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CAPÍTULO V – ANÁLISE DOS RESULTADOS

5.5 Assuntos abordados nas cartas

5.5.1 Música

Por José Geraldo participar de uma banda de música do GDS – ele tocava um instrumento de sopro (sax tenor) – e por ser professor de música, a temática musical era recorrente nas cartas escritas para sua mãe. Ele falava das apresentações que fazia em várias cidades seridoenses.

A banda de músicos (ou banda de música, como também é conhecida) realizava a mesma função no passado que os grupos musicais fazem na

atualidade: animavam festas quer fossem de cunho religioso ou profano; quer fossem na praça e nas ruas ou em lugares fechados.

Carta 03

Diga a Abel que eu de- | sejaria muito passar e | tocar esses dias junto | que eles, porém não | sendo possivel ficará | para a festa dai. O | nosso passeio a Mossoro | será do dia 6 ao dia | 9 onde viemos dormir já | aqui. (José Geraldo)

5.5.2 Saúde

A temática saúde ou a ausência dela é comum nas missivas dos escribas, principalmente nas cartas do filho e da mãe. As condições de saúde na década de 1940 do século passado não eram favoráveis à vida do seridoense. As informações colhidas pelo pesquisador no cartório de Serra Negra do Norte, cidade na qual se encontram as certidões de nascimentos e de óbitos dos cidadãos das atuais cidades de São João do Sabugi e Ipueira, retratam muitas mortes advindas das consequências do estado de subnutrição e gripes; daí o questionamento, comum a algumas cartas, de saber o peso do outro, pois um indivíduo gordo, na época, era tido como uma pessoa saudável e nutrida, portanto, gozando de boa saúde.

Várias missivas revelam que José Geraldo sempre estava tentando recuperar-se de uma infindável gripe observada desde as primeiras cartas analisadas. O aumento de seu peso era constantemente informado à mãe como motivo de vitória ou de preocupação. O assunto também era recorrente nas cartas de José Geraldo, Júlia e Anita quando se referiam à Mariana, irmã de José Geraldo, que veio a falecer deixando todos abalados.

Carta 02

Não encontrei as injeções. | Caso não encontre em | Campina, mande- me | dizer que pedirei de | Natal. Amanhã irei | pagar o imposto a Seu |

Daniel, já está tudo | certo, | papeis prontos etc |mande-me dizer | para quem é as | injeções. Espero noti- | cias de Mariana

Carta 25

Diga aos pais dos meninos | dai, que todos continuam sa- | tisfeitos e com saúde. Todos | me acharam forte e corado.

(D. Júlia)

5.5.3 Roupa

Um assunto também presente nas cartas era o pedido de roupas, reforma delas, pagamento às costureiras, encomendas de sapatos novos, compra de tecidos nobres em Recife, em Campina Grande, fardamento escolar e fardamento da banda de música. Essa temática é robusta nas missivas de José Geraldo, chegando a predominar em algumas delas, como se observa no Quadro 1.

A alfaiataria era abordada em algumas cartas escritas pelo filho à mãe. O cuidado com a aparência, principalmente nos momentos festivos era preocupação de José Geraldo. As grandes festas como o Natal e festas de padroeiros eram o momento de expor a roupa nova e o sapato mais brilhante. Esses mesmos hábitos ainda são observados nos dias atuais nas cidades do Seridó. O exemplo a seguir ilustra a busca do zelo pela estética e pelo belo:

Carta 07

(...) Meus sapatos estão acabados, | é bom a senhora ir desde | agora juntando algum | dinheiro para comprar | uns bons para noite de | Natal. É preciso fazermos | muita economia? Fico | esperando qualquer cousa

| de anormal a senhora | me avisar. O mais tudo | de velho. (...) (José Geraldo)

5.5.4 Namoro

Tópico pouco exposto nas correspondências de José Geraldo a sua mãe. Seria um tabu? Por outro lado, nas cartas escritas por Anita a José Geraldo os assuntos que dizem respeito ao relacionamento entre duas pessoas afloram e ganham importância nas discussões.

Temos um exemplo no trecho a seguir, em que Anita mostra temer a exposição pública de seu namoro, pois isso poderia levar às pessoas a fazer fofocas.

Carta 44

Primeiro que tudo quero pedir-te | desculpa pelas contrariedades que |

tivestes durante a minha estadia ai. | Julgo não teres ficado zangado |

comigo, por eu não ter descido | no domingo à noite como querias. | É verdade que por mais que | nos gostamos; não devemos abuzar | do publico; pois a lingua do | povo ninguem pode pegar. | Como as meninas diziam, para | fazerem historias, não custavam | e assim evitamos. | Agora mais do que em tempo | algum, foi que reconheci o quanto | gosto de ti, embora tenhas a | tolice de dizer que eu não | gosto devido certas, desconcordan- | cia; mais deves saber que | não ha romance sem desaven- | ças. | Parece-me que devido nossas | “palestras”, como sabes,

foi que o meu | amor almentou ainda mais. |

(Anita) 5.5.5 Relógio

Havia um relógio que, atrasado, era motivo de troca de cartas entre José Geraldo e Dona Júlia. Obviamente, os relógios dessa época não eram como os de hoje. Iam para o conserto frequentemente, como no caso daquele referido nas cartas.

