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O museu como pólo de desenvolvimento local: o caso do Museu/Escola de Rendas de Bilros de Vila do Conde

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O Caso do Museu/Escola de Rendas de Bilros de Vila do Conde

Ana Cristina Monteiro Serrão

2007

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O Caso do Museu/Escola de Rendas de Bilros de Vila do Conde

Dissertação apresentada na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, para a obtenção do grau de Mestre em Ciências da Educação, Especialização em Educação, Desenvolvimento Local e Mudança Social.

Autor: Ana Cristina Monteiro Serrão

Orientador: Manuel Matos

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Quero agradecer a todos aqueles que, directa ou indirectamente, terão contribuído para a realização deste trabalho, especialmente ao Professor Manuel Matos, que com a sua paciência e orientação me ajudou neste íngreme caminho.

Ao Chico, aos meus pais e irmão e a todos os meus amigos, pelo amparo e força que sempre me deram, sem os quais não teria conseguido.

E finalmente, a ti avó, onde quer que estejas, obrigado por acreditares em mim.

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Cada pessoa, durante a sua existência, pode ter duas atitudes: construir ou plantar.

Os construtores podem demorar anos nas suas tarefas, mas um dia terminam aquilo que andaram a fazer. Então param, e ficam limitados pelas suas próprias paredes. A vida perde o sentido quando a construção acaba.

Mas existem os que plantam. Estes, às vezes, sofrem com as tempestades, as estações, e raramente descansam. Mas, ao contrário de um edifício, o jardim nunca pára de crescer. E, ao mesmo tempo que exige a atenção do jardineiro, também permite que para ele, a vida seja uma grande aventura.

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Resumo

A presente dissertação de mestrado situa-se no âmbito da Educação, Desenvolvimento Local e Mudança Social. Pretende-se com este trabalho contribuir para a discussão e reflexão mais alargadas da problematização em torno das potencialidades que os museus e outras instituições de carácter cultural podem apresentar quando integrados em processos de desenvolvimento local.

Numa sociedade globalizada como é aquela em que actualmente se vive, urge revitalizar as memórias e as tradições que devolvem às comunidades o sentimento de pertença e identificação com o contexto particular das suas experiências, saberes e vivências.

Assim, o trabalho de investigação desenvolvido e aqui apresentado, incide sobre as rendas de bilros de Vila do Conde, e pretende perceber a importância que esta actividade assumiu e ainda assume na promoção do desenvolvimento local da cidade e da sua comunidade, e ainda clarificar o papel que, actualmente, o Museu e a Escola de Rendas de Bilros de Vila do Conde desempenham na manutenção desta herança tradicional.

Palavras-chave: cultura; educação; desenvolvimento local; memória; identidade; escola; comunidade; rendas de bilros.

Abstract

The main goal of this research-study is to contribute to the deepening of the discussion around local development issues that become more and more important in the globalizing society of nowadays, where local communities desperately need to preserve and revive the memories and traditions that can bring back the safety of belonging to a very own context.

Therefore, by questioning the role that museums and other cultural institutions can play if incorporated in wider local development processes, this work focalizes the specific case of the traditional art of hand making bobbin-lace, trying to bring some enlightenment about the historical importance of this traditional hand-made activity to the city of Vila do Conde and its community and also finding out the actual role that the Bobbin Lace Museum and School assume in the preservation of this precious inheritance.

Keywords: culture; education; local development; identity; inheritance; school; community; bobbin lace.

Résume

Résumé: Le travail présenté ici se place dans le contexte de l'éducation, du développement local et du changement social. Nous prétendons avec ce travail contribuer à la discussion et à la réflexion plus élargies de la problématique liée aux potentialités que les musées et d’autres institutions culturelles peuvent offrir au processus de développement local.

Dans la société globalisée dans laquelle nous vivons, il y a urgence à revitaliser les mémoires et les traditions redonnant ainsi aux communautés le sentiment d’appartenance et d’identification au contexte particulier fait d’expériences et de savoirs.

Dans cette perspective, le travail de recherche axé sur la situation spécifique des dentelles dans ville de Vila do Conde prétend cerner l’importance que cette activité a eu et continue d’avoir dans la promotion du développement local, tant de la ville que de sa communauté, mais également reconnaître le rôle que jouent actuellement le Musée et l’Ecole des Dentellières dans le maintient de cet héritage traditionnel.

Mots clés: culture, éducation, développement local, mémoire, identité, école, communauté, dentelles.

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Índice

INTRODUÇÃO 1

Problemática em Estudo 4

Opções Metodológicas 6

CAPÍTULO I – MUSEUS E MUSEOLOGIA

1.1 – Memória, Identidade e Cultura 13

1.2 – Surgimento e História dos Museus 22

1.3 – Emergência e Evolução da Museologia 31

1.4 – Os Museus no Contexto Português 38

1.5 – Os Museus na Contemporaneidade 44

CAPÍTULO II – EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL

2.1 – A Educação e a Escola 49

2.2 – Educação Formal, Não-formal e Informal 54

2.3 – O Desenvolvimento e o Local 56

2.4 – O Desenvolvimento Local 60

2.4.1 – A educação e o local 65

2.4.2 - A animação e o local 68

CAPÍTULO III – MUSEUS E DESENVOLVIMENTO LOCAL

3.1 – O Museu e suas Funções Sociais 77

3.2 – O Museu e seus Novos Conceitos 81

3.3 – A Intervenção no Âmbito do Desenvolvimento Local 90

3.3.1 – Os museus e o local 98

3.3.2 – Os museus locais 103

CAPÍTULO IV – RENDAS DE BILROS DE VILA DO CONDE: CONTEXTO, ORIGEM E EVOLUÇÃO

4.1 – O Contexto Socio-histórico de Vila do Conde 109

4.2 – Origem e Evolução das Rendas de Bilros de Vila do Conde 114

4.2.1 – A Feira Nacional do Artesanato 127

4.2.2 – A Associação Para a Defesa do Artesanato e Património de Vila do Conde 129

4.3 – Rendas de Bilros: novos sentidos para uma herança do passado 133

4.3.1 – As rendas vão à escola 134

4.3.2 – As rendas a caminho do museu 138

4.4 – Rendas de Bilros: uma leitura do presente 146

CONCLUSÃO 161

BIBLIOGRAFIA 165

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EDUCAÇÃO, DESENVOLVIMENTO LOCAL E MUDANÇA SOCIAL

O museu como pólo de desenvolvimento local – Museu/Escola de Rendas de Bilros de Vila do Conde

Introdução 1

INTRODUÇÃO

Este trabalho de investigação insere-se no âmbito do Mestrado em Ciências da Educação, na especialidade Educação, Desenvolvimento Local e Mudança Social. Tendo em conta a evidente pertinência destas três temáticas para pensar a actual conjuntura, que deveriam motivar, talvez mais, a discussão e a mobilização pública e social, o trabalho desenvolvido e aqui apresentado procurou a problematização destas questões pela sua articulação com o campo da animação sócio-cultural, nomeadamente, com os museus, e outras instituições de carácter cultural. Ou seja, pretendeu-se argumentar a favor da posição única que os museus actualmente ocupam e que lhes poderá permitir, partindo das suas potencialidades educativas, relacionar e incorporar as vivências e saberes das comunidades locais nas quais se inserem, visando a implementação de processos de desenvolvimento – Desenvolvimento Local – capazes de contribuírem para a Mudança Social.

Mas, e atendendo a um sem número de questões e conteúdos que se podem levantar no âmbito do desenvolvimento local, porquê especificamente os museus?!

A sensibilização para as questões relacionadas com os museus surgiu inicialmente no contexto de uma experiência de formação no âmbito da Licenciatura em Ciências da Educação e, mais especificamente, no decorrer do estágio desenvolvido no 4.º ano, que teve lugar a partir de uma instituição museológica. Apesar de o trabalho aí realizado não se relacionar com as questões do desenvolvimento local, permitiu ainda assim, um contacto mais directo com as dinâmicas inerentes a estas instituições de carácter cultural e, consequentemente, uma maior consciência acerca do papel que essas questões podem assumir numa sociedade em constante transformação como é aquela em que vivemos. Terá sido desta forma que o interesse pelas potencialidades de intervenção que, actualmente, se podem associar aos museus e outras instituições culturais, começou a tomar forma.

