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(1)UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE COMUNICAÇÃO Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social INGRID GOMES. OLHARES SOBRE O OUTRO Estudo das representações do Islã nos jornais Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. São Bernardo do Campo-SP, 2012.

(2) UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE COMUNICAÇÃO Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social INGRID GOMES. OLHARES SOBRE O OUTRO Estudo das representações do Islã nos jornais Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. Tese apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), para obtenção do grau de Doutor. Orientador: Prof. Dr. José Salvador Faro.. São Bernardo do Campo-SP, 2012 2.

(3) A tese de doutorado sob o título “Olhares sobre o Outro. Estudo das representações do Islã nos jornais Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo”, elaborada por Ingrid Gomes foi defendida e aprovada em 17 de abril de 2012, perante banca examinadora composta por Dr. José Salvador Faro (Presidente/UMESP), Dr. Laan Mendes de Barros (Titular/UMESP), Dra. Cicília Maria Krohling Peruzzo (Titular/UMESP), Francisco César Pinto da Fonseca (Titular/FGV), Belarmino César Guimarães da Costa (Titular/UNIMEP).. __________________________________________ Prof. Dr. José. Salvador Faro. Orientador e Presidente da Banca Examinadora. __________________________________________ Prof. Dr.. Laan Mendes de Barros. Coordenador do Programa de Pós-Graduação. Programa: Pós-Graduação em Comunicação Social Área de Concentração: Processos Comunicacionais Linha de Pesquisa: Processos Comunicacionais Midiáticos. 3.

(4) Agradecimentos Ao meu maravilhoso Deus, pelos sentidos e habilidades perfeitos e pela alegria de descobrir a cada dia a beleza de experimentar a vida, por estar ao meu lado e enviar zilhões de anjos, sempre. Ao meu orientador Profº Dr. José Salvador Faro, pelo conhecimento emitido. Ao coordenador Profº Dr. Laan Mendes pelas conversas sábias e direção acadêmica quando mais precisei. Ao Profº Dr. Adolpho Queiroz pelo conhecimento transmitido, pelo carinho sem precedente. Obrigada, você é muito especial para mim. Aos professores que sacudiram meu pensar, Profº Dr. Wilson Bueno, Profª Dra. Cicilia Peruzzo, Profº Dr. Epstein, Profª Dra. Magalli Cunha, Profº Dr. Denis de Moraes, Profº Dr. Dema, Profª Dra. Marta e meu querido Profº Dr. Belarmino. Meus agradecimentos à graciosa secretária do pós-com, Kátia. Ás secretárias do programa, em especial a Vanete, pela dedicação oferecida. À Metodista de São Paulo pelo apoio estrutural, acadêmico e amigo que me proporcionou, na convivência estudantil, esses anos todos. Ao CNPQ, pelo investimento da Bolsa de doutorado no meu tema e trabalho de pesquisa; sem essa ajuda, o percurso ia ser imensamente mais difícil. Agradeço imensamente aos meus pais, pela paciência, pelo amor insubstituível que me concedem e pela admiração às minhas conquistas. Meu agradecimento à minha linda e radiante mãe; como tudo fica mais fácil tendo você ao meu lado. À minha família, em especial ao meu irmão querido, na difícil tarefa, as vezes, de ser meu irmão. À minha tia Rosa pela cede confortante em São Paulo, pelo chá calmante e pelo amor que tem por mim e por meus sonhos. À família Carlinha, Maurício, Tio Carlos e Beatriz, com vocês foi mais fácil suportar o cansaço e a entender que a tese sempre foi só a tese. Obrigada! À minha tia Idalina, sempre com palavras bonitas e estimulantes, trouxe com sua sabedoria muita paz para a conclusão desse trabalho. Ao meu primo Lú, pelo carinho, pela solidariedade e pelo colo nos desabafos dos últimos anos. À minha avó, linda e abençoada Ilda. Aos meus tios Márcio e João, pela coragem de vencer e carinho nas dificuldades. Obrigada!. 4.

(5) Aos amigos de sempre, Vinícius Davoli, Sandra Rigatto, Samuel Gachet, Kátia M., Mariela Claudino, Raquel Tardeli, Nara, Jucélia, Victor Kraide, Fabricio Cardoso, Letícia, Laurinha, Tamy, Pinoti pelo ânimo e apreciação aos meus estudos. Ao amigão Milton (Mirto), pela ajuda, atenção e experiência transmitida. À minha “miga miga” Val, pelas muitas horas de café e paciência em me ouvir. À minha amiga Paula, pelas orações e cuidado em saber como estou. À minha amiga Michele Tomé, sempre na conversa com sábias mensagens. Ao meu fofo Rogério, pela paixão à vida e pela amizade eterna. Ao querido Cassandro, em estar comigo em um dos momentos mais cruéis e difíceis para concluir essa tese, pela ajuda na ética e no carinho em me aceitar assim. À minha amiga Juliana Degaspre, que retornou à minha vida na fase “terminar a tese” e já começou a aturar meu mau-humor e cansaço. Obrigada, linda! Obrigada Gisele Torres, por passar na minha jornada e ter me ensinado a olhar diferente, tentar ser menos radical e dizer sempre que tenho luz! Amo você onde quer que esteja. E obrigada aos seus familiares queridos, que estão sempre na torcida, em especial, à Tia Ozi e à Tati. À minha amiga do coração Bruna Guimarães, que Deus colocou na minha estrada para me dar chão e objetivo; sempre para me lembrar que sou capaz. Obrigada, linda. À minha amiga e editora Carla Mimessi, pelas horas intermináveis editando meu trabalho. Tenho muita alegria em ser sua amiga; pela graça em saber que posso contar com você sempre, sempre. É muito especial na minha vida. À amiga e melhor professora de português Andréia Bernardineli, pelo combate ao sono em prol de dias corrigindo esta tese, pela amizade por trás desse empenho; tenho tanto a lhe agradecer. À querida Sandra, que na fase mais que final esteve ao meu lado dando luz e norte ao trabalho final desta tese. Ao pesquisador de história Alex Degan, que indicou tantos autores, preocupouse em contextualizar cada um deles, pelos e-mails desesperados sobre terminologias e desvios de conduta jornalística identificados. Obrigada, querido! À amiga Leide, que além de consolo, carinho e descontração me ajudou nos contratempos da informática, típicos de um Word cansado e bufando. Obrigada, amiga querida! Prometo sair quando terminar. Às amigas Grasiela Caldeira e Mariana Salles, obrigada pelo carinho! 5.

(6) À minha linda e amiga mais meiga de todas, Mirela, por me ouvir nos desabafos pessoais e me trazer conforto e coragem sempre. Aos meus colegas de Mestrado Patrícia, Denis Renó, Bruna, Moisés, Thaís e Flávio, pela ajuda, pelo conhecimento associado e pelas parcerias em artigos científicos. À minha amiga de especialização (pós-graduação) Marina, tão intensa e sábia. Aos meus amigos de doutorado, em especial à Maria Cleidejane, pelo carinho nas conversas, pela preocupação com meus estudos e qualidade de vida. Fofa, obrigada! Às minhas amigas do grupo de contação de histórias, no Hospital, sem vocês, meu ânimo não teria reacordado para o término desse trabalho de pesquisa. Meu muito obrigada por cada uma: Luci, Leide, Roberta G., Tita e linda Márcia. À querida Audre, tão doce e capaz, colaborou comigo dia a dia, em decisões da tese e no olhar maduro sobre como executar a análise de discurso, e claro, além da tese ilustre que me serviu de modelo e paradeiro intelectual. Obrigada! Ao meu amigo Rodrigo Bassi, que passa por entrega de dissertação agora, mesmo mais distante, tenho certeza que torce fervorosamente por mim. Obrigada, migo! Aos teóricos que me iluminaram, aos locais de estudo, ao meu querido Jony por me amar tanto e estar sempre ao meu lado, aos meus outros dois cachorros Bella (que foram incansáveis os óculos comidos) e Princesa que me ajudaram a descontrair em momentos chatos. Obrigada também à energia das músicas estimulantes no término dessa tese, dentre as bandas e compositores, destaco Beatles, Pear Jam e Paolo Nutini.. 6.

