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As formas de tratamento de segunda pessoa do singular em cartas do seridó potiguar

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

AS FORMAS DE TRATAMENTO DE SEGUNDA PESSOA DO

SINGULAR EM CARTAS DO SERIDÓ POTIGUAR

GISONALDO ARCANJO DE SOUSA

NATAL-RN 2019

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AS FORMAS DE TRATAMENTO DE SEGUNDA PESSOA DO

SINGULAR EM CARTAS DO SERIDÓ POTIGUAR

POR

GISONALDO ARCANJO DE SOUSA

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de doutor.

Área de concentração: Linguística Teórica e Descritiva

Orientadora: Profa. Drª Maria Alice Tavares

Natal-RN

2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA

Sousa, Gisonaldo Arcanjo de.

As formas de tratamento de segunda pessoa do singular em cartas do seridó potiguar / Gisonaldo Arcanjo de Sousa. - 2019. 146f.: il.

Tese (doutorado) - Centro de Ciências Humanas Letras e Artes, Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2019. Natal, RN, 2019.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Alice Tavares.

1. Pronomes pessoais - Tese. 2. Cartas Pessoais - Tese. 3. Sociolinguística - Tese. I. Tavares, Maria Alice. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 81'367.626.1

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Dedico ao Criador.. Aos meus pais JOÃO e CHICA Aos meus filhos Otto, Tomé,

A Júlia, Miguel e Elisa A Maria José de Oliveira.

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AGRADECIMENTOS

Serra Negra do Norte-RN, 26 de Santana de 2019

Senhoras e Senhores leitores,

Tudo bem? Espero que estejam, mesmo diante da desconstrução democrática pela qual passa o país e os desmontes das Universidades brasileiras. Eu estou bem e feliz.

É com muita alegria que comunico o fim de um começo árduo. O fim porque escrever uma tese significou abdicar de muitas coisas na vida. Foi para mim um tempo limitado entre chegadas e partidas. Conheci gente nova, novas amizades foram feitas, novos horizontes foram conquistados. Passei a conhecer e fui também conhecido no meio acadêmico. No entanto, também deixei que a vida levasse de mim pessoas queridas que sonhavam com o momento que agora acontece. E lá se foram minha irmã GILSA, minha vó ISABEL e o meu tio CHICO, além de outras pessoas que torciam para que o sonho fosse real. Foi uma antítese. Uma mistura de sal e açúcar. E o tempo passou depressa, me levando e levando com ele o futuro em que agora estamos.

Foi uma fase. Uma tentativa exitosa de sobrevivência entre o querer descobrir e a alegria da descoberta, entre o escrever e o entrave daquela pedra drummondiana que insistia em não querer sair e nem possibilitava ser transpassada, pulada, arremessada do caminho. Foi um misto de gratidão e revolta pelas palavras rebeldes que vinham à mente e que não se fixaram nos papéis... foram noites...dias. Mas quando elas chegavam, a sangria de ideias inundavam as pautas como as águas faziam com a Dinamarca. E parece que dei conta de colocar um pouco de águas nos reservatórios de histórias e da linguística.

Tenho pessoas também especiais para dividir com os senhores esse momento ímpar. Essa notícia que tem doutor chegando à família Arcanjo. É uma notícia que precisa ser espalhada porque trato dos falares da minha terra, do meu chão, do meu Seridó. Em primeiro lugar, agradeço a minha mãe Francisca de

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Sousa Silva e ao meu pai João Arcanjo da Silva, depois a Gisomark, meu irmão, a meus sobrinhos: Júlia, Miguel e Elisa. Agradeço também às minhas tias e meus tios, principalmente a Titia Helena... e a todos da Rua Coronel Clementino, incluindo Micheline e Eliana.

Senhores e senhoras, muitos foram os responsáveis por essa conquista acadêmica. E muitos serão os agradecimentos. Aponto aqui só alguns deles.

Aí quero agradecer a minha orientadora Alice Tavares, muito paciente,

compreensiva e amável, daí meu exagerado e merecido reconhecimento. Então...com muita sutileza e conhecimento profundo sobre a sociolinguística, apontou outros horizontes que a pesquisa poderia tomar. E assim se fez. (TU mereces aplausos infindos!!)

Agradeço a Camilo Rosa pelas contribuições necessárias e pertinentes ao trabalho. As sugestões dadas pela via qualificativa possibilitou ver realmente que todo mas tem um porém. Obrigado, meu professor. VOCÊ é realmente um SENHOR.

À professora Érica Reviglio Iliovitz pelas precisas contribuições na ocasião da qualificação. Muito obrigado pelo carinho e demonstração de sabedoria.

Às professoras Maria das Graças Soares Rodrigues e a Noelma Cristina Ferreira dos Santos que aceitaram participar da banca final, assim contribuindo através de seus ensinamentos para a melhoria do trabalho.

Agradeço a MARIA JOSÉ, minha companheira de vida e acadêmica. Por ela fui suportado e suportei também a solidão de quem se isola procurando razões para o agora... entendi que tudo se deu em busca de futuro para nossos filhos OTTO GUILHERME e TOMÉ GALILEU. Para eles o meu maior de todos os agradecimentos.

Senhoras e senhores, a CAPES foi importante para essa vitória porque o presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – código de financiamento 001. A ela, meu agradecimento.

Quero também agradecer ao pessoal da 10ª DIREC, em Caicó, na pessoa da professora Suenyra, minha (outra) irmã e se estende aos demais. Eles souberam entender que escrever uma tese requer tempo de lucidez e, às vezes, de loucura sadia. Obrigado.

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Enfim, agradeço a todos que contribuíram para que a pesquisa aqui apontada fosse desvelada e possibilitasse ganhar outros ares investigativos.

Aos missivistas que abriram suas vidas íntimas e deram pistas para minha e tantas outras pesquisas. São mais de 1000 cartas que serão disponibilizadas para pesquisas após o término e entrega definitiva deste trabalho.

Um grande abraço a todos.

Com carinho...

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RESUMO

Com base na sociolinguística variacionista, liderada por Labov (2008 [1972], 1994, 2003), entre outros, tenho por objetivo analisar a variação entre os pronomes pessoais de segunda pessoa do singular TU, VOCÊ e A SENHORA na função de sujeito em cartas pessoais produzidas na década de 1940 por quatro indivíduos naturais da região do Seridó, no Rio Grande do Norte. Levo em conta dois fatores sociais, o sexo e a idade dos missivistas, e dois fatores discursivo-pragmáticos, a relação social e o assunto. Fundamentando a análise de todos esses fatores, está a proposta de Brown e Gilman (1960) de que a escolha de formas de tratamento é condicionada por relações de poder e de solidariedade entre os interlocutores. Entre os principais resultados, aponto que a distribuição dos pronomes quanto ao sexo e à idade não trouxe indícios claros de mudança na direção do aumento de uso de VOCÊ, a forma mais recente. Houve uso exclusivo de A SENHORA na relação assimétrica ascendente de filho-mãe e uso variável de TU e VOCÊ nas outras relações sociais. Na relação assimétrica descendente mãe-filho, VOCÊ foi bem mais frequente, e, na relação simétrica namorada-namorado, TU foi bem mais frequente. Houve maior equilíbrio na distribuição dos dados na relação simétrica amigo-amigo, com predomínio de VOCÊ. Finalmente, quanto ao assunto, TU foi mais frequente em tópicos de natureza íntima. Os resultados permitiram enquadrar o quadro de distribuição dos pronomes na primeira das três etapas do desenvolvimento histórico do VOCÊ propostas por Lopes et al. (2018), caracterizada por maior frequência de TU, especialmente em relações íntimas.