Os museus e os legados sociais, históricos e culturais que eles preservam e difundem permitem estabelecer uma constante e dinâmica interacção com aquilo que são as raízes, origens, história e passado de uma sociedade ou cultura, podendo colaborar, por um lado, em processos de construção e revitalização de identidades e, por outro lado, em processos de conscientização da importância da acção que cada um pode desenvolver nos contextos imediatos em que vive.

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EDUCAÇÃO, DESENVOLVIMENTO LOCAL E MUDANÇA SOCIAL

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2 Introdução

O interesse por estas questões do desenvolvimento local e as inquietações que lhe estão associadas, à semelhança do que já tinha acontecido com os museus, emergiram das preocupações abordadas no contexto da licenciatura que acabaram por encontrar o seu eco nos debates sociais e políticos da actualidade, que tem sido fortemente marcada por aquilo que se tem designado como o imperialismo do mercado que gera uma concorrência e progresso desenfreados e a frequente descaracterização das especificidades territoriais e identitárias, aspectos que se revelam cada vez mais responsáveis pelo mal estar contemporâneo. Aliadas a estas inquietações surgem outras, igualmente relevantes e ainda mais vastas, como a globalização e as suas consequências, os problemas do desenvolvimento sustentado, as ameaças ao equilíbrio ecológico, a gestão e defesa dos recursos naturais, bem como as assimetrias entre regiões, a crescente desertificação, a

desterritorialização, a folclorização e o esquecimento de muitas tradições e comunidades.

Tendo como pano de fundo todas estas problemáticas de âmbito social e, respeitando aquilo que são as especificidades inerentes a um trabalho deste tipo, e no âmbito das preocupações educativas, houve então necessidade de pensar, delinear e estruturar a investigação. Partindo inicialmente de uma pesquisa teórica, inevitavelmente mediada pelas questões que o terreno empírico foi suscitando, pretendeu-se desenvolver um quadro teórico devidamente sério e rico, capaz de sustentar, esclarecer e interagir com os dados e informações recolhida, e assim poder construir uma (sin)tese coerente e cuja principal ambição é poder contribuir para o enriquecimento e reflexão do debate à volta de todas aquelas questões que se vão inevitável e quase naturalmente, levantando.

O trabalho encontra-se, então estruturado em quatro capítulos, dos quais os primeiros três pretendem reflectir todo um trabalho de pesquisa e problematização teórica, subjacente às temáticas principais, e o último pretende expor, analisar e discutir os dados provenientes da pesquisa e recolha de dados do contexto de investigação específico.

No primeiro capítulo, e por referência à grande temática Museus e Museologia abordam-se alguns dos vectores principais que estão subjacentes ao surgimento, evolução e actualidade dos museus, de um modo geral, e de uma forma mais específica, ao nível da Europa e do contexto português, assim como expor os motivos que levaram à necessidade de estabelecer os princípios e a evolução daquela que se foi desenhando como sendo uma nova área de conhecimento, a museologia.

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EDUCAÇÃO, DESENVOLVIMENTO LOCAL E MUDANÇA SOCIAL

O museu como pólo de desenvolvimento local – Museu/Escola de Rendas de Bilros de Vila do Conde

Introdução 3

No Capítulo II – Educação e Desenvolvimento Local – pretendeu-se, por um lado, reflectir acerca da importância da educação para o desenvolvimento local, não só na sua forma escolar, formal, mas sobretudo nas suas vertentes mais interactivas e interpelativas, capazes de enquadrar e valorizar os conhecimentos e saberes produzidos no seio das comunidades locais, e perceber por outro lado, o papel que a animação sociocultural poderá aí assumir.

No capítulo III – Museus e Desenvolvimento Local – depois de se expor e reflectir acerca das funções sociais e dos novos conceitos que o Museu vai assumindo perante os desafios que a actualidade impõe, propõe-se perceber, a partir de propostas de alguns autores na área, qual a importância da contribuição que esta instituição poderá assegurar a partir da intervenção no âmbito do desenvolvimento local.

Para o capítulo final – As Rendas de Bilros de Vila do Conde: Origem, contexto e evolução – ficou reservada a apresentação da história das rendas de bilros em Vila do Conde, a partir da qual será possível inferir a importância do papel desempenhado por esta actividade na história socio-económica da cidade, e a forma como este terá evoluído ao longo dos tempos, para posteriormente contextualizar a relevância que, actualmente desempenham naquela comunidade, o Museu e a Escola de Rendas de Bilros de Vila do Conde, e perceber como tem sido pensada e desenvolvida a continuidade e preservação daquela actividade tradicional no presente e para o futuro.

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EDUCAÇÃO, DESENVOLVIMENTO LOCAL E MUDANÇA SOCIAL

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4 Introdução

Problemática em estudo

A problemática em estudo refere-se precisamente à relação que se estabelece entre aquilo que se pode considerar como sendo uma certa política de musealização do local e os efeitos que daí poderão advir no desenvolvimento do mesmo, ou seja, perceber como se poderá despoletar e garantir uma contribuição para o desenvolvimento local, através da criação e dinamização de museus e outras instituições com um carácter semelhante.

Esta temática torna-se pertinente na medida em que, como já se referiu, emerge de um problema social que tem surgido em alguns países, mas que em Portugal se foi tornando progressivamente mais evidente, e que se constitui, actualmente, numa preocupação séria: O Estado de desertificação e abandono que afecta muitas das comunidades que ocupam as regiões mais interiores e rurais do nosso país. Tem-se, todavia, consciência de que esta é uma situação que começa também a afectar os centros urbanos, com outras dimensões e levantando outras inquietações, que naturalmente não cabem no âmbito deste trabalho de investigação, mas que se constituem de igual importância, em termos dos efeitos sociais que geram nas comunidades urbanas periféricas.

Há ainda que ponderar acerca da importância do papel que as comunidades locais desempenham no seio deste processo que se pretende longo, negociado e participado, uma vez que são centrais para toda e qualquer intervenção que vise o desenvolvimento local, atravessando todas as suas fases desde a concepção, implementação e concretização. Isto porque são no fundo as comunidades locais que, desejavelmente e de uma forma autónoma, irão suportar e potenciar o desenvolvimento respectivas populações, garantindo a manutenção e perpetuação dos seus saberes e modos de viver.

Atendendo a que aquilo que se pretendia era perceber de que forma é que as dinâmicas comunicacionais e de contextualização histórica e social inerentes ao museu podem ser rentabilizadas e integradoras daquelas que são as vivências e saberes de um determinado local, no sentido de, desta forma, revitalizar e motivar as comunidades locais a criarem elas próprias formas de garantir o seu desenvolvimento e o desenvolvimento do local a que pertencem e com o qual estabeleceram vínculos, pensou-se desde cedo numa instituição museológica que parecesse permitir esta problematização.

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EDUCAÇÃO, DESENVOLVIMENTO LOCAL E MUDANÇA SOCIAL

O museu como pólo de desenvolvimento local – Museu/Escola de Rendas de Bilros de Vila do Conde

Introdução 5

Assim, recorreu-se ao Museu das Rendas dos Bilros de Vila do Conde onde também funciona uma escola – Escola de Rendas de Bilros de Vila do Conde – com o intuito de perceber se este ícone cultural que lhes é comum, as rendas de bilros, teve ou ainda tem um papel fundamental no desenvolvimento deste local ou não, e de que forma estas instituições poderão ter contribuído ou ainda contribuem para o facto. Por outro lado, pretende-se ainda contribuir de alguma maneira para o despoletar de uma cada vez maior discussão e intervenção na perspectiva do desenvolvimento local, isto porque esta parece ser a única forma de mobilizar as pessoas de um modo geral e as instituições sociais e estatais mais especificamente, para o problema do abandono que grande parte das zonas rurais e do interior sofrem.