(7) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO. 14 CAPÍTULO I — O ORIENTE NA HISTÓRIA. 1.1 Formação do Mundo Muçulmano. 20. 1.2 Diretrizes do Islã. 24. 1.3 As relações do Islã com o cristianismo e o judaísmo. 26. 1.3.1 Entrelaço com a primeira religião monoteísta. 26. 1.3.2 Influências cristãs ao islamismo?. 27. 1.3.3 Principais diferenças do Islã com as outras religiões. 28. 1.4 Breve resgate do Islã na história. 29. 1.4.1 Depois da morte de Maomé. 29. 1.4.2 A idade de ouro: os primeiros califas. 30. 1.4.3 Avanço árabe: Império Omíada (661-750). 32. 1.4.4 Influências imperiais: Império Abássida (750-1258). 34. 1.4.4.1 Características culturais e jurídicas do Islã. 35. 1.4.5 O mundo muçulmano na Idade Média. 39. 1.4.6 Império Otomano e o rumo da civilização muçulmana atual. 40. 1.4.6.1 Resgate do Oriente nas Grandes Guerras Mundiais. 45. 1.4.6.2 Início da questão da Palestina. 47. 1.4.6.3 As contradições advindas do petróleo. 49. 1.4.7 Últimas influências: do século XX ao islamismo. 51. 1.4.7.1 Muçulmanos no Brasil. 53. CAPÍTULO II — HERANÇAS CONJUNTURAIS SOBRE O ISLÃ 2.1 Sobre Fanatismo. 56. 2.1.1 Fundamentalismo Islâmico. 57. 2.2 Ocidente como emblema figurativo. 60. 2.3 Ranços, guerras, impérios e novos conflitos. 63. 2.4 Estados Unidos & atentados fundamentalistas. 66. CAPÍTULO III — A CONSTRUÇÃO DO OUTRO NA HISTÓRIA. 7.

(8) 3.1 O Outro pela Antropologia Cultural. 73. 3.2 Diferenças, Alteridade e a Formação dos Outros. 75. 3.2.1 Negociação das Diferenças. 75. 3.2.2 As intersecções do Outro. 80. 3.3 Formação das Identidades. 85. 3.4 Reconhecendo o Outro Islã em sua Alteridade. 91. CAPÍTULO IV — O OUTRO ISLÃ NA MÍDIA 4.1 Simplificação, Marcas pejorativas e Discriminação. 97. 4.2 Oficialismo na Guerra: o jornalismo também perde. 104. 4.2.1 Cobertura da Guerra do Iraque (2003). 106. 4.2.2 Seguindo as trilhas das Fontes Oficiais. 112. 4.3 Enquadrando o Discurso Jornalístico. 117. CAPÍTULO V – JORNALISMO INTERNACIONAL 5.1 Breve Resgate do Jornalismo Impresso. 122. 5.2 Jornalismo Internacional, Fluxos e Agências. 126. 5.2.1 Economia determinou o início. 126. 5.2.1.1 No Brasil. 129. 5.2.2 Trajetória específica do Jornalismo Internacional. 132. 5.2.3 Principais Agências Internacionais Impressas. 133. 5.2.3.1 EFE. 134. 5.2.3.2 Reuters. 136. 5.2.3.3 AP. 138. 5.2.3.4 Monopólio, poder nacional ou interesses rotativos?. 139. 5.2.4 Fluxos. 140 CAPÍTULO VI – BATALHA DISCURSIVA. 6.1 Pesquisa Bibliográfica. 146. 6.2 Análise de Discurso. 146. 6.2.1 Análise de Descrição do Material Jornalístico. 149. I ─ Gênero, II ─ Fontes, III ─ Abordagem predominante do texto, IV ─ Descrição do Não-verbal (Fotografias, imagens, tabelas, infográficos entre outros) e V ─ Resumo/descritivo do material jornalístico 8.

(9) 6.2.2 Análise do Discurso Jornalístico. 151. I ─ Esquecimentos, II ─ Paráfrase e Polissemia, III ─ Relações de Força, Relações de Sentido, Antecipação: Formações Imaginárias, IV ─ Formação Discursiva, V ─ a) O dito e o não dito, V ─ b) Inferências/Implícitos, VI ─ Considerações 6.2.3 Outros elementos para a análise do discurso jornalístico. 159. 6.3 Complementações das fotos no discurso jornalístico. 162. 6.4 Etapas, Corpus e Análise. 166. CAPÍTULO VII ─ PRESENÇAS DO OUTRO ISLÃ NO “MUNDO” 7.1 Caderno MUNDO mais de 20 anos de história. 168. 7.2 Marcas terroristas no discurso da Folha de S. Paulo. 171. 7.2.1 Características principais do Islã no MUNDO ─ Material secundário. 205. 7.2.1.1 Marcas jornalísticas que indicam alteridades do Islã. 205. 7.2.1.2 Marcas jornalísticas neutras sobre o Islã. 209. 7.2.1.3 Marcas jornalísticas que não respeitam a alteridade do Islã. 209. 7.2.2 Considerações sobre a representação do muçulmano no Caderno Mundo. 212. CAPÍTULO VIII ─ ESPORACIDADE DO OUTRO ISLÃ NO “INTERNACIONAL” 8.1 Conhecendo o Caderno INTERNACIONAL. 214. 8.2 A discursividade do Islã no Estado de S. Paulo. 218. 8.2.1 Características principais do Islã no Internacional ─ Material secundário. 235. 8.2.1.1 Marcas jornalísticas que indicam alteridades do Islã. 235. 8.2.1.2 Marcas jornalísticas neutras sobre o Islã. 237. 8.2.1.3 Marcas jornalísticas que não respeitam a alteridade do Islã. 238. 8.2.2 Considerações sobre o Islã no Caderno Internacional. 240. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 242. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 247. GLOSSÁRIO. 257. 1.1 Gênero. 257. 1.2 Fontes. 260 9.

(10) 1.3 Abordagem predominante do texto. 261. 1.4 Principais temas e manchetes do caderno Mundo, no período de análise. 262. 1.5 Principais temas e manchetes do caderno Internacional, no período de análise. 268. ANEXOS. 275. 10.

(11) Resumo: A premissa do estudo compreende a existência de forças de poder nos retratos sobre o Islã no jornalismo internacional. Sabe-se que o Islã, em termos culturais e políticos, apresenta maior visibilidade a partir dos atos de 11 de setembro de 2001. Nesse sentido, a pesquisa entende que esse momento desempenha, na história, um fenômeno político de forte impacto e significação ideológica. Como objeto de análise, o estudo aborda as representações discursivas (Análise de Discurso) e as interconexões com (e do) Islã na Folha de S. Paulo e no Estado de S. Paulo, tendo por corpus o material publicado pelos jornais, na Editoria Internacional, nos 15 dias anteriores e posteriores à data que marcou, historicamente, os 10 anos do ataque às Torres Gêmeas. A tese também faz um inventário histórico-cultural da formação do Oriente Moderno e do Islã, da construção do Diferente na história e do Outro-Islã, além do resgate do jornalismo internacional. Observou-se, nas generalizações e nas simplificações das representações do Islã da mídia analisada, um retrato aproximado das ações dos fundamentalistas islâmicos, instruindo o contexto complexo do Islã como o Outro, o Diferente da história atual, denegando a ele suas atribuições culturais de autenticidade e de alteridade. Palavras-chave: Islã, representações, Outro, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo.. 11.