Palavras-chave: pronomes pessoais de segunda pessoa do singular; cartas pessoais; sociolinguística; poder e solidariedade

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ABSTRACT

Based on the variational sociolinguistics, led by Labov (2008 [1972], 1994, 2003), among others, I aim to analyze the variation among the second person personal pronouns of the singular TU, YOU and THE LADY in the subject function of personal letters produced in the 1940s by four individuals from the Seridó region of Rio Grande do Norte.I analyze the variation between the pronouns TU, VOCÊ and A SENHORA in the second person singular indication in the role of subject. I use data extracted from personal letters written between 1941 and 1944 by four natural individuals from Seridó, Rio Grande do Norte. I take into account two social factors, the sex and the age of the writers, and two discursive-pragmatic factors, the social relations and the subject. Based on the analysis of all these factors, Brown and Gilman (1960) propose that the choice of forms of treatment is conditioned by relations of power and solidarity among the interlocutors. Among the main results, I point out that the distribution of pronouns in terms of sex and age did not bring clear indications of a shift towards increasing use of VOCÊ, the most recent form. There was exclusive use of A SENHORA in the ascending asymmetrical relation of the son-mother and the variable use of TU and VOCÊ in the other social relations. In the asymmetric mother-son relationship, VOCÊ were much more frequent, and in the symmetrical girlfriend-boyfriend relationship, TU was much more frequent. There was greater balance in the distribution of the data in the symmetrical friend-friend relationship, with a predominance of VOCÊ. Finally, regarding the subject, TU was more frequent in topics of an intimate nature. The results allowed to frame the distribution of the pronouns in the first of the three stages of the historical development of the VOCÊ proposed by Lopes et al. (2018), characterized by a higher frequency of TU, especially in intimate relationships.

Keywords: second-person singular pronouns; personal letters; sociolinguistics; power and solidarity

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RESUMEN

Basado en la sociolingüística variacional, dirigida por Labov (2008 [1972], 1994, 2003), entre otros, mi objetivo es analizar la variación entre los pronombres personales en segunda persona TU, VOCÊ y A SENHORA en la función de sujeto de las cartas personales producidas en la década de 1940 por cuatro individuos naturales de la región Seridó en el Rio Grande do Norte. Tomo en cuenta dos factores sociales, el sexo y la edad de los escritores de las cartas, y dos factores discursivos-pragmáticos, la relación social y el tema. Subyacente al análisis de todos estos factores está la propuesta de Brown y Gilman (1960) de que la elección de las formas de tratamiento está condicionada por las relaciones de poder y la solidaridad entre los interlocutores. Entre los principales resultados, señalo que la distribución de pronombres con respecto al género y la edad no trajo indicaciones claras de cambio en la dirección del uso creciente de VOCÊ, la forma más reciente. Hubo un uso exclusivo de A SENHORA en la relación ascendente asimétrica madre-hijo y el uso variable de TU y VOCÊ en otras relaciones sociales. En la relación asimétrica descendente madre-hijo, VOCÊ fue mucho más frecuente, y en la relación simétrica novia-novio, TU fue mucho más frecuente. Hubo un mayor equilibrio en la distribución de datos en la relación simétrica amigo-amigo, con predominio de VOCÊ. Finalmente, sobre el tema, TU fue más frecuente en temas de naturaleza íntima. Los resultados nos permitieron enmarcar la distribución de pronombres en la primera de las tres etapas del desarrollo histórico del VOCÊ propuesto por Lopes et al. (2018), caracterizado por una mayor frecuencia de TU, especialmente en las relaciones íntimas.

Palabras clave: pronombres personales en segunda persona del singular; cartas personales; sociolingüística; poder y solidaridad

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Quadro dos pronomes pessoais proposto por Castilho (2010)... 48 Quadro 2 Indicadores da 2ª Pessoa no PB... 49 Quadro 3 Distribuição das missivas em Moura (2018)...

70 Quadro 4 Natureza da amostra e total de dados em Scherre et al.

(2015)... 74 Quadro 5 Síntese da distribuição dos seis subsistemas dos pronomes

de segunda pessoas por região e estado... 75 Quadro 6 Características do gênero carta pessoal... 79 Quadro 7 Assunto predominante em cada carta... 119

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Distribuição geral das ocorrências de P2 e P3 em cartas oitocentistas e novecentistas da família Pedreira Ferraz –

Magalhães... 54

Tabela 2 Cruzamento dos grupos de fatores gênero e faixa etária em relação à produtividade das formas de P2 (Tu) e de P3 (Você) nas cartas oitocentistas e novecentistas da família Pedreira Ferraz Magalhães... 55

Tabela 3 Variação nas cartas dos avós... 57

Tabela 4 Distribuição da forma você: relações simétricas por fase... 61

Tabela 5 Frequências de uso do você, nas cartas norte-riograndenses, por período de escrita da carta... 67

Tabela 6 Distribuição de TU, VOCÊ e A SENHORA quanto ao sexo... 106

Tabela 7 Distribuição em relação à idade... 109

Tabela 8 Distribuição dos dados referentes às relações sociais... 112

Tabela 9 Distribuição de A SENHORA quanto ao assunto... 130

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Distribuição de TU e VOCÊ quanto à concordância verbal – 2009... 73 Figura 2 Distribuição de Tu e VOCÊ quanto à concordância verbal –

2015... 76 Figura 3 Mapa da região do Seridó... 85 Figura 4 Mapa do Estado do Rio Grande do Norte... 86

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO... 1 Objetivos e hipóteses ... 15 21 1.1 Objetivo geral... 21 1.2 Objetivos específicos... 21 2 Hipóteses... 22

CAPÍTULO I – BASES TEÓRICO-METODOLÓGICAS... 25

1.1 A sociolinguística variacionista... 25

1.1.1 Variação linguística... 25

1.1.2 Estilo... 30

1.2 Teoria do poder e da solidariedade... 32

1.2.1 Proposta de Brown e Gilman (1960)... 32

1.2.2 Sistema T/V no português... 36

CAPÍTULO II - DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO E VISÃO DAS GRAMÁTICAS... 40

2.1 Pronomes pessoais de segunda pessoa do singular: histórico... 40

2.2 As formas de tratamento na visão de alguns gramáticos... 46

CAPÍTULO III- ESTADO AD ARTE... 52

3.1 Cartas de missivistas do Rio de Janeiro e do Espírito Santo... 52

3.1.1 Rumeu (2004, 2008)... 52

3.1.2 Lopes e Machado (2005)... 56

3.1.3 Lopes, Marcotulio e Oliveira (2018)... 57

3.1.4 Scherre, Yacovenco e Scardua (2018... 61

3.2 Cartas de missivistas do Nordeste... 63

3.2.1 Martins et al. (2015)... 63

3.2.2 Batista, Carneiro e Lacerda (2017)... 65

3.2.3 Moura (2013, 2018)... 66

3.3 Distribuição do TU e do VOCÊ na fala brasileira contemporânea... 72

3.3.1 Scherre et al. (2015)... 72

3.3.2 Silva (2015)... 76

4 O CAMINHO DA BUSCA... 79

4.1 A formação do corpus para pesquisa... 79

4.2 Seridó: o espaço e o povo... 82

4.2.1 A região do Seridó... 82

4.2.2 A construção do perfil do povo seridoense... 87

4.2.3 Envio de cartas em São João do Sabugi... 92

4.2.4 O perfil dos missivistas... 94

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4.2.4.2 José Geraldo Moura da Fonseca... 95

4.2.4.3 Inamar Medeiros... 96

4.2.4.4 Anita de Brito Dantas... 97

4.2.5 As escolas e o acesso à escrita no Seridó... 97

CAPÍTULO V – ANÁLISE DOS RESULTADOS... 103

5.1 Distribuição geral... 103

5.2 Sexo... 105

5.3 Idade... 108

5.4 Relações sociais... 110

5.5 Assuntos abordados nas cartas... 117

5.5.1 Música... 120 5.5.2 Saúde... 121 5.5.3 Roupa... 122 5.5.4 Namoro... 122 5.5.5 Relógio... 123 5.5.6 Comércio... 123 5.5.7 Viagens... 124 5.5.8 Chuvas... 124 5.5.9 Cuidado materno... 125 5.5.10 Busca de notícias... 125

5.5.11 Relato de atividades diárias... 126

5.5.12 Drama... 126 5.5.13 Pedido... 127 5.5.14 Correspondência... 128 5.5.15 Estudo... 128 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 137 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 141

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa aborda os pronomes pessoais TU, VOCÊ e A SENHORA usados variavelmente no tratamento dado ao interlocutor em cartas pessoais produzidas por quatro indivíduos naturais da região do Seridó.1 Um desses indivíduos é o destinatário de cartas escritas pelos outros três – sua mãe, sua namorada e um amigo, e o emissor de cartas para sua mãe.