Carta 15

Mande saber de Valdemar o preço do concerto do | relógio, que ele não mandou dizer | Quero notícia da chelita | Recomendações a todos que perguntarem | por mim |

(José Geraldo)

5.5.6 Comércio

O comércio também é um dos tópicos que chama a atenção nas cartas escritas por José Geraldo e Dona Júlia. A mãe, comerciante, precisava vender suas mercadorias (tecidos) em vários lugares. Suas vendas não aconteciam à vista, mas fiado, prática ainda hoje comum nas pequenas comunidades onde “todo mundo conhece todo mundo”. Mesmo com essa maior proximidade, existiam aqueles que demoravam a pagar e outros que nem sequer honravam seus compromissos e davam calotes. Assim, havia uma preocupação do filho em saber se o comércio dos tecidos estava bem e também por parte da mãe em informar a situação financeira.

Carta 08

Recebi as encomendas. Vou | deixar para trabalhar | nos dentes quando che- | gar luz aqui no Ginasio, | que não custará, pois | tenho pouco tempo para | estudar, não podendo sa- | ir assim de dia. Mande | sempre dizer a marcha | do movimento comer- | cial.

(José Geraldo)

5.5.7 Viagens

Quando se vislumbra algo diferente daquilo que costumeiramente se vive, tem-se um momento singular na vida de um viajante, digno de ser abordado nas cartas pessoais. A esse respeito, o remetente fornece informações sobre viagens que realizou no Rio Grande do Norte e principalmente no Seridó, em cidades, vilas, fazendas e sítios.

Era costume, no lazer do seridoense em épocas passadas, perdurando até os dias atuais, passar finais de semana ou até as férias escolares inteiras na casa dos avós, tios, parentes ou até mesmo padrinhos e madrinhas. Costume também era sair de sua localidade e passar um dia fora. Nesse dia, como reportado nas epístolas, o destino poderia ser um açude para banho ou uma fazenda de um conhecido para aprender como se realiza uma farinhada.

Carta 41

Fui ao Curral | Queimado a semana passada, como man- | dei dizer-te, passei dois dias, os quais | achei otimo, pois não conhecia o movi- |

mento de uma farinhada. A noite | quando eu estava sentada com Geni

| Lucena, em uma pulteira perto de | casa conversando, só lembrava- me se | estiveces ali, como seria otimo, pois o | luar era lindissimo. (Anita)

5.5.8 Chuvas

A temática das chuvas naturalmente demanda mais espaço no rol dos tópicos de interesse daqueles que residem em áreas geograficamente áridas. O sertão nordestino, incluindo a região do Seridó, faz parte do polígono das secas. Entretanto, embora haja comentários, a temática sob enfoque não apareceu tanto quanto se esperava.

Carta 20

(...) Aqui | esta semana tem chuvido | todos os dias, porém o | inverno grande é para o | lado de Acari. O Rio Seridó | esta semana botou tanto |

agua que a represa subiu | no Barra Nova dando no | sitio do Ginasio agua | mais ou menos de cintura, | havendo um formidavel | banho para nós. Mande | noticias sobre o inverno e | açudes que já sangraram ou arrombaram | (...)

(José Geraldo)

5.5.9 Cuidado materno

Na maioria das nove cartas que Dona Júlia endereçou ao filho, o assunto preponderante girava em torno do cuidado materno. Além disso, a remessa de gêneros alimentícios assim como a preocupação em saber se o filho já estava gordo ou se já estava bem com relação à saúde apareciam nas cartas da mãe com recorrência.

Carta 21

Quando for butar | a mala no pé re- | pare qe otorniado | fica pª. o lado de | fora. Mande o com- | premento dos calções | pª. eu fazer. Depoes | mando uma camisa | que falta, faltando | alguma cousa eu | vou mandando. | Tome remedio pª. | dor de cabeça. |

(D. Júlia)

5.5.10 Busca de notícias

A curiosidade é inerente ao ser humano. A procura por informações sobre algo potencializa qualquer pessoa a sanar o desejo de descobrir aquilo que está encoberto. Quando se trata de notícias de familiares ou sobre alguém ou algo próximo parece que essa necessidade de buscar por notícias se torna mais forte.

“Matar a curiosidade” sobre as pessoas deixadas para trás, sobre os acontecimentos do pequeno e pacato distrito, fez especialmente Inamar, marinheiro embarcado em muitas viagens, priorizar a busca de notícias como tópico de suas cartas.

É importante notar que, nas cartas que compõem o corpus desta pesquisa, os pedidos de notícias aparecem diretamente, como no trecho

apresentado na seção 5.1.8 (Mande | noticias sobre o inverno e | açudes que já sangraram ou arrombaram) e, muito frequentemente, sob a forma de perguntas diretas. Segue uma amostra:

Carta 32

(...) Sei que não acreditas mas fique sabendo que | tua de carta de 30 de janeiro recebí esta semana | foi grande a emoção, pois a última carta tua | que recebí foi em Setembro, calcule quantos | meses fazem e veja se não é surpresa. | Eu vou bem graças a Deus. Como vai? |

Como passaste o carnaval? Dansaste amigo |Que há de novo aí? Somente a Meira de Pe- | dra não é? Geraldo não julgava que o clg |

passasse tanto tempo vou me escrever / (...) (Inamar)