(12) Abstract: The premise of the study include the existence of forces of power in the portrayals of Islam in international journalism. It is known that Islam, in cultural and political terms, has increased visibility from the acts of September 11, 2001. In this sense, the research finds that this moment plays in history, a political phenomenon of strong impact and ideological significance. As the object of analysis, the study addresses the discursive representations (Discourse Analysis) and the interconnections with (and) Islam in the Folha de S. Paulo and the Estado de S. Paulo, with the corpus of the material published by the newspapers, the International Editorial Board, within 15 days before and after the date that marked historically, 10 years of the attack on the Twin Towers. The thesis also makes an inventory of historical and cultural formation of the East and Modern Islam, the construction of the story Unlike Islam and the Other, and the rescue of international journalism. There was, in generalizations and simplifications of the media representations of Islam analyzed, an approximate depiction of the actions of Islamic fundamentalists, instructing the complex context of Islam as the Other, the different current history, denying him his cultural attributes of authenticity and otherness. Keywords: Islam, representations, Other, Folha de S. Paulo and Estado de S. Paulo.. 12.

(13) Resumen: La premisa del estudio incluyen la existencia de fuerzas de poder en las representaciones del Islam en el periodismo internacional. Se sabe que el Islam, en términos culturales y políticos, ha aumentado la visibilidad de los actos del 11 de septiembre de 2001. En este sentido, la investigación concluye que este momento juega en la historia, un fenómeno político de gran impacto y significación ideológica. A medida que el objeto de análisis, el estudio aborda las representaciones discursivas (análisis del discurso) y las interconexiones con (y) el Islam en el periódico Folha de S. Paulo y el Estado de S. Paulo, con el corpus del material publicado por los periódicos, el Comité Editorial Internacional, dentro de 15 días antes y después de la fecha que marcó la historia, 10 años del atentado a las Torres Gemelas. La tesis también hace un inventario de la formación histórica y cultural de Oriente y el Islam moderno, la construcción de la historia A diferencia del Islam y el Otro, y el rescate del periodismo internacional. Había, en generalizaciones y simplificaciones de las representaciones de los medios de comunicación del Islam analizado, una representación aproximada de las acciones de los fundamentalistas islámicos, instruyendo el complejo contexto del Islam como el otro, la historia de corriente distinta, negándole sus atributos culturales de la autenticidad y la alteridad. Palabras clave: Islam, representaciones, Otros, Folha de S. Paulo y Estado de S. Paulo.. 13.

(14) INTRODUÇÃO Olhar diferente urgente se faz Lançar a semente Na seda do oriente voar Rever outras culturas Brindar todas as misturas Urgente se faz Cantar pela paz Abraçar toda essa gente Do Acre ao Azerbaijão Um conto zulu, um tango argentino Um xote, um baião Na fé que irmana Citara indiana Na carta cigana Versos do Alcorão É como lê o meu coração É como lê o meu coração Um cocar do Xingu, um mantra do Tibet Bombo legüero, um mambo, um chamané (...) Letra da música Olhar Diferente de Zé Alexandre. Primeiro, diz-se sobre o que este trabalho de pesquisa não responderá para depois mostrar o intuito do mesmo. Ele não tem o objetivo de distinguir qual o caderno de jornalismo internacional dos veículos analisados é o mais correto, ou melhor, aliás, em nenhum momento essa ideia foi identificada como propósito, bem como não se busca explicação determinista sobre as representações dadas. Por saber da rotina jornalística e de suas dificuldades, às vezes, desumanas em realizar reportagens em áreas de conflitos, esta pesquisa se baseou em análise de discurso construída à luz de autores da história, da psicologia social, da antropologia, do pós-colonialismo cultural, da comunicação e das disciplinas conjunturais correlatas, como política, economia e teologia. Com base neste estudo, vislumbraram-se cenários que dariam instigantes ideias: 1- a partir da aproximação do discurso jornalístico internacional brasileiro com o enraizamento estadunidense verifica-se a presença de colunistas/jornalistas, que estão se iniciando, com maior descrição do olhar do repórter em detrimento de fontes entrevistadas, como se vê nos Estados Unidos e em parte da mídia européia.. 14.

(15) 2 – viu-se também um olhar mais etnocêntrico sobre a figura dos Outros em que se deparam no jornalismo internacional; fatores que podem não indicar um padrão, mas que foram comuns tanto no trabalho analítico do caderno Internacional quanto do Mundo. Entre as interrogações que a autora deste trabalho fez, foi se perguntar: ─ Será mesmo que no jornalismo internacional existe a possibilidade de se respeitar a alteridade dos Outros? Não seria uma visão romântica visto que essa profissão se locomove junto à engrenagem social, cultural, econômica e política? Mas, por outro lado a partir desta inquietação há variantes: ─ Ao escrever sobre e em áreas de conflitos, onde existam grupos terroristas, por exemplo, é inaceitável identificá-los como muçulmano, em princípio, pelo cuidado histórico que esse significado pode ancorar no imaginário social e, em outras, ao que concerne as práticas jornalísticas, em verificar com seriedade as fontes. Outro ponto relacionado a este trabalho é a presença de assuntos sobre o protagonismo estadunidense ser evidente nas linhas dos Cadernos, fato que coaduna com o levantamento histórico da tese e do imaginário social sobre a figura dos EUA na prática de entender e conceituar o discurso “democrático” e “correto” na qual o jornalismo internacional brasileiro se baseia dando ao conteúdo jornalístico desfechos morais e valorativos. Esta pequisa não tem o intuito de responder a todas essas inquietações, ao contrário, traz mais sugestões de pesquisa do que cumprir o papel pragmático de concluir o tema e as temáticas discutidas. Nesse caso, o estudo desta tese transcende o olhar focal, central, único de entender e conceber o jornalismo internacional e suas representações sobre o Islã, mas aprofunda em questões imprescindíveis sobre a lógica jornalística dos significados sobre o muçulmano. Por isso que pensar como a mídia reporta as diversidades de etnias e culturas em suas produções jornalísticas é um assunto que intriga, e pontuar como, nessa descrição diversional, o Diferente (o Outro) se moldura, se formula ou é visto, imaginado, descrito, pensado, é imprescindível para uma pesquisa documental na área da comunicação social. Neste trabalho, a autora pretende resgatar esse assunto sobre o Diferente, captado sob uma ótica atual e polêmica: as representações sobre o Oriente Médio e a cultura do Islã.. 15.

(16) O objetivo central foi resgatar a história e a complexa cultura islâmica para identificar as visões simplistas e generalistas na formação do Islã como Outro na mídia brasileira, em especial, nos impressos Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. Outra questão vinculada ao objetivo central foi investigar o cenário de influências que se constituem essas representações midiáticas, como: a) postura jornalística; b) empresas de comunicação; c) esfera política; d) esfera econômica; e) fluxos culturais. O terceiro objetivo, não menos importante, que a tese propôs discutir, foi identificar pontos da constituição da retórica sobre o Islã como o Outro nos últimos dez anos, externados pela mídia. A partir desses objetivos, o estudo teve como hipótese norteadora a afirmação de que o uso de generalizações, de simplificações e a ausência de contextualização sobre os fatos que trazem o objeto Islã empobrecem seu significado cultural. E, após o marco: 11 de setembro de 2001, essas características jornalísticas contribuíram para reiterar aproximações do Islã como fundamentalista. Com isso, as visões sobre o Islã acabaram sendo vinculadas à cultura inferior, arcaica, ou seja, um dos Outros da história internacional recente. Para a investigação, a pesquisa teve como corpus de estudo 62 dias das editorias internacionais dos jornais diários Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, quinze dias antes, a contar como marco o 11 de setembro, e quinze dias posteriores, em razão da importância histórica, representada por essa data, e, em especial, por estar vinculada ao objeto de análise, as representações do Islã. O motivo principal da escolha do corpus é em razão da expectativa jornalística de apresentar mais conteúdo sobre o Islã, com pesquisa e contextualização, visto a antecedência para produção de cadernos e coberturas especiais dos dez anos do ato terrorista de 2001. Para estruturar as investigações foi usada como método a análise do discurso. Dentre as justificativas da pesquisa, a autora ressalta o fato de o tema do Oriente Médio e do Islã serem recorrentes na mídia internacional e, mesmo sendo comuns seus retratos diários, não se vê contextualização suficiente para o seu entendimento completo. Outro ponto advém da preocupação humana que o papel do jornalismo ocupa em relação à consolidação de conflitos atuais, em especial, a inferiorização do Islã como o Outro. Para cumprir os objetivos e chegar às hipóteses, a tese se dividiu em oito capítulos, seis teórico-históricos e dois com as análises.. 16.

