• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO V – ANÁLISE DOS RESULTADOS

5.5 Assuntos abordados nas cartas

5.5.12 Drama

Devido à recorrência do tópico “drama” nos relatos de atividades diárias feitos por Anita, decidi controlá-lo como um fator à parte. Por “drama” me refiro a um tipo de espetáculo de representação, musicado e bailado que, segundo Moisés (1978, p. 162), “vincula-se ao teatro (...) a ópera, o musical, as exibições de corais, o ballet”.

Geralmente, Anita organizava com as amigas e os amigos os dramas que, na versão sabugiense, ganhavam ares hollywoodianos. Havia uma mistura de recitação de poesias, apresentação musical e bailados ao som de violão e instrumentos de sopro. Era uma maneira de os jovens da época se divertirem, pois, além da apresentação final, ocorriam os ensaios – momentos de descontração e divertimento. Os dramas eram apresentados no próprio distrito e também nas redondezas, como em Ipueiras, na época pequena aglomeração de pessoas, hoje uma cidade.

Quando o assunto da carta era o drama, detalhes ficavam mais visíveis, pois Anita descrevia minunciosamente o local e, ainda, talvez por zelo e consideração ao namoro, fazia questão, mais uma vez, de apresentar nomes de pessoas comuns aos dois. Confira-se no trecho a seguir:

Carta 40

(...) Como prometi escrever-te hoje, afim de contar o | ocorrido do drama, aqui estou a des- | crever desde o momento da tua partida. Depois que sais- | te fui para o vapôr, onde fiquei até a hora | de começar o festival. Ficou muito bom o pal- | co naquele logar que vistes, pois alem de ser | muito arrejado, a lua estava linda. Começou

| o drama às 7/2 mais ou menos, e terminou as | 11 e pouco. Para os poucos ensaios que houve | achei bem regular. Encerrou com o baila-

| do “Perfidia” como vistes no ensaio. Geni não | poude cantar, e então eu substitui; e este | foi biszado. Quanto terminei, a garganta |

parecia que eu havia passado pimenta. | Hoje pela manhã sai, e então recebi muitos | parabéns; não pela voz, mas pelo conjunto | do bailado.(...)(Anita)

5.5.13 Pedido

Especialmente nas missivas de José Geraldo para a mãe, mas também nas missivas de Anita e Inamar, apareceram pedidos, o que é comum entre pessoas que se encontram distantes umas das outras. Entre os pedidos, os

mais comuns solicitavam que o destinatário enviasse objetos e passasse recados para outras pessoas. A seguir, consta um exemplo:

Carta 40

Peinha recebeu as encomen- | dos? Carta e dinheiro para | pagar estas encomendas a | senhora envia por Seu | Manuel Felix que era |

terça-feira depois do al- | moço eu irei procurar, | fica bem perto daqui.

(Anita)

5.5.14 Correspondência

Não raro, os missivistas faziam referência às cartas, geralmente quando um dos envolvidos na troca de correspondência demorava a escrever para dar suas notícias e responder as indagações feitas.

Carta 32

Sei que não acreditas mas fique sabendo que | tua de carta de 30 de janeiro recebí esta semana | foi grande a emoção, pois a última carta tua | que recebí foi em Setembro, calcule quantos | meses fazem e veja se não é surpresa. | (Inamar)

5.5.15 Estudo

Por serem José Geraldo e Anita estudantes, um dos tópicos abordados com certa regularidade em suas cartas, mas também nas de Dona Júlia e Inamar, envolvia questões ligadas ao estudo, ao colégio e à aprovação ou reprovação.

Carta 27

(...) Estude muito pª não levar pao no fim do anno que ja esta perto (...) (D. Júlia)

Alguns dos assuntos são típicos da troca de correspondência pessoal, como a busca de notícias e a correspondência. Outros remetem a atividades em que os missivistas estavam envolvidos: (i) música: José Geraldo era integrante de uma banda de músicos); (ii) drama: Anita participava de espetáculos de representação teatral; (iii) estudo: José Geraldo e Anita eram estudantes; (iv) comércio (Julia era comerciante); (v) cuidado materno (Julia era mãe de José

Geraldo). Também foram abordados eventos específicos que eram do interesse de alguns dos missivistas na época de escrita das cartas, como roupas e um relógio, e questões comuns à vida cotidiana, como saúde, viagens, festas. Por fim, alguns assuntos diziam respeito à relação particular existente entre Anita e Geraldo, como namoro e relato de atividades diárias.