São analisados os pronomes pessoais TU, VOCÊ e A SENHORA na função de sujeito, codificados linguisticamente (como em (1), (3) e (4)) e suas formas nulas, identificadas através da desinência número-pessoal do verbo-sujeito, como em (2), com formas nulas relacionadas ao TU; ou pela presença do pronome sujeito codificado linguisticamente no mesmo contexto, como em (3), com forma nula relacionada ao VOCÊ na oração final; e em (4), com forma nula relacionada ao A SENHORA na segunda oração.

(1) Achei muito interessante, pois Jubinha conheceu | que eras tu quem tocava aquilo, e disse | o teu nome, e ficou como quem duvidava

| do que estava ouvindo. (carta 51 Anita)

(2) Deves ter passado a festa | muito bem, a não ser a dôr de cabe- |

ça que tivestes, segundo disse-me João Antonio. (carta 55, Anita)

(3) Não sei se terá sido ela a | Rainha. Clélia, pelo de que você dis- |

se ficou em Caicó, e quem é a | outra professora de S. João? |

Quanto a São João como | passou te o sábado, Domingo e | segunda-feira? 0 Dancou hein? (carta 43, Inamar)

(4) a senhora tinha pergun- | tado por mim e 0 tinha | mandado me dizer | que Mariana continua | sempre doente. O baile | que mandei dizer para | Penha vir nos auxiliar, | foi adiado não sei | para quando. No dia | 6 vamos tocar a festa | de S. Negra, tendo ainda | a fazer no mês de Setem- | bro um passeio a | Currais Novos e tocar as | festas de Jucurutú e São | Fernandes. (carta 01; José Geraldo)

1

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Os pronomes pessoais têm como propriedade central a foricidade, isto é, “a capacidade de fazer referência pessoal”, que pode ser do tipo anafórico ou do tipo exofórico/dêitico.2 Esses pronomes podem fazer referência:

a) a uma pessoa ou coisa que foi (função anafórica) ou vai ser (função catafórica) referida no texto; é o caso, por exemplo, dos pronomes de terceira pessoa.

b) a um dos interlocutores (função exofórica ou dêitica), isto é, uma pessoa que pertence ao circuito de comunicação; é o caso da primeira e da segunda pessoas. (NEVES, 2000, p. 449-450)

Neves (2000, p. 457) assim distingue as três pessoas pronominais:

a) primeira pessoa: aquela de quem parte o discurso, e que só aparece no discurso quando o locutor faz referência a si mesmo (autorreferência); b) segunda pessoa: aquela a quem se dirige o discurso, e que só aparece no enunciado quando o locutor se dirige a ela;

c) terceira pessoa: aquela sobre a qual é o discurso.

Para Neves (2000), os pronomes pessoais de segunda pessoa do singular são TU e VOCÊ. O SENHOR e A SENHORA são classificados pela autora como pronomes de tratamento, ao lado de VOSSA SENHORIA, VOSSA EXCELÊNCIA, entre outros.

Diferentemente de Neves (2000), Castilho (2010) classifica como pronomes pessoais de segunda pessoa do singular, além de TU e VOCÊ, também O SENHOR/A SENHORA, visão com a qual compactuo nesta tese. O autor, assim como Neves (2000), aponta que esses pronomes são dêiticos, pois sua referência “está no discurso, na situação concreta que envolve os falantes” (CASTILHO, 2010, p. 123).

O uso variável de pronomes de segunda pessoa do singular em diferentes funções sintáticas tem sido fartamente investigado nos últimos trinta anos, do que resultou uma imensa produção bibliográfica a respeito do tema. Foram feitos estudos nas perspectivas sincrônica e diacrônica, tomando como fonte de dados corpora de fala e/ou de escrita variados. A maior parte desses estudos se debruçou sobre a variação entre TU e VOCÊ, mas alguns também incluíram O SENHOR/A SENHORA.

2 Segundo Trask (2004), anáfora é um “elemento linguístico cuja interpretação é tomada de algum

outro elemento presente na mesma sentença ou no discurso” (TRASK, 2004, p. 29). Por sua vez, segundo o mesmo autor, uma categoria dêitica é “qualquer categoria gramatical que expressa distinções que dizem respeito ao tempo e lugar em que ocorre o ato de fala, ou aos diferentes papéis de seus participantes” (TRASK, 2004, p. 51).

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A escolha de um corpus constituído por cartas pessoais se deu devido à aproximação da linguagem que elas apresentam em relação à fala. Além disso, nelas são deixadas pistas sobre a própria pessoa que escreve e, também, daquele para quem a carta foi escrita, o que ajuda na construção do perfil social dos indivíduos produtores e receptores das cartas (cf. quarto capítulo).

É válido destacar que o Seridó foi escolhido para ser palco da pesquisa porque é uma região singular se comparada com as demais do estado potiguar. Foi nela que se deram os primeiros direcionamentos político-administrativos do Rio Grande do Norte (Cf. MACÊDO, 2012; LIMA, 2002) Trata-se de uma região que apresenta uma cultura religiosa e culinária muito forte, além de ser terra natal do pesquisador há mais de quarenta anos. Ao pesquisar o Seridó, foi possível descobrir e divulgar alguns aspectos da história até então desconhecidos pelos próprios nativos.

Esta pesquisa é guiada teoricamente pela sociolinguística variacionista, que tem por objeto a variação linguística, isto é, a seleção que falantes e escreventes podem fazer entre duas ou mais formas que codificam um mesmo significado ou função em contextos similares de interação. Essa seleção é influenciada por fatores sociais, linguísticos e/ou estilísticos, que são controlados quantitativamente para a identificação de padrões de distribuição das formas.

No início da pesquisa, procurei formar um banco de dados que pudesse dar suporte ao que estava buscando com relação aos usos de pronomes de tratamento de segunda pessoa do singular. Esse banco de dados é composto por cartas pessoais do fim do século XIX até o século XXI. São cerca de 1000 missivas escritas por homens e mulheres, ilustres e não ilustres, tanto da região do Seridó como também de outras localidades do país e até mesmo do exterior.

No entanto, as relações sociais entre os missivistas de cada período de tempo eram distintas, o que impossibilitaria uma comparação diacrônica, intenção inicial deste estudo. Em alguns períodos, essas relações eram de natureza mais íntima, em outros menos íntima, em outros ainda eram mistas. Essa diferença inviabilizaria a comparação diacrônica de resultados, uma vez que a natureza da relação social entre os indivíduos é fundamental para explicar a variação entre formas pronominais de segunda pessoa.

O banco de dados inicialmente organizado poderá ser utilizado em futuros trabalhos sobre diferentes fenômenos linguísticos. Ficará, pois, à disposição de

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pesquisadores potiguares, brasileiros e até mesmo estrangeiros, inclusive para meus futuros estudos que contemplarão a temática dos pronomes pessoais. As cartas pertencentes a esse banco passarão por uma triagem mais apurada e serão publicadas.

A década de 1940 foi escolhida por ser um momento crucial no desenvolvimento do processo de variação e mudança entre as formas pronominais de segunda pessoa. Segundo Lopes, Marcotulio e Oliveira (2018), tal desenvolvimento se constituiu de três fases: (i) entre 1870 e 1899, TU, predominante em relações íntimas, era bem mais frequente que VOCÊ (taxas em torno de 80%); VOCÊ predominava em relações menos íntimas e mais formais, ainda ligado à fonte de seu processo de mudança, VOSSA MERCÊ (cf. terceiro capítulo); (ii) entre 1900 e 1939, houve grande variação entre TU e VOCÊ; VOCÊ, contando com frequências entre 40% e 60%, foi estendido para contextos outrora exclusivos de TU; (iii) de 1940 a 1979, VOCÊ tornou-se cada vez mais frequente, suplantando fortemente TU, e passa a ser empregado em diferentes tipos de relações sociais, chegando, inclusive, a taxas de 100%.

