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Concepções de linguagem e ensino de língua portuguesa: um olhar sobre o trabalho com a análise linguística

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

CURSO DE MESTRADO

ÁLVARO VINÍCIUS DE MORAES BARBOSA DUARTE

CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E ENSINO DE LÍNGUA

PORTUGUESA: UM OLHAR SOBRE O TRABALHO COM A ANÁLISE

LINGUÍSTICA

Recife 2014

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ÁLVARO VINÍCIUS DE MORAES BARBOSA DUARTE

CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E ENSINO DE LÍNGUA

PORTUGUESA: UM OLHAR SOBRE O TRABALHO COM A ANÁLISE

LINGUÍSTICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre em educação

Orientadora: Profª Drª Maria Lúcia Ferreira de Figueirêdo Barbosa.

Recife 2014

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Catalogação na fonte

Bibliotecária Andréia Alcântara, CRB-4/1460

D812c Duarte, Álvaro Vinicius de Moraes Barbosa.

Concepções de linguagem e ensino de língua portuguesa: um olhar sobre o trabalho com a análise linguística / Álvaro Vinícius de Moraes Barbosa Duarte. – Recife: O autor, 2014.

169 f. ; 30 cm.

Orientadora: Maria Lúcia Ferreira de Figueirêdo Barbosa.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, CE. Programa de Pós-graduação em Educação, 2014.

Inclui Referências, Apêndices e Anexos.

1. Língua portuguesa - Ensino. 2. Linguística. 3. UFPE - Pós-graduação. I. Barbosa, Maria Lúcia Ferreira de Figueirêdo. II. Título.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ÁLVARO VINÍCIUS DE MORAES BARBOSA DUARTE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

TÍTULO: CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: UM OLHAR SOBRE O TRABALHO COM A ANÁLISE

LINGUÍSTICA

COMISSÃO EXAMINADORA

_____________________________________________ Profª. Drª. Maria Lúcia Ferreira de Figueiredo Barbosa

1ª Examinadora/Presidente

_____________________________________________ Profª. Drª. Elizabeth Marcuschi

2ª Examinadora

_____________________________________________ Profª. Drª. Lívia Suassuna

3ª Examinadora

MENÇÃO DE APROVAÇÃO: APROVADO

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DEDICATÓRIA

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AGRADECIMENTOS

Esse foi um dos momentos mais esperado por mim, o momento no qual poderia externar minha enorme gratidão a todos que me ajudaram a chegar até aqui. Então, vamos lá!

Sem sombra de dúvidas, meus primeiros agradecimentos vão para o meu Senhor Deus, que me acolheu nos braços desde o dia que eu cheguei aqui neste mundo e até os dias de hoje me protegeu de todo o mal. A Ele, toda honra e toda Glória.

Em segundo lugar, aos meus pais, que sempre foram meus grandes parceiros e incentivadores e que são seres que sempre me mostram o caminho do amor, do respeito e da dignidade, mesmo vivendo neste mundo cruel e difícil. Eles que sempre foram exemplos de respeito e de honestidade, tanto pra mim quanto pra minha irmã, a quem também agradeço os anos de convivência que sempre tivemos.

À minha família: tios, tias, primos, que sempre me apoiaram e incentivaram muito. Meus tios, quase todos professores, sempre foram referência e exemplos de sucesso para mim. Desde criança convivo com todos e vejo como eles são felizes na profissão que escolheram.

A todos os meus amigos e companheiros de jornada. Amigos da igreja, das escolas por onde eu passei nesses anos de trabalho, amigos que moram um pouco distante. A todos que um dia cruzaram meu caminho, meu muito obrigado.

Queria fazer uns agradecimentos especiais a algumas pessoas que me ajudaram muito no período do curso de mestrado. Queria iniciar agradecendo à minha eterna gestora Marília Patrícia Oliveira, que me incentivou e se emocionou com todos os momentos do mestrado, desde a seleção até hoje o dia da defesa. Serei eternamente grato pelo carinho e apoio que ela sempre me deu.

Aos meus amigos e grandes professores Ruy Parahyba e César Romero, que foram importantíssimos na minha aprovação na seleção do mestrado. Sou imensamente grato a vocês dois.

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Aos meus companheiros de turma e de vida Deyvid Souza, Flávia Santana e Nathália Késsia, pela atenção e convivência nesse período do curso.

Um agradecimento todo especial à minha orientadora Maria Lúcia Barbosa, pela imensa sabedoria com que conduziu as orientações e principalmente a calma que sempre teve em meio às minhas agitações.

Outra pessoa fundamental nesse processo foi a professora Lívia Suassuna, que desde a graduação acompanhou um pouco da minha trajetória e foi fundamental ao me incentivar a fazer a seleção do mestrado. Também esteve na banca de seleção, de qualificação e na defesa da dissertação.

Também quero agradecer ao Programa de Pós-graduação do Centro de Educação da UFPE e aos professores desse Centro por me proporcionarem a oportunidade de realizar o curso de mestrado.

Para finalizar, quero agradecer à Secretaria de Educação do estado de Pernambuco e a Secretaria Municipal de Paulista pelas licenças concedidas e pelo apoio ao profissional que sou. Hoje posso voltar à sala de aula dessas redes com muito mais conhecimento e vontade de fazer um trabalho melhor.

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RESUMO

A presente pesquisa teve como objetivo analisar as relações que se estabelecem entre as concepções de linguagem do professor de Língua Portuguesa e sua prática de ensino de análise linguística. Para atingirmos tal objetivo, buscamos analisar as concepções de linguagem e a prática de ensino de análise linguística presentes nos materiais didáticos utilizados durante o período de observação e dos documentos oficiais (Parâmetros para a Educação básica do estado de Pernambuco e diário de classe do professor) que prescrevem/orientam a prática de ensino do professor da Rede Estadual de Ensino; analisar as concepções de língua, gramática e ensino de língua do professor e o que ele conseguiu efetivar em relação à prática de análise linguística; e entender como o professor articula em seu fazer pedagógico, os “conhecimentos teóricos” e os conhecimentos dos “saberes em ação”, em relação á prática de análise linguística. Para a realização do presente trabalho, desenvolvemos uma pesquisa qualitativa, utilizando a metodologia do paradigma indiciário e três instrumentos de coleta de dados: análise documental, entrevista e observação. A fim de entenderemos as relações que se estabelecem entre concepções de linguagem e prática de análise linguística, observamos a prática de duas professoras da Rede Estadual de Ensino de Pernambuco, bem como as entrevistamos. As docentes ministravam aulas no 6º e no 9º anos do ensino fundamental na cidade de Olinda. Como base teórica, nos apoiamos nos pressupostos de Bakhtin ([1929-1930] 2010), TRAVAGLIA ([1996] 2006), GERALDI ([1984] 2003a), MARCUSCHI (2007) e SALOMÃO (1999), autores que tratam sobre as concepções de linguagem. Sobre o ensino de gramática e prática de análise linguística nos apoiamos nas ideias de TRAVAGLIA ([1996] 2006), GERALDI ([1984] 2003a), BEZERRA e REINALDO (2013), SUASSUNA (2012), entre outros. Como resultados, notamos que cada professora, ao seu modo, desempenhou diferentes trabalhos em relação à prática de análise linguística. Uma das docentes desenvolveu, em quase todos os momentos do período de observação, um trabalho que articulava os três eixos de ensino (leitura, produção e análise linguística), partindo do trabalho com sequências de atividades baseada no estudo de um gênero textual. Nessas sequências, observamos que o trabalho com a análise linguística partiu tanto do eixo da leitura, quanto do eixo de produção de texto. Em relação à produção, verificamos que a prática de análise linguística se deu tanto antes como após o trabalho com esse eixo, principalmente com as reflexões oriundas da reescrita dos textos produzidos pelos alunos. Já a outra professora, em quase todo o período de observação, desenvolveu um trabalho com o eixo de eixo de análise linguística a partir da leitura, principalmente com a exploração de questões – seja de materiais elaborados pela professora ou do livro didático – e que tais reflexões se voltaram para o entendimento do processo coesivo do texto enquanto unidade de sentido. Concluímos que não existe uma linearidade entre a concepção de linguagem que norteia o trabalho de cada docente e sua prática em relação ao ensino de análise linguística. Entre o domínio da teoria e a efetivação da prática de ensino há muitas variáveis. Essas variáveis podem estar relacionadas às escolhas didáticas do professor, às condições oferecidas pelas Redes de Ensino ou por outras condições diversas. Pensamos que novas pesquisas podem ser importantes para tentar descobrir esses meandros que se apresentam entre a prática do professor e o seu conhecimento teórico.

