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Estado de Direito Democrático: A Democracia Concomitante

No documento Teoria do Direito Constitucional (páginas 92-98)

Bloco III – História Constitucional Brasileira

Aula 16: Estado de Direito Democrático: A Democracia Concomitante

A) introdUção

O artigo 1º de nossa Constituição de 1988 fala de Estado Democrático de Direito. Já vimos o que é estado de direito. Precisamos saber agora o conceito e a prática de democracia que foram adotados em nossa Constituição. Uma maneira de realizar essa investigação é analisar, pesquisar e tentar identificar como a própria Constituição de 1988 revela algum conceito de democracia. Na Constituição de 1967, por exemplo, o Presidente da República era escolhido por voto indireto, nos termos do artigo 76 e seus incisos:

Art 76 – O Presidente será eleito pelo sufrágio de um Colégio Eleitoral, em sessão, pública e mediante votação nominal.

§ 1º – O Colégio Eleitoral será composto dos membros do Congresso Nacional e de Delegados indicados pelas Assembléias Legislativas dos Estados.

§ 2º – Cada Assembléia indicará três Delegados e mais um por quinhentos mil elei- tores inscritos, no Estado, não podendo nenhuma representação ter menos de quatro Delegados.

§ 3º – A composição e o funcionamento do Colégio Eleitoral serão regulados em lei complementar.

A eleição para os membros do Legislativo era direta, mas o povo não podia escolher o ocupante do cargo individualmente mais importante do país – o de Presidente da Re- pública. Nos anos dez anos anteriores à promulgação da Constituição de 1988, cresceu e se intensificou a oposição ao regime autoritário. Começou a ficar claro para todos – inclusive para o próprio governo – que a sociedade reconhecia a importância de eleger diretamente seu Presidente.

No dia 27 de novembro de 1983, na praça do Pacaembu (São Paulo), a campanha “Diretas Já” teve início, através de manifestação pública convocada pelo Partido dos Tra- balhadores (PT). Durante todo ano de 1984, explodiram em vários pontos do país ma- nifestações de apoio à campanha, exigindo eleições diretas para o cargo de Presidente da República. Apesar de a Emenda Constitucional que estabeleceria a eleição direta – pro- posta pelo Senador Dante de Oliveira em 1983 – ter sido rejeitada em 1984, dali em diante o país seguiu caminho em direção à redemocratização, passando inclusive pelas eleições diretas. Um percurso nítido, ainda que por vezes incerto.

A Assembléia Constituinte foi o coroamento desse processo, ainda que seja apenas o passo inicial no caminho muito mais árduo da construção e consolidação de nossas insti- tuições democráticas. A Constituição de 1988 já abriga uma outra concepção de demo- cracia, reflexo da insatisfação e mobilização da sociedade brasileira na década anterior.

Tal concepção identifica-se no conceito de democracia como combinação de previ- sibilidade das regras da decisão e incerteza quanto aos resultados. Ela exige que o pro- cesso eleitoral constitua-se em um processo cujos resultados, para serem democráticos,

precisam ser incertos – não se pode saber de antemão que um determinado candidato vai ganhar ou que um determinado grupo vai conseguir fazer seu candidato.

A democracia representativa necessita de mais do que de eleições. Necessita de alter- nância do poder e, mais, que o resultado desta alternância seja sempre incerto. Inexiste democracia quando já se tem certeza de quem vai ganhar sempre é o candidato A ou B, mesmo com eleições periódicas.

Esta incerteza estaria refletida na situação através de um complexo sistema de parti- cipação do povo nos vários e múltiplos processos decisórios do poder estatal, ou melhor, nas decisões por meio das quais o estado distribui recursos que são escassos: o dinheiro, as oportunidades, a coerção e a proteção das leis. As decisões estatais são de diversas natu- rezas e, por isso, necessitam de processos diversos de tomada de decisão. A Constituição de 1988 reflete esta complexidade, na medida em que adota o conceito de democracia concomitante que a interação entre democracia representativa, direta e participativa, tor- nando certas áreas mais ou menos sensíveis à participação imediata ou mediata do povo. Depois da leitura dos textos de Joaquim Falcão, procure preencher o quadro abaixo:

Principais instrumentos? artigos?

Democracia Direta Democracia Representativa Democracia Participativa

B) o CAso – i

Na tipologia aqui proposta, o critério básico que distingue os três tipos de demo- cracia é a representação. Na democracia direta, ela inexiste; na representativa, ela é mo- nopólio dos partidos políticos. Na participativa ela é ampla, com ascensão das ONG’s, entidades de classes, sindicatos, do Terceiro Setor em geral.

Por essa razão existe uma concorrência entre partidos políticos e Terceiro Setor. Essa concorrência está latente no Projeto de Lei nº 07/2003, proposto ao final da Comissão Parlamentar de Inquérito criada para investigar denúncias de corrupção e desvio de dinheiro público envolvendo ONG’s. O Projeto “dispõe sobre o registro, a fiscalização e o controle das organizações não-governamentais”, nos seguintes termos:

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 7 de 200316

Dispõe sobre o registro, fiscalização e controle das organizações não-governamentais e dá outras providências.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Artigo 1º – São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamen- to de entidades de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos e normas estatutá-

16 Trata-se do substitutivo

proposto pelo senador césar Borges e já aprovado pelo senado, e não do Pro- jeto original.

rias visem a fins de interesse público, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhe- cimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento. (...)

Artigo 2º – As Organizações não governamentais (ONG’s) prestarão contas anual- mente dos recursos recebidos por intermédio de convênios ou subvenções de origem pública ou privada, inclusive doações, ao Ministério Público, independentemente da prestação de contas aos respectivos doadores.

