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Teoria do Direito Constitucional

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Academic year: 2019

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constitucional

Autores: JoAquim FAlcão, ÁlvAro PAlmA de Jorge e diego Werneck Arquelles. colAborAdores: thAmy Pogrebinschi, bruno mAgrAni, mArcelo lennertz,

Pedro cAntisAno e viviAn bArros mArtins

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1. ROTEIRO DE CURSO ...4

2. ROTEIRO DE AULAS ...14

Aula 1: Lei de Cotas: Primo inter pares? ... 14

Aula 2: A (in)constitucionalidade da aula: Esta aula é constitucional? ...21

Aula Extra: Leitura Dirigida da Constituição (no laboratório de informática) ... 23

Aula 3: Conceito de Sistema ... 25

Aula 4: Constituição como Norma I: Onde está a norma fundamental? ... 28

Aula 5: A Constituição como Norma II: Antinomias Constitucionais ...32

Aula 6: A Constituição como Realidade Social I: O que vai para a Constituição? ...35

Aula 7: A Constituição como Realidade Social II: A Ata do Pacto Social ... 40

Aula 8: A Constituição como Realidade Social III: Encontros e Desencontros ... 46

Aula 9: Validade, Legalidade, Eficácia, Legitimidade: E o Comando Vermelho? ...52

Bloco III – História Constitucional Brasileira ... 61

Aula 10: Brasil Colônia e Iraque. Do Poder Divino dos Reis ao Estado de Direito ... 63

Aula 11: A Inserção Liberal I: D. Pedro I versus Frei Caneca ... 68

Aula 12: A Inserção Liberal II: Liberte, Egalité, Fraternité ... 71

Aula 13: A Inserção Liberal III: The Founding Fathers e suas influências na República brasileira .. 77

Aula 14: A Matriz Social: Constituições de 1934, 1937 e 1946 e a Gangorra da Democracia ... 84

Aula 15: Constituições Militares: A Convivência Contraditória ... 89

Aula 16: Estado de Direito Democrático: A Democracia Concomitante ... 92

Anexo ao Bloco de História das Constituições ... 96

Bloco IV: Mudança constitucional ... 98

Aula 17: Mutação Constitucional: Mudar a ou Mudar de Constituição? ...98

Bloco V: Interpretação da Constituição ... 103

Aula 18: Dogmática, Zetética e “Topos”: A Caixa Vazia ... 103

Aula 19: Instrumentos Interpretativos I: Unidade, Supremacia e Integração ... 109

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1. roteiro de curso

1.1. ApresentAção GerAl: Um CUrso ConfessionAl de direito ConstitUCionAl

1.1.1. A Confissão prévia

Trata-se de um curso confessional a favor da constituição como prática da de-mocracia. Prática do aluno em sua dupla qualidade: como cidadão que opta pelos valores do respeito ao outro, da participação, da igualdade, da liberdade e da solida-riedade, e como profissional do direito, que pode e deve ajudar na construção das instituições democráticas. O compromisso com a democracia faz com que o curso assim se amolde em suas múltiplas frentes.

Na frente epistemológica, combate toda ambição de exclusividade de qualquer teoria, doutrina ou análise em querer definir o que seja constituição. Entende, ao contrário, que, quanto maior o número de enfoques analíticos diferentes à disposi-ção do aluno, melhor e mais completa será sua compreensão da constituidisposi-ção.

Na frente de capacitação profissional, procura treinar o aluno para trabalhar a constituição como uma obra aberta, como uma questão mais do que uma resposta, como um problema mais do que uma solução. A constituição aparece como um

constructo e não como um datum. Como um futuro a ser construído – futuro pelo

qual ele, aluno, enquanto advogado, juiz ou procurador, é co-responsável. A consti-tuição surge como um processo em permanente mudança, onde o futuro profissio-nal é agente privilegiado.

Na frente histórica, focaliza a constituição como uma tendência das instituições democráticas da sociedade brasileira, às vezes descontinuada, às vezes conflitante, em favor da inclusão política, social e econômica. Esta tendência é facilmente ob-servável na contínua expansão dos direitos fundamentais e na crescente inclusão eleitoral.

Finalmente, na frente didática, a constituição aparece como matéria-prima e fonte para o debate, a discussão, o confronto de idéias, a elaboração dos raciocínios, a descoberta da argumentação. As aulas serão sempre inconclusivas, sem respostas absolutas ou definitivamente certas. Um compromisso com o pluralismo analítico, por sua vez, permite que o aluno opte por sua própria perspectiva, escolha sua po-sição, adote seu conceito de constituição.

1.1.2. A sensibilização inicial (Bloco i)

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os principais temas/problemas que o aluno enfrentará em seu curso: constituição como sistema, como decisão, como topos, como arena de interesses sociais concor-rentes, como ata do pacto social.

A primeira aula é um debate sobre a constitucionalidade ou não da lei de co-tas para acesso ao vestibular, onde o aluno vai dialogar, discutir, seduzir, tentar convencer o professor e os seus colegas. Trata-se de estimular a interatividade pró-ativa e, desde logo, a interdisciplinaridade. O aluno deverá começar a perce-ber a distinção entre uma argumentação do senso comum, e uma argumentação jurídico-profissional com base na norma, no artigo da constituição. Além disso, começará a confrontar argumentações diferenciadas e concorrentes, na medida em que disputam um bem escasso: ser constitucional ou não. No final da aula, deve-se esclarecer sobre o júri simulado, que será a última aula do curso, e estabe-lecer o cronograma e as responsabilidades pertinentes a cada um dos grupos e/ou dos alunos.

A segunda aula cumpre outro papel complementar. Pede-se que olhem para a própria classe e respondam à pergunta: esta aula é constitucional ou não? De início, relaciona-se a relação social (aula) com a relação jurídica (a constituição). A tese é que qualquer relação social é uma relação constitucional. Mas o aluno vai perceber com surpresa que a constituição é, ao mesmo tempo, o tudo e o nada, o limite e a possibilidade, o consenso e o conflito. O texto constitucional é tão contraditório quanto sistemático; suas expressões são tão precisas quanto vazias. Em ambas as aulas, o aluno verá formuladas, por seus colegas, infindáveis soluções. A aula será sempre inconclusiva. Não se procura a resposta certa, mas a argumentação convin-cente. A constituição aparece como algo que eles poderão construir no futuro. Com isto, estimula-se desde logo um aluno pró-ativo, imaginativo, crítico e insatisfeito. Diante de uma obra aberta, vai perceber também que a profissão jurídica só faz sentido porque a constituição é imprecisa e contraditória.

A seguir, o curso passa por um anticlímax. Numa aula extra a ser agendada, realiza-se uma insossa leitura dirigida com um único objetivo: com a Constituição na mão, os alunos vão descrevê-la e aprender a manuseá-la. É a constituição como instrumento profissional, sem maiores explicações. É abrir, ler e aprender a usar. Inclusive aborda o uso da informática e dos bancos de dados disponíveis na Internet para melhor usar a constituição e, nesse sentido, estão previstos alguns exercícios do tipo “gincana”.

1.1.3. o pluralismo Analítico (Bloco ii)

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juntas, mostram ao aluno que podem ser complementares, às vezes suficientes, às vezes insuficientes, dependendo da finalidade da análise.

Este pluralismo analítico não implica em relativismo conceitual, mas em opção pragmática, onde os meios do conhecer e do praticar a constituição são definidos de acordo com os objetivos a alcançar, seja do juiz, do advogado ou do cidadão. Neste sentido, o curso não se situa no reino da dogmática, mas no reino da pragmática, en-tendida como a relação entre o signo “constituição” e seu uso socialmente concreto. O Bloco II se divide em dois grupos de aulas: constituição como norma e constitui-ção como realidade social. Dentre as múltiplas análises possíveis, foram escolhidas as seguintes: a constituição como sistema, a constituição como decisão, a constituição como topos, a constituição como fato social e como ata do pacto social.