Palavras-chave: Ensino de Língua Portuguesa, Concepções de linguagem, Análise Linguística, Relação teoria e prática.

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ABSTRACT

This research has aimed to analyze the established associations between the conceptions on language of Portuguese teachers and their teaching practice of linguistic analysis. In order to achieve such goal, we have pursuit to analyze the conceptions of language and the practice of teaching language analysis that are present in the instructional materials used during the observational period and through official documents (Parameters for Basic Education of the State of Pernambuco and teacher’s class report) that prescribe or guide the teaching practice of teachers in State Schools; Analyzing the conceptions of language, grammar and language teaching from teachers and the things they could bring about in relation to the practice of linguistic analysis; Understanding how the teacher articulates their pedagogical ways of doing the "theoretical knowledge" and the cognizance of "knowledge in action", in relation to the practice of linguistic analysis. In order to carry out this work, we have developed the means for a qualitative research, using the evidential paradigm methodology and three instruments for data collection: documental analysis, interview, and observation. To get the understanding of the established relations between concepts of language and practice of linguistic analysis, we have observed the practice of two teachers from State Schools of Pernambuco, we also have interviewed them. The teachers taught classes in the sixth and the ninth grades of elementary school in the city of Olinda. As theoretical basis, we rely on the assumptions of BAKHTIN ([1929-1930] 2010), TRAVAGLIA ([1996] 2006), GERALDI ([1984] 2003a), MARCUSCHI (2007), and SOLOMÃO (1999), authors who deal with conceptions of language. About grammar teaching and practice of linguistic analysis, we rely on the ideas of TRAVAGLIA ([1996] 2006), GERALDI ([1984] 2003a), BEZERRA & REINALDO (2013), SUASSUNA (2012), among others. As a result, we noticed that each teacher, in a personal way, performed different tasks in relation to the practice of linguistic analysis. One of the teachers developed in almost every moment of the observational period, a task which articulated the three axes of education (reading, production, and linguistic analysis), beginning the work with sequences of activities based on the study of a text genre. In these sequences, we have noticed that the work with linguistic analysis has resulted from both the axis of reading as well as the axis of text production. Regarding the production, we have noticed that the practice of linguistic analysis was done both before and after working with this axis, mainly with reflections from rewriting the texts produced by the students. On the other hand, the other teacher, in almost the entire observational period, had developed a task with the shaft axis of linguistic analysis from reading, mainly with exploring questions – whether by the materials the teacher had prepared or by the textbook – and that such thoughts turned to the understanding of the cohesive process of the text as a unit of meaning. We conclude that there is no linearity between the conception of language that guides the work of individual teachers and their practice in relation to teaching linguistic analysis. There are many variables between the domain of the theory and the effectuation of teaching practice. These variables may be related to didactic choices made by the teacher, the conditions offered by Education Teaching Networks, or other various conditions. We infer that further research can be important to attempt finding out these intricacies which arise in between the teachers’ practice and their theoretical knowledge.

Keywords: Portuguese Language Teaching, Conceptions of Language, Linguistic Analysis, Theory and Practice Relation.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Os saberes dos professores...44

Quadro 2: Objetivos e instrumentos de análise...62

Quadro 3 – Conteúdos planejados pela Professora A ...77

Quadro 4 – Conteúdos planejados pela Professora B... 81

Quadro 5 – Temas de análise linguística e os gêneros trabalhados pela Professora A.... 86

Quadro 6 – Síntese dos dias de aula da PA... 88

Quadro 7 – Temas de análise linguística e os textos trabalhados pela Professora B... 111

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LISTA DE SIGLAS

AL: Análise linguística GT: Gramática tradicional

GRE: Gerência Regional de Ensino PA: Professora A

PB: Professora B LD: Livro didático

EA: Expectativa de Aprendizagem

A: Refere-se a vários alunos que se expressam ao mesmo tempo na interação na sala. A1: Aluno que inicia uma interação na sala de aula.

A2: Aluno que da sequência à fala do A1.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...13

1. CAPÍTULO 1 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA...20

1.1 Concepções de linguagem...20

1.2 O trabalho com os gêneros e os eixos de ensino...27

1.3 Ensino de gramática e prática de análise linguística...28

1.3.1 Ensino de gramática...29

1.3.2 Prática de análise linguística...33

1.4 Práticas docentes e construção de conhecimento...39

1.5 O que dizem as pesquisas que tratam sobre as concepções de linguagem...47

2. CAPÍTULO 2 - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS...53

2.1 Abordagem investigativa – A pesquisa qualitativa...53

2.2 Escolha das escolas e dos sujeitos...54

2.2.1 A Professora A...58

2.2.2 A Professora B...58

2.2.3 Descrição do ambiente escolar ...59

2.3 Instrumentos de coletas de dados...59

2.3.1 Entrevistas ...,...59

2.3.2 Observação ...61

2.3.3 Análise documental...62

3. CAPÍTULO 3 – ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS...65

3.1 O que revelam os documentos oficiais e o planejamento das professoras?...66

3.1.1 Sobre os documentos oficiais...66

3.1.2 O que dizem os parâmetros sobre as concepções de linguagem... 68

3.1.3 O que dizem os parâmetros sobre análise linguística... 70

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3.2.1 Professora A... 74

3.2.2 Professora B... 79

3.3 Análise das aulas e das entrevistas ...85

3.3.1 A professora A (PA)... 86

3.3.1.1 As concepções de língua e de gramática da professora e o como se deu o trabalho com a Análise linguística...86

3.3.1.2 A análise linguística e a sequência de atividades com o gênero lenda urbana... 89

3.3.1.3 A análise linguística e a sequência de atividades com o gênero receita culinária ...96

3.3.1.4 Mais algumas considerações sobre as aulas da Professora A...108

3.3.2 A Professora B (PB)... 110

3.3.2.1 As concepções de língua e de gramática da professora e o como se deu o trabalho com a Análise Linguística...110

3.3.2.2 Primeira parte das aulas da PB...113

3.3.2.3 Segunda parte das aulas da PB...123

3.3.2.4 Mais algumas considerações sobre as aulas da Professora B...134

CONSIDERAÇÕES FINAIS...137

APÊNDICES...140

APÊNDICE A – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS...140

APÊNDICE B – ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO ...141

ANEXOS...142

Anexos Professora A... 142

Anexos Professora B...153

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INTRODUÇÃO

A partir do conhecimento de que a língua é uma prática social, em plena mutação, somos desafiados, dentro das nossas salas de aula, a trabalhar com esse “ser” que a cada momento se renova. Ensinar língua ou, melhor dizendo, ensinar linguagem é uma difícil tarefa que é atribuída às escolas e principalmente aos professores de Língua Portuguesa. Mas, afinal, o que seria trabalhar com a linguagem?

Podemos tentar responder a essa pergunta a partir de um questionamento feito por Leite (1984, 2003, p. 19): “Em que medida e em que sentido podemos ensinar a língua materna a pessoas que a utilizam com todo o domínio necessário para se expressar e se comunicar na sua vida cotidiana?”

