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3 O DIÁLOGO INTERCULTURAL NA SOCIEDADE MULTICULTURAL

3.1 MULTICULTURALISMOS: NOS PASSOS DE DIVERSOS CONCEITOS

O multiculturalismo é uma realidade inegável. A temática do multiculturalismo já alcançou um elevado nível na discussão acadêmica (SIDEKUM, 2003) e proliferou-se no mundo inteiro. Apesar de o termo ser utilizado universalmente, sua propagação não significa que sua definição seja esclarecedora, entretanto, devido a falta de conceitos menos complexos e mais explicativos sua não utilização jamais esteve em questão (HALL, 2003).

O multiculturalismo pode ser considerado como “a resposta mais comum dada em nossos dias pelas classes ilustradas e formadoras de opinião para a incerteza do mundo sobre os tipos de valores que merecem ser apreciados e cultivados, e sobre as direções que devem ser seguidas com férrea determinação” (BAUMAN, 2003, p. 112). Nesse cenário, também pode revelar os paradoxos da contemporaneidade, ao exigir que seus postulados de universalidade, de igualdade e de justiça sejam estendidos para todas as formas de manifestação cultural (SEMPRINI, 1999).

O multiculturalismo está enraizado no processo histórico de formação de muitos países, os quais passaram por um processo de colonização seguido de um processo de assimilação forçada e de eliminação da identidade dos habitantes das terras “descobertas”, o que ocorreu com muitas culturas brasileiras. No Brasil, sempre existiram conflitos inter étnicos. No início da colonização brasileira, a situação muda completamente quando entra no conflito um novo tipo de contendor, que é o dominador europeu e os novos grupos humanos que ele vai aglutinando, avassalando e configurando como uma macroetnia expansionista (RIBEIRO, 1996). Assim, é possível perceber, já no princípio da história da colonização brasileira, a imposição e a opressão de uma cultura sobre a outra na busca pela homogeneidade cultural (SPAREMBERGER, 2010).

Para Munanga (1999) o processo de formação da identidade brasileira recorreu aos métodos eugenistas,visando ao embranquecimento da sociedade. Caso esse processo tivesse sido hipoteticamente completado, a realidade racial brasileira teria sido outra. Assim, no lugar de uma sociedade totalmente branca e ideologicamente projetada, nasceu uma nova sociedade, uma sociedade plural, constituída de mestiços, negros, índios, brancos e asiáticos, cujas combinações em proporções desiguais deram ao Brasil seu colorido atual (MUNANGA, 1999).

Assim, “a formação étnica brasileira, assim como a dos outros países latino- americanos, é muito rica e variada” (SPAREMBERGER, 2010), muito embora, esteja marcada pela eliminação física do “outro” ou por sua escravização, formas violentas de negação de sua alteridade (CANDAU, 2005, 13, p.14), principalmente no que se referem às

chamadas comunidades tradicionais, aos “grupos diferenciados sob o ponto de vista cultural, que reproduzem historicamente seu modo de vida” (DIEGUES; ARRUDA, 2001, p. 27).

As comunidades tradicionais brasileiras são indígenas, quilombolas, seringueiros, caiçaras, pescadores artesanais, jangadeiros, pantaneiros, cablocos/ribeirinhos amazônicos, sertanejos/vaqueiros, entre outros. Para Léna (2002), muito embora as populações indígenas se destaquem como o exemplo mais expressivo de comunidade tradicional brasileira, elas se destacam como as populações que não conseguiram vender sua imagem e afirmar politicamente sua identidade.

Mesmo com as tentativas assimilacionistas, com o intenso massacre sofrido pelos povos indígenas e apesar de terem sido praticamente dizimados desde que foram “descobertos” pelos europeus, o que se constata é que eles são, na verdade, “livres” para viver sua cultura, para ter seu direito próprio, para se relacionar de maneira diferenciada com a biodiversidade e para seguir sua história e reafirmar sua força e importância como cultura (SPAREMBERGER, COLAÇO, 2011).

As lutas por reconhecimento e defesa da identidade das comunidades tradicionais brasileiras, são exemplos de busca pela validação de um passado e de uma história vivida em meio a opressões e tentativas assimilacionistas, e conduzem à necessidade de ampliação do espaço social, à redefinição do conceito de cidadania e democracia (SPAREMBERGER, COLAÇO, 2011). No Brasil, com sua multiculturalidade, desponta a necessidade de reconhecimento e valorização das comunidades tradicionais, já que existem, segundo o Censo Demográfico do IBGE de 2010, mais de 300 etnias indígenas, com aproximadamente 900 mil indígenas no Brasil. De acordo com a Fundação Cultural Palmares, do Ministério da Cultura, são mais de 3.500 comunidades quilombolas, além de o Brasil ter a maior população negra fora da África, sendo a segunda maior do planeta.