(17) O primeiro capítulo O Oriente na história faz um resgate da história do Oriente Médio, da formação do Islã e das suas principais influências culturais na passagem pelos impérios Omíada, Abássida e Otomano, além de contextualizar o islamismo no Brasil. O segundo capítulo Heranças Conjunturais sobre o Islã contextualiza as divisões no Islã, em especial retrata o norte fundamentalista explicando sobre o fanatismo e os principais pensadores dessas vertentes baseadas no islamismo. Também mostra as reinvenções a partir de 11 de setembro, passando pelo breve inventário do Islã e suas práticas históricas de distanciamento do Ocidente. O terceiro capítulo A construção do Outro na história aborda a construção do Outro a partir de referenciais de Diferença e de Alteridade da antropologia e da psicologia social, além de resgatar a ideia de Alteridade advinda da formação da Diferença. Também traz um breve inventário da constituição da identidade e dos fluxos identitários na contemporaneidade, colaborando para entender a formação do Outro-Islã e suas possíveis compatibilidades com o Ocidente. O quarto capítulo O Outro Islã na mídia mostra o debate do posicionamento da mídia nacional e internacional sobre o Oriente Médio, identificando os estereótipos e as discriminações sobre essa cultura distante. Resgata também como foi realizada a cobertura da Guerra do Iraque, reiterando antigas marcas descritas de inferioridade. Na sequência, explica a importância do uso das fontes oficiais pela mídia, suas problemáticas e consequentes enquadramentos de discurso. O quinto capítulo Jornalismo Internacional se inicia com um breve inventário da constituição do jornalismo impresso e passa pela contextualização histórica do Jornalismo Internacional e sua trajetória no País. Também aborda o tema das agências internacionais, explorando o fluxo noticioso e a breve história das principais agências impressas e suas repercussões no jornalismo brasileiro. O sexto capítulo Batalha Discursiva realiza uma breve exposição das metodologias de pesquisa: pesquisa bibliográfica e análise de discurso. Primeiro contextualizou-se a análise, na vertente utilizada, a linha francesa de análise de discurso (AD), depois se descreveu como se iniciaria a análise descritiva do material coletado e, na sequência, foram identificados os elementos da AD que colaboraram para o desenvolvimento da análise. Também foram brevemente identificadas as técnicas da fotografia de imprensa propostas como fatores importantes para uma análise estrutural do uso da fotografia pelo jornalismo. Outro ponto importante destacado no capítulo foi a contextualização de outros teóricos da área de padrões de manipulação de conteúdo, 17.

(18) que ajudaram na AD e, ao finalizar o capítulo, explicou-se como foram executadas as etapas da análise de pesquisa. No sétimo capítulo Presenças do Outro Islã no “Mundo”, contém a análise de discurso do Caderno Mundo na Folha de S. Paulo. Foram resgatados a história do veículo e do Caderno, as principais temáticas discutidas no período de análise e os articulistas fixos e alguns convidados; e, na análise, observaram-se onze textos cujo tema Islã foi recorrente, primário ou secundariamente. Verificaram-se nas análises dois textos positivos sobre o entendimento do Islã, um texto neutro e os oito restantes com marcas pejorativas sobre o muçulmano, como “aquele encrenqueiro e terrorista”. O último capítulo traz a análise do Caderno Internacional do Estado de S. Paulo, com o título: Esporacidade do Outro Islã no “Internacional”. Além de fazer o breve resgate histórico do veículo, do caderno e os principais articulistas e temas reportados, analisaram-se treze textos sobre o Islã. Desses materiais, cinco tiveram uma visão positiva, uma neutra e sete de distanciamento do Islã em sua alteridade, retratando a cultura islâmica como exótica e o muçulmano como fundamentalista. Nas considerações finais, constatou-se nas comparações dos Cadernos que no Internacional do Estado de S. Paulo houve mais espaço de discussão sobre o Islã, bem como mais textos voltados à integração do islamismo como vítima do preconceito em razão da rotina midiática sobre o assunto após o 11 de setembro de 2001. Em contrapartida no Mundo, verificou-se a caracterização determinista do islamismo como norteador das futuras gerações de fundamentalistas e terroristas. Contudo, nos dois jornais, o Islã foi representado como cultura distante e exótica, além de encrenqueiro e, por vezes, terrorista, alimentando esse imaginário social do muçulmano na lógica do agendamento midiático. Em resumo, esta pesquisa, ao debater a constituição do Outro-Islã como Diferente nas representações dos jornais impressos, analisou-se a constituição discursiva no material jornalístico, bem como procurou vislumbrar quais são os outros elementos sociais, culturais, econômicos, políticos que permearam esse cenário, contribuindo com a formação cognitiva do imaginário social do Islã como o inferior e o Diferente na atual história do século XXI. Dentre as maiores preocupações da autora, esteve a problemática do Islã ser lembrado e revisitado no amanhã a partir desse imaginário e documento mediático, ou seja, se essas representações colocam o Islã como o Diferente hoje, sua história será deturpada e esquivada da real identidade que a. 18.

(19) mantém culturalmente viva e operante em parcela significativa na sociedade muçulmana.. 19.

(20) “História não é, evidentemente, apenas o que ocorreu, mas a forma como nós percebemos aquilo que ocorreu” (PINSKY; PINSKY, 2004, p.11).. 20.

(21) CAPÍTULO I — O ORIENTE NA HISTÓRIA 1.1 Formação do Mundo Muçulmano. Atualmente, o mundo muçulmano abrange cerca de 1,3 bilhão de pessoas (DEMANT, 2008, p.13), ou seja, aproximadamente um quinto da humanidade, com quem as outras religiões e culturas distintas precisam repensar modos de convivência e de cooperação para permanecerem em regiões tão próximas e, ao mesmo tempo, tão diferentes culturalmente. “Eles se encontram concentrados num vasto arco, que se estende da África ocidental até a Indonésia, passando pelo Oriente Médio e a Índia. Em muitos países desta vasta região, os muçulmanos constituem a maioria da população local e, em outros, importante minorias” (DEMANT, 2008, p.13). Além da presença dessa cultura no mundo a história do Islã é fator preponderante para compreender qualquer conflito atual entre Israel e Palestina, Fundamentalistas e Ocidente, em especial os Estados Unidos e seus aliados, deve-se partir do estudo da longa história de constituição do Islã no mundo, que se iniciou há mais de 1.400 anos e se espalhou por três continentes em variadas sociedades, solidificando sua religião e seus valores sociais, diferenciando-se entre si e formando outras vertentes. O surgimento do Islã ocorreu no começo do século VII, na península Árabe, em específico na região de Meca. Para entender como isso ocorreu, é necessário traçar um breve relato dos antecedentes históricos dessa região, bem como compreender as visões políticas acerca da religião cristã, que constituíam o pano de fundo da emergência do Islã. Por volta da década de 330 d.C., a região árabe situava-se à margem das duas grandes potências do Oriente Médio: a Pérsia e o Império Bizantino. A capital desse Império era Constantinopla, hoje Istambul, que se originou com a separação do antigo Império Romano, o do Ocidente e o do Oriente. Alguns anos após, nessa mesma região, a religião mais seguida era o cristianismo e, em 395, a Igreja Cristã se tornara autoridade,. sobrepondo-se. ao. poder. do. Estado,. característica. chamada. de. “cesaropapismo”, que influenciou a própria formação da base do Islã, enquanto fenômeno por possuir na religião traços e elementos superpostos à ideia da prática. 21.