Mais especificamente, e relativamente ao Museu e à Escola das Rendas de Bilros de Vila do Conde, importa perceber até que ponto terão tido estas instituições um papel preponderante no processo de desenvolvimento local e se esta terá sido uma intencionalidade daqueles que estiveram na sua concepção e implementação.

Atendendo às características e limitações que uma investigação deste tipo poderia acarretar, o trabalho foi desde logo projectado no decorrer do primeiro ano curricular, havendo o cuidado de direccionar os diversos trabalhos desenvolvidos para a problemática escolhida, ainda que esta não estivesse plenamente definida, assim como foram elaborados um planeamento das variadas etapas e um calendário para a investigação.

Neste sentido, cabe agora esclarecer os procedimentos metodológicos que pareceram ser os mais pertinentes e adequados ao estudo que se pretendia desenvolver, e que por seu lado, permitiram aceder aos contextos e às informações concretas emergentes do terreno empírico que se delimitou, e que se refere ao Museu e a Escola de Rendas de Bilros de Vila do Conde. Considerou-se então, que desta forma seria possível perceber se, de facto, os produtos e bens culturais característicos e enraizados localmente, como é o caso das referidas rendas terão contribuído e colaborado para a promoção e desenvolvimento local de Vila do Conde. Do mesmo modo, importará perceber que papéis desempenham e que importância assumem, actualmente, na sociedade vilacondense, na manutenção e valorização desta tradição.

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EDUCAÇÃO, DESENVOLVIMENTO LOCAL E MUDANÇA SOCIAL

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6 Introdução

Opções Metodológicas

O grande desafio, que enfrentam todos os investigadores que se afirmam na área da Investigação das Ciências Sociais e Humanas, é o de conjugar as possibilidades existentes no campo teórico e metodológico com a natureza do objecto a investigar, sabendo-se que isso constitui um processo de interdependências em torno de um real que se vai apropriando com o apoio fundamental de um quadro teórico que entretanto se vai (re)construindo e desenhando, no sentido de construir (re)interpretações acerca de um assunto sobre o qual já existe conhecimento, experiência e vivências.

Atendendo sempre a este facto, o desenvolvimento deste trabalho procurou seguir uma postura de carácter qualitativo numa perspectiva interpretativa, tendo em conta os pressupostos que neste contexto Bogdan e Biklen (1994:47-51) definiram, isto é, atendendo a que em primeiro lugar, a fonte directa dos dados numa investigação deste tipo é o ‘ambiente natural’, sendo o investigador o instrumento principal, onde os contextos reais a ser investigados se revestem de uma importância fundamental, nomeadamente considerando que o envolvimento com o contexto concreto da instituição onde se desenvolve o estudo é essencial para perceber a sua estruturação, funcionamento, dinâmicas internas e intencionalidades inerentes.

Outra das características apontadas por aqueles autores refere-se ao facto de a investigação qualitativa ser descritiva, na medida em que deverá processar e analisar a informação tendo em conta toda a sua riqueza (Idem:48), de forma indutiva, e não como forma de “(...) confirmar ou infirmar hipóteses construídas previamente (...)” (Idem:50), ou seja, é através dos dados e informações recolhidas que vão surgindo as questões fundamentais e que se vai construindo a fundamentação teórica da investigação.

Neste tipo de investigação qualitativa, pela qual este estudo se tentou pautar, valoriza-se de forma privilegiada todo o processo de investigação mais do que os resultados propriamente ditos, e o significado assume aqui um papel essencial, na medida em que aquilo que se pretende de um modo geral, é aceder e perceber as experiências e vivências pelas quais os sujeitos de investigação passaram, o modo como as interpretam, o modo como estruturam o mundo social em que se encontram inseridos e os sentidos que atribuem a tudo isto (Idem:51).

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EDUCAÇÃO, DESENVOLVIMENTO LOCAL E MUDANÇA SOCIAL

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Introdução 7

Atendendo a todos estes pressupostos e de acordo com a ideia geral que já se tinha formulado, optou-se por efectuar um estudo centrado numa instituição específica e tendo em conta uma realidade concreta, muito à semelhança de um estudo de caso. No entanto e devido às limitações temporais inerentes ao próprio tipo de investigação e às opções metodológicas efectuadas, não resultou num trabalho de observação exaustivo – o ‘estudo de caso de observação’ (Idem:90) tem em vista a sua generalização para outros contextos semelhantes, que caracteriza geralmente este tipo de procedimento metodológico – mas desenvolveu-se na tentativa de perceber a origem e a evolução da manufactura das rendas de bilros, sua importância e potencialidade como elemento cultural capaz de proporcionar a manutenção da memória e identidade locais, assim como contribuir para o desenvolvimento do local.

No sentido de perseguir este intento recorreu-se, no decurso da investigação, a uma série de técnicas de recolha de informação, tentando desta forma abarcar o maior número de informação útil e adequada ao tema em estudo, nomeadamente através de uma análise documental, entrevistas, inquérito por questionário, combinando-as com alguns registos efectuados a partir de alguns momentos de observação, que por mais rigorosas que sejam acabam sempre por se constituir numa leitura daquilo que é a realidade dos factos. Se por um lado, os registos das observações se podem constituir numa importante forma de aceder ao conhecimento e consciência que o outro terá sobre o assunto/ temática em questão, as suas limitações ter-se-ão igualmente sentido, nomeadamente pelo facto de não terem obedecido a qualquer tipo de grelha pré-estruturada e de nem sempre terem sido efectuadas de imediato, mas mais tarde por recurso à memória sempre selectiva, no sentido de, assim, evitar mais constrangimentos e enviesamentos no comportamento dos sujeitos, que a própria presença do investigador inevitavelmente gera.

No que se refere à análise documental, considera-se como condição fundamental o acesso e análise de documentos que possam de alguma forma contribuir para o entendimento e esclarecimento daquilo que tem sido a evolução, manutenção e/ou valorização da ‘produção’ e manufactura das rendas de bilros em Vila do Conde. A sua pertinência relaciona-se com o facto de, apesar de não se centrar e reflectir directamente os dados de uma forma objectiva, acabar por permitir o acesso às representações e conceitos de quem os escreveu e, indirectamente, à época a que se referem, sendo assim encarados não como dados puros, mas como interpretações e construções sociais e até políticas que poderão ser relevantes para a investigação, sendo a questão da origem e autoria dos textos fundamental no que se refere à importância e validade que se lhe pode atribuir.

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EDUCAÇÃO, DESENVOLVIMENTO LOCAL E MUDANÇA SOCIAL

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8 Introdução

Por questões alheias à investigação, e na medida em que o fundo/arquivo documental da entidade que organiza, armazena e expõe os documentos que poderiam ser alvo de consulta se encontrar em remodelações, não foi possível o acesso directo a este. Perante esta situação, foram cedidos pelos responsáveis do Museu das Rendas de Bilros de Vila do Conde alguns documentos e exemplares elaborados com base nos documentos originais arquivados, que permitiram desta forma a recolha de grande parte da informação necessária à investigação.

A entrevista foi outra das técnicas a que se recorreu, por possibilitar um grau razoável de profundidade dos elementos de análise recolhidos, boa flexibilidade e baixa directividade para a recolha dos testemunhos e interpretações dos interlocutores, respeitando desta forma os seus quadros de referência e linguagem.

Inicialmente, optou-se por fazer uma entrevista de carácter exploratório ao director do Museu das Rendas de Bilros de Vila do Conde, com o objectivo de aferir a pertinência das questões que se pretendiam colocar e a possibilidade de surgirem, no decorrer da entrevista, outras questões que conduzissem a novas perspectivas e pistas de reflexão. Destacando-se, desta forma, a importância de atender sobretudo às questões consideradas pelo entrevistado como pertinentes, na medida em que estas acabam por reflectir a sua perspectiva face ao mundo que se pretende investigar. Será desta forma que se poderá aceder às práticas que traduzem, frequentemente e de forma inequívoca, aquilo que realmente se pensa e não o que parece ‘politicamente correcto’ dizer ou que é socialmente esperado, no sentido de a partir daí conseguir constituir algum conhecimento acerca do tema em questão.