As três primeiras aulas do Bloco enfocam a constituição como norma: como sistema normativo, como expressão da norma fundamental e como normas em conflito. A primeira faz uma brevíssima introdução ao vocabulário e aos conceitos básicos da teoria dos sistemas. A noção de sistema será dada a partir de exemplos banais, como o sistema de som e o sistema biológico, o corpo humano. O objetivo é estimular no aluno a compreensão sistêmica dos fenômenos físicos e mentais. A concepção sistêmica é um dos muitos óculos para se enxergar a realidade, como também é o materialismo histórico. Contudo, é preciso atenção: não se adota a perspectiva conservadora de que os sistemas tendem ao equilíbrio e não ao conflito. A noção de sistema tem que ser útil também para entender os conflitos capazes de destruir o sistema e substituí-lo por outro. Nesse sentido, a aula enfoca a constitui-ção como um sistema que interage com o meio ambiente e é por ele influenciado. No fundo, é um subsistema do sistema normativo (ou do ordenamento jurídico, tradicionalmente falando), que, por sua vez, é um subsistema do sistema social ao lado dos subsistemas econômico, político e outros.

A aula seguinte trata de tema inevitável: a posição da constituição na hierarquia e as normas infraconstitucionais, a partir da questão: onde está a norma fundamental? Note-se a evolução do curso: primeiro demos a noção de sistema em geral. Depois, suas qualificações – “normativo” e “hierárquico”. Esta aula tem objetivo estratégico principal. Ao mesmo tempo em que se constrói a noção da constituição como vérti-ce hierárquico do ordenamento jurídico, demonstra-se, através da pergunta-título, a insuficiência da concepção de constituição exclusivamente como norma. Trata-se de um subsistema que só se fecha com recursos a elementos extrajurídicos – religio-sos, por exemplo, na resposta jusnaturalista para a questão da norma fundamental, ou políticos e ideológicos, na resposta ao problema da solução de antinomias cons-titucionais. Ou seja, a constituição é um subsistema que se comunica com outros subsistemas não-jurídicos, retirando deles sua força e sua fraqueza. Esta insuficiên-cia lógico-formal se reflete também na insuficiêninsuficiên-cia da validade e legalidade como únicos parâmetros de avaliação do sistema normativo. A legitimidade e eficácia são indispensáveis tanto para o exercício profissional, quanto para uma epistemologia mais abrangente.

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legalidade, coerência e compatibilidade. Uma demonstração sobre a hierarquia das normas acompanha o material (caso da aplicação de multas pelo abandono de lixo na praia).

Em seguida, é a vez da aula sobre as antinomias constitucionais, que reforça o conceito da insuficiência da perspectiva lógico formal, apontando para um orde-namento como sistema aberto, no qual necessariamente se discutirão valores, pre-ferências e escolhas socialmente fundamentadas. A aula sobre antinomia também possibilita entrever a constituição como um sistema em mutação, como um cons-tructo. O caso Garrincha coloca em pauta o dilema entre honra, intimidade e liber-dade de expressão – normas e valores em conflito no mesmo texto constitucional

As próximas três aulas tratam da constituição como realidade social. Responde-se à pergunta: de onde nasce e como nasce a constituição? Os objetivos estratégi-cos principais são: 1) enfocar a constituição como uma decisão, uma escolha entre alternativas incompatíveis; 2) demonstrar a vinculação das alternativas incompa-tíveis a interesses sociais concorrentes. Trata-se de evidenciar a origem social das constituições, com vistas a criticar o enfoque puramente lógico-formal como algo neutro, acima das paixões humanas. A constituição enquanto decisão se divide em dois momentos: o momento da elaboração da constituição e o de interpretação da constituição.

Na primeira aula, a decisão aparece como uma resposta do sistema jurídico a um conflito inicial, que pode ser a competição por um novo texto constitucional ou por uma nova interpretação da constituição já existente. A aula começa com a pergunta: o que vai e o que não vai para a constituição? O que deve integrar o rol das normas infraconstitucionais? A partir daí, a constituição surge sucessivamente como decisão, como arena na qual os interesses sociais se conflitam e se acordam e, por fim, como uma precária ata do pacto social. Dentro deste contexto, alguns conceitos mais téc-nicos são transmitidos, tais como: normas constitucionais e normas infraconstitucio-nais, constituição formal e constituição material. Apesar de abrir a possibilidade de tudo ir para a constituição, inclusive o Colégio Pedro II no Brasil e a vaca na Índia, o curso explicita que uma certa tipologia tem consenso na comunidade de intérpretes: a organização do estado, os direitos fundamentais e as chamadas “normas programáti-cas”. Neste momento, aparece pela primeira vez a constituição como limite do poder estatal e instrumento de defesa de direitos. O caso da aula obriga o aluno a decidir que normas merecem ser superiores às demais.

A aula seguinte enfoca a constituição especificamente como ata do pacto social. O que nos permite entendê-la como documento escrito, que pressupõe conflitos e divergências, que resume o consenso, e que este consenso vem dos sujeitos, dos cidadãos presentes na reunião, viventes na nação – enfim, presentes na constituinte. Este conceito é retirado do constitucionalismo brasileiro. Vem de Frei Caneca em sua disputa (ou busca infrutífera) de um pacto com D. Pedro I. Conceitos clássicos como constituição promulgada e outorgada e assembléia nacional constituinte são então enunciados.

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constituição? O que mudaria, se é que algo mudaria? Busca-se com isto levar o alu-no a identificar os fatores reais de poder como fatores constituintes. Em seguida, trata da tensão entre constituição real e constitucional formal, que em Löewenstein aparece como encontros e desencontros entre a realidade e as constituições nor-mativa, semântica e nominal. Um pequeno texto de Humberto Maturana oferece uma conotação extremamente contemporânea, ao sublinhar a importância do do-mínio emocional e do reconhecimento da legitimidade do outro no cumprimento e elaboração da constituição. O pluralismo analítico se amplia neste horizonte psico-social.

Fecha-se o bloco com uma aula sobre Validade, Legalidade, Legitimidade e Efi-cácia. Estes clássicos conceitos da doutrina jurídica ajudarão a analisar as constitui-ções brasileiras no próximo bloco, a história das constituiconstitui-ções. Ao mesmo tempo, servem de tipologia sobre as diferentes maneiras pelas quais se apresenta a tensão entre constituição como norma e constituição como realidade social. A noção de validade decorre do conceito de sistema normativo fechado, que só pode ser aberto através do conceito de legitimidade, que, por sua vez, necessita do conceito de efi-cácia e, em nosso curso, do conceito de domínio emocional de Maturana. Há que se sublinhar, pois, a seqüência destes conceitos: validade, legalidade, legitimidade e eficácia. A constituição deverá ser analisada com recurso conjunto aos quatro. Esta aula se desenvolve a partir de dois casos: o fechamento do Comércio no Rio de Ja-neiro por ordem do Comando Vermelho, e o combate ao download de músicas pela Internet no Brasil.

1.1.4. o Constitucionalismo Brasileiro (Bloco iii)

Entra-se, então, no Bloco III, centrado na história das constituições e no consti-tucionalismo Brasileiro. Aqui, temos três objetivos principais. O primeiro é montar em sala um “laboratório social” para os diversos enfoques analíticos dados no pri-meiro bloco. Ao contar a história das constituições, conta-se a história do conflito e do consenso entre interesses sociais plurais, conflitantes às vezes, concorrentes sem-pre. A mudança de constituição aparece como ruptura ou evolução do subsistema político e econômico com repercussões no sistema normativo. Sempre será no seu primeiro momento a expressão de um pacto com maior ou menor dose de consen-so, com maior ou menor diferença entre os vencedores e vencidos. O quadro final expressa a constituição num emaranhado de subsistemas que interagem.

O segundo objetivo é historiográfico, na medida em que familiariza os alunos com os fatos, personagens e acontecimentos da evolução constitucional brasileira, além das principais características de cada constituição. Ênfase deve ser dada na tessitura das relações entre todas, bem como na inter-relação delas com ideologias mundiais: liberalismo, fascismo, socialismo etc.

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ainda que lenta e gradualmente. Na medida em que o curso defende a posição de que inexiste “a constituição”, mas apenas interpretação da constituição, a cons-tituição de 1988 é em grande parte o que os futuros profissionais queiram dela praticar.