(22) política. O historiador Peter Demant afirma: “[...] como resultado, disputas religiosas transformavam-se automaticamente em conflitos políticos” (DEMANT, 2008, p.23). Nessa mesma época, havia a discussão da natureza dual do Filho de Deus, Jesus Cristo, pelo cristianismo — uma parte dos fiéis acreditava apenas no lado divino de Cristo, enquanto a outra defendia o divino e o humano nele. Essa disputa específica, segundo Demant (2008, p.23), foi acirrada e conflituosa, deixando muitos fiéis descontentes com a doutrina. Contudo, após alguns concílios, ficou aceita até hoje a natureza dual do Filho de Deus. O entendimento da religião cristã sobre a natureza de Jesus satisfez as regiões centrais do Império, particularmente na Anatólia e nos Bálcãs (DEMANT, 2008, p.24), mas, no Oriente Médio, o grupo monofisista, por acreditar apenas na natureza divina de Jesus e não aceitar a visão oficial da natureza dual, começou a chamar a atenção, inclusive das lideranças religiosas do cristianismo. Nessa época, não aceitar pontos oficiais da religião era inadmissível, os monofisistas logo foram estigmatizados como hereges e sofreram perseguição do império. A cena dos perseguidos e dos insatisfeitos estava no palco em que despontava uma nova religião local, o Islã; com isso, os monofisistas estavam mais próximos, eticamente, dos árabes do que dos bizantinos (DEMANT, 2008, p.24). O Islã, enquanto doutrina revelada, aparece para um homem de meia-idade, nas redondezas de uma região mais afastada do Império Bizantino, em específico na Arábia setentrional, em razão da nova rota da Seda, estimulada pelas caravanas comerciais advindas da China, que faziam o caminho pela Pérsia. A região setentrional da Arábia situava-se perto da cidade-oásis de Meca, no espaço conhecido como Hijaz, onde nasceu Maomé, em português, Muhammad, o profeta que fundou o Islã. Sua família era de ascendência beduína, nômades e pastores, viviam ou do cuidado de cabras, camelos e rebanho de ovelhas, ou do comércio daquilo que traziam nas caravanas (DEMANT, 2008, p.24).. O estilo de vida beduíno valorizava acima de tudo a liberdade de movimento, a honra (ligada em particular ao controle da sexualidade feminina) e a solidariedade árabe. A organização social era tribal: a linhagem de uma pessoa, seu parentesco, superava quaisquer outras lealdades. Como consequência, a cultura oral desse povo enfatizava uma poesia que glorificava o próprio clã (DEMANT, 2008, p.25).. 22.

(23) Essa tradição beduína influenciou a maneira de pensar do jovem Maomé, que cresceu com esses valores. Ele pertenceu a uma divisão dos beduínos chamada Quraysh (coraixitas), um grupo menor, mas poderoso. “Foi criado como mercador e casou-se aos 25 anos com uma rica viúva, bem mais velha que ele, chamada Kahadija. (...) Aos 40 anos, teria começado a receber visões e ouvir vozes, que acreditou serem de origem divina: o arcanjo Gabriel (Jibril, em árabe)” (DEMANT, 2008, p.25).. Certa noite, no mês de Ramadã, conta-se, o anjo Gabriel apareceu a Maomé, que dormia sozinho no monte Hira, e disse: “Recita!” Maomé hesitou e três vezes o anjo insistiu, até que Maomé perguntou: “O que recitarei?” O anjo então disse: “Recita em nome de teu Senhor que criou todas as coisas, criou o homem a partir de coágulos de sangue. Recita, pois teu Senhor é o mais generoso, que ensinou com a pena, que ensinou ao homem o que ele não sabia.” Essas palavras, formam os primeiros quatro versículos do capítulo 96 das escrituras muçulmanas, conhecidas como Corão2 (LEWIS, 1996, p.59).. Após essas primeiras palavras, vieram outras mensagens, seguindo a mesma revelação de Deus a Maomé. Como profeta, Maomé passou a levar ao seu povo a mensagem divina e, em pouco tempo, ele já teria fiéis seguindo-o na constituição da nova doutrina. “À medida que seus ensinamentos se difundiam, tornavam-se mais claras as diferenças com as crenças aceitas. Atacavam-se os ídolos dos deuses e as cerimônias a eles relacionadas; ordenavam-se novas formas de culto, e novos tipos de boas ações” (HOURANI, 2006, p.37). A ameaça das revelações de Maomé à elite local fez com que Maomé e seus seguidores fugissem para outra cidade. Isso ocorreu no ano de 622 d.C. O Profeta e seus fiéis foram de Meca para Yathrib (LEWIS, 1996, p.60), onde, com o tempo, passou a ser chamada de Al-Madina (Medina), cujo significado é a Cidade. Esse momento marca o início do calendário muçulmano e a fuga tem o nome de hijra — migração (DEMANT, 2008, p.26). “Em Meca, Maomé fora uma pessoa comum, que lutara inicialmente contra a indiferença e, em seguida, a hostilidade dos governantes locais. Em Medina, tornou-se o governante, exercendo autoridade política e militar, além de religiosa” (LEWIS, 1996, p.60-1).. 2. O livro sagrado do Islã pode ser chamado de Corão ou de Alcorão. O “Al” já representa o artigo definido “o”, então alguns historiadores acham que é pleonasmo dizer Alcorão, e preferem apenas o Corão, mas, no português, a palavra com o “Al” é mais comum. Portanto, preferiu-se chamar o livro sagrado de Alcorão, seguindo outras palavras árabes do português, como álcool, algodão e alface.. 23.

(24) Quando Maomé e seus seguidores, agora chamados de muslimin — submetidos — chegaram a Medina, sofreram forte resistência da sociedade local, ocorrendo “lutas ferozes”, como pontua o historiador Demant (2008, p.26). Mas, com o tempo, Maomé e os muslimin impuseram sua superioridade militar e Medina foi a primeira comunidade a se tornar um Estado muçulmano. Houve conversões, expulsões e extermínios; os que ficaram em Medina se comprometeram a realizar uma guerra de expansão do Islã.. Seu poder crescente levou um número cada vez maior de tribos a se aliar a ele e a aceitar a nova fé. Logo os muçulmanos derrotaram os coraixitas de Meca, que abriram as portas da cidade para o filho rejeitado. Maomé limpou a Caaba (considerada pelos muçulmanos a Casa de Deus) de todas as deidades pagãs, mas não afastou a posição central de sua cidade natal (outorgando inclusive altas posições a recém-convertidos da elite coraixita, o que desconcertou alguns seguidores veteranos) (LEWIS, 1996, p.60-1).. Na época da morte de Maomé (632 d.C.), o Islã já tinha se tornado religião, a mais comum na região de Hijaz, assim como na maior parte da Arábia central (HOURANI, 2006, p.40). O historiador, Bernard Lewis (1996, p.61), explica que, com o falecimento do Profeta, no dia 08 de junho de 632,. [...] ele completara sua missão de arauto de Deus. O objetivo de seu apostolado, para os muçulmanos, fora restaurar o verdadeiro monoteísmo ensinado pelos antigos profetas, e desde então abandonado ou deturpado, abolir a idolatria e trazer a revelação final de Deus, que corporifica a verdadeira fé e a lei santa.. 1.2 Diretrizes do Islã. Para o Islã, Maomé foi o último Profeta, cuja representação divina personifica o selo, encerrando, assim, a missão espiritual “[...] de manter e defender a Lei Divina e levá-la ao resto do mundo. O cumprimento efetivo dessa função requeria o exercício contínuo de poder político e militar – em suma, de soberania – em um Estado” (LEWIS, 1996, p.61).. 24.