Assim, preparou-se uma ‘entrevista semi-estruturada’ seguindo um guião previamente elaborado, onde se pretendia a abordagem de uma série de questões que suscitassem no entrevistado algum interesse sobre a problemática em questão ou outra de igual interesse. No entanto, e devido a algumas limitações no que se referia à disponibilidade do entrevistado e à quantidade de informação passível de ser fornecida, e uma vez que esta entrevista possuía um carácter preliminar, ficou acordado o envio via e-mail do guião elaborado, que seria mais tarde devolvido pelo mesmo sistema1.

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Introdução 9

A esta entrevista ao responsável pelo Museu das Rendas de Bilros de Vila do Conde seguiram-se várias outras, digamos que complementares, assim como se realizaram nesta sequência entrevistas à professora da Escola de Rendas de Bilros e ao Responsável pela Associação para a Protecção e Defesa do Artesanato e Património de Vila do Conde.

Qualquer uma destas entrevistas terá adquirido um carácter pouco formal, assemelhando-se a uma conversa na medida em que, pela preassemelhando-sença mais ou menos assídua no local, já existia um certo à vontade em relação aos interlocutores destas instituições, com todas as vantagens e inconvenientes que se poderão aqui associar. Por outro lado, e pelo facto de as entrevistas terem frequentemente resultado de encontros fortuitos aquando da deslocação e permanência nas instituições em questão, apenas foi possível efectuar o seu registo manual, o que não permitiu a sua análise de acordo com os princípios da ‘análise de conteúdo’.

Em simultâneo, considerou-se a pertinência de elaborar dois inquéritos por questionário, um a ser distribuído aos alunos da Escola de Rendas de Bilros de Vila do Conde2 de ’administração directa’ (Quivy e Campenhoudt, 1995:188), uma vez que foram os próprios alunos a preencher o referido inquérito, e um outro destinado aos cidadãos de Vila do Conde em geral3, com algumas variáveis essenciais que permitissem efectuar a caracterização da amostra em questão, e com perguntas, na sua maioria, fechadas cuja análise e resultados serão posteriormente apresentados.

Recorreu-se a esta metodologia por se considerar benéfico para o estudo a possibilidade de efectuar o tratamento estatístico dos dados dos questionários, pela generalização dos resultados, no sentido de se poderem retirar conclusões que possam apresentar alguma relevância, apesar da pouca representatividade em relação ao universo em questão (nomeadamente no caso do segundo questionário dirigido aos vilacondenses).

Foi desta forma que se tentou articular num mesmo processo investigativo metodologias privilegiadamente qualitativas e quantitativas, acreditando que assim se poderia rentabilizar as vantagens que as duas tipologias de investigação podem trazer.

2 Cf. Anexo 2. 3 Consultar Anexo 3.

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Capítulo I – Museus e Museologia 13

Na medida em que os museus assumem neste estudo um papel preponderante, pareceu interessante iniciar este primeiro capítulo reflectindo acerca de alguns conceitos implícitos à problemática do museu. Assim, e recorrendo à sua origem, a mitologia apresenta o museu como sendo uma personagem semimitológica, pertencente “(…) à geração dos poetas míticos da Trácia, que tiveram papel importante na fundação dos mistérios e na criação da seita órfica” (Schimdt, 1985:191).

Museu era assim, um “cantor mítico (…) educado pelas Musas, a quem o seu nome faz referência, (…) [que] efectuava curas de efemeridades por meio, ao que parece de cantos [e era] grande adivinho” (Martínez; Fernandéz-Galiano e Melero, 1997:248).

Quando se pensa em museus, provavelmente das primeiras coisas que surgem na mente são imagens de grandes salões antigos, onde se exibem antigas peças e objectos de arte de grande valor, e apesar de ser esta uma imagem já desactualizada daquilo que são os museus, nela estão subjacentes algumas das suas principais funções, nomeadamente, preservar e conservar os testemunhos, legados do passado considerados importantes no presente. No fundo, aquilo que se pode considerar como sendo a verdadeira essência de um museu, é o facto de nele se confiar a guarda da memória, da identidade e da cultura, em toda a sua variedade.

1.1 – Memória, Identidade e Cultura

Já no tempo da Grécia Antiga, a memória surgiu associada à deusa Mnémosine, “(…) filha de Urano [Céu] e de Geia [Terra], (…) gerou as nove Musas, depois de ter acolhido Zeus junto dela durante nove noites.[Considerada] (…) antes de mais, [como] a personificação da memória” (Schmidt, 1985:189). Assim, a memória era naquela altura encarada como um dom sobrenatural que permitia aos poetas lembrarem-se do passado e transmitirem-no aos restantes mortais (Kessel, s/d:1).

Depois, no período que caracterizou a Idade Média, a memória muito relacionada com a religião e com os santos ganha destaque, na medida em que o tempo estava profundamente ligado às comemorações litúrgicas de datas e momentos religiosos importantes vividos no passado, que recordavam e louvavam os vários santos e mártires, revivendo e perpetuando-se, desta forma, seus feitos e milagres (Idem).

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14 Capítulo I – Museus e Museologia

Com a evolução das sociedades e dos modos de vida foram ocorrendo alterações, tanto em termos da organização do trabalho como das relações sociais que se foram desenvolvendo, nomeadamente com a intensificação da vida comercial, o surgimento da imprensa escrita, a crescente ocupação das cidades, etc., sofrendo as questões da memória iguais transformações, marcadas pela necessidade e possibilidade de criar registros, textos e imagens, que vêm desta forma, substituir muita da tradição oral preconizada até então.

Nas sociedades actuais com o surgimento dos computadores, os suportes digitais e posteriormente, o advento da Internet, a quantidade de informação passível de ser armazenada ganha proporções astronómicas, e portanto mais uma vez ao nível da memória, quer em termos individuais quer em termos colectivos, ocorrem transformações significativas.

Antes de prosseguir para a abordagem mais aprofundada das transformações e dinâmicas sociais actuais em que a memória se inscreve, será importante definir e esclarecer melhor o conceito de memória e os tipos de memória que se podem encontrar.

Tendo em conta os vários estudos desenvolvidos pelas mais diversas áreas científicas, com base neste tema, a memória pode assumir diversas configurações.

Em linhas muito gerais, a perspectiva da Psicologia define memória como sendo a capacidade do sujeito se manter num processo contínuo de referência em relação à experiência vivida, sendo igualmente um factor essencial para o desempenho de todas as suas capacidades, é o suporte de todos os processo de aprendizagem. Nesta perspectiva, a memória processa-se segundo três momentos, a aquisição (momento em que se apreende determinada informação, se realiza determinada aprendizagem), a retenção (refere-se à conservação da informação por um período de tempo) e recordação (altura em que se procede à recuperação da informação), e neste sentido existem essencialmente três tipos de memória: a memória sensorial, memória a curto prazo e memória a longo prazo. Qualquer destes tipos de memória coexistem lado a lado com o esquecimento uma vez que este é a própria condição para a existência da memória, afastando numa dada situação, materiais que não são úteis nem necessários. Consegue-se memorizar porque se consegue esquecer.

Em termos sociológicos, a memória é entendida sempre como uma construção social que pode assumir um carácter individual ou colectivo. Nesta perspectiva, que se reveste de maior interesse para esta reflexão, a memória sendo um processo eminentemente social, deriva de um processo inicial individual, que se refere essencialmente ao modo como o sujeito se percebe a si mesmo “(…) ao mundo interior que o habita e a sua relação com o mundo exterior.

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Capítulo I – Museus e Museologia 15

Esta memória [define-se pelo] cruzamento entre (…) experiências do passado e do presente. O passado projecta-se no presente sob a forma de representações mentais e sensoriais, contribuindo para a formação de ‘cenários’ onde o indivíduo se coloca como observador e/ou como personagem” (Scheiner, 2006:3). Podendo-se ainda afirmar que a convergência e articulação de uma série destes cenários comuns a um determinado grupo se constitui como sendo a sua memória social, colectiva.