O Bloco começa com uma aula sobre o Brasil Colônia, com dois objetivos princi-pais. Por um lado, trata-se de historiar no Brasil a passagem do governo dos homens para o governo das leis (teria sido o Regimento de Thomé de Souza a primeira “consti-tuição” brasileira?). Surge o tema do estado de direito, que será recorrente. Esta passa-gem significa que a constituição surge comprometida com a tensão entre organização do poder e defesa dos direitos da cidadania. Essa dicotomia poder e autoridade, de um lado, e sociedade e cidadania, por outro, será também um eixo recorrente neste bloco. Por outro lado, a aula se trata também de um aggionarmento do tema, através da comparação com o exemplo da lei de administração do Iraque – uma colônia con-temporânea? A aula termina com uma definição provisória dos aspectos formais do Estado de Direito, dentro das perspectivas de J. J. Canotilho e Carl Schmitt.

As próximas três aulas têm um foco e uma mensagem comuns. Por um lado, trata-se de esclarecer como o liberalismo penetra no constitucionalismo brasileiro e se faz seu instrumento. O foco são as relações entre constituição e ideologia liberal. A mensagem é a evidência da inserção de nossa história constitucional na história das constituições do mundo ocidental, sobretudo como projeto liberal mundial. A união genética entre constitucionalismo e independência nacional se faz dentro de um projeto liberal global. Por outro lado, é também a crítica de como absorvermos essa tradição. Em vários momentos ocorreu e continua a ocorrer uma importação seletiva de leis e princípios. Por isto, as aulas se agrupam duas a duas. A constitui-ção de 1824 se alinha ao constitucionalismo francês e à revoluconstitui-ção de 1789. Surge a questão dos direitos humanos e dos limites do poder estatal. A constituição de 1891, por sua vez, alinha-se ao constitucionalismo norte americano e os founding

fathers. Surge a questão dos três poderes e da organização democrática do próprio

estado federal. Esta absorção de estrangeirismos deve ser enfocada através dos aspec-tos positivos e negativos, como realidade e como mímica. O que une essas três aulas é a tentativa de se forjar no Brasil um estado de direito republicano. Sempre que possível, alguns conceitos técnicos devem ser sublinhados, tais como: constituição sintética e constituição analítica, poder constituinte originário e poder constituinte derivado, constituição outorgada e constituição promulgada. Não utilizamos “ca-sos” em sentido estrito neste bloco. Preferimos colocar o aluno em contato direto com os diversos textos constitucionais nacionais e estrangeiros, bem como os docu-mentos originais dos debates de então: os discursos de D. Pedro I e de Robespierre, além da proposta de Frei Caneca, entre outros.

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projeto constitucional liberal capitalista: os direitos sociais e trabalhistas, revelando a ascensão do trabalhador como ator jurídico e político e a influência do socialis-mo nas constituições brasileiras. Ao messocialis-mo tempo, ressurge a experiência de um governo dos homens, explicitado pelos decretos-lei, colocando em cheque a noção de estado de direito liberal. No período de 34 e 37, se consolida a matriz militar que, de alguma forma iniciada em 1891, será modernizada na revolução de 1964. O questionamento do estado de direito nesse período é feito por um caso de tom-bamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico-Artístico Nacional (IPHAN), que pretende nos dias de hoje, na vigência da constituição de 1988, aplicar os mesmos critérios, normas e procedimentos de tombamento como se ainda estivéssemos em l937, data de sua fundação.

A próxima aula tem o nome de “A convivência contraditória”. Enfoca as tituições militares de 67 e 69, a convivência entre os atos institucionais e as cons-tituições. Um sintoma da tentativa de convivência entre o governo dos homens (os militares e a segurança nacional) e o governo das leis (a tripartição dos poderes e de eleições controladas). Existe estado de direito sem democracia? A aula inicia com o preâmbulo do Ato Institucional nº 1, abordando a questão da legitimidade do poder revolucionário. Há que se ressaltar a dimensão legitimadora do desen-volvimentismo (eficácia constitucional), sem o qual não há aceitação do regime político. Começa-se com a ruptura jurídico-política e se termina com a crise de legitimidade consubstanciada nas “Diretas Já” e na negociação jurídico-política, na abertura lenta, gradual e segura, base na nova constituição de 1988. Os estudos de caso são basicamente dois: o preâmbulo do AI-5 e o julgamento do ex-presidente Jango Goulart.

A próxima aula aborda a questão do estado democrático de direito. Um conceito – ou melhor, uma ênfase brasileira – que surge como crítica às constituições militares e ao autoritarismo e, ao mesmo tempo, anuncia e legitima a constituição de 1988 e a democracia. Os alunos já devem ter discutido democracia no curso de Teoria do Estado Democrático; aqui, trabalharemos com os conceitos de democracia, au-toritarismo e ditadura. O curso distingue, como aliás fez nossa história, estado de direito de estado democrático de direito. Nem todo estado de direito é democrático. O exemplo nacional já terá sido dado na aula anterior. A noção de estado de direito é contrastada com a de estado democrático de direito, através do exemplo da As-sembléia Nacional Constituinte, entendida como o processo pelo qual se optou por uma constituição analítica, pluri-ideológica, e contraditória. A promulgação desta Constituição tornou necessária uma mudança radical do paradigma de interpretação constitucional. Anuncia-se, desde logo, a importância de uma interpretação sistêmi-ca, integradora e legitimadora.

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x contrato”, “poder x liberdade”. Trata-se do Terceiro Setor, que não se enquadra totalmente na missão de organizar o estado, nem totalmente na missão de defender direitos individuais.

1.1.5. mudança constitucional (Bloco iV)

O bloco sobre constitucionalismo demonstrou como nascem e morrem as cons-tituições no Brasil, ou seja, como o Brasil tem mudado de constituição. O próximo bloco mostra como o Brasil muda ou pode mudar a constituição a tual. Confirma-se a constituição como processo aberto, como construção, e não como um dado estático. Este bloco tem uma mensagem principal: ao contrário do que informa a doutrina clássica, a mudança na constituição não ocorre apenas pela revolução ou mesmo pela política em sentido estrito. A constituição vigente pode ser mudada por dois mecanismos básicos: explicitamente, pela emenda constitucional (e aí se muda o texto), ou implicitamente, pela interpretação judicial ou legislativa, e aí não se muda o texto.

A aula desse bloco objetiva, principalmente, demonstrar a tese de que mu-dança constitucional pode ser obtida também através da interpretação. Esta noção será abordada a partir do contraponto com o processo de mudança formal, através de emenda constitucional. Nesse sentido, serão abordados brevemente os limites do poder de reforma da Constituição, anunciando-se a pedra no caminho – as clausulas pétreas, tema que será aprofundado em Constitucional II. Aqui, o con-traste com o processo constitucional norte-americano é importante; este processo também estaria presente aqui no Brasil. As duas interpretações possíveis – judicial e congressual – serão focalizadas através de estudos de caso específicos. No fundo existe uma sub-reptícia disputa de poder sobre quem dará a palavra final sobre os conflitos entre os poderes – legislativo ou judiciário. O caso escolhido é o da apli-cação da licença maternidade a mães adotivas. Anuncia-se, assim também, o último bloco: a interpretação judicial da constituição.

1.1.6. A interpretação da Constituição (Bloco V)

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assumiram uma dimensão macro – interesses de classe, de grupos, etc. – agora as-sumem dimensão micro, como interesses dos clientes, ou do autor e réu, ou ainda do próprio juiz.

O bloco joga com um conceito simplificado de interpretação, entendida através de seus três elementos básicos: sujeito, método e objeto. Método entendido não no sentido cartesiano, isto é, como o conjunto de regras graças às quais os que as obser-vam exatamente jamais tomarão como verdadeiro o que é falso, mas apenas como conjunto de instrumentos conceituais possivelmente úteis na aplicação de normas jurídicas, em especial das normas constitucionais. Iniciamos com uma aula que, ao invés de enfocar o objeto, o artigo constitucional, encaminha-se para o sujeito. A decisão sobre o que é ou não constitucional é um ato de conhecimento ou um ato de vontade? Como ato de conhecimento, o intérprete se anularia e somente conta o objetivo como um datum. Se prevalecer o ato de vontade, a interpretação aparece como um constructo e múltiplas possibilidades se abrem; muitos seriam os sujeitos e todos são muito imprevisíveis. Passa a existir uma incerteza que é o sustento de um pluralismo interpretativo defendido pelo curso.