(25) Como religião, o Islã tem obrigações e proibições. Os pilares dividem-se em cinco questões: 1 - Shahada (testemunho) – “o testemunho de que só há um Deus, e Maomé é o Seu Profeta” (HOURANI, 2006, p.201). Essa afirmação deveria ser retomada nas preces diárias do muçulmano. 2 - Salat (reza que se faz cinco vezes por dia) – Rezas apenas para glorificar e venerar Deus, nunca para pedir benefícios. O Islã significa submissão e suas rezas são atos de prostração a Deus. A salat pode acontecer em qualquer lugar, mas os fiéis preferem realizá-la junto à coletividade muçulmana. Pelo menos uma vez por semana, na sextafeira, na prece do meio-dia, eles se reúnem na mesquita para a reza em comunidade. As preces costumam acontecer cinco vezes ao dia, ao amanhecer, ao meio-dia, no meio da tarde, após o crepúsculo e na primeira parte da noite (HOURANI, 2006, p.201). 3 - Zakat (esmola) – É a doação de parte de sua renda para fins sociais. Esse terceiro pilar é uma extensão da salat, os muçulmanos deviam doar parte da sua renda, aqueles que ultrapassassem certa quantia, para que os homens da religião distribuíssem para os necessitados (HOURANI, 2006, p.202). 4 - Ramadan (ramadã – é o mês de jejum) – É o ato de jejum com o objetivo de purificação e penitência para Deus. Também é o mês que o Alcorão foi revelado. Todos os muçulmanos acima de dez anos deveriam abster-se de comer, beber e de manter relações sexuais, do amanhecer ao anoitecer. “[...] Faziam-se exceções para os que se encontravam muito debilitados fisicamente, os doentes mentais, os ocupados em trabalho pesado ou na guerra, e os viajantes. Isso era encarado como um ato solene de arrependimento dos pecados, e uma negação do eu em favor de Deus [...]” (HOURANI, 2006, p.202). O fim do Ramadan é comemorado com festas e visitas familiares, as confraternizações costumam ir do anoitecer até de madrugada. 5 - Hajj (peregrinação a Meca e seus santuários; simboliza a supremacia divina) – A peregrinação é obrigatória para o fiel, pelo menos uma vez na vida, para a pessoa que não tem problema de saúde e dispõe de condição para tal ato. Nos anos 20, o hajj chegou a atrair 50 mil fiéis por ano. Ao aproximar-se de Meca, o muçulmano purificava-se com abluções, colocava roupas brancas e proclamava falas de consagração. “A peregrinação era, sob muitos aspectos, o acontecimento central do ano, talvez de toda uma vida, aquele em que mais plenamente se expressava a unidade dos muçulmanos uns com os outros” (HOURANI, 2006, p.203-4).. 25.

(26) 1.3 As relações do Islã com o cristianismo e o judaísmo. Há algumas semelhanças entre o cristianismo e o judaísmo com o Islã. As três religiões têm a mesma genealogia monoteísta, o Islã se considera uma complementação das duas primeiras religiões, e que Maomé representa o “selo” dos profetas. No Islã, o ser humano, por ser falível, nunca subirá até Deus, então, nessa lógica, o criador acaba descendo aos fiéis. Nesse sentido, no Islã, o seguidor tem que ter um comportamento ético e de crença a Deus, código de conduta que coincide com a moral judaico-cristã, mas, na ideia de converter os outros, os politeístas, o Islã se posiciona dizendo que as pessoas “[...] tinham de escolher entre a conversão ou a morte” (DEMANT, 2008, p.28).. 1.3.1 Entrelaço com a primeira religião monoteísta Em torno de 1800-1700 a.C., constituía-se a “era dos patriarcas”, eram descendentes de Abraão (Ibrahim para os muçulmanos), o primeiro patriarca a acreditar num Deus invisível, muito forte e benevolente. Nascia, à luz desse entendimento, o monoteísmo. A Moisés (1300 a.C.), quem trazia ao povo de Deus uma nova maneira de entender o mundo, coabitado por grupos politeístas e outros, várias regras de convivência foram reveladas. A nova forma resumiria os padrões de conduta aos hebreus, intitulada como uma lei, os Dez Mandamentos (DEMANT, 2008, p.30). A “revolução monoteísta” originou-se na localidade de Israel, chamada de Terra de Israel ou Palestina. Esse momento inaugurou para os judeus, o povo escolhido, segundo o entendimento da doutrina, um contrato de deveres e direitos mútuos. “Os judeus seguiriam minuciosamente a lei sagrada e se transformariam num povo sacerdotal, voltado ao serviço divino” (DEMANT, 2008, p.31). Contudo, esse Deus onipotente e totalmente bom lideraria e protegeria seu povo, diferente da imprevisibilidade dos antigos deuses e da própria natureza desenfreada. Mas esse homem realizaria sua parte do chamado de povo escolhido, que era, justamente, seguir os mandamentos de Deus, comprometendo-se a realizar o bem para seu Deus para ele não precisar exercer qualquer punição. “Esse compromisso do indivíduo e do grupo com uma vida virtuosa constitui um momento-chave no desenvolvimento da consciência” (DEMANT, 2008, p.31).. 26.

(27) 1.3.2 Influências cristãs ao islamismo?. Tal como o judaísmo, o cristianismo também influenciou o Islã. Segundo a história do cristianismo, a religião inicia-se, oficialmente, em 33 d.C., ano da crucificação de Jesus (Issa para os muçulmanos) de Nazaré ou Jesus Cristo. Este morreu pela intenção de levar todos os pecados do povo de Deus, fato que inaugurou uma nova era.. Para seus seguidores Jesus foi considerado o Messias, o ungido (cristo, em grego), e posteriormente, na teologia de Paulo de Tarso, uma das três expressões da própria divindade. Era uma visão que conduziu fatalmente à ruptura com o judaísmo oficial. Mas, graças ao zelo dos apóstolos, que aproveitaram a existência da diáspora judaica e de uma eficiente rede de comunicações no Império Romano inteiro, a mensagem cristã se difundiu rapidamente (DEMANT, 2008, p.34).. O historiador Peter Demant (2008, p.34) afirma que a conversão à nova fé foi facilitada pelo não cumprimento das obrigações, principalmente, daqueles que não eram judeus. As primeiras igrejas a se cristianizarem foram as das regiões mais desenvolvidas do Oriente Médio, como Síria, Egito e Cáucaso. “Dentro de alguns séculos, o cristianismo se tornaria a principal religião no Império Romano, apesar das perseguições. Em 330, o imperador Constantino reconheceu a nova religião. Cinquenta anos mais tarde, todas as outras seriam proscritas” (DEMANT, 2008, p.34). Difere do judaísmo, quando a nova Igreja Cristã primitiva abandonou rituais antigos com a justificativa de que Cristo deu sua própria vida para que as pessoas não sofressem mais, ou seja, o autossacrifício de Cristo salvou a humanidade dos seus pecados. Também se mostra diferente do Islã, o cristianismo, pois este requer uma “barreira”, um “encontro mediado” entre criador e criatura, realizado por instituições como o clero e a própria Igreja; algo não exigido no Islã. Na ausência de uma figura mediadora entre o mundo dos homens e o divino, tal como Jesus Cristo no cristianismo, a própria palavra de Deus adquire importância ainda maior – daí o papel absolutamente central do Alcorão no Islã. Escrito em árabe, língua sagrada, ele até hoje não foi traduzido no uso ritual por muçulmanos: faz-se questão da sua recriação na versão original (DEMANT, 2008, p.35).. 27.