Por outro lado, há quem encare a “(…) memória não apenas como uma representação ou reconstrução do passado, mas como tradição, isto é, como manutenção de aspectos do passado de que não temos consciência e que são expressos através de sentimentos, movimentos, hábitos e atitudes. Neste sentido, ela não é apenas construída socialmente, mas é também um aspecto fundamental na construção da sociedade” (Santos, 2002:136).

Existem também os autores que fazem questão de diferenciar memória social “(…) concebida sob a forma de grandes correntes de pensamento (…) na e da sociedade (…) [sendo] essencialmente uma tradição (…), e memória colectiva, como memória de grupo (…) [essencialmente formada] por um hábito de pensamento” (Fernandes, 2002:27). E, outros há que usam estes termos, indistintamente.

Na opinião de Maurice Halbwachs, “(…) um discípulo de Durkheim, o mais influente estudioso da memória nas ciências sociais, defendia que a memória possuía sempre um carácter social” (Silva, 2006:28). Na sua perspectiva, a memória estritamente individual praticamente não existe, ou seja, a memória que é aparentemente particular, individual remete sempre, e de forma inevitável, para um grupo. Isto porque apesar de o sujeito carregar consigo uma determinada lembrança, ele está sempre em constante interacção com a sociedade, grupos, instituições, etc. e portanto, é no contexto das inúmeras relações sociais que se estabelecem ao longo da sua vida, que se vão construindo as lembranças, sendo estas as matrizes da memória.

Assim se pode afirmar que as lembranças individuais são, na verdade, tecidas no seio das relações que se vão estabelecendo com os diferentes grupos com os quais se vai interagindo, impregnadas por um emaranhado de experiências partilhadas (por outros) e que ao serem evocadas são apenas ilusoriamente individuais (Fernandes, 2002:13-14).

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16 Capítulo I – Museus e Museologia

Neste seguimento, o passado “(…) não é algo que tenda a entificar-se e a reificar-se. Existem quadros da memória colectiva sobre os quais se apoiam as memórias individuais e sociais para reconstruir o passado. Não se recorda sem se inscrever a recordação num quadro social, dado que a «memória é uma função colectiva». O pensamento social constitui memória, enquanto quadro feito de noções e de factos que servem de pontos de referência. A recordação é uma actividade racional que toma como ponto de partida a sociedade, isto é, o presente, em cada momento histórico. Estas são as leis da reprodução da memória social” (Idem:45-46).

E portanto, esta memória social é essencial para a integração e a compreensão do passado num processo de reconstrução e reinterpretação das vivências e experiências no presente. Mas a memória social, colectiva constrói-se com base nos referenciais espácio-temporais, como de resto acontece com a própria construção da identidade. Por um lado, o tempo constitui-se como “(…) uma condição da recordação em relação com uma multiplicidade de quadros sociais entre si relacionados na produção da memória colectiva” (Fernandes, 2002:20); e por outro lado, a própria memória colectiva apoia-se “(…) em imagens espaciais [que por sua vez] desempenham um papel importante no processo de reconstrução do passado” (Idem:14-15).

Na sociedade actual, cada vez mais marcada pelo princípio do mercado global e onde as especificidades do espaço e do tempo se vão diluindo, levantam-se sérias questões relacionadas nomeadamente com a consequente descaracterização e desvinculação territorial das comunidades seus valores e mesmo das suas memórias.

Segundo Giddens, aquilo que está a acontecer nas nossas sociedades actualmente, é uma ‘descontextualização dos sistemas sociais’, na medida em que se passou de uma sociedade em que grande parte das actividades da vida quotidiana eram essencialmente marcadas por um tempo e espaço profundamente interligados e vinculativos, para uma outra onde os referenciais espácio-temporais são pensados e reestruturados em virtude das “(…) propriedades universalizantes que explicam a natureza expansionista e irradiadora da vida social moderna nos seus encontros com as práticas tradicionalmente estabelecidas (…)[operando-se na] intersecção da presença e da ausência, o entrelaçar de eventos e relações sociais ‘à distância com as contextualizações locais” (Giddens, cit. in Fernandes, 2002:21). Ou seja, o valor do espaço e do tempo vão-se alargando, homogeneizando e diluindo no seio dos quadros sociais actuais, naquele que se constitui como sendo o processo mais lato de construção da memória (e da identidade a vários níveis), o que acaba por gerar um certo desenraizamento social, que pode por seu lado conduzir a uma fragmentação e enfraquecimento das memórias, já que estas se tornam progressivamente mais numerosas e rapidamente mutáveis.

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Capítulo I – Museus e Museologia 17

O facto de cada indivíduo pertencer, hoje em dia, “(…) a uma pluralidade de grupos torna impossível a construção de uma memória unificada (…). [Desta forma], as memórias (…) multiplicam-se e reivindicam a sua própria história no quadro de um processo geral de individualização [transformando-se em] mosaicos sem unidade, feitas de fragmentos de grandes memórias organizadoras” (Candau, cit. in Fernandes, 2002:50).

Assim, e na medida em que, por um lado, a “(…) busca da memória é também uma procura de identidade [e quando] (…) se perde a memória, entra-se num estado de crise identitária” (Idem: ), e considerando por outro lado “(…) o significado nuclear de qualquer identidade individual ou colectiva (…) consiste principalmente no sentido de se permanecer o mesmo no tempo e no espaço” (Gillis, cit. in Sobral, 2006:34), facilmente se chega à conclusão de que memória e identidade se encontra estreitamente ligadas. Nesta perspectiva, os efeitos transformadores e desenraizadores que começam a atingir de forma profunda a memória social, também podem reflectir-se nas identidades.

A memória é então considerada como “(…) um poderoso operador de construção da identidade (…), ao conferir ao grupo sentido para o seu passado e para o seu futuro, identifica-o, contribuindo para a construção da sua identidade” (Fernandes:52-53).

Neste seguimento, e de um modo muito geral, a identidade pode ser definida, à semelhança da memória, como um processo de construção, “(…) um estado de consciência da pessoa e do sentido da vida e do mundo, mediante elementos culturais adequados; (…) um sentimento de relação com o mundo, uma maneira de se situar num determinado ambiente. É o resultado de um cruzamento de olhares numa sala de espelhos, como se pode considerar ser formada a sociedade (…)” (Sobral, 2006:34). É então, através da identidade e da identificação social, ou seja através de um conjunto de crenças, valores e experiências que os sujeitos constroem, sempre no âmbito de relações sociais que desenvolvem com outros, que a vida e os contextos sociais em que se movimentam ganham sentido. É desta forma que qualquer actor social se (re)conhece a si, aos outros e a tudo o que o envolve.

Segundo Claude Dubar, “(…) a identidade não é mais do que o resultado simultaneamente estável e provisório, individual e colectivo, subjectivo e objectivo, biográfico e estrutural dos diversos processos de socialização que, em conjunto, constroem os indivíduos e definem as instituições” (Dubar, 1997:105).

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18 Capítulo I – Museus e Museologia

Assim, com o desaparecimento e substituição das sociedades de tipo comunitário por sociedades cada vez mais pautadas pelo individualismo, as condições de produção e reprodução quer ao nível da memória quer ao nível da identidade, sofrem profundas alterações, passando “(…) a existir memórias plurais em consonância com as plurais identidades (…) [que se vão igualmente desenvolvendo, uma vez que de uma identidade fortemente ‘edificada’ se passa a] identidades diluídas e múltiplas” (Idem).

Poder-se-á então afirmar, que face a estes processos sociais caracterizados pela multiplicação e fragmentação das identidades e memórias que suportam a construção do individuo como sujeito pertencente a uma comunidade, família, grupo profissional, etc. faz todo o sentido tentar resgatar aquilo que no seio destes se vai perdendo. É neste sentido, que as questões relacionadas com a cultura e o património podem ser introduzidas.“O património construído, com os seus símbolos e a sua linguagem, tem uma enorme importância para a identidade de uma (…) [comunidade, na medida em que] para além de dar sentido às coisas permite alimentar a memória (…) [que, por sua vez] assegura a identidade dos grupos (…). [As identidades] afirmam-se no quadro de relações e interacções sociais, num processo dinâmico na relação de inclusão e exclusão, de aproximação e afastamento” (Fernandes, 2002:53).