Para a caracterização das comunidades tradicionais, é necessário que seus membros se reconheçam como membros de uma cultura, de um grupo social, com identidade diferenciada da população nacional. De igual forma é importante o reconhecimento do outro, o que acaba por influenciar na luta pela afirmação da identidade cultural (TAYLOR, 1994). A cultura é, em sua definição mais simples, a luta contra a uniformidade, um processo social construído sobre a interceptação entre o universal e o particular (SOUSA SANTOS, 2002).

Nas comunidades tradicionais, o conhecimento é definido como o conjunto de saberes e práticas a respeito do mundo natural e sobrenatural transmitido oralmente de geração em geração por meio da cultura. Assim, um dos critérios mais importantes para a definição das

populações tradicionais, além do modo de vida, é o de reconhecer-se como pertencente àquele grupo social particular (DIEGUES; ARRUDA, 2001).

É importante ressaltar que o Brasil é um país multicultural, e uma das principais características da cultura brasileira é a diversidade. É possível referir que o processo de interação cultural brasileiro teve início com o processo de imigração, em 1530. Assim, o encontro entre colonizadores e colonizados se deu com a imposição do padrão civilizatório daqueles que invadem o território e subordinam os povos locais. Isso ocorreu com os imigrantes portugueses, os quais deram início à colonização do país, impondo seu modelo de colonização aos povos indígenas e, depois, introduziram o sistema escravista como modo de produção e de organização social, quando da chegada ao país dos africanos. O processo de colonização intensificou-se a partir de 1818 quando da vinda para o país de imigrantes suíços, alemães, eslavos, turcos, árabes, italianos, japoneses, entre outros, formando assim, o pluralismo cultural, o multiculturalismo brasileiro.

Quando se fala em diversidade cultural, é comum relacioná-la aos conceitos de pluralismo, multiplicidade, heterogeneidade e aos termos raça, identidade e diferença, direcionando-se para a noção de multiculturalismo. Entretanto, é preciso chamar a atenção para a diferenciação entre a diversidade cultural e multiculturalismo. A primeira não abarca necessariamente a política de tratamento em pé de igualdade das diferentes culturas que se encontram num dado território geográfico; já o segundo possui a tendência de reconhecer a igualdade de valor intrínseco de cada cultura (D’ADESKY, 2005).

Gonçalves e Silva (1998) destacam que o multiculturalismo é uma estratégia política de reconhecimento e de representação da diversidade cultural, não podendo ser concebido dissociado dos contextos das lutas dos grupos culturalmente oprimidos, pois contempla as diferenças culturais existentes. Touraine (1998a) refere que o multiculturalismo pode ser visto como um nacionalismo agressivo, que supõe a fragmentação do mundo em espaços culturais que idealizam a homogeneidade, a unidade de uma cultura.

Para Touraine, “o multiculturalismo não é nem uma fragmentação sem limites do espaço cultural, nem um melting pot cultural mundial: procura combinar a diversidade das experiências culturais com a produção e a difusão de massa dos bens culturais” (1998a, p. 224-225). Diante desse caldeirão de culturas, dessa mistura de culturas mundiais Touraine (1998a) considera o multiculturalismo como a resposta política a essa realidade, capaz de reconhecer as singularidades de cada cultura, ampliar o diálogo e o respeito entre as diversas formas de manifestação cultural. Surge intensa discussão acerca do significado dos termos “multiculturalidade” e “multiculturalismo”. Assim, para Canclini,

a multiculturalidade, ou seja, a abundância de opções simbólicas, propicia enriquecimentos e fusões, inovações estilísticas mediante empréstimos tomados de muitas partes. O multiculturalismo, entendido (...) como exaltação indiferenciada das realizações e misérias daqueles que compartilham a mesma etnia ou o mesmo gênero, entrincheirando-se no local sem problematizar sua inserção em unidades sociais complexas de ampla escala (2009, p. 27).

Há quem sustente que a multiculturalidade pode indicar somente a coexistência de diversas culturas na mesma sociedade, sem apontar para uma política de convivência. Nesse sentido, ele apenas suporia a aceitação do heterogêneo (CANCLINI, 2009). O multiculturalismo, por sua vez, pode implicar reivindicações e conquistas em nome das minorias, como negros, índios, mulheres, homossexuais, entre outras, visando resistir à homogeneidade cultural. Assim, parece que a multiculturalidade caminha no sentido do reconhecimento da heterogeneidade cultural, enquanto o multiculturalismo, no sentido de resistência a qualquer tentativa de homogeneização cultural.