Artigo 3º – Fica criado o Cadastro Nacional de Organizações Não-Governamentais (CNO), administrado pelo Ministério da Justiça, no qual serão inscritas todas as Orga- nizações Não-Governamentais (ONG’s) atuantes, a qualquer título, no País.

§ 1º Por ocasião da inscrição de que trata o caput deste artigo, a Organização Não- Governamental (ONG) prestará esclarecimentos sobre suas fontes de recursos, linhas de ação, tipos de atividades, de qualquer natureza, que pretenda realizar no Brasil, o modo de utilização de seus recursos, a política de contratação de pessoal, os nomes e quali- ficação de seus dirigentes e representantes e quaisquer outras informações que sejam consideradas relevantes para a avaliação de seus objetivos.

§ 2º Todos os órgãos governamentais que detenham informações não confidenciais sobre Organizações Não-Governamentais (ONG’s), inclusive de natureza fiscal, regis- traria e financeira, deverão torná-las disponíveis para o Cadastro Nacional de Organiza- ções Não-Governamentais, conforme dispuser o regulamento. (...)

Artigo 5º – Fica condicionada a prévia autorização do Ministério da Justiça, confor- me dispuser regulamento, o desenvolvimento de atividades no País por parte de Orga- nizações Não-Governamentais (ONG’s) estrangeiras.

Parágrafo único. As ONG’s constituídas antes da vigência desta Lei terão prazo a ser definido em regulamento, para atender ao disposto neste artigo. (...)

Artigo 7º – Esta Lei entra ‘em vigor na data da sua publicação.

Uma primeira análise sistemática do Projeto no âmbito do Legislativo foi feita no

Parecer nº 633 de 200417, de autoria do Senador César Borges, que será distribuído

pelo professor. O Parecer reflete um clima favorável aos dispositivos do Projeto, cuja versão original foi proposta pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ONG’s, da qual participaram diversos parlamentares com ONG’s ambientalistas em seus Es- tados de origem, especialmente nas regiões Norte e Nordeste do país. Sua aprovação no Senado teria se dado por acordo de lideranças, o que é praxe regular, sem o voto explícito e individual de cada senador. Uma votação “simbólica”.

Após a leitura do caso e do Parecer nº633/04, reflita: este Projeto de Lei é constitu- cional? Responda se colocando no papel de:

a) Advogado da ABONG (Associação Brasileira das ONGs); b) Assessor do Sen. César Borges.

17 Publicado no Diário

Oficial de 30 de junho de 2004, pg. 1993.

C) mAteriAl de Apoio c1) textos

I) OBRIGATÓRIOS

FALCÃO, Joaquim Falcão: “Transformações dos Partidos e da Lei” e “A Demo- cracia Concomitante”. In Democracia, Direito e Terceiro Setor. Rio de Janeiro: FGV, 2004.

Parecer nº. 633/04, do Senador César Borges.

COMPARATO, Fábio Konder. Organizar o contra-poder popular. Publicado na Fo- lha de São Paulo em 22/02/2004.

II) ACESSÓRIOS

BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986 (capítulo “Democracia Direta e Democracia Representativa”)

BENEVIDES, Maria Victoria et al. (orgs.). Reforma Política e Cidadania. São Pau- lo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003 (artigos diversos, especialmente os de Maria Victoria Benevides, Wanderley Guilherme dos Santos, Francisco Whi- taker e Gustavo Venturini)

FALCÃO, Joaquim “A Estatização da Sociedade Civil”. In Folha de São Paulo em 30/07/2004.

COMPARATO, Fábio Konder. Ainda sobre o contrapoder popular. Publicado na Revista Ponto de Vista em 15/10/2004.

_________________________. Viva o povo brasileiro! Publicado na Folha de São Paulo em 15/11/2004.

PREZWORSKI, Adam. “Amas a Incerteza e Serás Democrático” in Novos estudos

aneXo ao bloco de história das constituições

preâmBUlos dAs ConstitUições BrAsileirAs Constituição de 1988

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Consti- tuinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos di- reitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e interna- cional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Constituição de 1967

O Congresso Nacional, invocando a proteção de Deus, decreta e promulga a se- guinte CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.

Constituição de 1946

Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos, sob a proteção de Deus, em Assembléia Constituinte para organizar um regime democrático, decretamos e pro- mulgamos a seguinte

Constituição de 1937

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, ATENDENDO às legitimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, pro- fundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultantes da crescente a gravação dos dissídios partidários, que, uma, notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes, e da extremação, de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu desenvolvimento natural, resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob a funesta iminência da guerra civil;

ATENDENDO ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de caráter radical e permanente;

ATENDENDO a que, sob as instituições anteriores, não dispunha, o Estado de meios normais de preservação e de defesa da paz, da segurança e do bem-estar do povo;

Sem o apoio das forças armadas e cedendo às inspirações da opinião nacional, umas e outras justificadamente apreensivas diante dos perigos que ameaçam a nossa unidade e da rapidez com que se vem processando a decomposição das nossas instituições civis e políticas;

Resolve assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e à sua independên- cia, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz política e social, as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem-estar e à sua prosperidade, decretando a seguinte Consti- tuição, que se cumprirá desde hoje em todo o Pais:

Constituição de 1934

Nós, os representantes do povo brasileiro, pondo a nossa confiança em Deus, reu- nidos em Assembléia Nacional Constituinte para organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômi- co, decretamos e promulgamos a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPúBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL

Constituição de 1891

Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos em Congresso Constituinte, para organizar um regime livre e democrático, estabelecemos, decretamos e promul- gamos a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPúBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL

Constituição de 1824

No documento Teoria do Direito Constitucional (páginas 92-98)