Retomo, a seguir, a hipótese relativamente ao assunto:

Nas cartas escritas por três dos missivistas, a mãe, a namorada e o amigo, o pronome de maior proximidade TU poderá receber destaque em trechos em que assuntos íntimos – como namoro – são abordados. O pronome VOCÊ, de maior distanciamento quando contrastado ao TU, deve ser mais recorrente em trechos em que assuntos não íntimos – como comércio – são abordados. Nas cartas escritas pelo quarto missivista, o filho, o A SENHORA deve aparecer tanto em trechos de assuntos íntimos quanto não íntimos por conta da relação de assimetria ascendente que caracteriza a relação entre filho e mãe.

Como apenas José Geraldo utiliza a forma A SENHORA, optei por fazer uma análise à parte desse pronome, centrada na relação filho-mãe. Na medida do possível, tanto para o A SENHORA, quanto para o TU e o VOCÊ, relacionei os assuntos tratados com a situação dos missivistas na época de escrita das cartas, incluindo questões de sua ordem pessoal.

A tabela a seguir apresenta a distribuição de A SENHORA quanto ao assunto:

Tabela 9::Distribuição de A SENHORA quanto ao assunto Pronome Assunto A SENHORA Freq. % Pedido 47 37 Busca de notícias 46 35 Saúde 10 9 Música 9 7 Comércio 6 5 Roupas 5 4 Viagem 2 1 Relógio 2 1 Namoro 1 1 Chuvas 0 0 Cuidado materno 0 0

Relato de atividades diárias 0 0

Correspondência 0 0

Estudo 0 0

Drama 0 0

TOTAL 128 100

Fonte: elaboração própria, 2019.

Os dois assuntos predominantes nas cartas de José Geraldo dirigidas a sua mãe tiveram taxas de utilização próximas. São eles: busca de notícias, com 46 dados e frequência de 25%, e pedido, com 47 dados e frequência de 37%. O fator responsável pelo grande aparecimento da busca de notícias deve ser o fato de que essa é uma das finalidades mais comuns das cartas pessoais. José Geraldo estava vivendo longe da mãe, então solicitava informações variadas, especialmente sobre ela e outros membros da família, bem como sobre conhecidos. Quanto ao pedido, José Geraldo fazia, com grande recorrência, solicitações à mãe, por exemplo, para que ela lhe enviasse coisas e transmitisse recados.

Com menor taxa de utilização, temos música – José Geraldo participava de uma banca de música –, saúde – José Geraldo abordava especialmente seus problemas de saúde e de outra pessoa que estava gravemente doente –, e comércio – sua mãe era comerciante. O tópico relógio, que é tema quase único

de duas cartas, foi abordado exclusivamente por José Geraldo, possivelmente porque o conserto do relógio era uma questão a ser resolvida entre mãe e filho.

O assunto namoro foi raramente abordado e contou com apenas um dado de A SENHORA. Isso pode ter se dado em razão de que esse tópico não era comum de ser levantado entre filho e mãe na década de 1940 – talvez se tratasse de um tema tabu –, mas também não podem ser descartadas razões pessoais – José Geraldo poderia não se sentir à vontade abordando esse tipo de assunto com sua mãe, independentemente do que era tabu na época de escrita das cartas.

Enfim, a hipótese inicial foi atestada no que diz respeito às cartas de Geraldo para sua mãe: a única forma de tratamento utilizada para todos os assuntos, independentemente de seu grau de intimidade, foi o A SENHORA.

Passo agora ao TU e ao VOCÊ. Esses pronomes foram empregados nas cartas escritas por Julia, Anita e Inamar, ou seja, nas cartas desses missivistas, houve uso variável dos pronomes em questão.

A tabela a seguir apresenta a distribuição de TU e VOCÊ quanto ao assunto:

Tabela 10: Distribuição de TU e VOCÊ quanto ao assunto Pronome Assunto TU VOCÊ Freq. % Freq. % Busca de notícias 39 19 31 35 Namoro 45 22 11 12 Pedido 17 8 21 24 Correspondência 25 12 5 6 Saúde 16 8 2 2 Relato de atividades diárias 16 8 0 0 Música 11 5 4 5 Estudo 10 5 4 5 Viagem 9 5 4 5 Drama 9 5 0 0 Chuvas 3 2 0 0 Comércio 2 1 1 1 Cuidado materno 0 0 3 3 Roupas 0 0 2 2 Relógio 0 0 0 0 TOTAL 202 100 88 100

Fonte: elaboração própria, 2019.