A primeira aula centra-se no texto legal, objeto da interpretação. Que é esta norma? Trata-se de um “ponto fixo” a partir do qual diversos significados vão se conflitar, sendo a própria escolha do ponto fixo matéria de disputa. Qual o artigo a aplicar? Como interpretá-lo? Escolhido esse ponto fixo, pode ser questionado ou ser aceito pelos participantes da argumentação. Daí porque a aula caminha para a relação entre pensamento dogmático e pensamento zetético, conceitos com os quais os alunos entrarão em contato através do texto de Tércio Sampaio Ferraz Jr. sobre ensino jurídico. Em seguida, será demonstrado que o artigo constitucional – ponto fixo dogmático a partir do qual não se tem mais uma atitude zetética – é na ver-dade um “topos”, caixa vazia que pode acomodar várias interpretações, arena onde brigam as interpretações concorrentes que lutam pelo bem escasso: só uma será considerada constitucional. O caso estudado é o caso do HC 71373-4 RS, sobre a possibilidade de coleta forçada de material genético para exame de DNA em ação de investigação de paternidade.

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Na quarta aula, a interpretação especificamente constitucional continua a ser desenvolvida, agora centrada nos conceitos de razoabilidade e proporcionalidade. A razoabilidade se distingue da racionalidade por apontar para uma construção de justiça e correção mais próxima do acordo de sujeitos, enquanto a racionalidade aponta para uma noção de justiça e correção que é externa e independente do acor-do acor-dos sujeitos. A razoabilidade é construída cada vez mais por uma comunidade de intérpretes e por fatores extrajurídicos. Já a proporcionalidade é um instrumen-to capaz de “medir” a adequação entre fim e meios, a necessidade da medida, e o

balancing entre direitos promovidos e direitos sacrificados. O estudo de caso é a

decisão do STF sobre a constitucionalidade da pesagem obrigatória de botijões de gás na presença do consumidor (ADI 855-2).

Finalmente, o bloco acaba com uma quarta e última aula, na qual se fará a análise da interpretação de bloqueio e da interpretação legitimadora. A interpretação legiti-madora aponta para um ativismo, fruto de uma aliança sobretudo entre Ministério Público e juízes. A aula será uma aprofundada análise do parecer “Direitos da Mu-lher: Igualdade Formal e Igualdade Material”, de Joaquim Falcão. O professor fará

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2. roteiro de aulas

aula 1: lei de cotas: Primo inter Pares?

2. NOTA AO ALUNO

A) introdUção

Esta é a primeira aula do curso de Direito Constitucional I. Hoje, você será apresentado a diversos temas que, ao longo dos próximos meses, vão se tornar seus inseparáveis companheiros de viagem. Não se preocupe se não conseguir entendê-los agora. Nós os analisaremos em maior profundidade no momento certo.

Todas as aulas serão participativas e, portanto, a leitura prévia do material didá-tico e dos textos relacionados é indispensável. Nesta preparação para aula, procure ter em mente:

Escolha o essencial. Nem tudo que está dito em um texto ou mesmo no material de um caso é necessariamente importante para a questão. Tudo depende do uso que pode ser feito deles. Um profissional do direito precisa aprender a distinguir quais fatos podem e quais não podem ser juridicamente relevantes, por pelo menos dois motivos. Primeiro, porque o tempo é escasso. Segundo, porque costuma existir uma hierarquia entre temas e problemas. Há os principais e os acessórios. Você deve estar treinado para identificar quais os principais – aqueles que estruturam a discussão, aqueles cuja resolução torna os demais irrelevantes.

Seja criativo. Esta aula, assim como todas as outras do curso, não será sobre a posição doutrinária deste ou daquele autor, mas sobre problemas. Os textos foram indicados para ajudar na compreensão dos conceitos básicos e para serem utiliza-dos na argumentação em sala de aula, mas você tem total liberdade para ousar na argumentação – desde que apresente uma fundamentação jurídico-constitucional adequada. Corra riscos, seja pró-ativo. Corra o risco de inovar.

Leia. Leia muito. Dificilmente você será criativo se não for culto também. Não precisa ser pedante ou hermético para ser culto. A cultura é a base para a criatividade. Ler é o alicerce da cultura. É estimulo para pensar alternativas, para conhecer alter-nativas, para enxergar a complexidade dos problemas. Não basta estar informado. No futuro, haverá apenas dois tipos de profissionais: os que leram e se informaram e, portanto, comandam, e os que apenas se informaram e, portanto, apenas seguem.

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Pesquise. Embora o material de leitura obrigatória tenha sido selecionado para estabelecer um terreno comum para a discussão em sala, você pode e deve procurar por conta própria outras fontes que contribuam para o debate. As fontes podem es-tar na sua frente. Converse com amigos e professores, leia jornais, assista noticiários e filmes, faça buscas na biblioteca e na Internet. Aprenda a ver o mundo como uma grande fonte de informação. Tudo à sua volta é informação e você vai precisar dela na sua vida profissional. Lembre-se apenas do primeiro conselho acima: escolha o essencial. Aprenda a identificar o que é e o que não é relevante, especialmente quan-do for pesquisar na Internet.

Agora, leia o caso a seguir e prepare-se para debatê-lo em sala de aula!

B) o CAso

A Lei do Estado do Rio de Janeiro que determina que 50% das vagas da UERJ serão destinados a negros e pardos é constitucional?

Em 2001, o deputado estadual José Amorim (PPB) enviou à Assembléia Legisla-tiva do Rio de Janeiro o projeto de lei n° 2490, com o seguinte artigo:

Art 1o – Fica estabelecida a cota mínima de 40% (quarenta por cento) para as po-pulações negra e parda no preenchimento das vagas relativas aos cursos de graduação em todas as instituições públicas de educação superior – universidades – do Estado do Rio de Janeiro.

Na justificativa do projeto, o deputado afirmava:

Nos Estados Unidos da América do Norte, país no qual o racismo é evidente, o presidente John Fitzgerald Kennedy decretou, ainda na década de 60, que 12% (doze por cento) das vagas nas universidades ficassem reservadas para a população negra. Percentual que correspondia à exata proporção da população negra na socie-dade americana.

No Estado do Rio de Janeiro, estima-se que 40% (quarenta por cento) da popu-lação seja constituída por negros e pardos. Grande parte desse contingente é vítima de discriminação e, sobretudo por questões econômicas, não consegue acesso ao en-sino de qualidade, fator crucial para possibilitar a ascensão econômica e profissional desses cidadãos.

Entre os dias 31 de agosto e 7 de setembro, os países membros das Nações Unidas vão se reunir na África do Sul para apresentar o Esboço da Declaração contra o Racismo e reconhecer que a escravidão representou um desrespeito à cultura dos povos de origem negra, contribuindo para deixá-los em condições de extrema pobreza e miséria.

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O inciso VIII do artigo 37 da Constituição Federal já prevê a reserva de cargos em empresas públicas para pessoas portadoras de deficiência física como forma de fa-cilitar o acesso ao mercado de trabalho e reduzir a discriminação. A reserva de vagas para negros em universidades públicas é mais uma forma de promover a integração social das parcelas ainda discriminadas da sociedade.

O projeto foi aprovado, dando origem à lei 3.708/2001.

Com relação à desigualdade, a sociedade brasileira enfrenta um problema seme-lhante ao de diversos outros países democráticos, ainda que em grau e característi-cas distintas. Por um lado, constata-se que a sociedade brasileira é profundamente desigual.

Desigualdade econômica, regional e racial, sobretudo em relação aos negros. Nos EUA, os negros representam atualmente cerca de 13% da população. No Bra-sil, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 1996, respondem por 45% da população, ou seja, 76,5 milhões de negros e pardos. A proporção de negros entre as pessoas com 12 anos ou mais de estudo (equivalente aos que concluíram o ensino médio e possuem curso superior) é de apenas 2,8%, quase quatro vezes menos do que os brancos na mesma faixa (10,9%). A taxa de analfabetismo é quase três vezes maior entre negros e mulatos do que entre a popu-lação branca.