Questionamentos como esse nos fazem refletir sobre dois pontos importantes em relação ao ensino de língua. O primeiro diz respeito a “o que” ensinar e o segundo, ao “como” ensinar. Esses pontos vêm apresentando mudanças do ponto de vista teórico-metodológico com o passar dos anos, principalmente com os avanços dos estudos da ciência da linguagem e da área de didática do ensino de língua.

Partindo do pressuposto da existência dessas mudanças mencionadas acima, podemos afirmar que nem sempre o ensino de língua na escola apresentou-se como se nos apresenta hoje. Felizmente, muitas mudanças vêm ocorrendo e isso se deve não só ao caráter camaleônico da língua, mas, também, às contribuições que a linguística, como ciência da linguagem, nos traz.

A linguística, a partir dos avanços em seus estudos, principalmente com os aportes da Sociolinguística, da Análise do Discurso, entre outras, vem contribuindo para as mudanças que ocorrem nos paradigmas de ensino de língua, na educação básica no nosso país. Neste sentido, Ilari afirma que:

A lingüística é uma ciência teórica e descritiva, e sua função primária não é produzir orientações metodológicas destinadas ao ensino. Mas para muitos professores do ensino fundamental e médio, compreender a fundo o que é a língua é um problema importante, e as idéias que os lingüistas foram elaborando em perspectiva teórica acabaram por ter repercussões mais ou menos profundas sobre todas as práticas pedagógicas cuja matéria prima é a linguagem. (ILARI, 1994, p. 12).

Dentre essas mudanças, podemos destacar a entrada dos textos na sala de aula. Esse objeto de ensino vem tomando cada dia mais espaço nas aulas de Língua Portuguesa, sendo trabalhado a partir de diferentes perspectivas.

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O texto, inicialmente usado como pretexto para o ensino de gramática, tornou-se, com o passar o tempo, modelo de comunicação e hoje é visto como um objeto de uso da linguagem, a partir de uma postura sociointeracionista, trabalhado na perspectiva dos gêneros textuais, forma como os textos se materializam no uso da linguagem, na interação entre os sujeitos.

Podemos encontrar nos PCN de Língua Portuguesa referências ao uso do texto como objeto de ensino de língua. Segundo esse documento:

uma prática constante de escuta de texto orais e leitura de textos escritos e de produção de textos orais e escritos, deve permitir, por meio de análise e reflexão sobre múltiplos aspectos envolvidos, a expansão e construção de instrumentos que propiciem ao aluno, progressivamente, ampliar sua competência discursiva. (BRASIL, 1998, p. 27).

Dentre as mudanças ocorridas com a entrada do texto na sala de aula, agora visto em seus diferentes gêneros, merece destaque a prática de análise linguística, uma nova perspectiva de estudo que ultrapassa os limites da gramática normativa, levando em conta os aspectos linguísticos em um sentido mais amplo de uso da linguagem, em articulação com a prática de leitura e de produção de texto.

Desse modo, a prática de AL vem se revelando uma importante dimensão de ensino de língua, contribuindo para desenvolver no aluno sua capacidade de reflexão sobre o uso da linguagem em suas produções escritas e orais e em sua habilidade de compreender enunciados (BEZERRA; REINALDO, 2013; GERALDI, 1991, 2003c; MENDONÇA, 2006).

Sobre o desenvolvimento teórico da linguística que desencadeou nas reflexões da análise linguística como nova perspectiva de ensino, Ilari também destaca as contribuições dos estudos linguísticos, quando comenta que:

De todas as práticas escolares, a que foi mais questionada no contexto criado pela lingüística, foi a velha prática do ensino gramatical. Entre outras coisas, lembrou-se que os verdadeiros objetos lingüísticos com que lidamos no dia-a-dia são sempre textos, nunca sentenças isoladas, e observou-se (com razão) que as gramáticas têm muito pouco a dizer sobre esses objetos. (ILARI, 1994, p.12).

Apesar dessa afirmação de Ilari (1994) ter sido feita há 20 anos, ainda encontramos, segundo Duarte (2010), professores que não se deram conta das mudanças teórico-metodológicas do ensino de língua e que ainda refletem, em sala de aula, o tradicional ensino da gramática normativa, talvez por terem tido uma formação mais tradicionalista ou em

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épocas nas quais não havia, nos cursos de licenciaturas ou de formações continuadas, discussões baseadas na perspectiva sociointeracionista de ensino.

Nessa prática tradicionalista, ainda realizada por alguns professores, o aluno muitas vezes não vê utilidade e aplicabilidade naquilo que é estudado na sala de aula e passa a ter a ideia de que a língua é algo que não faz parte da sua realidade, por isso, muitas vezes, sente-se um “estrangeiro” dentro da sua própria língua materna, ou no dizer de Geraldi (2010, p. 114), “a língua a aprender se torna estrangeira (ou estrangeira de sua própria língua se torna a grande maioria dos falantes)”.

Sobre esse assunto, já na década de 1980, Geraldi afirmava que:

o mais caótico da atual situação do ensino de língua portuguesa em escolas de primeiro grau consiste precisamente no ensino, para alunos que nem sequer dominam a variedade culta, de uma metalinguagem de análise dessa variedade – com exercícios contínuos de descrição gramatical, estudo de regras e hipóteses de análise de problemas que mesmo especialistas não estão seguros de como resolver. (GERALDI, 1984, 2003a p. 45).

Também encontramos, segundo Bastos e Suassuna (2011), professores que estão passando por um processo de apropriação dos conhecimentos advindos das contribuições teóricas para o ensino de língua. Esses professores, segundo as autoras supracitadas, “ainda não conseguem consubstanciar, de modo significativo, essas novas propostas metodológicas” (BASTOS, 2011; SUASSUNA, 2011, p. 181).

Quando nos referimos, em parágrafos anteriores, a “o que” ensinar, pretendemos tocar em um ponto chave na discussão sobre o ensino de língua: as concepções de linguagem que norteiam o trabalho do professor. Nesse sentido, Geraldi (1991, 2003c) afirma, ao discorrer sobre a formação dos professores que devemos também nos preocupar com “o que ensinar”, fazendo referência à visão que os docentes têm a respeito do conceito de língua. E Possenti (1984, 2003) afirma, categoricamente, que “para que o ensino mude, não basta remendar alguns aspectos. No caso específico do ensino de português, nada será resolvido se não mudar a concepção de língua e de ensino de língua na escola”. (POSSENTI, 1984, 2003.p.32-33)

Esses autores, principalmente Geraldi (1984, 2003a), dão uma especial atenção ao tema das concepções de linguagem, atribuindo a elas um papel importante na discussão sobre a postura a ser adotada pelo professor em relação à prática de AL. Geraldi (1984, 2003a, p. 41) estabelece uma correspondência entre as três concepções de linguagem elencadas em sua obra (língua como expressão do pensamento, língua como instrumento de comunicação e

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língua como forma de interação) e grandes correntes de estudos linguísticos: a gramática tradicional, o estruturalismo, o transformacionalismo e a linguística da enunciação.

Nessa discussão sobre concepções de linguagem e ensino de língua, mais especificamente quando nos referimos à prática de AL, parece importante chamar atenção para o debate do que entendemos por conhecimento teórico e o conhecimento prático do professor.

Entre o conhecimento teórico e a efetivação da prática de ensino de língua há um grande caminho no qual alguns passos ainda são desconhecidos por nós. Por esse motivo, partimos da ideia de que não há uma relação tão linear entre o domínio do conhecimento teórico do professor e o desenvolvimento de sua prática.

Sobre essa discussão, Signorini (2007), afirma que questões relativas ao ensino de língua não estão relacionadas apenas às questões:

epistemológicas, ou seja, às diferenças nos modos de se conhecer e compreender a língua e seu funcionamento. Os componentes sócio-políticos e ideológicos são fundamentais, principalmente porque nunca se apresentam por inteiro e desvencilhados das histórias e condições locais de organização no país e na região (SIGNORINI, 2007, p. 8).