Do exposto, percebo que a busca de notícia recebeu destaque nas cartas de Júlia, Anita e Inamar endereçadas a José Geraldo, provavelmente pela mesma razão de seu elevado aparecimento nas cartas de José Geraldo endereçadas a sua mãe – os missivistas estavam distantes um dos outros e desejavam saber as novidades. A busca de notícias contou com 39 dados (19%) com o TU e 31 dados (35%) com o VOCÊ, ou seja, teve maior taxa de uso com o VOCÊ, sendo o tópico de maior relevância para a utilização desse pronome. O VOCÊ, além da busca de notícia, teve também ocorrência digna de menção com o tópico pedido, com 21 dados (24%), e, menos, com o tópico namoro, com 11 dados (12%).

O namoro foi o tópico mais significativo para o emprego do TU, com 45 dados (22%), seguido da busca de notícias, com 39 dados (19%). O TU também teve recorrência significativa, com mais de dez dados, nos assuntos

correspondência (25 dados, equivalentes a 12% do total) – uma vez que a entrega das correspondências era mais demorada na década de 1940, era comum que as cartas abordassem esse atraso, muitas vezes dando-o como desculpa para a demora que tiveram em responder a missiva recebida –, o pedido, com 17 dados (8%), e, com as mesmas taxas, o relato de atividades diárias.

Talvez, posto que o assunto relato de atividades diárias ocorre tendo em vista a relação entre Anita e José Geraldo, ela possa ser considerada com o mesmo grau de intimidade que o assunto namoro. Somando-se as taxas de ambos os tópicos para o TU (22% e 8%, respectivamente), teríamos, então, 30% das ocorrências desse pronome motivadas pela relação amorosa existente entre esses jovens.

É importante salientar que o relato de atividades diárias apareceu somente nas cartas escritas por Anita, sendo o assunto predominante na maioria de suas cartas. Como já dito, é possível que Anita se dedicasse tanto a fazer relatos de suas atividades diárias, deixando José Geraldo a par de tudo o que ela fazia, como forma de prestar contas a ele, seu namorado, a quem talvez fosse submissa, precisando tranquilizá-lo quanto a suas ações, mostrando que o respeitava e que o obedecia. Um exemplo encontra-se no trecho a seguir, em que Anita afirma que irá cumprir as ordens de José Geraldo:

Carta 41

(...) Quanto a festa de | Ouro Branco, não fui, como tambem as | meninas, Ana, Julia, etc. Quarta-feira, | caso não haja algum impecilho, viaja- | rei a Suecia como já sabes. Desde já | fiques ciente que cumprirei as tuas | ordens. Já disseram a Maria, que | não há dansas.

(Anita)

Também é relevante mencionar que, quanto aos dois tipos de busca de notícias, o feito diretamente (mande notícias...) e o feito através de perguntas diretas, este último foi muito utilizado por Inamar, em cujas cartas ocorre grande número de interrogações.

Tínha por expectativa que o assunto chuvas fosse aparecer de modo significativo nas cartas haja vista o fato de os missivistas habitarem em uma região não raro castigada pelas secas. No entanto, esse assunto pouco foi

mencionado. Talvez isso tenha se dado pelo fato de, na época da escrita das cartas, não estivessem acontecendo episódios de seca. Em todo o corpus, houve dados dos pronomes TU e VOCÊ, quando o assunto era as chuvas, apenas três vezes, todos com o TU.

Minha hipótese inicial era de que o TU seria mais recorrente em tópicos de natureza íntima, sobretudo o namoro, o que foi confirmado, com 22% dos dados. Esse resultado se coaduna com o de estudos anteriores sobre o mesmo tema. Por exemplo, Scherre, Yacovenco e Scardua (2018) mostraram o favorecimento do TU em dois assuntos, amor e pedido, e do VOCÊ também em dois assuntos, notícia e crítica. As autoras atribuíram esses resultados ao maior envolvimento emocional que seria exigido do missivista ao abordar os tópicos amor e pedido, tendo por consequência o maior emprego do TU, visto que ele seria mais apropriado enquanto estratégia de aumento da proximidade.

No que tange ao tema pedido, também tido como capaz de suscitar envolvimento emocional por Scherre, Yacovenco e Scardua (2018), ele não foi tão proeminente para o uso do TU, ficando em quarto na ordem de utilização desse pronome, com 8% dos dados. Esse tema foi mais marcante para o VOCÊ, com 24% dos dados.

Quanto ao VOCÊ, não é possível fazer comparações. Um dos assuntos favorecedores do VOCÊ no estudo de Scherre, Yacovenco e Scardua (2018), a crítica, não foi observado no corpus desta pesquisa. A notícia, também favorecedora do VOCÊ em Scherre, Yacovenco e Scardua (2018), não se relaciona com a busca de notícias aqui controlada, que se refere especificamente à solicitação de notícias por parte do interlocutor, e não à transmissão de notícias. A transmissão de notícias nesta pesquisa está subjacente a diferentes assuntos, como namoro, roupa, relógio, viagem, relato de atividades diárias, estudo, drama etc. Sobre todos esses tópicos, os missivistas transmitiram notícias.