A década de 1940 é um período de relevância crucial, visto que se situa no início da terceira fase do processo de mudança. A distribuição dos pronomes pessoais nessa década deve ser ainda semelhante ao do período anterior, de 1900 a 1939, ou seja, um momento de ampla variação, com a extensão de VOCÊ para relações de maior intimidade.

Tendo definido o período de escrita, selecionei um grupo de cartas de quatro missivistas seridoenses. Segundo as informações obtidas, três deles são naturais de São João do Sabugi, administrativamente pertencente a Serra Negra do Norte até 1948, e outro é provavelmente natural de Ouro Branco, também cidade do Seridó. São missivistas de classe média para os padrões locais, três jovens com aproximadamente 22 anos e uma adulta com mais de 60 anos.

Foram colhidas 76 cartas, entretanto, só 59 se adequaram à pesquisa – aquelas que contêm dados de pronomes pessoais de segunda pessoa na função de sujeito. As cartas foram assim distribuídas:

 José Geraldo M. Fonseca (filho) --- Júlia Moura da Fonseca (mãe) = 20 cartas

 Júlia Moura da Fonseca (mãe) --- José Geraldo M. Fonseca (filho) = 9 cartas

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 Anita Britto Dantas (namorada) --- José Geraldo M. Fonseca (namorado) = 20 cartas.

Embora as cartas pessoais aqui utilizadas tenham sido produzidas por apenas quatro indivíduos, foram coletados dados suficientes para a realização da análise quantitativa (um total de 421 dados). Foram controlados dois fatores de ordem social, o sexo e a idade dos missivistas, e dois fatores de ordem discursivo-pragmática, a relação social entre os missivistas e o assunto abordado nas cartas.

A seleção desses quatro fatores teve as seguintes motivações: (i) terem sido relevantes como influenciadores do uso de pronomes pessoais de segunda pessoa em diferentes regiões do Brasil (cf. terceiro capítulo); (ii) poderem ser relacionados à questão do poder e da solidariedade, subjacente ao uso desse tipo de pronome.

Quanto ao sexo, os missivistas distribuem-se igualmente entre mulheres – duas – e homens – dois. Relativamente à idade, três dos missivistas, o filho, a namorada e o amigo, são jovens. Como apenas a mãe se enquadra em uma faixa etária mais velha, os resultados referentes a esse fator devem ser tomados com cautela. Embora o sexo tenha sofrido um controle inicial isolado (mulheres versus homens), também foi avaliado de modo mais particular quanto à relação social entre os missivistas.

Os resultados aqui obtidos para os fatores sociais foram comparados a resultados obtidos por estudos anteriores, que, em sua maioria, também contaram com cartas de poucos missivistas (cf. terceiro capítulo). A comparação permite que sejam obtidas explicações mais sólidas, podendo-se observar se o comportamento dos quatro missivistas que forneceram as cartas para este estudo assemelha-se ao de missivistas de mesmas ou similares características sociais cujas cartas foram analisadas em estudos feitos em diferentes localidades brasileiras.

Tratei o assunto inicialmente em um plano geral, identificando aquele predominante em cada carta. Depois, devido à ocorrência de pronomes em trechos de assuntos secundários, fiz uma análise quantitativa mais detalhada considerando o assunto abordado no trecho da carta em que aparecia o dado.

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A relação entre os missivistas foi analisada à luz da proposta de Brown e Gilman (1960), segundo a qual a escolha de formas de tratamento é condicionada por relações de poder e de solidariedade que se estabelecem entre os interlocutores.

As relações de solidariedade ocorrem entre indivíduos de alguma forma “iguais” e são caracterizadas pelo uso de formas de tratamento indicadoras de simetria/reciprocidade (como o TU e o VOCÊ). Já em relações de poder, pessoas de status inferior em termos de classe social, hierarquia institucional, família, idade, sexo, entre outros, dirigem-se a pessoas de status superior com formas indicadoras de relação assimétrica/não recíproca ascendente (caso de O SENHOR/A SENHORA) e são endereçados por essas pessoas com formas indicadoras de relação assimétrica/não recíproca descendente (caso do TU e do VOCÊ).

No caso desta tese, a relação mãe-filho é, a princípio, assimétrica/não recíproca descendente; a relação filho-mãe é assimétrica/não recíproca ascendente e as relações namorada-namorado e amigo-amigo são simétricas.

Brown e Gilman (1960) alertam, porém, que, ao longo do tempo, em razão da crescente democratização das sociedades ocidentais, houve alteração nas relações de poder e de solidariedade. Relações que antes se davam na esfera de poder passaram a se dar na esfera de solidariedade, o que levou a mudanças no modo de utilização das formas de tratamento. Essa questão deve ser observada em estudos que versem sobre esse tipo de forma, caso desta tese. No âmbito da sociolinguística, a variação é relacionada à mudança no sentido de que o recorte de um fenômeno variável em um dado período de tempo pode ser tomado como uma etapa de um processo de alteração nos padrões de distribuição das formas pertinentes. O estudo da mudança pode ser feito diacronicamente, comparando-se dados de períodos distintos, ou sincronicamente, com dados de um mesmo período, considerando-se diferentes gerações de falantes ou escreventes.

A perspectiva que adoto é sincrônica, uma vez que o corpus do qual foram extraídos os dados é composto por cartas pessoais escritas entre 1941 e 1944. No entanto, resultados aqui obtidos puderam ser comparados a resultados dos estudos diacrônicos feitos, por exemplo, por Moura (2013, 2015) e por Lopes, Marcotúlio e Oliveira (2018), cujos corpora incluíram cartas da segunda metade

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do século XIX à segunda metade do século XX. Para a comparação, levei em conta, nesses três estudos, especialmente resultados referentes a cartas das décadas de 1930 e 1940.

Esse procedimento permitiu observar semelhanças e diferenças nos padrões de uso dos pronomes de segunda pessoa do singular em diferentes localidades brasileiras, em épocas similares e um mesmo tipo de corpus. Algumas relações sociais idênticas ou semelhantes (da esfera da família, da amizade e do namoro/noivado/casamento) também puderam ser contrastadas.

Depois de coletados, os dados passaram por tratamento quantitativo através do programa estatístico Goldvarb X (cf. SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005), que forneceu frequências e percentagens referentes à distribuição dos pronomes TU, VOCÊ e A SENHORA quanto aos fatores sexo, idade, relação entre os missivistas e assunto.

I Objetivos e hipóteses

Com fundamentação na sociolinguística variacionista e na proposta de poder e solidariedade de Brown e Gilman (1960) (cf. primeiro capítulo), bem como em estudos anteriores que tomaram como variantes os pronomes TU e VOCÊ, e mais raramente O SENHOR/A SENHORA (cf. terceiro capítulo), proponho a seguir os objetivos e as hipóteses desta pesquisa.

1 Objetivos

1.1 Objetivo geral

Analisar a variação entre os pronomes pessoais de segunda pessoa do singular TU, VOCÊ e A SENHORA na função de sujeito em cartas pessoais produzidas na década de 1940 por quatro indivíduos naturais da região do Seridó, no Rio Grande do Norte.