A partir do debate entre as concepções de linguagem como conhecimento teórico, e a prática de AL como conhecimento prático, propomos uma discussão sobre as relações que se estabelecem entre a teoria e prática.

Essa pesquisa nasceu da inquietação de seu autor ao participar de inúmeras formações continuadas realizadas pela rede estadual de ensino, reuniões pedagógicas da área de Língua Portuguesa e, principalmente, da convivência com professores da Rede Estadual de Ensino de Pernambuco durante a realização do curso de Especialização em Língua Portuguesa, custeado pelo Governo do Estado de Pernambuco para os professores da rede, como prática de valorização da formação continuada dos docentes.

Em constante diálogo com esses docentes, percebia-se um enorme anseio em conhecer novas práticas de ensino de língua, principalmente no que dizia respeito a modelos de aulas que pudessem estimular o aluno e tornar a prática mais efetiva.

Sobre essa discussão, Possenti (1984, 2003, p. 32) afirma que:

Frequentemente, pesquisadores são chamados para falar a professores, na esperança de que aqueles apresentem um programa de ensino que funcione. Em certas circunstâncias, espera-se que tal programa funcione sem qualquer

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outra mudança na escola e nos professores. Espera-se que os especialistas tragam propostas “práticas”. (POSSENTI, 1984, 2003, p. 32).

Durante o referido curso de especialização, os professores buscavam insistentemente “receitas” práticas de aula, principalmente no que dizia respeito ao ensino de AL, e o que se percebia, na realidade, era a presença de uma grande variedade de concepções, seja de texto, de gramática e principalmente de língua.

Nesse cenário de discussões acerca das relações entre o trabalho com a AL e as concepções de linguagem, podemos trazer para o debate alguns importantes trabalhos que tratam sobre essa temática. Dentre essas pesquisas podemos destacar Goulart (2010), que buscou entender como a AL pode ser tomada como ferramenta na abordagem de textos sob a perspectiva dos gêneros discursivos em um Livro Didático.

Sobre o ensino de gramática e a prática de AL, podemos destacar o trabalho de Silva (2009), no qual a pesquisadora buscou perceber como os professores estão lidando com as diferentes propostas de ensino de língua hoje disponíveis.

As duas pesquisas citadas nos parágrafos anteriores serão discutidas em uma seção posterior, onde faremos um levantamento sobre alguns trabalhos que tratam sobre a temática abordada na presente pesquisa.

Apesar da existência de importantes e pertinentes trabalhos sobre as concepções de linguagem e a prática de AL, como os citados acima, a presente pesquisa se justifica pela necessidade de novos estudos, pois essa discussão ainda está muito presente no discurso do professor, suscitando muitas dúvidas e debates sobre a linguagem em perspectiva didática. É importante argumentar que os trabalhos existentes sobre a temática em foco retratam realidades específicas, muitas vezes, analisando práticas de dois ou três professores, com focos de pesquisa direcionados. Por esse motivo, analisar novas práticas, com novos olhares sobre o objeto de pesquisa, é um movimento importante para produção de conhecimentos sobre a prática de ensino.

Além dessas justificativas, são necessários novos estudos sobre o tema por estarmos em outro momento histórico, pois partimos do pressuposto de que a produção de conhecimento está acontecendo em uma velocidade cada vez maior e isso acarreta novas necessidades de se rever algumas práticas de ensino.

Ao buscar ampliar o debate sobre as concepções de linguagem e a prática de ensino de língua materna é que se justifica a importância do presente trabalho de pesquisa, no qual buscaremos entender as relações que se estabelecem entre a concepção de linguagem do professor e sua prática com a AL. Ao tentar entender essas relações, poderemos compreender

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alguns mecanismos relacionados à prática docente e o seu fazer didático, ou seja, como o professor, no seu dia a dia, consegue articular seus conhecimentos teóricos acerca do objeto língua/linguagem à sua prática.

Tais esclarecimentos podem trazer também algumas contribuições de ordem prática, pois, a partir dos estudos de caso dos sujeitos observados, poderemos levantar algumas reflexões que poderão contribuir para uma discussão mais ampla sobre os programas de formação de professores (inicial e continuada).

Entendemos que a teoria é determinante da prática, mas não sabemos até que ponto se dá essa determinação. Nesse sentido, ao falarmos sobre concepções de linguagem e prática de ensino de língua, especificamente da prática de AL, concordamos com Geraldi (1984, 2003a) e Possenti (1984, 2003), quando esses autores dizem que a adoção de determinada concepção influencia a prática de ensino de língua, mas não sabemos até que ponto esse posicionamento teórico é realmente determinante da prática.

Baseados nas ideias levantadas no parágrafo anterior, partimos de alguns questionamentos que nos parecem importantes: em que medida um professor que entende a linguagem como forma de interação realizará um trabalho que condiz com essa concepção? Como se efetivaria o trabalho com a análise linguística de um professor que toma/ reflete a linguagem a partir de certo posicionamento teórico? Que tipos de relações se estabelecem entre o conhecimento teórico que o docente tem e a sua prática de ensino?

Em vista do exposto, a partir da análise da prática de ensino de língua na educação básica nas escolas públicas, esta pesquisa tem como objetivo geral analisar as relações entre as concepções de linguagem e a prática de ensino de análise linguística.

Esta pesquisa também apresenta os seguintes objetivos específicos:

1. Analisar as concepções de linguagem e a proposta de prática de ensino de análise linguística presentes nos documentos oficiais da Rede Estadual de ensino e como elas se apresentam também nos materiais didáticos utilizados pelos professores durante o período de observação.

2. Evidenciar as concepções de língua e de ensino de língua do professor, de gramática e o que ele consegue efetivar em relação à prática de análise linguística.

3. Verificar como o professor articula, em seu fazer pedagógico, os “conhecimentos teóricos” e os conhecimentos dos “saberes em ação”, em relação à prática de análise linguística.

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Para uma melhor leitura do todo desse trabalho, dividimos a dissertação em capítulos, os quais foram organizados da seguinte maneira:

No primeiro capítulo, apresentaremos as ideias que subsidiaram as análises e discussão dos resultados da pesquisa. Discorremos sobre as concepções de linguagem que no percurso histórico sustentaram as diversas práticas de ensino de língua e de gramática.

Embora não seja objetivo específico da presente pesquisa analisar o uso dos gêneros textuais, não poderíamos deixar de mencioná-los em nossa fundamentação, pois o ensino, segundo as novas perspectivas, deve contemplar o trabalho com os gêneros em sala de aula. Também é importante mencioná-los porque, ao tratarmos sobre a prática de AL, não poderíamos imaginar o ensino de reflexão sobre a língua sem uma articulação entre os eixos de leitura e produção de texto (gênero). Sobre o processo de reflexão sobre a língua, propomos uma discussão sobre o que se entende por ensino gramatical e prática de AL, bem como os conceitos envolvidos nesses processos.

Também apresentamos na fundamentação teórica uma discussão sobre os conhecimentos teóricos e práticos do professor e, por fim, colocamos em debate o que algumas importantes pesquisas revelam sobre a temática em discussão.

O segundo capítulo será dedicado à descrição dos procedimentos medotológicos que orientaram a pesquisa, no que se refere à escolha dos sujeitos, aos procedimentos de coleta de dados e aos procedimentos de análise. Nesse sentido, a pesquisa teve um enfoque qualitativo, pois buscamos entender algumas relações que se estabelecem no processo de ensino-aprendizagem de língua materna. Para isso, utilizamos o paradigma indiciário como tipo de pesquisa qualitativa, que nos permitiu buscar alguns indícios na prática e no discurso dos docentes observados através dos estudos de caso. Para a coleta de dados e posteriores discussões sobre eles, foram utilizados três instrumentos de coleta: análise documental, entrevista e observação. O uso desses instrumentos foi fundamental para criar uma visão mais ampla sobre os dados.