(28) 1.3.3 Principais diferenças do Islã com as outras religiões. Mais que o cristianismo, o Islã tem características específicas, nele se abrange a religião em todas as esferas da vida:. Uma questão mais importante é a da originalidade do Corão. Os estudiosos tentaram situá-lo no contexto de idéias correntes em seu tempo e lugar. Sem dúvida há ecos nele dos ensinamentos de religiões anteriores: idéias judaicas nas doutrinas; alguns reflexos de religiosidade monástica cristã oriental nas meditações sobre os terrores do julgamento e nas descrições de Céu e Inferno (mas poucas referências à doutrina ou liturgia cristãs); histórias bíblicas em formas diferentes das do Velho e do Novo testamento; um eco da idéia maniqueísta da sucessão de revelações feitas a diferentes povos. Há também vestígios de uma tradição indígena: as idéias morais em certos aspectos continuam predominantes na Arábia, embora em outros rompam com elas; nas primeiras revelações, o tom é de um adivinho árabe, tartamudeando seu senso de encontro com o sobrenatural (HOURANI, 2006, p.41-2).. A hibridização dos campos da religião e da política é peculiar do Islã, que encara, desde a época da comunidade de Medina, constituída por Maomé, o Estado e a Igreja como único alicerce da religião, fato que se transferiu para o Estado-império muçulmano, ao longo da história, numa proporção muito maior que a inicial (HOURANI, 2006, p.40). Com o falecimento de Maomé, surgiram os suplentes do profeta, que combinavam a autoridade militar, jurídica e religiosa sobre a comunidade islâmica (umma), sob o título de khalifa ou, simplesmente em português, califa. “Continuando o modelo posto em prática por Maomé, o Islã, nos séculos VII e VIII, expandiu-se rapidamente pelas armas. A umma que se estabeleceu tinha, pelo menos na teoria, uma mobilização permanente dos muçulmanos para participar em mais conquistas em nome da fé” (DEMANT, 2008, p.36). No Islã há também os ulemás, os legistas especializados, que interpretam o Islã à luz do Alcorão, conforme as realidades que se desenvolvem em torno dos fiéis, mas esse caráter interpretativo é diferente do realizado pelo mediador, que caracteriza o clero institucionalizado da Igreja Católica.. 28.

(29) 1.4 Breve resgate do Islã na história. 1.4.1 Depois da morte de Maomé. Como já pontuado, depois do falecimento do profeta, era imprescindível que o importante papel representado por Maomé fosse repassado aos demais fiéis. Surge, então, o suplente, que recebeu o nome de califa. Conseguiu dar unicidade aos muçulmanos entre os anos de 632 e 661. Esse período de liderança dos califas, também chamados de “bem-guiados” (rashidun), correspondeu à primeira fase do Islã (DEMANT, 2008, p.37). Em meados do século VII, o mundo já conhecia a ascendência da nova religião e um novo poder, o império muçulmano dos califas “[...] que se estendia para leste na Ásia até, às vezes além, às fronteiras da Índia e da China; a oeste, ao longo da costa sul do Mediterrâneo, até o Atlântico; ao sul, na direção dos povos negros da África; enquanto ao norte penetrava nas terras dos povos brancos da Europa” (LEWIS, 1996, p.62). No Oriente, a transferência para o arabismo e o islamismo dos povos nãomuçulmanos se deu de maneira gradual, porém mais fácil, pois os impostos cobrados pelos árabes eram relativamente mais baixos do que os arrecadados pelos bizantinos, principalmente, para os muçulmanos. “O Estado árabe estendeu a mesma tolerância, legalmente definida, a todas as formas de cristianismo, sem preocupar-se com os pontos mais sutis da ortodoxia” (LEWIS, 1996, p.63). Nos locais conquistados, os árabes estabeleciam uma base militar e um centro administrativo. Contudo, realizavam essa centralidade em cidades que se situavam perto de lavouras e à beira do deserto, dando origem a novos centros e a novas cidades, atendendo às necessidades imperiais. As cidades que já exerciam ressalva de centros de comércio, como Damasco, foram utilizadas como capitais. “As mais importantes dessas guarnições foram Kufa e Basra, no Iraque, Qomm, no Irã, Fustat, no Egito, e Qayrawan, na Tunísia” (LEWIS, 1996, p.63). A língua falada era o árabe coloquial, que mesmo diante de sua variedade de formas foi penetrante nos territórios onde o Islã se constituía, e o árabe literário. 29.

(30) permanecia como instrumento principal do comércio, da cultura e do próprio governo3 (LEWIS, 1996, p.62).. A arabização e islamização dos povos das províncias conquistadas, e não a conquista militar em si, é que constituem a autêntica maravilha do Império árabe. O período em que eles exerceram supremacia política e militar foi muito curto e, logo depois, viram-se obrigados a entregar o controle do império, e mesmo a liderança da civilização que haviam criado a outros povos. A língua, a fé, e a lei, no entanto, permaneceram – e ainda permanecem – como um monumento duradouro a seu domínio (LEWIS, 1996, p.65).. 1.4.2 A idade de ouro: os primeiros califas. O império dos califas, de 632 a 661, marcou significativamente a história do Islã, os quatro subiram ao cargo máximo da doutrina por uma sucessão não-hereditária, intitulada pelos sunitas como eleitoral. Esses primeiros califas eram chamados de Rashidun, os “retamente guiados” (LEWIS, 1996, p.68). O primeiro califa, Abu Bakr, cuja filha ‘A’isha era esposa de Maomé, era velho companheiro de Maomé, teve um reinado curto, de aproximadamente dois anos, de 632 a 634. Antes de morrer, de causa natural, designou Umar ibn al-Khattab, que reinou por dez anos e desempenhou importância histórica no desenvolvimento do Estado Muçulmano. Ele foi aceito pela maioria dos companheiros de Abu e não teve oposição séria. “Os únicos dissidentes eram os que apoiavam as reivindicações de Ali, primo e genro do Profeta. Para alguns, essa reivindicação repousava em suas qualidades pessoais como candidato; para outros, constituía uma espécie de direito legítimo à sucessão do Profeta” (LEWIS, 1996, p.68). Umar instituiu um novo título para sua imagem, como o de comandante dos fiéis, “Amir al Muminin”, por ampliar sua posição como autoridade política, militar e religiosa. Ele conquistou “[...] vastas áreas fora da península, principalmente, do Império Bizantino: Egito, Síria, Palestina, Mesopotâmia e partes do Cáucaso caíram nas mãos dos muçulmanos” (DEMANT, 2008, p.38). Os primeiros califas não dispunham de guardas e de exércitos próprios, eles reinavam mais pelo respeito dos fiéis aos seus caracteres pessoais do que pela força. 3. Ainda hoje, após mais ou menos 14 séculos do início da constituição do Islã, os países conquistados pelos árabes, com exceções da Europa, no Ocidente, e do Irã e Ásia central, no Oriente, têm a língua árabe como língua oficial (LEWIS, 1996, p.62).. 30.