De acordo com Hall (2003), a multiculturalidade refere-se a uma sociedade em cujo interior convivem comunidades culturais distintas e, consequentemente, aos entraves governamentais que surgem devido a essa convivência. Em outras palavras, o termo multicultural significa que a sociedade é culturalmente heterogênea, indo de encontro com o Estado-nação moderno, que se pretende homogêneo. Assim, “nossa atualidade é marcada por uma era de incertezas de âmbito universal. Esta incerteza refere-se aos constantes processos de possibilidade de fracassos na governabilidade do bem comum” (SIDEKUM, 2003, p. 256).

Já o termo multiculturalismo, segundo Hall (2003), poderia ser definido como as estratégias utilizadas pelo Estado para solucionar os entraves surgidos devido ao fato da sociedade ser multicultural, ou seja, constitui-se na resposta política frente à realidade da diversidade cultural, resultado de uma série de mudanças decisivas. Assim, em relação à multiculturalidade e ao multiculturalismo, os termos hoje são interdependentes, de tal forma que é praticamente impossível separá-los um do outro (HALL, 2003).

A sociedade multicultural é uma realidade inegável. Kymlicka (1995) considera que a grande maioria das sociedades hoje existentes no mundo são multiculturais. Para Taylor (1994), elas estão a se tornar cada vez mais multiculturais e, ao mesmo tempo, mais permeáveis, significando que as sociedades estão mais receptivas à migração multicultural, o que acaba por conduzir a questão da imposição cultural de uma sobre a outra. E “neste aspecto, as sociedades liberais do Ocidente são extremamente culpadas, em parte devido ao passado colonial, em parte devido à marginalização de segmentos de sua população oriundos de outras culturas” (TAYLOR, 1994, p. 84).

A sociedade multicultural caracteriza-se pelo reconhecimento da existência de diferentes grupos e culturas e de suas diferenças.O multiculturalismo pode ser considerado como um conjunto de modelos que objetiva interpretar o que se compreende por sociedade multicultural e, ao mesmo tempo, sugerir o que deve ser feito, de um ponto de vista político, em relação aos seus entraves, destacando-se como uma série de políticas da diferença com vista a salvaguardar a especificidade das minorias culturais, implicando reivindicações das identidades, como os negros, os índios, entre outras.

Touraine (1999) define multiculturalismo como o encontro de culturas. Afirma “a existência de conjuntos culturais fortemente constituídos, cuja identidade, especificidade e lógica interna devem ser reconhecidas, mas que não são inteiramente estranhas entre si, ao mesmo tempo que são diferentes umas das outras” (TOURAINE, 1999, p. 206), mas que necessitam de reconhecimento recíprocos.

Taylor (1994) trata da política do reconhecimento, defendendo o contexto multicultural associado à necessidade de uma política legítima de reconhecimento das diferenças e a sobrevivência das comunidades culturais presentes nas sociedades multiculturais por estarem vinculadas à formação das identidades humanas.

Para o autor, a identidade é formada, em parte, pelo reconhecimento dos outros, fazendo parte de um diálogo e de uma luta permanentes. Assim, a identidade pode ser definida como “qualquer coisa, como a maneira como a pessoa se define, como é que suas características fundamentais fazem dela um ser humano” (TAYLOR, 1994, p. 45). A identidade do ser é um traço de sua presença diferente, uma característica que o diferencia da diferença do outro, e é na relação com seu oposto que a identidade afirma seu estatuto (LUCAS, 2012b).

Quando se está a falar em identidade cultural, é necessário reconhecer um tempo de profundas mudanças, no qual o moderno coabita com o tradicional, e a comunidade coabita com a sociedade. Nesse cenário, há uma coabitação que permite que diferentes temporalidades ocupem o mesmo espaço. Muito embora a identidade não faça concessões nem mediações, ela afirma sua existência em contraposição ao seu oposto, nega para poder ser o que é, assim, um índio que abandona sua tribo de costumes poligâmicos para casar-se com uma não índia de acordo com as leis brasileiras terá que respeitar as regras jurídicas do casamento monogâmico e abandonar parte de suas ligações com sua antiga tradição de origem (LUCAS, 2012b).

O multiculturalismo pode se considerado um termo carregado de imprecisão conceitual; daí surgem diversos modelos alternativos, com ausência de consenso doutrinário.