No terceiro capítulo traremos a análise e discussão dos resultados da pesquisa, ou seja, nessa parte da dissertação esclareceremos quais as relações que se estabeleceram entre as concepções de linguagem do professor e a sua prática com a análise linguística. E por fim, após a análise e discussões dos dados, levantaremos algumas considerações finais, dentre as quais percebemos que não há uma relação tão linear entre um determinado posicionamento teórico adotado pelo professor e a efetivação do seu trabalho com a AL.

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CAPÍTULO 1

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Embora o termo “Linguística” só tenha começado a ser usado com mais frequência no discurso acadêmico em meados do século XIX para enfatizar a diferença entre uma abordagem mais inovadora dos estudos da língua e os estudos tradicionais ligados à filologia, já poderíamos encontrar antes dessa época alguns trabalhos que se referiam a estudos linguísticos e que traziam cunhado o nome “Linguística” em algum momento. Mas atribui-se a Ferdinand de Saussure o mérito de tornar a língua um objeto de estudo científico. A partir do que foi exposto acima, concordamos com Weedwood (2002) quando a autora afirma que “as pessoas vêm estudando a linguagem desde a invenção da escrita e que os estudos da língua com finalidades práticas precederam ao processo de reflexão da análise científica” (WEEDWOOD, 2002, p.17).

Além das contribuições de Saussure para o desenvolvimento da linguística geral como ciência da linguagem e definição do conceito de língua, podemos destacar as contribuições de Mikhail Bakhtin, que, além de discutir as teorias saussurianas, propôs novas ideias acerca da definição do objeto língua/linguagem.

E hoje, com o avanço da linguística, podemos contar com as contribuições de novos campos de estudos da linguagem, como por exemplo, a Análise do Discurso, a Linguística Textual, a Sociolinguística, a Linguística Cognitiva, para o processo de ensino-aprendizagem de língua.

Partindo-se das discussões iniciadas acima, quando falamos sobre as contribuições da linguística e de alguns teóricos para o estudo da linguagem, passaremos, no tópico seguinte, a discorrer sobre as concepções de língua defendidas por alguns autores, fazendo uma contextualização histórica e relacionando essas concepções ao ensino de Língua Portuguesa.

1.1 Concepções de linguagem

Saussure (1916, 2006) e Bakhtin1 (1929, 2010) apresentaram diferentes concepções acerca da definição de língua e de linguagem. Para Saussure, em primeiro lugar, haveria uma distinção clara entre as definições dos termos “língua” e “linguagem”, distinção essa que o

1

Faremos, no presente trabalho, referência a Bakhtin como autor de “Marxismo e Filosofia da Linguagem”, embora saibamos que há discussões e comprovações da autoria de Valentin Voloshinov. Há, inclusive, novas edições que já trazem Voloshinov como autor da obra supracitada.

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levou a se dedicar ao estudo do conceito de língua, colocando de lado a linguagem, pois para esse autor

Tomada em seu todo, a linguagem é multiforme e heteróclita; o cavaleiro de diferentes domínios, ao mesmo tempo física, fisiológica e psíquica, ela pertence além disso ao domínio individual e ao domínio social; não se deixa classificar em nenhuma categoria de fatos humanos, pois não se sabe como inferir sua unidade.

A língua, ao contrário, é um todo por si e um princípio de classificação. Desde que lhe demos o primeiro lugar entre os fatos da linguagem, introduzimos uma ordem natural num conjunto que não se presta a nenhuma outra classificação. (SAUSSURE, 1916, 2006, p.17 - grifos nossos).

Já para Bakhtin (1929, 2010, p. 128), “a língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta”. Sendo muito mais do que um código, ela é essencialmente social, pois está diretamente ligada às condições concretas de uso. Nesse sentido a linguagem configura-se fruto de reflexões científicas extremamente articuladas com a realidade social.

Trazendo a discussão para o campo do ensino, muitos autores tratam sobre as definições do que é a linguagem e suas aplicações na prática pedagógica do ensino de língua. Entre esses autores podemos destacar as contribuições de Soares (1998); Travaglia (1996, 2006); Geraldi (1984, 2003a), que trazem a definição de três concepções de linguagem que podem ser norteadoras do ensino da linguagem.

Segundo Geraldi (1984, 2003a), a prática pedagógica do professor de língua está intimamente ligada à concepção de linguagem que o mesmo adota. Ao adotar a concepção de língua como expressão do pensamento, o docente enfocará a gramática normativa/prescritiva como ponto principal do processo de ensino-aprendizagem e isso será percebido em seu trabalho pedagógico. É importante destacar que, segundo Geraldi (1984, 2003a, p. 41), “essa concepção ilumina, basicamente, os estudos tradicionais. Se concebermos a linguagem como tal, somos levados a afirmações – correntes – de que pessoas que não conseguem se expressar porque não pensam”.

Nessa perspectiva, a aula de língua é confundida com aula de gramática. Privilegia-se o trabalho com a forma em detrimento do uso. A memorização das estruturas é o principal objetivo do ensino de língua, pois se entende que, quanto maior o armazenamento de estruturas linguísticas, mais o aluno terá facilidade de expressar-se por escrito e oralmente. Segundo Ramires (1994, p. 3), “essa concepção ilumina, desse modo, a prática tradicional daqueles professores de língua materna que a centram em atividades linguísticas isoladas do contexto das relações sociais mais amplas”. Podemos destacar também, segundo essa

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concepção, o prestígio que se dá ao domínio da norma padrão, que é o grande objetivo do ensino de língua nas escolas. Essa variedade da língua é tida como único modelo correto de realização linguística, excluindo todas as outras. Esse modo de pensar gera um grande preconceito em relação ao modo de falar daqueles que não dominam ou não usam essa variedade, estigmatizando a língua das pessoas menos favorecidas econômica e linguisticamente.

O estudo do texto, dentro dessa concepção de língua, frequentemente, restringe-se ao entendimento de estruturas gramaticais. Os textos são lidos e logo em seguida é trabalhada, por exemplo, a quantidade de substantivos ou certas construções gramaticais corretas ou incorretas nele encontradas e quando muito se pede para refazer – reescrever um fragmento – o objetivo é a correção gramatical. Não se exploram aspectos comunicativos do texto e o trabalho com a compreensão textual, quando existe, restringe-se à compreensão literal dos sentidos.

Podemos relacionar essa primeira concepção de linguagem ao que Bakhtin (1929, 2010) denominou de subjetivismo idealista.

Ao discorrer sobre a definição do objeto da filosofia da linguagem e da linguística geral, Bakhtin elenca duas orientações de pensamento filosófico-linguístico, as quais nomeia de “subjetivismo idealista” e “objetivismo abstrato”. No que diz respeito à primeira orientação, a linguagem está relacionada ao psiquismo individual.

As posições fundamentais da primeira tendência, quanto à língua, podem ser sintetizadas nas quatro seguintes proposições:

1. A língua é uma atividade, um processo criativo ininterrupto de construção (“energia”), que se materializa sob a forma de atos individuais de fala. 2. As leis da criação lingüística são essencialmente as leis da psicologia individual.

3. A criação lingüística é uma criação significativa, análoga à criação artística.

4. A língua, enquanto produto acabado (“ergon”), enquanto sistema estável (léxico, gramática, fonética), apresenta-se como um depósito inerte, tal como a lava fria da criação lingüística, abstratamente construída pelos lingüistas com vistas à sua aquisição prática como instrumento pronto para ser usado. (BAKHTIN, 1929, 2010, p. 74- 75).

A partir das posições fundamentais da primeira tendência apresentada logo acima, percebe-se a relação da primeira concepção de linguagem elencada por Geraldi e o subjetivismo idealista, a partir do momento em que ambas definem a linguagem como

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resultado de uma atividade psíquica, ou seja, a linguagem é o reflexo (expressão) do pensamento.