Interessa, entretanto, reflectir de uma forma breve sobre o conceito de cultura aqui introduzido, clarificando-se alguns dos seus diferentes sentidos, resultado inegável da complexificação natural do pensamento e reflexão humanos, assim como argumentar a favor da relação de articulação que acaba por inevitavelmente se estabelecer entre a cultura, memória e identidade.

Assim, cultura poderá ser definida como sendo o “(…) conjunto dos conhecimentos adquiridos que contribuem para a formação do indivíduo enquanto ser social; (…) [ou então cultura como] conjunto de costumes, de instituições e de obras que constituem a herança de uma comunidade ou grupo de comunidades; [ou ainda, cultura definida com um] sistema complexo de códigos e padrões partilhados por uma sociedade ou um grupo social e que se manifesta nas normas, crenças, valores, criações e instituições que fazem parte da vida individual e colectiva dessa sociedade ou grupo”4.

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Capítulo I – Museus e Museologia 19

Em termos cronológicos e antropológicos, a primeira definição de cultura terá surgido da necessidade de organizar e diferenciar o mundo, contrapondo aquilo que seria fruto da natureza, àquilo que poderia ser do foro da humanidade, do domínio do adquirido (Fontes, s/d:1). Até finais do século XVIII, terá sido esta a definição que prevaleceu. Depois, no decorrer dos séculos XIX e XX, a concepção que foi vigorando em termos muito gerais, encarava a cultura como sendo tudo aquilo que se referia a uma manifestação do ‘espírito dos povos’ (Idem).

Em termos de uma definição mais especifica e concretamente elaborada, sabe-se que terá sido Burnett Tylor, um antropólogo inglês que nos finais do século XIX terá sistematizado, no seu livro Primitive Culture de forma clara e devidamente formalizada a definição de cultura, sendo esta correspondente a um “(…) todo complexo que inclui os saberes, as crenças, as artes, a moral, as leis, os costumes e outras capacidades adquiridas pelo homem enquanto membro da sociedade" (Tylor cit. in Forquin, 1993:24).

Neste sentido, e como se pode constatar verificou-se uma evolução no âmbito dos estudos e produções teóricas antropológicas, em que a noção de cultura como produto da intervenção do homem em oposição à natureza se foi perdendo, e procurando valorizar a pluralidade da cultura, passou a enfatizar-se a noção de “(…) cultura como os traços característicos do modo de vida de uma sociedade, de uma comunidade ou de um grupo (…)”(Forquin, 1993:11), cultura como aquilo que dá sentido às acções dos actores sociais (…) podendo servir e iluminar o lado do ser e da identidade” (Silva, 2000:1).

Este termo “(…) um dos mais equívocos e mais enganadores (…) [apresenta no] seu espectro semântico uma tensão entre uma faceta individual e uma faceta colectiva, um pólo normativo e um pólo descritivo, uma ênfase universalista e uma ênfase diferencialista” (Forquin, 1993:11).

Perante a pluralidade de acepções que o termo cultura pode apresentar de acordo com a perspectiva que é enfatizada, nomeadamente, uma acepção filosófica que opõe a natureza à cultura, uma concepção mais tradicional ‘elitista’ por referência ao indivíduo cujo espírito é cultivado, a perspectiva das ciências sociais realçando a cultura como o conjunto de normas e padrões que orientam a acção, parece importante realçar aqui uma outra perspectiva, que se pode considerar ‘patrimonial’ e ‘identitária’, na qual a cultura é encarada do ponto de vista da obra e herança colectiva que encerra em si.

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20 Capítulo I – Museus e Museologia

Cultura como “(…) um património de conhecimentos e de competências, de instituições, de valores e de símbolos, constituído ao longo de gerações e característico de uma comunidade humana em particular (…) sendo suporte de memória e obra de memória (…)” (Forquin, 1993:12). Uma concepção que atenda ao facto de que a cultura é o “(…) resultado dum processo histórico (…) longo e lento (…), uma realidade precisa e concreta (…) [e sobretudo, uma realidade] dinâmica: «é um povo em movimento», em evolução; [na qual] os elementos integrantes vão-se alterando: uns perdem significado e funções, outros aparecem e afirmam-se. [A] (…) cultura dum povo é aquilo que constitui a sua identidade” (Cabral, 1983:131-132).

Perante uma sociedade marcada pelo “(…) colapso do ‘Estado de bem estar social’ e (…) [o] esvaziamento das instituições democráticas, efeitos consequentes de um processo de globalização (…), num mundo onde nada mais é (…) certo, ou esperado – e onde os laços sociais se reconstituem e resignificam, em processo continuado” (Scheiner, 2006:5), aquilo que qualquer cidadão deseja é regressar, de certa forma, aos valores e segurança que os contextos familiares da tradição inevitavelmente proporcionam, e tentar recuperar o sentido de identidade e pertença social.

Assim, os museus como lugares de memória, são sem dúvida locais privilegiados que através da preservação, interpretação e exibição dos legados históricos, sociais, culturais, naturais, humanos, imateriais, etc. que encerram em si, podem possibilitar o contacto com situações, objectos e momentos, cujo valor profundamente simbólico é capaz de proporcionar ao sujeito um melhor conhecimento da (sua) história e uma maior consciencialização de si, como actor e agente social, numa coerência e continuidade com o passado, forjada sempre na perspectiva da mudança e emancipação social.

Neste sentido, é possível ao sujeito perspectivar e trabalhar tendo em vista um desenvolvimento integral de si e da sua identidade e da comunidade onde se integra no presente e futuro.“A patrimonialização, traduzindo uma busca dos vestígios do passado, segue o movimento da memória e acompanha o processo de construção das identidades. O património, como prática de memória e valor de identidade, vai despertando, no momento presente a necessidade do seu inventário e da sua conservação (…). Opera-se, na actual busca de identidade, a valorização do património cultural” (Fernandes, 2002:17-18).De qualquer maneira é preciso não esquecer que como instituições de memória, os museus e outras instituições culturais com o mesmo carácter são, eminentemente selectivos, na medida em que subjacente a qualquer processo de recordação está, simultaneamente implícito, um outro de esquecimento.

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Capítulo I – Museus e Museologia 21

Se o museu terá surgido, como atrás se referiu, na Grécia Antiga associada ao ‘Templo das Musas’, e apresentando uma ligação, por herança materna, à memória (Mnemósine) e ao poder, por herança paterna (Zeus), os museus devem ser encarados, por um lado como “lugares de memória”, e por outro, como “(…) configurações e dispositivos de poder” (Idem (Nora, cit. in Chagas, 2002:52). Sendo espaços ‘celebrativos da memória do poder’, os museus cumprem a sua função de recolha, organização e exposição de colecções, segundo uma determinada visão (que não é nem poderia ser imparcial ou neutra) que respeita a ideologia e cultura dominantes, emanadas por quem realmente detém o poder, estando desta forma a assegurar a reprodução cultural e ideológica. Neste sentido, recorda-se aqueles que, de uma forma ou de outra, estiveram relacionados com o poder e /ou o terão desafiado, isto porque como dizia Foucault, “(…) onde há memória há esquecimento e lá onde há poder há resistência” (Foucault cit. in Chagas, 2002:56).

Mas, o museu pode também colocar-se ao serviço da intervenção e desenvolvimento sociais, enfatizando ‘o poder da memória’, e nesta perspectiva realçando o seu papel como “(…) agências capazes de servir e de instrumentalizar indivíduos e grupos para o melhor equacionamento de seu acervo de problemas. (…) O compromisso, neste caso, não é com o ter, acumular e preservar tesouros, e sim com o ser espaço de relação, capaz de estimular novas produções e abrir-se para a convivência com as diversidades culturais” (Chagas, 2002:55). Uma vez que a memória “(…) não se reduz à reconstrução do passado no presente ou a determinações do passado sobre o presente, e [sim] na sua diversidade – percepção, manutenção, reconstrução e aprendizado em relação ao passado – ela pode significar tanto controle como emancipação” (Santos, 2002:125). Por outro lado, “(…) a cultura funciona como um espaço de encontro, uma síntese de estabilidade e mudança, de passado e presente, de diacronia e sincronia” (Sahlins cit. in Scheiner, 2006:3), acrescentando-se, de reprodução e mudança social.