Por outro lado, constata-se também que o ideal de igualdade entre os cidadãos é um ideal indispensável à democracia, inclusive inserido na própria constituição. Em sua 14ª Emenda, a constituição norte-americana diz textualmente:

Section 1. All persons born or naturalized in the United States, and subject to the jurisdiction thereof, are citizens of the United States and of the state wherein they reside. No state shall make or enforce any law which shall abridge the privileges or immunities of citizens of the United States; nor shall any state deprive any person of life, liberty, or property, without due process of law; nor deny to any person within its jurisdiction the equal protection of the laws.

45% da

Taxa de analfabetismo(%) 15 anos ou + de idade, 2002

Fonte:Tabulações feitas pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), a partir das informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)

7,5 17,2

4,0 7,0

Brasil Rio de Janeiro

Branco Negro

Taxa de analfabetismo(%) 15 anos ou + de idade, 2002

Fonte:Tabulações feitas pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), a partir das informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)

7,5 17,2

4,0 7,0

Brasil Rio de Janeiro

(17)

Qual o papel do direito diante deste problema? Como podem a constituição, os tribunais, as leis, os profissionais contribuírem para fazer com que o ideal seja real? O dever ser, de fato, seja?

Um conjunto de ações visando a diminuir e mesmo extinguir as desigualdades foi então pensado, formatado e praticado, entre elas as ações afirmativas. Ou seja, normas, leis e sentenças que afirmam juridicamente a igualdade. Um dos tipos de ações afirmativas são as leis de quotas, que não dizem respeito apenas aos negros, embora tenham se transformado num dos instrumentos mais poderosos do movimento negro norte-americano. São leis que asseguram, reservam um determinado numero de posições (uma quota), que serão preenchidas exclusiva-mente por determinados grupos que, do contrário, não teriam acesso à posição em disputa.

Na ultima década, o Brasil começou a criar algumas leis que estabelecem cotas, como, por exemplo, a Lei Federal 9.504 de 30 de setembro de 1996, que reserva, em seu artigo 10°, 30% de vagas nos partidos políticos para mulheres como candi-datas às eleições.

Luisa Peixoto fez o vestibular para desenho industrial da UERJ em 2003. Foi a 10a colocada no concurso, mas não se classificou porque a universidade reservava

grande parte de suas vagas para alunos de escolas públicas, negros e pardos. Das 36 vagas oferecidas pelo curso, apenas quatro não foram preenchidas por cotistas. Luisa entrou com uma ação na justiça do Rio de Janeiro, e o Tribunal de Justiça considerou inconstitucional a prática da Uerj, que estava amparada pela lei estadual 3524/00, como inconstitucional. (O Globo)

Foi argüida também a inconstitucionalidade desta lei, agora junto ao Supre-mo Tribunal Federal pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (ADIN 2858-8). Na petição inicial, alega-se que esta lei fere a constituição, pois, ao combater a discriminação racial, a lei provocaria a descriminação de outros grupos tão ou mais vulneráveis do que os negros – os índios brasileiros, por exemplo, que não seriam beneficiados na quota.

Como você deve ter percebido após a leitura dos trechos selecionados da petição inicial da ADIn proposta pela CONFENEN, a questão causou grande polêmica.

7,0

4,9

8,1

6,1

Brasil Rio de Janeiro

Branco

Negro

Fonte:Tabulações feitas pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), a

partir das informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)

7,0

4,9

8,1

6,1

Brasil Rio de Janeiro

Branco

Negro

Fonte:Tabulações feitas pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), a

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Alegava-se, por exemplo, que a lei seria extremamente difícil de ser aplicada, diante da tradição cultural de miscigenação brasileira. É muito difícil estabelecer em defi-nitivo quem é negro e quem não é. Diante da reação da sociedade e da ameaça de decisão contrária do Supremo, a lei foi modificada. O critério racial não é mais o único para a reserva de vagas. A nova lei diz:

Art. 5º – Atendidos os princípios e regras instituídos nos incisos I a IV do artigo 2º e seu parágrafo único, nos primeiros 5 (cinco) anos de vigência desta Lei deverão as universidades públicas estaduais estabelecer vagas reservadas aos estudantes caren-tes no percentual mínimo total de 45% (quarenta e cinco por cento), distribuído da seguinte forma:

I – 20% (vinte por cento) para estudantes oriundos da rede pública de ensino; II – 20% (vinte por cento) para negros; e

III – 5% (cinco por cento) para pessoas com deficiência, nos termos da legislação em vigor e integrantes de minorias étnicas.

Pergunta-se: diante da constituição federal, o Brasil pode adotar leis que es-tabelecem o sistema de cotas com o objetivo de promover o ideal da igualdade? E outros tipos de ação afirmativa? Essas leis podem utilizar qualquer critério? O critério racial? O critério da desigualdade econômica? O critério do gênero, como por exemplo, o artigo 7°, XX da própria Constituição? O critério da nacionalidade? O critério da deficiência física, como por exemplo, no art. 37, VIII? O critério da idade, como na preferência de tramitação de processos de idosos na justiça?

C) mAteriAl de Apoio

c1) textos

I) OBRIGATÓRIOS

Pena, Sérgio D. Pena. “Retrato Molecular do Brasil”, in Falcão, Joaquim e Araújo, Rosa Maria Barbosa de. O Imperador das Idéias: Gilberto Freyre em

questão. Rio de Janeiro: Topbooks, 2001 (tópicos “Raízes Filogenéticas do

Brasil” e “Não existem raças”)

Merola, Ediane. “Notas baixas e critérios de cotas para negros provocam polê-mica na Uerj”. Reportagem publicada no jornal O Globo em 11/03/04. Gois, Antônio e Petry, Sabrina. “Na era das cotas, negro é o 1º lugar em

me-dicina”. Reportagem publicada na Folha Online em 08/02/04

O GLOBO. “Estudante ganha ação contra Uerj”. Reportagem publicada no jornal O Globo de 17/03/04.

Trechos da petição inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) so-bre a lei estadual do Rio de Janeiro n° 4151/03 (lei de cotas), proposta pela CONFENEN (Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino) UNGER, Roberto Mangabeira. “Justiça racial já”, artigo publicado no jornal

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II) LEITURAS ACESSÓRIAS (OBRIGATÓRIASPARAA AULA 30 – JÚRI SIMULADO)

Kamel, Ali. “Cotas: Um erro já testado”. Artigo publicado em O Globo de 29/06/04.

__________. “UNB: Pardos só se forem negros”. Artigo publicado em O Globo

de 20/03/04.

Petição da ONG Conectas, na qualidade de Amicus Curiae (editada).

Unger, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. (trecho sobre ações afirmativas nos EUA).

Schwartzman, Simon. Entrevista ao jornal O Globo de 21/03/04.

Falcão, Joaquim. “Sistema de Cotas à Brasileira”. Publicado no Jornal do Brasil. Barroso, Luís Roberto. “Cotas e o papel da universidade”. Publicado em O

Globo de 28/06/03.

Gomes, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da

igualdade: O direito como instrumento de transformação social. Rio de Janeiro:

Editora Renovar, 2001.

Vieira, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal – Jurisprudência Política. São Paulo: Malheiros, 2001 (trecho sobre a decisão da Suprema Corte no caso

Bakke).

Dworkin, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002 (capítulo IX - “A discriminação compensatória”).

c2) legislação

Leis Estaduais: 4154/03, 3708/01 e 3524/00. Constituição Federal (dispositivos diversos).

c3) Questões de Concursos

36º Concurso – Magistratura Estadual/ 2002 – RJ

É compatível com a Constituição da República a gratuidade estabelecida no art. 13, V, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro em favor dos que percebem até um salário mínimo, dos desempregados e dos reconhecidamente pobres para o sepultamento e os procedimentos a ele necessários, inclusive o fornecimento de esquife pelo concessionário do serviço funerário?