Já a segunda vertente, o objetivismo abstrato, está mais próxima da concepção de linguagem como instrumento de comunicação. Nessa tendência, considera-se que:

O indivíduo recebe da comunidade linguística um sistema já constituído, e qualquer mudança no interior deste sistema ultrapassa os limites de sua consciência individual. O ato individual de emissão de todo e qualquer som só se torna ato lingüístico na medida em que se ligue a um sistema lingüístico imutável (num determinado momento de sua história) e peremptório para o indivíduo. (BAKHTIN, 1929, 2010, p.81).

Nessa perspectiva, a linguagem é vista como um código pronto, à disposição dos usuários, que a usarão como mero instrumento de comunicação, que lhes permitirá uma troca de mensagem entre si. Em comparação à primeira vertente, podemos elencar e comparar os fundamentos do objetivismo abstrato, que são o oposto do subjetivismo idealista.

1. A língua é um sistema estável, imutável, de formas lingüísticas submetidas a uma norma fornecida tal qual à consciência individual e peremptória para esta.

2. As leis da língua são essencialmente leis lingüísticas específicas, que estabelecem ligações entre os signos lingüísticos no interior de um sistema fechado. Estas leis são objetivas relativamente a toda consciência subjetiva.

3. As ligações lingüísticas específicas nada têm a ver com valores ideológicos (artísticos, cognitivos ou outros). Não se encontra, na base dos fatos lingüísticos, nenhum motor ideológico. Entre a palavra e seu sentido não existe vínculo natural e compreensível para a consciência, nem vínculo artístico.

4. Os atos individuais de fala constituem, do ponto de vista da língua; simples refrações ou variações fortuitas ou mesmo deformações das formas normativas. Mas são justamente estes atos individuais de fala que explicam a mudança histórica das formas da língua; enquanto tal, a mudança é, do ponto de vista do sistema, irracional e mesmo desprovida de sentido. Entre o sistema da língua e sua história não existe nem vínculo nem afinidade de motivos. Eles são estranhos entre si. (BAKHTIN, 1929, 2010, p. 86).

Ao discorrer sobre o objetivismo abstrato, Bakhtin coloca Ferdinand de Saussure como o mais brilhante representante dessa tendência, pois este “deu a todas as idéias da segunda orientação uma clareza e uma precisão admiráveis” (BAKHTIN, 1929, 2010, p.87).

Ao se falar da concepção de linguagem como instrumento de comunicação, vemos, que nessa época, o Brasil vivia um momento de desenvolvimento econômico e a educação

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estava voltada à inserção das pessoas no mercado de trabalho. Nesse período, os objetivos de ensino eram

(...) pragmáticos e utilitários: trata-se de desenvolver e aperfeiçoar os comportamentos do aluno como emissor-codificador e como recebedor- decodificador de mensagens, pela utilização e compreensão de códigos diversos – verbais e não verbais. Ou seja: já não se trata mais de levar ao conhecimento do sistema linguístico – ao saber a respeito da língua – mas ao desenvolvimento das habilidades de expressão e compreensão das mensagens – ao uso da língua. (SOARES, 1998, p. 57).

A ideia de língua como instrumento de comunicação e dos falantes como emissores e receptores de mensagens mudou fortemente os rumos do ensino de língua. Já que o objetivo era a comunicação, o foco no estudo sistemático da gramática normativa foi deixado em segundo plano em detrimento do objetivo prático e comunicativo da linguagem.

Largamente trabalhada nos livros didáticos, a teoria da comunicação, juntamente com as famosas funções da linguagem, atribuía à comunicação funções específicas e definidas. Por exemplo, ao cumprimentar uma pessoa na rua e perguntar-lhe a hora, a comunicação, nessa situação, desempenharia uma função informativa, referencial, pois o seu objetivo seria basicamente a obtenção de informações a respeito da hora. Essa maneira de analisar o uso da linguagem não leva em conta que frequentemente utilizamos jogos e mascaramos as nossas verdadeiras intenções ao utilizar a língua. Na verdade, além dessa óbvia intenção de saber as horas, poderia estar por trás o objetivo de um simples estabelecimento de uma conversa, algo que utilizamos como um pretexto para chamar a atenção de alguém com quem desejaríamos estabelecer um contato, além de outras intenções possíveis.

Através desse simples exemplo, pode-se perceber que a linguagem não é tão transparente e direta como se pensava; que o sentido das palavras e das expressões não está contido nelas mesmas, mas, sim, que se dá num jogo de interação entre os interlocutores.

Após ter analisado as propriedades das duas vertentes, Bakhtin elenca algumas críticas sobre essas tendências. Sobre o objetivismo abstrato, sua principal crítica é que, ao dizer que a língua é imutável e estática, essa vertente coloca a língua fora do fluxo da comunicação verbal. Segundo Bakhtin, “os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar” (BAKHTIN, 1929, 2010, p.11). Há um desprezo do caráter social e ideológico que comporta a atividade de linguagem, da realidade viva e dinâmica que essa atividade desenvolve na vida dos sujeitos.

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Sobre o subjetivismo idealista, Bakhtin afirma que essa orientação apresenta uma simples e grosseira definição sobre a expressão: “tudo aquilo que, tendo se formado e determinado de alguma maneira no psiquismo do indivíduo, exterioriza-se objetivamente para outrem com a ajuda de algum código de signos exteriores” (BAKHTIN, 1929, 2010, p.115).

Segundo essas ideias, o ambiente externo, o fator social, da mesma forma que no objetivismo abstrato, não é levado em conta como fator determinante da atividade de linguagem.

Após analisar as concepções das duas vertentes, Bakhtin conclui que:

a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. (BAKHTIN, 1929, 2010, p.126). (grifos nossos).

Para Bakhtin, a atividade de linguagem é essencialmente social, ideológica e dialógica e não pode ser desvinculada das relações sociais.

Filiado ideologicamente à concepção bakhtiniana de linguagem, Geraldi (1984, 2003a) coloca em discussão uma terceira concepção, que é aquela na qual a língua é uma forma de interação social.

Nessa concepção, entende-se que o dialogismo é o princípio constitutivo da linguagem. Não existe discurso sem interação e essa interação só é possível na relação dialógica que se estabelece entre os sujeitos. Segundo Brait (2005, p.95), “o dialogismo diz respeito às relações que se estabelecem entre o eu e o outro nos processos discursivos instaurados historicamente pelos sujeitos, que, por sua vez, se instauram e são instaurados por esse discurso”.

Nesse sentido o trabalho privilegia os papeis sociais dos interactantes, pois essa concepção “situa a linguagem como o lugar de constituição de relações sociais, onde os falantes se tornam sujeitos.” (GERALDI, 1984, 2003a, p.41)

A maneira de ver a linguagem como fenômeno de interação muda radicalmente os paradigmas teóricos de ensino de língua. Já que o foco é a interação, a enunciação entre os interlocutores, passa-se a valorizar a relação autor-texto-leitor. Pressupõe-se que o leitor não é mais só um decodificador das informações presentes no texto, mas alguém que acrescenta a elas sentidos que já fazem parte do seu conhecimento de mundo, ou seja, o processo de leitura, nessa concepção, é a interação entre as informações presentes no texto e aquelas que

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cada leitor traz como conhecimento prévio. Os processos de leitura e produção textual não estão mais voltados para a emissão e recepção de mensagens diretas e definidas, mas, sim, para um processo de construção de sentido que leva em conta, por exemplo, pressupostos,

intenções implícitas entre outros mecanismos de construção textual. A linguagem oral passa a ser amplamente valorizada nessa concepção, já que não se

interage somente através da escrita, mas, principalmente, através da oralidade.

Propomos também, nesta pesquisa, baseados nas ideias da linguística cognitiva, a ampliação da terceira concepção de linguagem apresentada acima, baseando-nos nas contribuições de Marcuschi (2007, 2008); Salomão (1999), quando esses autores tratam a linguagem como forma de cognição situada.