Assim, a apropriação cultural do património é sempre sujeita a uma determinada visão e portanto no museus está representada uma proposta, uma determinada (re)leitura do real, subjectiva e mediada pelo já referido jogo do poder, o que lhe confere uma dimensão de conflito, interpelação. É precisamente nesta possibilidade que reside uma das grandes mais valias do museu, enquanto instrumento ou dispositivo de intervenção social, ser capaz de proporcionar uma ou mais perspectivas de interpretação da realidade, entre múltiplas leituras.

A museologia e consequentemente os museus resgatam assim, “(…) para o campo museológico a dimensão do litígio: é sempre possível uma nova leitura” (Chagas, 2002:56).

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22 Capítulo I – Museus e Museologia

No entanto, segundo Maurice Halbwachs, “(…) a sociedade tende a afastar da sua memória tudo o que possa separar os indivíduos, distanciar os grupos uns dos outros e, em cada época, remodela as suas recordações de maneira a colocá-las de acordo com as condições varáveis do seu equilíbrio” (Halbwachs cit. in Fernandes, 2002:36). Ou seja, qualquer sistema que se preze nunca admite, no seu funcionamento, mudanças ou rupturas que ponham em causa a sua existência ou manutenção. E portanto, será jogando nesta constante tensão entre a manutenção e a mudança, entre universalidade e identidade, memória do poder e poder da memória que o museu pode construir e forjar o seu espaço de actuação social.

Partindo então do princípio que os museus se tornam instituições culturais e de memória imprescindíveis na manutenção e construção da identidade, interessa agora perspectivar e contextualizar a evolução dos conceitos e concepções de museu ao longo dos tempos.

1.2 – Surgimento e História dos Museus

No sentido de melhor perceber o processo de surgimento e evolução dos museus será relevante proceder a uma breve contextualização dos tempos e espaços históricos, sociais, políticos e ideológicos em que estes foram surgindo e evoluindo ao longo dos tempos, até assumirem a configuração que hoje lhes reconhecemos.

Pode-se então começar por afirmar, que o vocábulo museu surge associado à Grécia Antiga, por volta do III milénio a.C., nomeadamente às musas5, que se acreditava, inspiravam e protegiam aqueles que na altura se dedicavam ao estudo e desenvolvimento de trabalho científico e artístico, e ao famoso Mouseion de Alexandria, considerado por muitos como o primeiro museu de que há memória, funcionando como um “(…) centro de pesquisa e convívio cultural (…) de carácter universalista onde se almejava reunir e armazenar toda a produção humana (…) [e que] tinha como finalidade específica preservar a memória da humanidade, mas também era símbolo incontestável de poder” (Fontanelli, 2005:65).

5 As nove musas, filhas de Zeus e Mnemosine presidiam as Artes e as Ciências e acreditava-se que inspiravam os artistas, em especial poetas, filósofos e músicos. Calíope era a musa da Poesia épica, Clio da História, Euterpe da Poesia lírica, Melpómene da Tragédia, Terpsícore da Música e da Dança, Erato da Poesia amorosa, Polimnia da Poesia sagrada, Urania da Astronomia e Talia da Comédia.

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Capítulo I – Museus e Museologia 23

Mais tarde, já na Idade Média, e tendo em conta que o poder e domínio socio-ideológico estava associado à Igreja e aos impérios e cortes reais, grande parte dos espaços ‘museológicos’ que existiam na altura exibiam colecções onde imperavam os artefactos/objectos litúrgicos e os tesouros régios, que pela sua raridade, riqueza ou poder simbólico, adquiriam um estatuto de tamanha importância, que tão poucos privilegiados podiam admirar (Idem).

Nos séculos XVI/XVII, durante o Renascimento, consta-se que terão surgido pequenas galerias, os designados ‘gabinetes de curiosidade’, que alguns dos mais notáveis membros das sociedades possuíam em suas ostensivas residências, onde se acumulavam e exibiam ‘colecções’ privadas de objectos únicos e excêntricos provenientes dos mais variados e exóticos destinos. Estas só eram apreciadas pelos proprietários e/ou por intelectuais e notáveis estudiosos que igualmente se movimentassem nas altas esferas sociais.

Os séculos que se seguiram ficaram marcados por uma progressiva materialização destes ‘gabinetes de curiosidades’ em espaços museológicos, onde passou a ser evidente a preocupação em classificar os objectos que eram expostos respeitando uma determinada relação entre si, podendo-se considerar que terá sido desta “(…) forma tímida, mas contundente [que nasce] a museografia. [Nesta altura,] “(…) o acesso às grandes colecções tornou-se mais frequente, em virtude da própria política educacional e cultural que predominava em alguns países da Europa” (Fontanelli, 2005:66-67). Neste sentido, grande parte destas colecções privadas começou a ser doada ao Estado e aos municípios – tornando-se assim progressivamente mais acessíveis – sendo que, por volta do início do século XIX, passaram a estar abertas ao público em geral sob a designação, digamos que formal, de museus.

No século XIX, os museus, e de uma forma geral, os monumentos e instâncias de carácter cultural desempenhavam um “(…) um tríplice papel: educar o indivíduo, estimular o seu senso estético e afirmar o nacional”. (Chagas, M. S. e Santos, 2002:42). E no sentido de dar seguimento a estas funções, o museu torna-se num dispositivo disciplinar que individualiza e qualifica os seus visitantes, acabando por reclamar a posse e o domínio de determinada bagagem cultural, saberes, gestos e linguagens específicas à sua fruição (Idem).

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24 Capítulo I – Museus e Museologia

Este museu elitista exerce sobre os seus usuários, aquilo a que Foulcault (cit. in Chagas e Santos, 2002:42) designou como sendo o ‘poder disciplinar’ dos museus, marcado pela preocupação em organizar o espaço museológico, controlar e impor um determinado tempo de fruição daquele, de acordo com “(…) um princípio de normalidade para a absorção do conhecimento de que o museu é o gentil depositário ou o fiel carcereiro” (Chagas e Santos, 2002:42) e finalmente, garantir a vigilância e a segurança do património propriamente dito.

O século XIX terá sido um época igualmente marcada pela organização de exposições universais, “(…) pela organização de centros de pesquisa, influenciados pelo pensamento positivista; pelo carácter de templo de saber que passou a ser atribuído aos museus; e pela consolidação destes como depositários do património cultural da humanidade. (…) A memória colectiva era lembrada, e o museu desempenhava papel fundamental ao preservar e expor parte do património recuperado das mãos dos príncipes” (Fontanelli, 2005:67).

E assim, apesar de ser evidente a preocupação em alargar a fruição daqueles espaços culturais à população em geral, os museus eram, no entanto, concebidos de acordo com uma linguagem, postura e valores que na realidade eram orientadas para um grupo social específico tradicionalmente associado às camadas económica e socialmente mais favorecidas, uma certa elite

cultural.

A democratização da cultura e o acesso efectivamente facilitado a todos aqueles que quisessem usufruir dos museus e daquilo que eles tinham para oferecer, terá sido um processo extremamente lento e conflituoso, que não ocorre antes do século XX (há mesmo quem considere que ainda não terminou), e terá pressuposto uma série de transformações estruturais dos princípios e fundamentos essenciais que norteavam a postura dos museus. Por um lado, o facto de se encontrarem muito vinculados a uma atitude coleccionista de mera acumulação de objectos e à exaltação dos “(…) feitos intelectuais ou políticos de figuras históricas exemplares (…)” (Hooper-Greenhill, cit. in Lira, 1997:5), e por outro, de serem encarados como uma oportunidade única para instruir e civilizar aqueles que não tinham tido essa possibilidade (Faria, 2000:4).