Ministério Público Estadual/ 2002 – PR

(20)

Provão/ 2002

“A parte da natureza varia ao infinito. Não há, no universo, duas coisas iguais. Muitas se parecem umas às outras. Mas todas entre si diversificam. Os ramos de uma só árvore, as folhas da mesma planta, os traços da polpa de um dedo humano, as gotas do mesmo fluido, os argueiros do mesmo pó, as raias do espectro de um só raio solar ou estelar. Tudo assim, desde os astros, no céu, até os micróbios do sangue, desde as nebulosas no espaço, até os aljôfares do rocio na relva dos prados. A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social proporcionada à desi-gualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da idesi-gualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desi-guais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem.” (Barbosa, Rui. Oração aos Moços. 18. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001, pp. 53-55)

A partir desse texto, analise a validade da adoção da discriminação positiva no Brasil, oferecendo exemplos; a relação entre o princípio da igualdade e o da propor-cionalidade, a possibilidade de o juiz decidir unicamente com base no princípio da eqüidade.

Provão/ 2003

“(Estácio:) Eu creio que um homem forte, moço e inteligente não tem o direito de cair na penúria.

(Salvador:) Sua observação, disse o dono da casa sorrindo, traz o sabor do cho-colate que o senhor bebeu naturalmente esta manhã, antes de sair para a caça. Presumo que é rico. Na abastança é impossível compreender as lutas da miséria, e a máxima de que todo homem pode, com esforço, chegar ao mesmo brilhante resul-tado, há de sempre parecer uma grande verdade à pessoa que estiver trinchando um peru... Pois não é assim; há exceções. Nas coisas deste mundo não é tão livre o ho-mem, como supõe, e uma coisa, a que uns chamam mau fado, outros concursos de circunstâncias, e que nós batizamos com o genuíno nome brasileiro de caiporismo, impede a alguns ver o fruto de seus mais hercúleos esforços. César e sua fortuna! toda a sabedoria humana está contida nestas quatro palavras.” (Assis, Machado de.

Helena. Rio de Janeiro: W.M. Jackson Inc. Editores, 1962. cap. XXI: p. 221).

(21)

NOTA AO ALUNO

A) introdUção

Um dos princípios jurídicos que fundamenta a ambição de exclusividade do siste-ma norsiste-mativo, ou do ordenamento jurídico em regulamentar a conduta do cidadão, é o de que tudo que não está proibido está permitido. Ou seja: tudo o que a norma, a lei, ou a lei maior (a constituição) não proibiu seria juridicamente permitido. To-das as relações sociais são de alguma maneira passíveis de serem entendiTo-das ou como proibidas ou como permitidas juridicamente. Caberia então à constituição dizer o que é permitido e o que é proibido – ela deteria a última palavra sobre se determina-da realidetermina-dade ou relação social deve ser permitidetermina-da ou proibidetermina-da. Esta aula partiria então do pressuposto de que Relação social = Relação jurídica = Relação constitucional. O seu objetivo é treinar esta visão, esta maneira de analisar a sociedade.

B) o CAso

Esta aula é constitucional?

A sala de aula de um curso de direito é a realidade que vocês devem analisar. Ela é composta de múltiplas relações sociais. Algumas são evidentes, como a relação entre o professor e os alunos, ou as relações dos alunos entre si. Outras não são tão evidentes, mas, ainda assim, são de alguma maneira indispensáveis à realização da aula: a relação entre a FGV e a Light, sem a qual os elevadores não funcionariam. Quais os sujeitos destas relações? Quais os direitos e deveres presentes? Pense, por exemplo, na relação entre o professor e o coordenador do curso que lhe determinou o horário da aula. Pense nas obrigações do professor em relação à FGV. Pense nos direitos dos alunos em relação ao professor.

Procure identificar pelo menos cinco relações sociais que estão ocorrendo ou podem ser inferidas de uma sala de aula. Em seguida, tente detalhar suficientemen-te esta relação (por exemplo, identificando os atores/sujeitos destas relações) para poder responder à seguinte pergunta: esta relação social que está ocorrendo na sala é permitida ou proibida pela constituição? É constitucional ou inconstitucional? Por quê?

Depois de identificar e caracterizar a relação social, você deverá procurar e en-contrar o artigo da constituição pertinente, que a regularia direta ou indiretamente. Finalmente, deverá argumentar/explicar/justificar porque se aplica este determina-do artigo e não aquele outro, e porque ele proíbe ou permite a relação em questão. Avalie, por exemplo, se seria constitucional a decisão do diretor de uma escola de direito católica de determinar que somente a doutrina católica de direito, a jus-naturalista, poderia ser ensinada na sala de aula. Para o jusnaturalismo, há certos direitos e deveres superiores aos direitos e deveres criados pela Constituição do

(22)

tado – deveres que decorrem da natureza humana ou da vontade divina. Mais: para que não existam dúvidas sobre esta doutrina, o diretor determinou também que o único método didático possível seria a aula conferência, expositiva, ficando vedada a realização de perguntas por partes dos alunos.

A classe será divida em dois grupos, à escolha do professor, cada um com a tarefa de defender uma posição oralmente e por escrito.

Na leitura dos textos, procure responder as perguntas seguir. Elas o ajudarão a realizar a atividade em sala:

• O que é relação social? Cite três exemplos.

• O que você entende por relação jurídica? Cite três exemplos. • Como podemos conectar relações sociais e relações jurídicas? • O que transforma uma relação social numa relação jurídica?

C) mAteriAl de Apoio

c1) Casos/Jurisprudência

ADIN 894/DF – União Nacional dos Estudantes questiona dispositivo de lei federal que, na prática, permite que os estabelecimentos particulares de ensino im-peçam os alunos inadimplentes de fazer prova. Não chegou a ser conhecida pelo STF, por ilegitimidade ativa ad causam da UNE.

ADIN 51/RJ – MP questiona Resolução da UFRJ que determinava procedimen-to para eleição de reiprocedimen-tor. A resolução da UFRJ usurpava a competência da União para legislar sobre ensino, além de violar a autonomia universitária.

c2) textos

Contratos da FGV com fornecedores (luz, água, telefone etc). Contratos da FGV DIREITO RIO com seus alunos.

Contratos da DIREITO RIO com seus professores.

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aula eXtra: leitura dirigida da constituição (no laboratório de inFormÁtica)

NOTA AO ALUNO:

A) introdUção

O objetivo desta aula é proporcionar a você um primeiro contato com as Cons-tituições. Não apenas a Constituição Federal de 1988, como também as outras Car-tas de nossa história e algumas Constituições Estrangeiras (Americana, Portuguesa, Européia etc.).

Ainda assim, a Constituição de 1988 será o objeto central de análise da aula. Os objetivos são (a) dar uma visão geral da carta política brasileira e (b) ensinar-lhe a manuseá-la.

Assim, a aula tem um objetivo instrumental – agora, você aprenderá a lidar com este documento jurídico chamado “Constituição”. No desenvolvimento desta habilidade, precisará aprender: a estrutura da Lei maior; buscar assuntos no índi-ce remissivo; saber como o ADCT se integra na Constituição; buscar atualizações (emendas) em sites; procurar jurisprudência constitucional e súmulas do STF; e, por fim, uma noção básica de redação e organização legislativa.

B) AtiVidAdes

1) Esta é uma competição para averiguar sua capacidade de encontrar com pre-cisão e velocidade assuntos na constituição federal. Serão várias rodadas, com cres-centes níveis de dificuldade. O professor pedirá a você que encontre determinados assuntos na constituição.

2) Agora que você aprendeu como manusear a Constituição, vamos aprender a utilizar Internet para buscar artigos, assuntos, jurisprudências e súmulas que serão úteis em seu dia-a-dia como advogado. Seu professor lhe dará uma lista de assuntos que devem ser encontrados nos sites abaixo.