1.2 Objetivos específicos

1) Verificar se as mulheres, que lideraram a maioria das mudanças linguísticas, fazem maior uso do pronome inovador VOCÊ, e se os homens, que muitas vezes

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se encontram uma geração atrás das mulheres na mudança, fazem maior uso dos pronomes mais antigos TU e A SENHORA;

2) Averiguar se diferenças etárias influenciam a seleção dos pronomes TU, VOCÊ e A SENHORA no sentido de missivistas mais jovens darem preferência ao inovador VOCÊ e missivistas mais velhos darem preferência ao TU e a A SENHORA;

3) Observar se as relações de poder existentes entre os missivistas favorecem a seleção do pronome A SENHORA e se as relações de solidariedade favorecem a seleção dos pronomes TU e VOCÊ;

4) Avaliar se a opção dos missivistas pelo emprego dos pronomes TU, VOCÊ e A SENHORA é influenciada por diferenças nos graus de intimidade dos assuntos abordados nas cartas.

2 Hipóteses

1) As mulheres tendem a ser líderes da mudança linguística na direção do aumento de uso da forma inovadora. O pronome VOCÊ, forma mais recente, deve, portanto, ser mais utilizado por elas, às expensas do TU e do A SENHORA, formas mais antigas, que devem ser mais utilizados pelos homens.

2) A ocorrência das formas inovadoras aumenta a cada nova geração. Assim, o VOCÊ deve ser mais frequente nas cartas dos missivistas mais jovens – a namorada e o amigo – e, nas cartas da missivista mais velha – a mãe –, o TU deve ser mais frequente. O A SENHORA deve aparecer nas cartas do filho para a mãe, isto é, do membro mais jovem da família para o membro mais velho.

3) Na perspectiva do poder e da solidariedade, temos por expectativa que:

(i) nas cartas do filho para a mãe, devido à natureza assimétrica/não recíproca ascendente da relação entre eles, seja recorrente o A SENHORA;

(ii) nas cartas da mãe para o filho, em virtude da natureza assimétrica/não recíproca descendente da relação entre eles, sejam recorrentes o TU e o VOCÊ;

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(iii) nas cartas da namorada para o namorado e do amigo para o amigo, caracterizadas por relações de natureza simétrica/recíproca, sejam recorrentes o TU e o VOCÊ.

4) Nas cartas escritas por três dos missivistas, a mãe, a namorada e o amigo, o pronome de maior proximidade TU poderá receber destaque em trechos em que assuntos íntimos – como namoro – são abordados. O pronome VOCÊ, de maior distanciamento quando contrastado ao TU, deve ser mais recorrente em trechos em que assuntos não íntimos – como comércio – são abordados. Nas cartas escritas pelo quarto missivista, o filho, o A SENHORA deve aparecer tanto em trechos de assuntos íntimos quanto não íntimos por conta da relação de assimetria ascendente que caracteriza a relação entre filho e mãe.

A tese está organizada em cinco capítulos. No primeiro, apresento a base-teórico metodológica sobre a qual se fundamentou a pesquisa, a sociolinguística de perspectiva laboviana, e abordo a proposta de Brown e Gilman (1960) sobre a díade poder e solidariedade.

No segundo capítulo, apresento um panorama do desenvolvimento histórico do pronome inovador VOCÊ e, na sequência, apresento conceitos e propostas feitas por gramáticos normativistas e por um gramático de linha funcionalista sobre o quadro dos pronomes pessoais de segunda pessoa do singular.

No terceiro capítulo, sintetizo resultados de estudos variacionistas anteriores que enfocaram pronomes de segunda pessoa do singular, destacando aqueles que extraíram dados de cartas pessoais. Além disso, delineio os objetivos e hipóteses da pesquisa.

No quarto capítulo, abordo o processo de busca das cartas pessoais para a realização da pesquisa, descrevo a região do Seridó Potiguar em seus aspectos sócio-históricos na década de 1940, delineio o perfil social dos quatro missivistas e apresento um esboço situacional das escolas e o acesso à escrita no Seridó.

No quinto, analiso os resultados obtidos para os fatores sexo, idade, relações de poder e solidariedade entre os missivistas e assunto. Além disso, faço comparações com resultados provenientes de estudos anteriores que se voltaram à variação entre os pronomes TU, VOCÊ e O SENHOR/A SENHORA, especialmente aqueles que se valeram de cartas pessoais como fonte dos dados.

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Foram selecionados, em sua maioria, estudos que contaram com cartas produzidas em torno da década de 1940.

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CAPÍTULO I – BASES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

Apresento neste capítulo a teoria basilar deste estudo, a sociolinguística variacionista, com foco em propostas de Willliam Labov, pioneiro e principal nome dessa vertente de pesquisa.3 Em seguida, abordo a proposta de Brown e Gilman (1960) sobre o uso de formas de segunda pessoa como reflexo de relações de poder e solidariedade.

Sumariamente expondo, a teoria inicialmente apresentada em Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]) pode ser denominada também de sociolinguística laboviana – devido a seu maior ícone, William Labov –, ou sociolinguística variacionista, tendo em vista a defesa da natureza variável da língua, ou, ainda, sociolinguística quantitativa porque a sua metodologia requer dados quantificados e tratamento com base estatística. Nesta pesquisa, utilizo intercambiavelmente os termos supracitados.

1.1 A sociolinguística variacionista

É de Trudgill (2000) a indicação de que desde 1960 a sociolinguística vem efetivando pesquisas que relacionam a língua e a sociedade. Por estudar preferencialmente a língua em seu uso mais natural, espontâneo, como em conversas acontecidas face a face ou em momentos de menor monitoramento, a sociolinguística passou a ser uma subárea da linguística que se preocupa em revelar os empregos heterogêneos de formas distintas de mesmo significado ou função através do controle de fatores sociais, estilísticos e linguísticos.

Labov (2008 [1972], p.13), por exemplo, traduz a língua como aquela “usada na vida diária por membros da ordem social, este veículo de comunicação com que as pessoas discutem com seus cônjuges, brincam com seus amigos e ludibriam seus inimigos”.

Para esclarecer a terminologia e o alcance da sociolinguística variacionista como ciência, Campoy (2005, p. 1) aponta que para poucos a teoria

3 É importante observar que sociolinguística variacionista, sociolinguística laboviana, sociolinguística quantitativa e teoria da variação e mudança são termos também usados

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não está completa, para outros é apenas uma fatia da linguística geral e há ainda os que defendem que toda linguística é por natureza “social”. Visando esclarecer a questão, o autor aponta algumas características da sociolinguística:

i) é uma ciência;

ii) é uma subárea da linguística;

iii) trata a língua como fenômeno cultural e social;

iv) estuda a língua em seu contexto social, por intermédio de investigação empírica; e

v) se relaciona com metodologia e conteúdos das ciências sociais, tais como a antropologia e a sociologia.

Campoy (2005) explica que, nos primórdios da sociolinguística, existiam duas forças teóricas que se contrapunham: a cartesiana e a hegeliana. A primeira força defende a língua como sistema, a autonomia sintática, a dualidade corpo x mente. Desse modo, a forma prepondera sobre a função. Já a segunda força caracteriza-se por uma postura mais interacional, com o aceite da unificação dual que existe entre mente e corpo, sujeito e objeto, na intenção de tratá-los como um todo.

O autor menciona ainda que alguns estudiosos, como Fasold (1996), Milroy (1988) e Romaine (1982) propõem integrar as duas forças teóricas. No entanto, Figueroa (1994) afirma que a sociolinguística tem mais proximidade com a força hegeliana.

Considerando o olhar diversificado dos pesquisadores a respeito da sociolinguística, Campoy (2005, p. 1) conclui que ela surge como ciência com um campo teórico e prático, capaz de oferecer metodologia própria e abordar “o multilinguismo, o surgimento e a extinção de línguas, além da variação e mudança.”

1.1.1 Variação linguística

O trabalho de Weinreich, Labov e Herzog (2006), publicado em 1968, rompeu com a ideia estabelecida por correntes de estudos linguísticos que prezavam pela identidade entre estrutura e homogeneidade, a exemplo do estruturalismo e do gerativismo. Na propositura de Labov (2008[1972], p. 238), “a

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existência de variação e de estruturas heterogêneas nas comunidades de fala investigadas estão certamente bem fundamentadas nos fatos. É a existência de qualquer outro tipo de comunidade de fala que deve ser posta em dúvida”.