As primeiras décadas do século XX terão sido marcadas por uma série de acontecimentos mundiais, as grandes guerras, as ditaduras comunistas e o colonialismo donde, em nome de um patriotismo muitas vezes exacerbado, resultaram os maiores saques patrimoniais. Era desta forma que se reforçava a necessidade de, em termos culturais, assegurar a preservação da memória e a preponderância mundial das nações. Tudo isto acabou por se traduzir num reforço das produções científicas, artísticas e culturais expostas e divulgadas naquilo que eram os museus da altura.

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Capítulo I – Museus e Museologia 25

Em meados da década de 40, com o fim da segunda guerra mundial, e apesar da sociedade se encontrar extremamente fragilizada (quer em termos económicos quer em termos sociais) e desiludida com a quantidade de atrocidades que foram cometidas naquele contexto, foi possível chegar a acordo quanto à necessidade de criar uma organização, de cariz internacional, capaz de conduzir e manter, a todos os níveis, o equilíbrio e a paz.

Assim, em 1945 nasceu oficialmente a Organização das Nações Unidas (ONU)6, cujo principal objectivo era reunir todas as nações do mundo na prossecução da paz e do desenvolvimento, com base nos princípios de justiça, dignidade humana e bem-estar de todos. Por outro lado, dá-se aos países a possibilidade de colaborar e participar na procura de soluções conjuntas, tendo em conta os interesses nacionais de cada país e a interdependência mundial.

Ainda no mesmo ano, e no âmbito desta recém formada organização, foi então criada a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO)7. Os seus principais objectivos, e nomeadamente naquilo que diz respeito às questões culturais, passam então, pela promoção da elaboração e a aplicação de instrumentos normativos de âmbito cultural; pela salvaguarda da diversidade cultural e promoção do diálogo inter-cultural e civilizacional; e pelo fortalecimento dos vínculos entre a ciência e desenvolvimento, assegurados pela partilha das capacidades e do conhecimento mobilizado8.

No ano seguinte, no contexto da UNESCO e, provavelmente no sentido de assegurar estes objectivos, é criado sob a sua égide o ICOM9 – International Council of Museums – em português, Conselho Internacional dos Museus.

6 “A Organização das Nações Unidas nasceu oficialmente a 24 de Outubro de 1945, data em que a sua Carta foi ratificada pela maioria dos 51 Estados Membros fundadores. O dia é agora anualmente celebrado em todo o mundo como Dia das Nações Unidas.” [On-line], http://www.onuportugal.pt/onu.html, 21.10.2005.

7 “A UNESCO é a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (United Nations Educational, Scientific, and Cultural Organization). Foi criada em 1945, com a adopção do Acto Constitutivo a 16 de Novembro. O seu principal objectivo é o de contribuir para a paz, desenvolvimento humano e segurança no mundo, promovendo o pluralismo, reconhecendo e conservando a diversidade, promovendo a autonomia e a participação na sociedade do conhecimento. Tem sede em Paris e dispõe de escritórios regionais e nacionais em vários países. Tratando-se de uma agência especializada das Nações Unidas, as suas línguas oficiais são o inglês, o francês, o espanhol, o árabe, o russo e o chinês. (…) A UNESCO conta com 191 Estados-membros e 6 Estados Associados”. [On-line], http://www.unesco.pt/cgi-bin/unesco/unesco.php, 21.10.2005.

8 [On-line], http://www.unesco.pt/cgi-bin/unesco/unesco.php, 21.10.2005

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26 Capítulo I – Museus e Museologia

Como o próprio nome indica, esta é uma Organização Não Governamental (ONG) com fins não lucrativos de cariz e abrangência internacional. Sendo assim, o ICOM depende do financiamento dos seus membros – contabilizando-se actualmente cerca de 21 000 membros provenientes de 140 países – e de alguns governos. Apesar de manter uma relação estreita e formal com a UNESCO, o ICOM apresenta uma série de objectivos específicos, donde se pode destacar a preocupação com a conservação, preservação e comunicação/divulgação na sociedade, da herança natural e cultural em termos mundiais, o seu passado e presente quer seja material ou imaterial10.

A criação deste organismo e os encontros realizados no seu âmbito resultaram num importante incentivo para o debate acerca das questões das instituições museológicas, “(…) tanto do ponto de vista técnico-estrutural como do ponto de vista conceptual uma vez que, [se] passa a reconhecer o museu como um importante instrumento cultural” (Silva, 1999:45).

Terá sido então, neste contexto geral que se foi tomando consciência da necessidade de discutir e debater acerca de um certo mau estar que se ia vivendo no seio destas instituições culturais, que para acompanharem a evolução social que entretanto foi ocorrendo um pouco por todo o lado, tiveram que ultrapassar a selectividade impressa na linguagem e nos conteúdos frequentemente subjacentes às colecções/exposições apresentadas e à forma como estas eram organizadas e planeadas. Maioritariamente dirigidas para uma ‘elite cultural’, acabou por se criar uma (im) posição de ideais, interesses, valores que não eram significativos, nem tão pouco reconhecidos, pela grande maioria das pessoas – o então considerado “não público” – que começava a aproximar-se destes espaços, e para os quais seria necessário trabalhar e investir.

Neste contexto, e no âmbito destas organizações, promovem-se então uma série de encontros e reuniões, donde se destacam cinco que pela sua importância e pelo facto de terem dado origem a documentos e declarações essenciais no âmbito das questões museológicas acabam por merecer especial relevância.

Em causa estão o Seminário Regional da UNESCO sobre o Papel Pedagógico dos Museus, realizado em 1958, no Rio de Janeiro; a Mesa Redonda de Santiago do Chile, em 1972; o Atelier Internacional da Nova Museologia, no Quebec/Canadá e a Reunião de Oaxtepec em 1984, no México e finalmente a Reunião de Caracas, em 1992, na Venezuela.

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Capítulo I – Museus e Museologia 27

Antes de passar à breve análise de cada um destes documentos e atendendo a que o primeiro documento de que se fala foi redigido no fim dos anos 50 início de 60, será pois pertinente reflectir mais amplamente acerca deste período, marcado que foi por um inconformismo generalizado face ao autoritarismo que se vivia e que dominava a actualidade daquele tempo.

A revolta contra os regimes ditatoriais e o autoritarismo que imperavam por toda a Europa, a ausência de participação social e um consumismo exagerado, aliados à manipulação que os meios de comunicação de massa preconizavam nas décadas de 50/60 resultaram no surgimento e desenvolvimento de movimentos e acções de contestação social com o intuito de provocar o debate e questionamento acerca dos princípios e valores instituídos, na tentativa de uma maior conscientização e responsabilização social. Como consequência não só destas movimentações e das reformulações sociais e políticas que entretanto ocorreram, como também da intensificação da própria produção cultural, que marcou esta época, também as questões culturais e da preservação do património sofreram alterações que se reflectiram, de forma inevitável, na concepção dos museus e no surgimento da museologia.

No sentido de contribuir para uma percepção mais informada acerca das questões culturais e dos debates que se foram gerando em torno destas preocupações, referem-se aqui aqueles que se poderão designar como sendo os principais momentos e documentos que determinaram a visão e a forma de conceber os museus no decorrer do século XX.

O primeiro destes documentos surgiu de um encontro realizado em 1958 na cidade do Rio de Janeiro, com o nome “Seminário Regional da UNESCO sobre a Função Educativa dos Museus”, onde se reuniram vários profissionais e investigadores envolvidos nesta área, no sentido de se discutir acerca da importância da função educativa do museu, que sem esquecer as suas vertentes de conservação, estudo e exposição, deveria começar a encarar a educação com primazia significativa.

Apesar do principal objecto da museologia ser o artefacto museológico em si, como possuidor de valor artístico e histórico consagrado, procura-se neste encontro, debater a importância de reflectir e ponderar acerca de outras dimensões igualmente relevantes para a sua dinamização. Pretendia-se por um lado, que a educação no museu fosse encarada como uma continuidade do trabalho formal realizado pela escola, e por outro lado, que a função comunicativa, passasse ser considerada como central para a actividade museológica.

Referências

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