Salomão (1999) aponta a visão sócio-cognitiva da linguagem como alternativa para solucionar a dicotomia existente entre a dimensão social da linguagem e a visão Chomskyana de capacidade inata da linguagem. Para autora, “é necessário postular a linguagem como operadora da conceptualização socialmente localizada através da atuação de um sujeito cognitivo, em uma situação real, que produz significados como construções mentais, a serem sancionadas no fluxo interativo.” (SALOMÃO, 1991, p.64).

Marcuschi (2007), ao relacionar a atividade linguística à cognição, admite o caráter mental da língua, chegando a afirmar que a produção linguística seria uma tradução de informações e representações em estruturas linguísticas, mas não acredita que as línguas sejam simples sistemas de representações mentais. Sobre esse aspecto, o autor admite que “sendo a linguagem uma faculdade humana, a língua será sempre uma forma específica de ação e cognição situada e não um simples sistema de representação de segunda ordem”. (MARCUSCHI, 2007. p.38) e nos levanta um questionamento, que coloca em xeque a ideia de que a linguagem é pura expressão do pensamento.

“será que representamos mentalmente nossos enunciados já prontos e depois os produzimos lingüisticamente ou vamos produzindo e representando-os concomitantemente? Se isso é uma ação simultânea, qual o papel do contexto e da cultura nesse processo”?(MARCUSCHI, 2007. p.37)

Sobre esse questionamento, o autor assume a seguinte postura em relação à definição de linguagem: “Tomamos a expressão ‘linguagem’ para designar uma habilidade (faculdade) humana que constitui os sujeitos como seres sociais, históricos e cognitivos” (MARCUSCHI, 2007. p. 38). Ainda, para esse autor, a “língua é muito mais do que uma simples mediadora do

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conhecimento e muito mais do que um instrumento de comunicação ou modo de interação humana. A língua é constitutiva de nosso conhecimento”. (MARCUSCHI, 2007. p.63)

Marcuschi (2008) vê a língua como uma prática sociointerativa de base cognitiva e histórica, ratificando que

essa posição toma a língua como uma atividade sociohistórica, uma atividade cognitiva e atividade sociointerativa. Na realidade, contempla a língua em seu aspecto sistêmico, mas observa-a em seu funcionamento social, cognitivo e histórico, predominando a ideia de que o sentido se produz situadamente e que a língua é um fenômeno encorpado e não abstrato e autônomo. (MARCUSCHI, 2008. p.60).

Ao definir a linguagem como evento sociocognitivo e histórico, Marcuschi (2007) afirma que “o uso social da língua tem efetivamente um papel relevante na construção do conhecimento” (MARCUSCHI, 2007. p. 61). A partir dessa afirmação, levantamos os seguintes questionamentos: como a linguagem atua como um instrumento de construção de conhecimentos? Como essa construção se da no dia a dia da interação entre os sujeitos e também no processo de ensino-aprendizagem da linguagem nas aulas de Língua Portuguesa?

1.2 Trabalho com os gêneros textuais e os eixos de ensino

Tomando como referencial a ideia da linguagem como construção de conhecimento, entendemos que a essa dimensão cognitiva e dialógica deve estar presente no processo de ensino-aprendizagem da língua em sala de aula, desde uma interação oral até o trabalho com textos escritos. Este trabalho precisa estar materializado nos gêneros textuais, que “são entidades sociodiscursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação discursiva.” (MARCUSCHI, 2005, p. 19).

Neste sentido, o uso dos gêneros como objeto de ensino da língua permitiria ao professor o desenvolvimento de um trabalho com os eixos de leitura, produção e AL, voltados ao desenvolvimento das habilidades linguísticas específicas (desenvolvimento da leitura, produção e reflexões sobre a língua).

Dentre as muitas perspectivas de trabalho com os gêneros, tomaremos como base o conceito de Marcuschi (2005) ao compreender que os gêneros são a materialização linguística dos textos que circulam na sociedade. Para este autor, os gêneros são:

1. Realizações lingüísticas concretas definidas por propriedades sócio-comunicativas;

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2. Constituem textos empiricamente realizados cumprindo funções em situações comunicativas;

3. Sua nomeação abrange um conjunto aberto e praticamente ilimitado de designações concretas determinadas pelo canal, estilo, conteúdo, composição e função; (MARCUSCHI 2005, p. 23).

Essa concepção de gênero está diretamente ligada ao que Reinaldo e Bezerra (2010) chamam de perspectiva de gênero como retórica. Nessa linha de entendimento, o gênero não é mais visto na perspectiva formalista, que toma a forma como ponto principal da análise. Embora mantenha o foco nos traços textuais do gênero, já o considera como uma prática comunicativa, sendo resposta a situações, com objetivos e propósitos comunicativos.

Encontramos nos PCN de Língua Portuguesa, em várias partes do texto, referência ao trabalho com os gêneros textuais, como podemos verificar no trecho abaixo, retirado do documento.

Nessa perspectiva, é necessário contemplar, nas atividades de ensino, a diversidade de textos e gêneros, e não apenas em função de sua relevância social, mas também pelo fato de que textos pertencentes a diferentes gêneros são organizados de diferentes formas.

A compreensão oral e escrita, bem como a produção oral e escrita de textos pertencentes a diversos gêneros, supõem o desenvolvimento de diversas capacidades que devem ser enfocadas nas situações de ensino. É preciso abandonar a crença na existência de um gênero prototípico que permitiria ensinar todos os gêneros em circulação social. (BRASIL, 1998. p.23-24).

Segundo o trecho acima, retirado dos PCN de língua portuguesa, o ensino deve privilegiar atividades de práticas de linguagem, e para tanto, os gêneros textuais são importantes elementos nessas práticas.

Após ter discutido sobre o uso dos gêneros textuais como importante ferramenta no ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, passaremos, no tópico seguinte, a revisitar os conceitos de gramática e de seu ensino, bem como o que a literatura da área nos diz acerca do trabalho com a AL.

1.3 Ensino de gramática e prática de análise linguística

Partindo do objetivo geral proposto no início do texto, escolhemos fazer um recorte no processo de investigação da prática de ensino de língua dos professores. Nesse sentido, como

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já foi dito anteriormente, escolhemos analisar o eixo de prática de AL, relacionando-o com as concepções de linguagem apresentadas anteriormente.

A partir desse recorte, cabem-nos alguns questionamentos: O que constitui o trabalho com a AL? Quais as relações entre AL e o ensino gramatical?

Para tentarmos responder a essas questões e a outras que poderão aparecer nas análises, faz-se necessário revisitar o que alguns autores nos trazem a respeito do ensino de gramática e da prática de AL.

1.3.1 Ensino de gramática

Falar sobre o ensino gramatical nas escolas de educação básica gera certa polêmica, principalmente a partir da ascensão de algumas contribuições advindas da Linguística Aplicada, que colocaram o ensino sistemático da Gramática Tradicional (GT) em xeque.

Ao se depararem com novas ideias sobre o ensino gramatical, seja através de leituras de revistas pedagógicas, formações ou outras formas de apropriação de saberes, muitos professores se sentiram desnorteados em relação à pertinência ou não da presença da gramática nas aulas de Língua Portuguesa. Segundo Soares (2006, p. 95), “o professor vive um conflito: ou manter a prática secular do ensino da gramática normativa ou aventurar-se numa renovação desse ensino”.

É preciso deixar claro que, como afirmam Possenti (1996); Travaglia (1996, 2006), é função da escola o ensino da norma padrão da língua e que esse direito não pode ser negado ao aluno.

Nesse sentido, em nenhum momento se propôs que a gramática fosse “abolida” da sala de aula, mas foi colocada em discussão a forma com a qual se conduzia os estudos gramaticais.