É entendido assim que a heterogeneidade linguística é a linha divisória entre a sociolinguística variacionista e teorias defensoras da língua como estrutura homogênea, alegando a sociolinguística que o “domínio de estruturas heterogêneas não é uma questão de multidialetismo ou mesmo „mero‟ desempenho, mas sim parte essencial da competência linguística” (LUCCHESI, 2004, p.171)

A visão de língua como heterogênea centra-se no fato de que a língua é variável, isto é, existe possibilidade de seleção entre formas diferentes que indicam o mesmo significado ou função. A heterogeneidade, inerente à língua, manifesta-se em todos os níveis, do fonético ao discursivo (cf. TAGLIAMONTE, 2012), e é ordenada, regular, visto que não se dá aleatoriamente, e sim em conformidade com padrões cuja identificação é possível através do controle quantitativo de fatores sociais, linguísticos e estilísticos.

Tagliamonte (2006) aponta conceitos centrais da empreitada sociolinguística variacionista:

VARIÁVEL LINGUÍSTICA ou VARIÁVEL DEPENDENTE: é o objeto de estudo da sociolinguística variacionista, isto é, trata-se do fenômeno variável analisado. No caso desta tese, a variável linguística é a indicação de segunda pessoa do singular pronominal na função de sujeito.

(FORMAS) VARIANTES: a variável linguística congrega duas ou mais formas que se caracterizam por: (i) indicar o mesmo significado ou a mesma função gramatical; (ii) ser de possível intercâmbio em um mesmo contexto. Devido a essa possibilidade, o falante ou escrevente pode selecionar uma delas, considerando para tanto diferentes fatores presentes no contexto de uso.

GRUPOS DE FATORES ou VARIÁVEIS INDEPENDENTES: fatores presentes no contexto de uso das formas variantes que podem favorecer o emprego de uma das formas às expensas das demais. Esse favorecimento pode ser medido quantitativamente.

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O ato de estudar um fenômeno variável na fala ou na escrita deve levar em conta tanto fatores linguísticos (fatores internos, cuja seleção para pesquisa depende da natureza do fenômeno variável averiguado), quanto sociais (fatores externos: sexo, idade, escolaridade, etnia, entre outros) e estilísticos (cf. seção 1.2.2). Sobre o exposto, Guy e Zilles (2007, p.19) afirmam:

Um dos atrativos – e um dos desafios – da pesquisa dialetal é a de ter a visão de Jano sobre os problemas da linguagem humana, simultaneamente olhando, de um lado, para a organização das formas linguísticas, e, de outro, para a sua significância social.

No que diz respeito à quantificação como central na metodologia sociolinguística, Sankoff (1988, p. 151) defende que:

sempre que uma escolha pode ser percebida como tendo sido feita no curso da performance linguística, e sempre que essa escolha pode ter sido influenciada por fatores como a natureza do contexto gramatical, a função discursiva do enunciado, o tópico, o estilo, o contexto interacional ou características pessoais ou sociodemográficas do falante ou outros participantes, então é difícil deixar de invocar noções e métodos de inferência estatística, mesmo que seja como uma ferramenta heurística para tentar apreender a interação entre os vários componentes numa situação complexa.

A mudança linguística é outra temática fundamental na pesquisa variacionista. Não é possível entender o desenvolvimento da mudança em uma comunidade de fala sem levar em consideração a vida social dos usuários da língua, pois pressões sociais exercem influência sobre ela. Portanto, o que é observado é que não só fatores linguísticos devem ser analisados para se compreender a mudança, mas também os sociais, conforme afirmam Weinreich, Labov e Herzog (2006[1968], p. 126):

Fatores linguísticos e sociais estão intimamente inter-relacionados no desenvolvimento da mudança lingüística. Explicações confinadas a um outro aspecto, não importa quão bem construídas, falharão em explicar o rico volume de regularidade que pode ser observado nos estudos empíricos do comportamento linguístico.

A sociolinguística defende que a mudança procede de maneira sistemática através dos tempos. É importante, pois, entender que o processo de mudança não acontece repentinamente substituindo-se item linguístico por outro. Ela se dá quando, em uma dada etapa de tempo, duas ou mais variantes

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coexistem em uma mesma comunidade, concorrendo uma com a outra e, em etapa posterior, uma variante consegue se sobrepor a outra, “vencendo” a disputa (cf. WEINREICH; LABOV; HERZOG (2006[1968]). Esse jogo de competição é constante nas línguas.

Os processos de variação e mudança pelos quais passam as formas linguísticas variáveis precisam ser estudados por meios de dados vivos, reais, porque é necessário observar o trânsito das alterações no contexto social no qual está inserido o usuário da língua.

Com base em pesquisas sobre fenômenos variáveis em diferentes níveis linguísticos feitas com dados de comunidades de fala localizadas em vários países, Labov (2001) propôs quatro princípios de mudança linguística. Esses princípios colocam em destaque o papel das mulheres na condução das mudanças:

Princípio 1:

“A mudança linguística que se origina em um grupo social central, localizado no interior da hierarquia socioeconômica.” (LABOV, 2001, p. 188)

Princípio 2:

“Para as variáveis sociolinguísticas estáveis, as mulheres apresentam uma taxa menor de variantes estigmatizadas e uma taxa maior de variantes de prestígio do que os homens.” (LABOV, 2001, p. 266)

Princípio 3:

“Na mudança linguística from above, as mulheres adotam formas de prestígio em uma taxa mais alta do que os homens.” (LABOV, 2001, p. 274)

Princípio 4:

“Na mudança linguística from below, as mulheres usam frequências maiores de formas inovadoras do que os homens.” (LABOV, 2001, p. 292)

A distinção entre mudança from below e mudança from above é a seguinte: (i) a primeira nasce e é transmitida dentro da comunidade de fala; a mudança se desenrola com o aumento gradual de uso da forma inovadora a cada geração sucessiva de falantes; (ii) a segunda é oriunda de uma comunidade de fala externa via contato linguístico; a geração que incorpora a forma inovadora distingue-se das gerações mais velhas, que não fazem uso da forma ou a utilizam

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com frequência bastante baixa. Segundo Kerswill et al. (2013, p. 266), “o que caracteriza os cenários de contato é que há uma descontinuidade linguística entre gerações”. Em ambos os tipos de mudança, as mulheres costumam liderar o avanço de uso da forma inovadora.

1.1.2 Estilo

O objetivo maior dos estudos variacionistas é explicar a variação na língua cotidiana, relacionada por Labov (2008 [1972], p. 244) ao vernáculo, “o estilo em que se presta o mínimo de atenção ao monitoramento da fala”. Trata-se da fala em seu nível mais informal, que predomina em situações em que o indivíduo está mais à vontade e até mesmo envolvido emocionalmente com o assunto sobre o qual está falando.

Labov (2008 [1972]) descreve o vernáculo como o estilo mais básico, aquele que é adquirido primeiro, na infância, sendo por isso o mais natural e menos autoconsciente, aquele que o falante adota em interações relaxadas com amigos e familiares, quando não está monitorando sua fala. Esse estilo deve ser “de interesse primário ao linguista” (LABOV, 2008 [1972], p. 86).

No entanto, Mesthrie et al. (2009, p. 81) alertam que não há consenso entre os sociolinguistas de que o vernáculo “deve ser o ponto de partida para a análise sociolinguística e uma fundamentação para a compreensão de outros estilos adquiridos por um falante.” Para os defensores dessa perspectiva, “todos os estilos e registros são usados complementarmente pelos falantes e são igualmente merecedores de atenção sociolinguística” (MESTHRIE et al., 2009, p. 81). De fato, a variação na língua pode ser observada em qualquer situação, de uma conversação que você entreouve na rua a uma história que você lê no jornal” (TAGLIMONTE, 2012, p. 2).