A busca de notícias teve grande ocorrência tanto com o A SENHORA (35% dos dados, o segundo mais frequente – basicamente empatado com o primeiro, pedido, com 37%), quanto com o TU (19% dos dados, o segundo mais frequente) e o VOCÊ (35% dos dados, o mais frequente). Talvez esse número elevado de ocorrências se deva ao fato de o assunto em questão ser comum às cartas pessoais, tanto de pessoas em relação de maior ou de menor proximidade,

sendo, em geral, um dos principais objetivos de um missivista – procurar saber notícias referentes a seu destinatário.

Esperava que o VOCÊ se destacasse junto a assuntos não íntimos, por ter mantido, historicamente, um traço de maior distanciamento nas comunidades de fala que utilizam tanto o TU quanto o VOCÊ. Todavia, assuntos desse tipo, dos quais poderia citar, no caso de nosso corpus, o comércio e as roupas, quase não vieram à tona. Talvez assuntos como comércio e política – de menor intimidade – não fossem de grande interesse para os missivistas, pelo menos em sua relação com o correspondente. É possível também que esse tipo de assunto apareça mais em cartas escritas por indivíduos “ilustres”, como alguns dos missivistas que produziram algumas das cartas utilizadas em Moura (2013), trabalho ao qual me remeto adiante.

Martins et al. (2015) também notaram relação entre o uso do TU e o assunto amoroso em cartas escritas de 1940 a 1950 no Rio Grande do Norte por um casal de namorados e, depois, noivos. Batista, Carneiro e Lacerda (2017), fazendo uso de um corpus de cartas cuja maioria foi escrita na década de 1950 (64%), encontraram resultado similar, com maior emprego de TU em cartas de amor (com 40,8%). Nos demais tipos de carta, o uso do VOCÊ foi intenso: 86,4% das ocorrências em cartas familiares e 84% das ocorrências em cartas trocadas entre amigos.

Moura (2013) observou a seguinte distribuição do pronome VOCÊ quanto ao período de tempo: de 1916 a 1925, 98%, de 1946 a 1972, 20%, e de 1992 a 1994, 69%. A autora atribuiu a grande diminuição do uso do VOCÊ no período intermediário (de 98% a 20%, passando TU a ser responsável por 80% do total) ao fato de os dados desse período terem sido obtidos em cartas escritas por um casal de namorados, tendo temática amorosa, fator fortemente motivador da ocorrência do TU.

Moura (2013) controlou os seguintes tópicos: comercial, político, literário, cotidiano e amoroso. A autora chegou aos seguintes resultados: formas associadas ao TU foram mais empregadas que as formas associadas ao VOCÊ quando o assunto era amoroso, mas, nos demais assuntos, as formas associadas ao VOCÊ foram mais empregadas.

Todos esses estudos, incluindo esta pesquisa, revelaram a grande correlação existente, em torno das décadas de 1940 e 1950, entre o uso do

pronome TU e os assuntos amorosos, considerados os mais íntimos entre os controlados em cada estudo. Portanto, nessas décadas, o assunto amoroso era um fator que exercia grande papel na preservação do uso do TU em diferentes regiões brasileiras.

Finalizo a análise, alertando para a importância do controle do assunto (também) onde ocorre o dado e não apenas o controle do assunto que predomina em cada carta. O tópico que se destaca em uma carta pode ser, por exemplo, o namoro, mas, na mesma carta, podem ocorrer dados de pronomes em assuntos secundários na missiva, como busca de notícias, pedido, comércio. Inclusive, é possível que, em uma carta em que o tópico predominante seja o namoro, não haja dados dos pronomes alvo da investigação nos trechos em que é abordada essa temática, mas somente nos trechos em que são abordados tópicos secundários. Considero que a proposta de controle do assunto tratado no trecho em que ocorre o dado é uma das maiores contribuições desta pesquisa para o estudo de pronomes pessoais.