Para Abellán, o multiculturalismo “hace referencia, tanto en la teoria como en la practica, a la reivindicación de un modelo de sociedade que ce organice de manera cohrente com ele hecho de la existencia en la sociedade de grupos humanos culturalmente diversos” (2003, p.18). Sendo assim, o multiculturalismo pode designar, na atualidade, um complexo de problemáticas que remete à presença de universos culturais diferentes (GALLI, 2006).

Abellán (2003) assevera a existência de dois tipos de multiculturalismos. O primeiro exige o reconhecimento igualitário entre as diferentes culturas, sustenta que as discriminações contra as diferenças culturais devem ser eliminadas, e defende, ao mesmo tempo em que, para funcionar de modo adequado, uma sociedade precisa estabelecer uma cultura política compartilhada. Nesse tipo, são valorizados o pluralismo cultural e o direito individual de todos poderem participar livremente de sua cultura.

O outro tipo de multiculturalismo, trazido por Abellán (2003), é mais apegado ao relativismo cultural. Sugere o reconhecimento e a proteção dos diferentes grupos culturais, como sujeitos próprios de direito coletivo. Reclama a manutenção das identidades culturais como realidades que possuem direito em si mesmas, pela importância determinante que têm na definição da identidade de seus integrantes.

McLaren (1997, p. 110-118) de igual forma, distingue diferentes modalidades de multiculturalismo: o multiculturalismo conservador, o multiculturalismo humanista liberal e o liberal de esquerda, além do multiculturalismo crítico ou de resistência, muito embora compreenda que, na realidade, as características de um tendem a se misturar umas com as outras. Desse modo, o multiculturalismo conservador sugere a construção de uma cultura comum, unitária e nacional, entendendo que a diversidade cultural, racial ou sexual devem ser assimiladas à cultura tradicional, definida por padrões patriarcais, brancos, euro-americano, ou seja, legado colonialista da supremacia branca.

Por outro lado, o multiculturalismo humanista liberal tende à elaboração de políticas de assimilação, já que presume que os seres humanos vivem em uma cultura igualitária em termos de raça ou sexo, mas que nesta cultura possui desigualdades de oportunidades educativas. Acredita que as restrições econômicas e socioculturais existentes podem ser modificadas alcançando uma igualdade relativa. Diferentemente, apresenta-se o multiculturalismo liberal de esquerda enfatizando a diferença e sugerindo que a ênfase na igualdade das raças abafa as diferenças culturais importantes entre elas. Assim, trata as diferenças como classe, raça, gênero e sexualidade como essência que existe independente de história, poder e cultura (MCLAREN, 1997).

Já o multiculturalismo crítico ou de resistência, defendido por McLaren (1997), visa a transformação das condições sociais e históricas que naturalizam os sentidos culturais, por entender que não existe uma humanidade comum, e sim, apenas identidades definidas pelos contextos de poder, de discurso ou de cultura, que precisam ser desestabilizados, já que são os sentidos dominantes na sociedade, assim, as diferenças não têm um fim em si, mas situam-se num contexto de lutas por mudança social, contrapondo-se ao ideário neoliberal e à globalização econômica e cultural vigente.

Hall (2003), diferentemente de McLarem e Abellán, define seis tipos de multiculturalismos: o multiculturalismo conservador, segundo o qual a minoria, mesmo diante de sua diferença, deve assimilar a cultura da maioria; o multiculturalismo liberal, que sugere a inclusão da minoria na cultura da maioria, mas tolerando as diferentes práticas culturais; o multiculturalismo pluralista que concede direitos individuais a cada grupo distinto existente, cada qual com sua identidade, não se relacionando com os demais.

O multiculturalismo comercial argumenta que as diferenças surgem em nichos de mercado. Acredita que se houver reconhecimento das diferenças culturais das minorias, os problemas se resolveriam no âmbito privado e não necessitando de intervenção estatal. O multiculturalismo corporativo busca a administração das diferenças das minorias pela maioria. Já o multiculturalismo crítico ou revolucionário, que é defendido por Hall (2003), direciona as atenções do Estado ao poder e a hierarquização das opressões e aos movimentos de resistência, interrogando as relações de poder e as desigualdades entre os grupos.

D’Adesky (2005) posiciona-se favorável a um multiculturalismo democrático como política capaz de reconhecer as singularidades de cada cultura, sem a pretensão de se identificar uma cultura como universal. Já Sousa Santos (2003b, p. 11) chama a atenção para a distinção entre os modelos conservadores e reacionários dos modelos progressistas e inovadores de multiculturalismo, destacando que uma das formas de multiculturalismo conservador é o colonial, aquele que consiste, num primeiro momento, em admitir a existência de outras culturas apenas como inferiores, e elevar a cultura eurocêntrica ao caráter universal.