Labov (2003 [1969]) salienta que qualquer indivíduo domina mais de um estilo, podendo alternar entre estilos mais formais ou mais informais. O autor pontua que as escolhas estilísticas são determinadas por:

(a) as relações entre o falante, o ouvinte e a audiência, e, particularmente, as relações de poder e solidariedade entre eles; (b) o contexto social mais amplo ou “domínio”: escola, trabalho, casa, vizinhança, igreja; (c) o tópico. (LABOV, 2003[1968])

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Semelhantemente, Wardhaugh (2006, p. 51) afirma que:

Podemos tentar relacionar o nível de formalidade adotado a uma variedade de fatores: o tipo de ocasião; as várias diferenças sociais, etárias e outras que existem entre os participantes; a tarefa particular que está se desenrolando, por exemplo, escrita ou fala; o envolvimento emocional de um ou mais dos participantes; e assim por diante.

Wardhaugh (2006, p. 51), assim como Labov (2008 [1972]), pontua que o grau de intimidade entre os participantes também influencia a adoção de estilos de diferentes graus de formalidade. Por exemplo, “conversações entre pessoas íntimas sobre assuntos de pouca importância podem ser extremamente informais e casuais” (WARDHAUGH, 2006, p. 51). Relações de maior ou menor intimidade entre os participantes são fundamentais para o estudo dos pronomes de segunda pessoa.

Tavares (2014) lista, com base na literatura sociolinguística sobre estilo, uma série de fatores que contribuem, em conjunto, para o grau de formalidade de uma situação de interação. São esses os fatores:

(i) a familiaridade do falante com o(s) ouvinte(s); (ii) as características socioculturais dos interlocutores (idade, sexo, etnia, classe social, nível de escolaridade, profissão etc.); (iii) o tópico/assunto tratado (política, religião, família, infância, esporte, namoro, economia, lazer etc.); (iv) o domínio em que se dá a prática social (lar, trabalho, escola, clube, igreja, bar, shopping, praia, tribunal, audiência pública, fila de banco etc.); (v) os papéis socioculturais assumidos no momento da interação (amiga-amiga, esposa-marido, mãe-filha, patroa-empregada, professora-aluna, entrevistadora-entrevistada etc.); (vi) o maior ou menor envolvimento emocional do falante com o que diz; (vii) o gênero textual.

Destaco aqui dois desses itens, os mais relevantes para esta pesquisa. O item (v), referente aos papéis socioculturais assumidos no momento da interação diz respeito às relações de poder e solidariedade abordadas na seção 1.2. Nessa seção, abordo, entre outras, a questão do estilo aplicada a papéis socioculturais, destacando a questão da intimidade que costuma ser marcada pelo TU.

O outro item é o (iii), tópico/assunto tratado, que, como se viu, também é relacionado ao estilo por Labov (2003[1969]). O tópico tem sido apontado como um dos principais fatores motivadores do uso variável do TU e do VOCÊ (cf. terceiro capítulo). Uma forma variante pode ser preferida ou preterida devido ao assunto/tópico discursivo abordado. Nas palavras de Medina-Rivera (2013, p. 46), “cada tópico é diferente por natureza e deixa emergir diferentes conexões,

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experiências e contextos. Os falantes também são mais passionais a respeito de alguns tópicos do que outros.” No caso das formas tratamentais, quanto mais intenso o envolvimento emocional, maior o uso de formas marcadoras de relações de solidariedade, especialmente as que implicam grande intimidade entre os interlocutores – no caso do português brasileiro, maior uso do TU.

1.2 Teoria do poder e da solidariedade

O texto de Brown e Gilman (1960), The pronouns of power and solidary, deixa evidente que características da organização social de uma dada comunidade linguística são perceptíveis quando seus falantes fazem uso da língua. Desse texto derivou uma proposta que pode ser denominada teoria do poder e da solidariedade. Essa proposta tem fundamentado pesquisas variacionistas sobre pronomes de segunda pessoa no Brasil.

1.2.1 Proposta de Brown e Gilman (1960)

Brown e Gilman (1960) foram pioneiros em levantar a questão de que o uso das formas de tratamento reflete o comportamento dos indivíduos nas relações sociais através das forças polarizadas poder e solidariedade. Essa descoberta serve aos propósitos de pesquisas sobre formas tratamentais em qualquer comunidade de fala, representando um provável universal estilístico.

Os autores delineiam um sistema binário em que se opõe uma forma de tratamento cerimoniosa a outra forma não cerimoniosa. Essas formas são representadas pelas letras T e V (sistema T/V), respectivamente, em referência aos pronomes latinos tu e vos, o primeiro não cerimonioso e o segundo sim.

Com base no francês, Brown e Gilman (1960) argumentam que é possível identificar a semântica do poder quando é utilizado o pronome assimétrico e não recíproco vous. Isso porque, em uma relação assimétrica descendente, o esperado é que o interlocutor superior se dirija ao outro, hierarquicamente inferior, por tu, e seja tratado por este por vous, em uma relação assimétrica ascendente.

Em contraste, a semântica da solidariedade emerge quando se faz uso de pronomes simétricos, que indicam reciprocidade entre os interlocutores. Nessas situações, o francês recorre ao pronome tu, considerado não cerimonioso.

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Assim, o vous funciona como uma forma de respeito, cortesia, polidez e distanciamento, ligada ao poder. Por sua vez, o tu funciona como uma forma de proximidade, familiaridade, intimidade, ligada à solidariedade.

Muitas línguas, a exemplo do italiano, do alemão, do russo, do sueco e do grego, têm uma distinção correspondente àquela manifestada pelos pronomes tu e vous (T/V) no francês, em que, dependendo do interlocutor e da situação de interação, a segunda pessoa do singular pode ser codificada pelo pronome gramaticalmente singular tu (T) e pelo pronome gramaticalmente plural vous (V). O uso da forma singular geralmente indica familiaridade e o da forma plural polidez.

A respeito desse fenômeno, Brown e Gilman (1960, p. 25) informam que:

No latim antigo, havia apenas tu no singular. O plural vos como uma forma de endereçamento a uma pessoa foi inicialmente dirigido ao imperador. [...] O uso do plural para o imperador teve início no século IV. Nessa época havia na verdade dois imperadores; o governante do império do oriente tinha seu trono em Constantinopla e o governante do império do ocidente tinha seu trono em Roma. Devido às reformas de Deoclécio, o ofício imperial, embora distribuído entre dois homens, era administrativamente uniforme. As palavras endereçadas a um dos homens eram, por implicação, endereçadas a ambos. A escolha de vos como uma forma de endereçamento pode ter surgido em resposta a essa pluralidade implícita. Um imperador é plural também em outro sentido: ele é o modelo de seu povo e pode falar como seu representante. Membros da realeza às vezes dizem “nós” em situações em que um homem comum diria “eu”. O imperador romano às vezes falava de si mesmo como nos, e o reverencial vos é simplesmente a reciprocidade disso.

A consequência desse emprego foi que, no período medieval, as classes altas começaram a usar formas V recíprocas entre si para mostrar respeito mútuo e polidez, ao passo que as classes baixas usavam formas T recíprocas entre si. As classes altas se endereçavam às classes baixas com formas T não recíprocas, indicadoras de seu poder, e recebiam das classes baixas formas V não recíprocas, indicadoras de sua submissão ao poder.

O uso assimétrico T/V passou, então, a simbolizar a relação de poder – definida por Brown e Gilman (1950, p. 255) como uma relação entre dois indivíduos que se dá de modo “não recíproco no sentido de que ambos não podem ter poder na mesma área de comportamento”. Assim, um desses indivíduos, o que desempenha papel superior na relação, pode controlar o comportamento do outro, que desempenha papel inferior. Entre os fatores

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envolvidos nas relações de poder, além da classe social, estão a idade, o sexo, e hierarquias típicas do Estado, da igreja, da família.

Todavia, como apontam Brown e Gilman (1960), a maneira de tratar o outro mudou com o tempo na direção da perda das forças polarizadas. Na Europa, várias sociedades fechadas passaram, aos poucos, a sociedades democráticas, mais abertas, mais igualitárias, o que fez com que as relações interpessoais passassem, sobretudo ao final do século XIX e ao longo do século XX, do eixo do poder ao eixo da solidariedade, o que incluiu relações como as de pais e filhos, empregadores e empregados, maridos e esposas.

