjetividades (CASTELLS, 1999), como o papel assumido pela UNESCO na seara da cultura.

No Brasil, a Representação da UNESCO foi estabelecida em 1964, com as suas atividades iniciadas em 1972. Assim, quanto “a posição do Brasil em relação ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos, observa-se que somente a partir do processo de democratização do País, deflagrado em 1985, é que o Estado brasileiro passou a ratificar relevantes tratados internacionais de direitos humanos” (PIOVESAN, 2009, p. 35).

O pleno respeito aos direitos humanos exige a proteção da diversidade cultural, tal como define o artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e os artigos 13 e 15 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que se constituem um sistema global de proteção aos direitos humanos. No intuito de complementação, paralelamente ao sistema global, muitos continentes, como a Europa, África e América, criaram sistemas regionais de proteção aos direitos humanos, cobrindo três partes do mundo. Os três sistemas regionais de direitos humanos fazem parte de sistemas de integração regional. No caso da África, é a União Africana – UA; nas Américas é a Organização dos Estados Americanos – OEA; e na Europa é o Conselho da Europa - CE.

Para a Organização dos Estados Americanos - OEA o “instrumento de maior importância no sistema interamericano é a Convenção Americana de Direitos Humanos” (PIOVESAN, 2009, p. 67), de 1969, o qual reconhece e assegura um catálogo de direitos civis e políticos semelhante ao previsto pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Em 1999, a OEA adotou um protocolo adicional à Convenção, concernente aos direitos sociais, econômicos e culturais, conhecido como Protocolo de San Salvador (PIOVESAN, 2009). Outro sistema regional de destaque na proteção aos direitos humanos é o sistema europeu, que tem como órgão o Conselho da Europa – CE, fundado em 1949. Constitui a base legal desse sistema a Convenção para a proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais de 1953, além de outros instrumentos específicos desse sistema.

O terceiro sistema regional de proteção internacional dos direitos humanos, o sistema africano, foi consolidado com a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos em 1981, conhecida como Carta de Banjul, no seio da Organização de Unidade Africana - OUA, atualmente chamada de União Africana – UA. Esse sistema regional “reporta-se às tradições históricas e aos valores da civilização africana” (HERKENHOFF, 1997, p. 21), corroborando os princípios da Declaração Universal de 1948 e reconhecendo que “é o respeito aos direitos dos povos que vai assegurar a garantia dos direitos humanos” (HERKENHOFF, 1997, p. 21).

Assim, o Direito internacional dos Direitos Humanos tem diferentes níveis, o sistema global e os sistemas regionais, para a proteção inclusive dos direitos dos povos, para a proteção da diversidade cultural. Se os direitos do indivíduo ou das comunidades são violados, sua proteção pode se dar pelos dois sistemas, para as partes do mundo em que existirem o sistema regional.

O sistema global é potencialmente aplicável a todos. Logo, a existência de sistemas regionais de direitos humanos permite a adoção de mecanismos de proteção de suas diferenças, que se incorporam melhor com as particularidades locais, com as realidades específicas de cada cultura do que o sistema de proteção universal, o qual visa à proteção geral.

Na contemporaneidade, vivencia-se um momento ímpar no âmbito dos debates internacionais sobre a diversidade cultural, não restando dúvidas acerca da importância dos organismos internacionais para a sua proteção e promoção, já que atuam no sentido de reforçar, reafirmar e estimular políticas concretas de proteção e promoção da diversidade em âmbito nacional, nos Estados-nação.

Nesse sentido, a diversidade cultural tem grande importância no cenário atual, já que é possível identificar uma variedade enorme de culturas diferentes no seio das sociedades contemporâneas, despontando uma intensa preocupação com os direitos coletivos, inclusive com o direito à diversidade cultural.

Os direitos coletivos culturais, no entanto, carecem ainda de maior efetivação. O direito, ao longo da história, sempre fora concebido de uma maneira individual e patrimonialista devido à concepção individualista do próprio homem. Contemporaneamente, o direito vem-se modificando, passando de uma concepção individualista para uma perspectiva de fortalecimento e consagração de direitos coletivos.

Nessa perspectiva, surgiu a necessidade de proteção dos direitos coletivos, contrapondo-se ao direito individual, e permitindo uma visão jurídica diferenciada, realmente capaz de proporcionar emancipação e justiça social. A proteção e o reconhecimento da diversidade cultural é, sem sombra de dúvidas, uma face dessa mudança de enfoque do direito, passando do individual para o coletivo.

Assim, emergiu no seio das sociedades modernas inúmeras reivindicações por reconhecimento cultural, por direitos culturais, isso por que essas reivindicações encontram amparo nas democracias contemporâneas (HABERMAS, 2002), já que, o ideal de justiça vai muito além e perpassa a busca pela igualdade formal, incorporando também o respeito à diversidade, à diferença.

O direito humano à diversidade constitui-se num princípio básico da democracia. É impossível existir democracia substantiva inexistindo a diversidade cultural, já que esta diz respeito à variedade e à convivência de ideias, características ou elementos diferentes entre si, existentes entre os grupamentos humanos. O seu reconhecimento desponta como um imperativo ético, indicando o caminho a ser seguido no compromisso de respeito aos direitos humanos.

A cultura, ao ser considerada a identidade própria de um grupo humano em um território e num determinado período, institui que o reconhecimento dos direitos culturais é o reconhecimento dos próprios direitos humanos. Nesse contexto, a proteção do direito à diversidade é de extrema importância tendo em vista que a cultura não é apenas um ornamento da existência humana, mas uma condição essencial para ela, já que não existe natureza humana independente de cultura (GEERTZ, 2008).