Com relação aos modelos progressistas e inovadores, Sousa Santos (2003b) destaca o multiculturalismo emancipatório, um multiculturalismo pós-colonial, baseado na política da diferença, cujo exemplo traz “em relação às lutas da Modernidade ocidental do século 20, lutas progressistas, operárias e outras que assentaram muito no princípio da igualdade” (SOUSA SANTOS, 2003b, p. 12).

Também se pode falar da existência de teorias que diferenciam formas de multiculturalismo como sendo universalista ou relativista. O multiculturalismo relativista ocorre quando não são estabelecidos critérios, por mínimos que sejam, para o diálogo entre culturas, já que cada cultura estabelece seus próprios valores. É criticado por não englobar direitos de caráter universal, como os direitos humanos, por não aceitar culturas que são contrárias e que pretendem destruir-se uma as outras e por dificultar um tratamento protetivo em âmbito internacional (MADERS; DUTRA, 2012). O multiculturalismo universalista é aquele que permite a propagação e o convívio de diferentes teorias e ideias, desde que seja estabelecido um denominador comum, valores universais, como os direitos humanos, para viabilizar o diálogo entre as culturas (MADERS; DUTRA, 2012, p. 35).

Para a visão liberal do multiculturalismo, muito embora seja possível encontrar diversas posições, algumas “mais abertas, outras mais cerradas” (LUCAS, 2013, p. 199), as diferenças culturais não têm valor intrínseco, são valorizadas porque trazem referências imprescindíveis às escolhas individuais. Assim, “uma sociedade marcada por diferentes valores e por individualidades em conflito será bem mais ordenada quando todas as concepções de bem foram igualmente consideradas e quando nenhuma delas se sobrepor às demais” (LUCAS, 2013, p. 200). Joseph Raz e Will Kymlicka são nomes importantes dessa corrente.

Taylor (1994) critica o modelo de liberalismo que não seja um campo neutro de encontro de todas as culturas, mas a expressão de um só tipo de cultura, incompatível com as demais, decorrente de um conceito eurocêntrico. Entretanto, é favorável a um liberalismo que proteja o direito de reconhecimento das especificidades de cada cultura, já que estas são fontes de produção de identidades.

A corrente liberal se coloca de forma antagônica às pretensões particularista da corrente comunitarista (RUIZ, 2005). Os comunitaristas defendem uma precedência da comunidade cultural em relação ao indivíduo. Assim, os valores e fins reconhecidos e perseguidos por indivíduos somente são compreendidos adequadamente quando são tratados como produto da cultura na qual estão inseridos, ou seja, para essa corrente, “as particularidades de cada cultura e de cada comunidade devem ser protegidas e estimuladas por legislações específicas, mesmo que isso implique fragilizar os direitos individuais” (LUCAS, 2013, p. 213). Diante do comunitarismo, para Lucas

não há como negar a importância da cultura na formação do sujeito. O problema, no entanto, se instala quando a cultura adquire um status sacrossanto, acima dos direitos da pessoa como tal, quando potencializa e protege as características da coletividade

mesmo quando isso implica desrespeito à dignidade de alguns de seus integrantes (2013, p. 242).

Assim, “o termo multiculturalismo não é entendido de modo único” (LUCAS, 2013, p. 185), pois pode significar tanto a existência de duas ou mais culturas dentro de um mesmo território quanto o processo político de reinvindicação identitária, que teve início por volta de 1960 quando foi reconhecido pela mídia mundial o movimento popular norte-americano chamado “Panteras Negras” (PAREKH, 2000).

O multiculturalismo é um dado da realidade, e “por bem ou por mal, estamos inevitavelmente implicados em suas práticas, que caracterizam e definem as sociedades da Modernidade tardia” (HALL, 2003, p. 54). Também acompanha o processo de globalização, o qual diz respeito à forma como os países interagem e se aproximam, a uma forma de interligar o mundo. Segundo Hall (2003) este é um dos fatores das mudanças decisivas, da reconfiguração estratégica das forças e das relações sociais em todo o globo terrestre.

O multiculturalismo constitui-se em substancial manifestação de pluralismo cultural, colocado contra a discriminação por motivo de raça ou cultura, privilegiando o reconhecimento das diferenças culturais como um direito inerente às minorias (DEL’OLMO, 2006). Acompanha a humanidade desde longa data, tornando-se temática fundamental no processo de democratização de muitos países, desenvolvendo-se com a evolução dos direitos