SITESDE BUSCA GERAIS

• www.google.com

• www.yahoo.com

• www.altavista.com

• www.cade.com.br

BRASIL

• www.stf.gov.br – Supremo Tribunal Federal

• www.planalto.gov.br – Presidência da República do Brasil

• www.senado.gov.br – Senado Federal

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• www.tj.rj.gov.br – Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

• www.tj.rs.gov.br – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

• www.tj.sc.gov.br – Tribunal de Justiça de Santa Catarina

• www.jfrj.gov.br – Justiça Federal do Rio de Janeiro

• www.trf2.gov.br – Tribunal Federal da Segunda Região

INTERNACIONAIS

• www.findlaw.com

• www.supremecourtus.gov

• www.wto.org (http://docsonline.wto.org)

• http://www.wipo.int/ • http://europa.eu.int/eur-lex/ • http://www.parlement.fr/

• http://www.conseil-constitutionnel.fr/

C) mAteriAl de Apoio

a) texto Complementar

Freire, Natália de Miranda. “Anotações sobre Técnica Legislativa”, in Técnica e Processo Legislativo: comentários à Lei Complementar n. 95/98, com as alterações introduzidas

pela Lei Complementar n. 107/01. Editora Del Rey: Belo Horizonte, 2002.

b) legislação

(25)

aula 3: conceito de sistema

NOTA AO ALUNO

A) introdUção

O objetivo desta aula é entender o conceito geral de sistema como um instru-mento de análise. Aqui, ainda não trataremos do sistema jurídico propriamente dito. Abordaremos a teoria geral do sistema, com algumas noções de sistema social e de sistema político, respectivamente, de Talcott Parsons e de David Easton.

Antes de entrar nos conceitos específicos, cabe ressaltar a importância do concei-to de sistema. Aprender o conceiconcei-to de sistema não significa ter uma visão positivista do direito, muito pelo contrário. O que se pretende aqui é mostrar como a noção de sistema pode ser útil como um instrumento de análise. Eles são óculos para com-preender a realidade de forma a entendê-la, analisá-la e poder sugerir alternativas a ela. Em específico, a noção de sistema ajuda na compreensão de determinados conceitos importantes ao direito, tais como, por exemplo:

• as relações e tensões dentro e fora do ordenamento jurídico; • o método de interpretação sistemática e da analógica; • o conceito de antinomia das normas e de lacuna.

Os conceitos envolvidos na noção de sistema são: o input, o output, os elemen-tos ou subsistemas internos, o processamento (conversão ou estrutura de tomada de decisão) e o feedback. Input é a entrada do sistema, a provocação do ambiente externo, são as demandas do meio. O output é a outra interface, a saída do sistema. O sistema comunica-se como meio externo, ele é aberto. Desta abertura resulta seu caráter dinâmico, a constante interação interna e externa. A interna é o processa-mento do input que se dá através da inter-relação entre os eleprocessa-mentos internos e/ou os subsistemas e a externa é a própria troca com o meio, já descrita. O feedback, por último, é uma ferramenta de manutenção do sistema no ambiente, uma vez que permite um output que não foi bem recebido pelo sistema possa ser reavaliado e eventualmente modificado. Estes conceitos estão representados nos esquemas na página anterior para melhor entendimento.

B) o CAso

Leonardo acordou eufórico na sexta-feira. Após 4 longos anos, sua banda final-mente iria tocar na grande final do Concurso Nacional de Bandas. Passou o dia inteiro ensaiando para não cometer nenhum engano na hora do show. De tão con-centrado que estava, Leonardo acabou perdendo a noção do tempo. Quando caiu em si, faltavam apenas 20 minutos para o início da competição. E o pior! Apesar do

(26)

Leo não pensou duas vezes. Mesmo com a habilitação vencida, colocou o equipa-mento no carro de seu pai e partiu levando seus colegas de banda.

Dirigia como um louco! Cortava carros pela direita, cantava pneus nas curvas, fechava os outros motoristas e quase atropelou uma senhora que vagarosamente se esforçava para atravessar a rua. E Leo continuaria seu ritmo louco até o show não fosse um outro motorista como ele. Ao avistar o sinal, Leo desacelerou um pouco, mas continuou, confiante que ninguém atravessaria seu caminho. Mas Leo estava errado. Ao passar pela esquina da rua, ele colide seu veículo com outro. Para sua sor-te, ambos os veículos estavam em baixa velocidade, o que evitou que alguém saísse machucado. Mas não evitou o grande prejuízo: dois faróis quebrados, um pára-cho-que amassado, radiador e pneus furados, capô empenado, e por aí vai. Leonardo, que sempre foi violento, sai de seu carro furioso. Sua expressão era clara. Ele iria agredir o motorista do outro veículo. Ao perceber que o motorista do outro veículo também era seu amigo, Dudu, um dos integrantes da banda, saiu do carro e disse:

a 2

Conflito,

Divergências Sociais

Decisão Lei Sentença Contrato Declaração Tratado Etc...

esquema 1

(27)

– Calma Leo, isso não vai levar a nada. Há um policial ali perto. Nós podemos tentar resolver isso de outra maneira.

Tendo perdido suas chances de participar da competição, Leonardo estava deses-perado e não sabia o que fazer. Não estava nem certo de quem estava com a razão. Como ele iria resolver isso? Nesse momento, Carlos, um outro amigo, que estava no carro e o mais calmo de todos, sugeriu uma alternativa: uma negociação amigável. Ele se dispôs a conversar com o dono do outro carro e tentar obter um justo valor pelos danos causados. Dudu discordou. Disse que o sujeito dificilmente aceitaria pagar. Como conhecia ambos e tinha presenciado o acidente, Dudu propôs ser o árbitro para resolução do acidente. Dessa forma, uma terceira pessoa imparcial ao caso daria a decisão.

Mas isso foi antes de Marcelo sair do carro. Marcelo, como a maioria dos estu-dantes de direito, só pensava em processar o motorista. Seus olhos brilhavam com a possibilidade de obter uma gorda quantia, não só para reparar o carro do amigo, como também para compensar a perda da competição.

O que você faria no lugar de Leonardo?

a) Tentaria reaver o prejuízo sofrido à força? b) Negociaria com o motorista do outro carro?

c) Chamaria um terceiro desinteressado para ser o árbitro da questão?

d) Ou faria o boletim de ocorrência com o policial e ingressaria na justiça acres-centando o dano moral na indenização?

e) Arcaria com os prejuízos e iria para casa?

C) mAteriAl de Apoio

c1) textos

I) OBRIGATÓRIOS

Verbete “Sistemas” – Enciclopédia Mirador.

PARSONS, Talcott. “Papel e sistema social”, in IANNI, Otávio e CARDOSO, Fernando H. (orgs.). Homem e Sociedade.

II) ACESSÓRIOS

(28)

NOTA AO ALUNO

A) introdUção

Você está andando pela orla de Copacabana, em uma tarde ensolarada de do-mingo. Ao parar para descansar em um quiosque, vê uma família inteira – um casal e três filhos adolescentes – jogar na areia todos os cocos que tinham acabado de tomar. Ninguém em volta parece ter ficado muito incomodado com o gesto. Infe-lizmente, você pensa, esse tipo de desrespeito parece ter se tornado banal demais em nossa cidade. Logo, porém, repara não ter sido o único a prestar atenção na cena. Um Agente de Fiscalização de Limpeza Urbana, que estava passando pelo local, prontamente saca do bolso um bloco e preenche alguma coisa em uma folha, que então destaca e entrega à família.

– “Isso é um Auto de Infração”, diz o Agente. “Os senhores acabaram de violar o Art. 83 da Lei Municipal de Limpeza Urbana e, por isso, devem pagar uma multa, que estou fixando provisoriamente em R$ 300,00. Se os senhores quiserem contestar a multa, sugiro seguir os procedimentos do Decreto 21.305/01 da Prefeitura. O Decreto pode ser encontrado na página da COMLURB na Internet. Alguma dúvida?”1.

A família fica atônita. O pai se levanta, revoltado. Começa a discutir com o Agente. Curioso, você se aproxima disfarçadamente para ouvir a discussão. Logo percebe que o argumento principal do pai para não pagar a multa é a suposta falta de autoridade do Agente. Quem ou o que lhe conferiu esse poder de aplicar multas? A família parecia não ver razão alguma para obedecê-lo. “Até porque”, argumenta o pai, “ninguém nunca ouviu falar de agentes da COMLURB aplicando multas por alguém ter jogado lixo no chão”. Você repara que boa parte dos curiosos que acompanham a discussão parece concordar com a afirmativa. A aquiescência é ainda maior quando ele arremata: “Todo mundo faz isso e não é multado. Por que você acha que nós deveríamos te obedecer? Essa é uma lei que ‘não pegou’; se ninguém obedece, você não pode aplicá-la.”