A seguir, apresento as considerações finais, em que sintetizo as principais descobertas desta tese, faço o encaixamento do quadro de distribuição dos pronomes aqui investigados em uma das três etapas do desenvolvimento histórico do VOCÊ propostas por Lopes et al. (2018).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta tese, alicerçada na sociolinguística variacionista e na proposta de poder e solidariedade de Brown e Gilman (1968), dedicou-se à análise da variação entre os pronomes de segundas pessoas do singular na função de sujeito TU, VOCÊ e A SENHORA em cartas pessoais escritas na década de 1940 por quatro indivíduos naturais da região do Seridó. Entre esses indivíduos existiam as seguintes relações sociais: (i) assimétrica ascendente de filho para mãe; (ii) assimétrica descendente de mãe para filho; e (iii) solidária de namorada para namorado e de amigo para amigo.

Nossos dois primeiros objetivos específicos, voltados para dois fatores de natureza discursivo-pragmática, foram:

1) Verificar se as mulheres, que lideraram a maioria das mudanças linguísticas, fazem maior uso do pronome inovador VOCÊ, e se os homens, que muitas vezes se encontram uma geração atrás das mulheres na mudança, fazem maior uso dos pronomes mais antigos TU e A SENHORA;

2) Averiguar se diferenças etárias influenciam a seleção dos pronomes TU, VOCÊ e A SENHORA no sentido de missivistas mais jovens darem preferência ao inovador VOCÊ e missivistas mais velhos darem preferência ao TU e a A SENHORA.

Os resultados não trouxeram indícios claros de mudança na direção do aumento de uso de VOCÊ, a forma mais recente, às expensas das formas mais antigas, TU e A SENHORA.

Quanto ao sexo, as mulheres empregaram o VOCÊ mais do que os homens, como previsto inicialmente, mas também empregaram mais do que eles o TU. O A SENHORA teve uso exclusivo nas cartas do filho endereçadas à mãe, o que tem mais motivação na relação social existente entre eles do que na questão do sexo. Esses resultados se diferenciam daqueles obtidos para o Rio de Janeiro, que evidenciaram liderança feminina no uso do VOCÊ ao longo do século XX (cf., por exemplo, RUMEU (2008), LOPES; MACHADO (2005), LOPES; MARCOTULIO; OLIVEIRA (2018)), mas se aproximam daqueles obtidos para o

Rio Grande do Norte por Moura (2013, 2018), o que aponta para possíveis especificidades regionais referentes ao percurso trilhado pelo VOCÊ no português brasileiro.

Relativamente à idade, assim como com o sexo, uma vez que o filho tratou sua mãe somente por A SENHORA, encontra-se para esse uso mais motivação na relação social filho-mãe do que na diferença etária. Contrariando a hipótese inicial, a mãe não foi a mais conservadora dos missivistas, recorrendo fortemente ao inovador VOCÊ, o que poderia ser interpretado como indício de mudança já consolidada, a qual teria atingido inclusive mulheres mais velhas. Já entre os jovens, a namorada e o amigo, esperava-se que o pronome inovador VOCÊ fosse o mais frequente, o que não se verificou, tendo sido TU o mais utilizado.

Os dois últimos objetivos específicos, voltados para dois fatores de natureza discursivo-pragmática, foram:

3) Observar se as relações de poder existentes entre os missivistas favorecem a seleção do pronome A SENHORA e se as relações de solidariedade favorecem a seleção dos pronomes TU e VOCÊ;

4) Avaliar se a opção dos missivistas pelo emprego dos pronomes TU, VOCÊ e A SENHORA é influenciada por diferenças nos graus de intimidade dos assuntos abordados nas cartas.

No que tange às relações sociais, observei que houve uso exclusivo de A SENHORA na relação de poder assimétrica ascendente de filho-mãe e uso variável de TU e VOCÊ nas outras duas relações sociais controladas, o que significa que minhas expectativas iniciais foram confirmadas. Na relação de poder assimétrica descendente mãe-filho, o VOCÊ foi bem mais frequente, e, na relação de solidariedade simétrica namorada-namorado, o TU foi bem mais frequente. Houve maior equilíbrio na distribuição dos dados na relação de solidariedade simétrica amigo-amigo, mas com predomínio do VOCÊ.

Quanto ao assunto, como previsto na hipótese inicial, o TU foi largamente empregado quando a temática em pauta era a amorosa, caracterizada por grande intimidade entre os missivistas.

Esse resultado segue um padrão identificado em diferentes localidades brasileiras (cf., por exemplo, SCHERRE; YACOVENCO; SCARDUA (2018), MARTINS et al. (2015), BATISTA; CARNEIRO; LACERDA (2017)) e no próprio Rio Grande do Norte (cf. MOURA, 2013, 2018; MARTINS et al. (2015)), o que aponta para a existência de um padrão nacional segundo o qual o assunto amoroso desempenhou um importante papel na conservação do uso do TU ao longo do século XX. A expectativa quanto ao VOCÊ era de que ele fosse mais