Seguindo a lógica do parágrafo anterior, dialogando com as ideias de alguns autores, entendemos que o debate sobre a presença gramática na escola tem sido “o calcanhar de Aquiles” das discussões do processo de ensino-aprendizagem de língua. Temos que admitir que o ensino de gramática apresenta-se problemático e tem sido desenvolvido de diferentes modos, dependendo muito de cada rede de ensino e principalmente de cada professor em sua prática individual. Sobre esse assunto, Travaglia, (1996, 2006, p. 101) afirma que “dentre as muitas práticas de ensino, a gramática é a que tem sido a mais questionada”.

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Antes de prosseguirmos com a discussão sobre o ensino de gramática, cabe-nos uma importante questão: quando nos referimos ao ensino, de que tipo de gramática estamos falando?

Travaglia (1996, 2006), antes de discutir o ensino de gramática na escola, resgata historicamente algumas concepções sobre esse objeto de ensino. Para o autor, há basicamente três sentidos /concepções para o termo “gramática”.

A primeira delas é a chamada gramática normativa, que segundo o autor “é concebida como um manual com regras de bom uso da língua a serem seguidas por aqueles que querem se expressar adequadamente”. (TRAVAGLIA, 1996, 2006, p. 24). Nesse sentido, saber gramática é dominar e utilizar as suas regras. Segundo as ideias desse autor, há uma íntima ligação entre esse tipo de gramática e a primeira concepção de linguagem que entende a língua como expressão do pensamento. De acordo com Travaglia (1996, 2006), o trabalho como esse tipo de gramática é o mais recorrente nas escolas de educação básica, ocorrendo assim uma prática de ensino prescritivo, o qual “objetiva levar o aluno a substituir seus próprios padrões de atividades linguísticas considerados errados/ inaceitáveis” (TRAVAGLIA, 1996, 2006, p. 24). É justamente essa prática excludente e preconceituosa, que visa ao objetivo principal de fazer com que o aluno conheça o maior número de regras gramaticais, que as novas perspectivas de ensino combatem. Práticas que não levam o aluno ao uso da língua em suas diversas situações de interação.

A segunda concepção de gramática é a que o autor chama de gramática descritiva. Esse tipo, diferentemente da primeira, não estabelece uma regra única a ser seguida pelos falantes, mas faz uma descrição sobre o modo de funcionamento da língua. Esse tipo de gramática é, segundo Travaglia (1996, 2006. p. 27), “um sistema de noções mediante as quais se descrevem os fatos de uma língua, permitindo associar a cada expressão dessa língua, descrição estrutural e estabelecer suas regras de uso, de modo a separar o que é gramatical do que não é gramatical”.

A partir dessa concepção, como já foi dito, não se estabelece uma única forma correta, mas sim formas realizáveis no funcionamento da língua, trabalhando mais com os conceitos de estruturas gramaticais e agramaticais, ao invés de estruturas gramaticalmente corretas e incorretas.

Fazendo a mesma relação que fizemos entre a gramática normativa e o ensino prescritivo, a adoção do tipo descritivo leva a um ensino no qual se “objetiva mostrar como determinada língua em particular funciona”. (TRAVAGLIA, 1996, 2006, p. 39).

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Partindo dessa ideia, saber gramática significa “ser capaz de distinguir, nas expressões de uma língua, as categorias, as funções e as relações que entram em sua construção, descrevendo com elas sua estrutura interna e avaliando sua gramaticalidade”. (TRAVAGLIA, 1996, 2006, p. 27). Podemos relacionar esse tipo de gramática, baseado nas ideias do autor supracitado, com a concepção de linguagem que vê a língua como código, quando este autor afirma que:

as correntes linguísticas que dão base a esse tipo de gramática têm em comum o fato de proporem uma homogeneidade do sistema linguístico, abstraindo a língua de seu contexto, ou seja, elas trabalham com um sistema formal abstrato que regularia o uso que se tem em cada variedade. (TRAVAGLIA, 1996, 2006, p. 28).

O terceiro tipo de gramática, que está mais ligada à concepção de língua como interação, é a chamada gramática internalizada. Esse tipo considera que a língua é “um conjunto de variedades utilizadas por uma sociedade de acordo com o exigido pela situação de interação comunicativa em que o usuário da língua está engajado” (TRAVAGLIA, 1996, 2006, p. 28).

Essa perspectiva amplia largamente os horizontes de alcance dos estudos gramaticais. Não se estudam mais as regras corretas, excluindo todas as demais, nem se elegem formas realizáveis na língua, mas leva-se em conta a linguagem em funcionamento na interação entre os sujeitos. Essa visão poderá possibilitar uma prática de ensino mais abrangente, não excluindo o estudo da norma padrão, mas verificando em que situações essa variedade da língua seria mais adequada, dando-se importância às outras inúmeras formas de usos linguísticos.

Após ter apresentado esses três tipos de gramática, uma pergunta ainda nos deixa curiosos: em relação à prática de ensino, seriam esses três tipos apresentados excludentes?

Travaglia (1996, 2006) diz que não, afirmando que tudo dependerá dos objetivos de ensino do professor, da realidade e da necessidade da turma, entre outros aspectos.

Ao adotar a perspectiva interacionista de ensino (trabalhar com o conceito de gramática internalizada), nada impede o professor de realizar um estudo descritivo ou até normativo do sistema linguístico, que conduza o aluno, através dos meios possíveis, a atingir os objetivos estabelecidos pelo professor.

Percebe-se, a partir das ideias dos parágrafos anteriores, que Travaglia (1996, 2006) já chamava a atenção para a não exclusividade do ensino de um tipo de gramática nas aulas de língua. O autor deixa claro, em vários momentos de sua obra, que o professor pode realizar

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um trabalho que utilize mais de um tipo de gramática, de acordo com a necessidade e os objetivos de ensino.

Após ter apresentado os tipos de gramática, pretendemos discorrer sobre os objetivos de ensino que norteiam o trabalho com a gramática na escola e para isso sentimos a necessidade de voltarmos à pergunta feita logo no início da introdução deste trabalho (“Em que medida e em que sentido podemos ensinar a língua materna a pessoas que a utilizam com todo o domínio necessário para se expressar e se comunicar na sua vida cotidiana?”). Em uma mesma direção, Travaglia (1996, 2006, p. 17) levanta esse mesmo questionamento, ao discutir sobre o ensino da gramática, trazendo-nos algumas respostas como ponto de reflexão. Para este autor, o ensino gramatical visa a:

1. Desenvolver a competência comunicativa dos usuários da língua.

2. Levar o aluno a dominar a norma culta ou língua padrão e ensinar a variedade escrita da língua.

3. Levar o aluno ao conhecimento da instituição linguística.

4. Propor a ensinar ao aluno a pensar, a raciocinar. Ensinar o raciocínio, o modo de pensar científico.

Analisando mais atentamente as quatro respostas acima, dadas por Travaglia, podemos fazer um paralelo entre esses objetivos de ensino da gramática e as concepções de linguagem que podem estar na base dessas diferentes práticas.

Qual seria a concepção de linguagem de um professor que diz que ensina gramática para “levar o aluno a dominar a norma culta ou língua padrão e ensinar a variedade escrita da língua”? Como debatido anteriormente, um professor que toma a linguagem como expressão do pensamento, tenderia a focar o ensino das regras da gramática normativa como centro do processo de ensino de língua, conforme ideia defendida por alguns autores. (GERALDI, 1984, 2003a; RAMIRES, 1994).

E o que pensar de um docente que diz que o ensino gramatical deve “levar o aluno ao conhecimento da instituição linguística”? Qual o objetivo em se conhecer a língua? Vê-se nessa afirmativa um sentido mais prático (comunicativo) do uso da linguagem. A língua como código à disposição de seus usuários que podem lançar mão de certas estruturas previamente conhecidas para fins comunicativos.

E quando se prioriza o ensino da gramática como forma de “desenvolver a competência comunicativa dos usuários da língua”? Percebe-se aqui que a língua não é mais vista como uma expressão do pensamento nem como uma forma de comunicação, mas sim

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