Essa mudança social levou também a alterações nos padrões de emprego das formas de tratamento: dissimilaridades quanto ao poder que um indivíduo detém sobre o outro passaram a ser menos influentes do que a busca de solidariedade entre os interlocutores. As formas T tornaram-se indicadoras de solidariedade de uso possível em todas as esferas sociais, e as formas V, indicadoras de não solidariedade, passaram a ter uso mais restrito do que em épocas anteriores.

A alteração do sistema T/V centrado no poder para o sistema T/V centrado na solidariedade revelou-se em um questionário aplicado por Brown e Gilman (1960), na década de 1950 do século XX, a jovens de três nacionalidades, francesa, alemã e italiana. Cada jovem foi indagado a respeito de quais formas de tratamento utilizava para diferentes pessoas (familiares, amigos, colegas, chefes etc.), bem como sobre as formas de tratamento que essas pessoas utilizavam quando se endereçavam ao jovem.

As respostas mostraram que a solidariedade se sobrepunha ao poder, embora com nuanças distintas dependendo da comunidade linguística dos participantes. Em resumo, Brown e Gilman (1960) concluíram que:

O T alemão é relativamente mais aplicado dentro da família do que o T francês; em adição aos escores do T significativamente altos para o avô e para as esposas dos irmãos mais velhos, há diferenças menores mostrando um escore mais alto do T alemão para pai, mãe, esposa, irmão mais velho casado e primos homens mais distantes. O T francês não é automaticamente aplicado a parentes mais distantes, mas tem uso mais provável que o pronome alemão para a expressão de camaradagem entre colegas estudantes, colegas funcionários de escritório, colegas imigrantes e colegas soldados. No geral, poderia ser dito que a solidariedade codificada pelo T alemão é uma solidariedade restrita às relações familiares. O T francês, em maior grau, codifica uma solidariedade adquirida, não baseada em relações de família, mas desenvolvida a partir de algum tipo de destino partilhado. Quanto ao T

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italiano, ele quase se iguala ao T alemão na solidariedade familiar e ultrapassa o francês em camaradagem. A camaradagem do homem italiano, eventualmente, é estendida para a mulher italiana; diferente do estudante francês ou alemão, o italiano diz T para uma colega estudante quase tão prontamente quanto para o colega estudante homem.

(BROWN; GILMAN, 1960, p. 263-264)

Na mesma seara, Coupland (2007, p. 56) argumenta que:

A sociolinguística do tratamento foi, em geral, concebida (mas, em geral, não manifesta) de modo muito similar à análise da variação dialetal. Podemos pensar no tu versus vous francês e no tratamento pelo primeiro nome versus o tratamento título-mais-último nome como variantes socialmente significativas de variáveis sociolinguísticas. A variação entre variantes é “estilística” no sentido geral de ser associada com diferentes contextos de uso.

Todavia, a análise da variação estilística entre formas de tratamento que leva em consideração a proposta de Brown e Gilman (1960) avalia o emprego variável dessas formas com base nas relações de poder e de solidariedade que se estabelecem entre os participantes da interação. Trata-se, pois, de uma análise sensível às relações interpessoais entre emissores e receptores.

Assim, pela incorporação, à análise da variação entre pronomes de segunda pessoa, da proposta de codificação de relações de poder e de solidariedade através do sistema T/V, é possível redirecionar a perspectiva centrada no falante da sociolinguística laboviana para “as diversas relações que se estabelecem entre locutor e interlocutor, considerando os papéis que eles desempenham no âmbito da família, do trabalho e de outras instâncias sociais” (COELHO; NUNES DE SOUZA, 2014, p. 175).

É fundamental ter em mente, nas análises variacionistas de formas de tratamento, as alterações que ocorreram nas relações sociais com o deslocamento do eixo do poder para o eixo da solidariedade a partir do século XIX. O esperado é que, em períodos anteriores, predominem as relações de poder e, em períodos posteriores, predominem as relações de solidariedade, dependendo, naturalmente, da comunidade linguística averiguada.

Na próxima seção, as formas de tratamento do português são abordadas na perspectiva das forças polarizadas poder e solidariedade subjacentes à díade T/V.

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1.2.2 Sistema T/V no português

De acordo com Cook (1997), o português herdou a distinção T/V do latim através dos pronomes tu (não cerimonioso) e vós (cerimonioso), podendo este, a exemplo do francês, ser empregado para as segundas pessoas do singular e do plural. Além disso, surgiram, direcionadas ao rei, formas cerimoniosas no formato possessivo de segunda pessoa + substantivo abstrato, entre as quais Vossa Mercê. Essas formas situaram-se no eixo V do sistema T/V.

Biderman (1972,1973) observou que o modelo tratamental binário T/V dos portugueses foi imposto aos indivíduos que aqui encontraram ou àqueles que vieram para o Brasil. A estrutura social e o comportamento dos povos da península ibérica foram trazidos para a América Latina, mas de uma forma mais extrema, através da:

escravidão de fato e de direito. Talvez porque os colonos portugueses e espanhóis que imigraram fossem indivíduos da classe média inferior, da classe baixa e muitos deles marginais indesejados nas suas pátrias de origem; talvez por isso as relações de poder aqui tenham sido extremas. Uma vez que um indivíduo nunca teve poder, quando tem é mais arbitrário do que quem sempre o teve. Por outro lado, a população dominada e escravizada era alienígena para o colono europeu: o índio e o negro africano. (BIDERMAN, 1972-1973, p. 350)

Logo, o que se esperava era que o modelo estabelecido pelos colonizadores portugueses sobre os colonizados fosse baseado nas relações assimétricas, como de fato aconteceu. O pronome tu era empregado nas relações simétricas e o pronome vós nas relações assimétricas, e quando um indivíduo em posição inferior dirigia-se a um indivíduo em posição superior, tratava-o por vós; este, por sua vez, tratava o indivíduo em posição inferior por tu.

Biderman (1972 -1973) assim sistematiza tais relações:

a) Relações familiares: Pais Marido e

Filhos Mulher b) Relações entre os sexos: Homem

(40)

Mulher

c) Relações de trabalho: Senhor

Escravo

Com o passar dos anos, ocorreram mudanças na sociedade, destacando-se a libertação dos escravos em 1888, que alteraram a natureza das relações de trabalho, mas o uso dos pronomes tu e vós conservou a princípio as mesmas características:

Patriarca – Coronel – Senhor Colono ou criado

Quanto ao Vossa Mercê, essa forma de tratamento sofreu, ao longo do tempo, rebaixamento em termos de referência, passando do rei à nobreza em geral, à burguesia e, por fim, às classes populares, sofrendo também alteração de forma até chegar a você. Cook (1997, p. 452) informa que “Vossa Mercê na sua evolução você não só deixou a esfera V, do cerimonioso, e entrou na T, do não cerimonioso, mas nalguns contextos sociais foi relegado para o discerimonioso”.

No Brasil, segundo Cook (1997), VOCÊ, sem valoração negativa, passou a compor a díade T/V com O SENHOR; aquele corresponde a T (solidariedade) e este corresponde a V (poder).

Cook (1997, p. 456) afirma que, com as mudanças nas relações sociais, a “tendência para um decréscimo de exibição de poder através do uso não recíproco de forma de tratamento é observável também na língua portuguesa”, o que vale tanto para Portugal quanto para o Brasil de meados do século XX.

A esse respeito, Soares e Leal (1993) trouxeram evidências da passagem do predomínio da esfera do poder ao predomínio da esfera da solidariedade no que se refere ao uso dos pronomes de segunda pessoa do singular no português brasileiro do final do século XX. As autoras abordaram o papel desempenhado pelas formas de tratamento TU, VOCÊ e O SENHORA/A SENHORA no âmbito da família, contrastando dois grupos de pais, professores e funcionários da UFPA/Belém, e seus filhos.

Referências

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