O Agente de Limpeza está um pouco desorientado. Ele é novo nesta área e ninguém havia questionado sua autoridade antes. A impressão é de que ele mesmo começa a duvidar da validade do seu ato. O Decreto 21.305/01 da Prefeitura con-fere aos Agentes de Limpeza a responsabilidade de aplicar as multas e penalidades previstas na Lei Municipal de Limpeza Urbana – isso foi tudo que lhe disseram durante o seu treinamento, concluído há alguns meses. Mas por que o Decreto e a Lei Municipal devem ser obedecidos? De onde vem, em última instância, a sua autoridade, se não dessas duas leis? É uma questão que nunca tinha passado pela sua cabeça.

Vejamos: a Lei Municipal de Limpeza Urbana (Lei 3273/01) estabelece em seu artigo 83 a penalidade que foi aplicada à família no quiosque. Indiretamente, esta lei confere validade ao auto de infração celebrado pelo Agente de Limpeza, pois

aula 4: constituição como norma i: onde estÁ a norma Fundamental?

1 http://www.rio.rj.gov.br/

(29)

ele recebe sua competência para aplicar multas por meio do Decreto Municipal 21.305/01, que regulamenta a Lei de Limpeza Urbana.

Uma questão, porém, permanece em aberto: de onde a Lei de Limpeza Urbana retira sua autoridade? Certo, ela dá validade ao decreto, que dá validade à multa aplicada pelo Agente. Mas confere validade à Lei 3273/01?

Refletindo sobre a questão e pesquisando um pouco na Internet, você pensa ter encontrado uma solução para a questão. A Lei de Limpeza Urbana é válida por ser um ato legislativo conforme os parâmetros e a competência estabelecidos na Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, cujo artigo 30 e seus incisos I e VI esta-belecem ser competência do Município “legislar sobre assuntos de interesse local” e “organizar e prestar (...)”, entre outros, os serviços de “limpeza pública, coleta domiciliar” e “remoção de resíduos sólidos”. Como estudante de Direito, você sabe que a Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro tem previsão constitucional. Diversos dispositivos da Constituição conferem aos Municípios a prerrogativa e o dever de se organizarem para cumprir suas tarefas junto à população, especialmente os artigos 23, VI, 29 e 30, I, que dispõem:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constitui-ção, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos (...)

Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

Tentando representar graficamente suas conclusões, você chega ao seguinte re-sultado:

Observando essa “cadeia de validade”, você se detém no último quadro – a Consti-tuição Federal de 1988. Todos os outros quadros são concretizações de competências e

Art. 30, VI da Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro. Art. 83 da Lei de Limpeza Urbana

(Lei Municipal 3.273/01). Art. 4º do Decreto Municipal 21.305/01. Auto de Infração emitido por Agente de

Fiscalização de Limpeza. Art. 23, VI, art. 29 e art. 30, I da

(30)

deveres direta ou indiretamente estabelecidos nesta Lei Maior. Em última instância, é ela que confere validade a todo o resto do ordenamento. A obediência à Constituição exige que obedeçamos também à Lei Orgânica do Município, que exige que obedeça-mos à Lei de Limpeza Urbana, que exige que obedeçaobedeça-mos ao Decreto 21305/01, que nos obriga a reconhecer a validade e autoridade do ato praticado pelo funcionário da COMLURB, por mais inconveniente que seja.

Será que isso responde à questão do Agente de Limpeza?

Vejamos. Tudo parece ser uma conseqüência lógica da aceitação da validade da Constituição. Se reconhecemos a Lei Maior de nosso país, reconhecemos também a validade de toda norma jurídica (lei ordinária, lei complementar, lei orgânica, decreto, regulamento etc) que tenha sido formulada de acordo com os parâmetros ali previstos. Mas... por que aceitar a validade da Constituição?

Vários autores tentaram responder a essa pergunta. Dependendo da perspectiva, o fundamento da obediência à Constituição – de onde o resto do ordenamento jurídico retira sua validade – pode ser a vontade de Deus, a razão universal, a natu-reza humana, o simples fato de ela ter sido posta pelo Poder Constituinte2... A mais

famosa resposta formulada para esse problema, porém, continua sendo a de Kelsen, encontrável na bibliografia desta aula também através do texto de Bobbio, um dos seus inúmeros intérpretes.

B) AtiVidAdes

Após a leitura dos textos, imagine que o ordenamento jurídico brasileiro possa ser representado graficamente pela pirâmide abaixo. Estabeleça suas divisões inter-nas (camadas), indicando a posição de diferentes normas das quais você já ouviu falar. Não esqueça de indicar o que se encontra no vértice da pirâmide: seria a Constituição ou a norma fundamental? Caso você ache que seja a Constituição, onde você situaria a norma fundamental neste esquema gráfico?

?

Art. 23, VI, art. 29 e art. 30, I da Consti-tuição Federal de 1988.

2 segundo Raul Machado Horta,

“O poder constituinte é o respon-sável pela elaboração da Cons-tituição. A função constituinte é a atividade desse poder criador da Constituição. Em qualquer de suas denominações – As-sembléia Nacional Constituinte, Congresso Constituinte, Conven-ção Constituinte -, que servem para identificar o órgão, o poder constituinte originário é sempre o autor da Constituição.” (Direito Constitucional. 4a ed. Belo

(31)

Após completar o gráfico – que será discutido pelo professor – procure pesquisar e trazer para a sala de aula as “cadeias de validade” referentes a:

1) Multa de trânsito;

2) Nota “Zero” atribuída por um professor da DIREITO RIO a um aluno, como sanção por comprovada utilização de “cola” durante a prova.

Utilize como parâmetro para realizar estas tarefas a “cadeia de validade” que tra-çamos para a multa do agente de Limpeza Urbana.

C) textos

i) obrigatórios

Bobbio, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico..10a ed. Brasília: UNB,

1999. Cap. II, “A Unidade do Ordenamento Jurídico”, pp. 37 a 53 e 58 a 65 (tópicos 1 a 4 e 6).

Kelsen, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000. Pp. 181 a 184 (Cap. IX, “A hierarquia das normas”).

ii) Acessórios

Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1994, pp. 215 a 232 e pp. 246 a 263.

Hart, Herbert L. A. O Conceito de Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gul-benkian, 2a edição, 1994.

Heller, Hermann. Teoria do Estado. São Paulo: Ed. Mestre Jou, 1968 (trad. Lycurgo Gomes da Motta). Pp. 318 a 327 (“A constituição escrita”).

Warat, Luis Alberto. Quadrinhos Puros do Direito. Buenos Aires: ALMED.

iii) Questões de Concursos

31º Concurso – Magistratura Estadual/ 1999 – RJ

a) À luz do nosso modelo constitucional, apresenta-se correta a afirmação de que existem normas constitucionais hierarquicamente superiores umas às outras?

b) É possível falar-se em inconstitucionalidade da Constituição?

c) Analise a assertiva de que todas as normas constitucionais originárias retiram sua validade do Poder Constituinte originário.

d) Explicite o significado da funçãode guardião da Carta Magna Federal, que é expressamente conferida ao Supremo Tribunal Federal, e que elea exerce por meio da declaraçãode inconstitucionalidade nos controles difuso e concentrado.

(32)

aula 5: a constituição como norma ii: antinomias constitucionais

NOTA AO ALUNO

A) introdUção

O tema desta aula são as antinomias constitucionais. Mas o que são antino-mias constitucionais? Segundo o prof. Tércio Ferraz, “podemos definir, portanto, antinomia jurídica como a oposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num mesmo âm-bito normativo, que colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento dado”. É importante notar que existem critérios previstos pelo or-denamento jurídico para a resolução de simples conflitos entre normas. Esses critérios são os da temporalidade, da especialidade e da hierarquia.

A importância da antinomia para o Direito Constitucional é múltipla. Por um lado, explica a existência de normas contraditórias, hierarquicamente situadas no mesmo patamar, esta contribuição sendo filha direta do processo constituinte radi-calmente democrático e da sociedade plural e conflitante como é a brasileira. Por outro, ao impor ao intérprete a constituição como obra aberta, deixa-lhe espaço interpretativo para sintonizar sua decisão aos valores, princípios e objetivos de sua época. A pergunta desta aula é: como resolvemos os conflitos entre normas, quando os critérios tradicionais, que estão dentro do sistema, não os resolvem?

B) o CAso

Referências

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