A sociedade brasileira é eminentemente rica em manifestações e expressões culturais, caracterizando-se por ser uma sociedade pluriétnica e multirracial. Certamente é possível afirmar que a diversidade cultural brasileira é incalculável, principalmente no que se refere às chamadas comunidades tradicionais. Assim, o reconhecimento e a promoção da diversidade manifestam-se como pontos fundamentais para a construção da democracia brasileira, uma vez que não existe democracia substantiva sem diversidade.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 pode ser considerada o marco basilar do processo de institucionalização dos direitos humanos, inclusive do direito humano à diversidade. A sociedade brasileira, por meio de sua Carta Magna, se intitula pluralista, sem preconceitos, fundada na harmonia social e prescreve ao Estado ações diretivas e exigências voltadas à efetiva garantia dos valores fundamentais tidos como superiores pela sociedade, incluindo o respeito à diversidade cultural.

Desse modo, ao estudar o processo constituinte de 1987/1988, Pacheco aduz que a Constituinte tornou-se “um espaço de compreensão da sociedade brasileira; e compreensão de sua História e de suas questões sociais, no sentido mais amplo; de compreensão de seus valores, materiais e imateriais; enfim, de sua cultura ou, melhor dito, de sua multiculturalidade” (2005, p. 93).

O art. 3º da Constituição Federal de 1988 elege como objetivos fundamentais do Brasil, entre outros, a promoção do bem de todos, “sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras forma de discriminação”. É por esta mesma linha que ao se objetivar no texto constitucional os direitos e garantias fundamentais, se estabeleceu no caput e incisos do artigo 5° a igualdade de todos perante lei, sem distinção de qualquer natureza,

assegurando-se a liberdade de consciência, de crença e de expressão, sujeitando a prática discriminatória às sanções legais.

O artigo 215, §1º da Constituição Federal brasileira traz importante expressão de proteção da diversidade cultural. Segundo este texto, o “Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional” (SILVA, 2008, p. 806). É de grande relevância notar que a exigência de proteção importa igualmente a exigência de “ações positivas no sentido de defender a existência, a valorização e a difusão dessas culturas especiais” (SILVA, 2008, p. 806). O reconhecimento constitucional do direito à diferença é um claro abandono da política assimilacionista/integracionista do Estado, que visava à incorporação das culturas minoritárias na sociedade nacional.

Corroborando com tais proteções a Constituição Federal de 1988 também previu para o processo educacional o respeito à diversidade cultural, no seu artigo 210, tanto assim que pela Lei nº 11.645/08, em seu artigo 26-A, torna obrigatório nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, o estudo da história e da cultura afro- brasileira e indígena, incluindo diversos aspectos que caracterizam a formação da população brasileira a partir desses dois grupos étnicos.

Um novo cenário social parece despontar, dinamizado, no qual antigos e novos atores, velhas e novas regras se misturam e interagem, apontando para novos espaços de poder, cujas fronteiras, regras e lógicas se encontram pouco definidas e delimitadas (BECK, 2003). Diante do paradigma imposto por esse novo cenário social, é inegável o desafio que a proteção universal dos direitos humanos frente à diversidade cultural impõe.

Jamais se viveu ao longo do tempo um momento histórico em âmbito planetário tão efêmero, perplexo, instável e tão cheio de vicissitudes como na atualidade. Por um lado, porque é possível vislumbrar nesse século alguns progressos, embora por vezes tímidos, na defesa dos direitos humanos; por outro lado, porque tanto num passado remoto quanto na atualidade é perceptível e incômoda a constante violação aos direitos humanos. Na atual conjuntura, desponta como necessário o reconhecimento da diversidade frente ao atual paradigma dos direitos humanos, conquanto seja prudente e necessário considerar que existem valores universais e compartilhados pela humanidade.

E nesse “mundo misturado” (GUIMARÃES ROSA, 2001), riquíssimo em diversidade cultural, a questão maior deve ser sempre a alteridade: o outro que se mostra com suas singularidades, com suas diferenças, “tornando a questão da diferença quase inescapável quando o mundo passa a se perceber múltiplo” (VIEIRA, 2009, p. 18). Nesse diapasão, a

diversidade cultural apresenta-se envolta na difícil tarefa de entender que as diferenças devem ser pensadas como condição de pluralidade do homem, portanto como um elogio à condição humana.

A diversidade exige do homem um olhar que capte o outro na sua singularidade, isso porque, afinal “que é o homem? a sua simples formulação já postula a singularidade eminente deste ser, capaz de tomar a si mesmo como objeto de reflexão” (COMPARATO, 2013, p. 3), expressando sua capacidade de ter consciência de si, mas ao mesmo tempo sua incompetência para compreender a si mesmo e sua intrínseca relação com o seu semelhante e com o mundo. Dado que essa “a relação com o mundo é uma relação de presença no mundo, de estar no mundo, no sentido de pertencer ao mundo, de ser possuído por ele” (BOURDIEU, 2001, p. 172).

E nessa relação com o mundo, o homem “só sabe bem aquilo que não entende” (GUIMARÃES ROSA, 2001, p. 394); ainda está à procura de ser verdadeiramente humano, porque ele ainda não o é. Assim, o homem desponta no mundo como uma possibilidade em