(31) militar. Isso corroborou na facilidade que os assassinos tiveram em matar os próximos três califas. Umar foi morto por um escravo cristão descontente, em 644 (LEWIS, 1996, p.68-9). No leito de morte, Umar convocou uma comissão (shura) de seis companheiros com o objetivo de indicar um como próximo califa. Reconheceram Uthman, cuja origem remetia ao antigo clã de Meca, representava a aristocracia da cidade e era membro convertido na época do retorno de Maomé às origens (LEWIS, 1996, p.69). O caráter de Uthman, no entanto, não inspirava o mesmo respeito que o tributado a seus predecessores. O laço religioso, mais de uma década após a morte do Profeta, começava a debilitar-se e foi ainda mais forçado pela gana com que a aristocracia de Meca explorava as oportunidades que foram concedidas com a ascensão de um de seus membros ao mais alto cargo. A pressão da autoridade, sempre irritante para membros de tribos nômades, começava a tornar-se intolerável (LEWIS, 1996, p.69).. Após a Batalha dos Mastros (654-55), na qual os muçulmanos venceram os bizantinos, o povo e o Império Muçulmano tiveram um tempo para descanso, resultando em reflexões, debates e queixas. Disso explodiu uma série “[...] devastadora de guerras civis entre árabes” (LEWIS, 1996, p.69). Para o historiador Peter Demant, as riquezas advindas da expansão e exploração dos territórios ocupados pelo Islã começaram a se dirigir para as mãos dos clãs árabes mais favorecidos. “As diferenças de renda se tornaram cada vez mais marcantes e a competição pelo controle do espólio se acirrou” (2008, p.38). Em 656, um grupo do exército árabe do Egito assassinou o califa Uthman, em seus aposentos, inaugurando oficialmente uma guerra entre os seguidores do califa e o próprio exército maometano (seguidores de Maomé). Vitoriosos, os assassinos empossaram Ali ibn Abi Talib, o primo e genro do Profeta, que recebeu apoio do povo para liderar um novo regime, acendendo a esperança da época, machucada por tanto sangue derramado dos conflitos entre os árabes (LEWIS, 1996, p.69-0). Os seguidores de Ali formaram um partido, cujo nome nasceu como shiatu Ali, e, depois, convencionou-se, simplesmente, Shia (LEWIS, 1996, p.69-0). Após cinco anos de califado, Ali foi assassinado em 661 por um membro de uma seita religiosa árabe. Nessa época, ocorria uma guerra civil, existiam várias facções inimigas nesse contexto, e foi a liderada por Muawiya ibn Abi Sufyan; governante da Síria, na qual se sobressaiu. Muawiya era primo do califa Uthman (assassinado) e. 31.

(32) membro importante da família de Meca; pela tradição dizia-se que ele tinha o dever de se vingar do parente morto. “Como governador da Síria, na fronteira militar entre os mundos: islâmico e bizantino cristão, comandava um bem treinado e disciplinado exército, aureolado pelo brilho da guerra santa e fortalecido pela experiência ganha em combate” (LEWIS, 1996, p.70). O califa Ali havia deixado um filho mais velho, Hassan, quem poderia ser considerado o novo líder, mas preferiu renunciar em prol de Muawiya para fins, momentaneamente, mais pacíficos (LEWIS, 1996, p.70). Mas, para Peter Demant, Hassan abdicou do reinado em troca de uma aposentadoria tranquila (2008, p.40). Os membros do partido de Ali, a Shia, dão novo incentivo ao cenário vigente e, não satisfeitos com Muawiya, intitulam-no usurpador, inaugurando assim uma facção do Islã que existe até os dias atuais, os xiitas, cuja esperança era depositada no segundo filho de Ali, Hussein, pois acreditavam na sucessão por legalidade hereditária. Em 680, Muawiya foi sucedido por Yazid, seu filho, estabelecendo um “[...] precedente, seguido pela maioria dos califas posteriores, ao designar em vida o filho Yazid como herdeiro presuntivo” (LEWIS, 1996, p.70). Ocorreu, nesse mesmo ano, uma rebelião dos xiitas contra o governo de Yazid, mas a pequena facção foi exterminada em Karbala, no Iraque, e Hussein foi decapitado (DEMANT, 2008, p.40). O califado de Yazid foi marcado pela “normalidade” e pela tradição, sunna, consolidando-se a supremacia omíada que vinha da corrente sunita ortodoxa conformista, “establishment” (DEMANT, 2008, p.40). Mas a ala do xiismo não foi erradicada por completo, o partido derrotado desenvolveu-se em opositores dos omíadas, com tradições próprias e com marcas singulares, como a crença pelos valores de justiça social vistos pela ótica da ideologia milenarista e pela empatia com o martírio (DEMANT, 2008, p.40).. 1.4.3 Avanço árabe: Império Omíada (661-750). Para o Império Omíada vinculou-se o nome, na história, de dinastia, que ainda é entendida como a sucessão do soberano de quem governa ou reina por hereditariedade e, na maioria das vezes, pelos primogênitos homens. A dinastia Omíada foi identificada como um período de transição, anteriormente marcado por uma comunidade religiosa, para se caracterizar como um Estado centralizado e islâmico. 32.

(33) Nessas décadas de Império, houve questões que se sobrepuseram, definindo a continuidade da história, uma delas é a taxa imperial, o imposto para os que não eram muçulmanos e depois se converteram em sua maioria, gerando rupturas “fiscais” e rancores internos entre os árabes. Os não-muçulmanos eram “protegidos”, enquanto comunidade obediente à dinastia e eram reconhecidos como dhimmis, podendo exercer sua crença desde que aceitassem certos símbolos externos,. [...] como determinado tipo de vestuário, marca de sua inferioridade. Mediante o pagamento da jizya, imposto cobrado, por pessoa, em sinal do reconhecimento da primazia do Islã, e espécie de resgate do serviço militar (ou seja, a não participação no jihad, reservada aos muçulmanos), os dhimmis podiam continuar professando livremente sua religião e também participar da sociedade (DEMANT, 2008, p.42).. Segundo o historiador Peter Demant, esse sistema implicou problemáticas futuras, uma delas envolve o processo de desmilitarização dos dhimmis; isso os deixava bastante vulneráveis na sociedade islâmica nascente. E, aos poucos, os dhimmis foram se convertendo ao Islã e, assim, desobrigados de pagar a jizya. Com isso, o império muçulmano se vê numa situação complicada economicamente, pois ao passo que deveriam seguir com a expansão do Islã, convertendo os fiéis, eles deixariam de arrecadar impostos necessários para a manutenção do Império recém-formado. Mas a própria história indicou salvaguardas aos líderes muçulmanos, os quais presenciaram a entrada dos antes dhimmis, agora, convertidos ao Islã, no exército muçulmano imperial, e as perdas em relação aos impostos foram em partes suprimidas pelos espólios de guerra dos novos convertidos (DEMANT, 2008, p.42). Além disso, só se inseria no poder político quem fosse muçulmano. Em razão desse almejo, muitos se converteram já pensando na política, porém, nos anos de Império Omíada, os novos convertidos, chamados, na época, de não totalmente árabes, ainda foram discriminados e se viram obrigados a se vincularem às tribos árabes, posicionando-se num nível inferior e de cunho clientelista, intitulado mawali (HOURANI, 2006, p.54).. 33.

(34) 1.4.4 Influências imperiais: Império Abássida (750-1258). Os mawalis, principalmente, os do território da antiga Pérsia, introduziram-se lentamente na administração do Império Omíada. E esse povo vinha de uma tradição mais identitária, fato que influenciou muito a constituição do novo Império Muçulmano que emergia, o Abássida.. Com a integração de funcionários nativos, mais desenvolvidos, o Império Omíada absorveu nítidas influências gregas e persas. No entanto, a institucionalização do poder imperial afetou a “pureza muçulmana” primordial. O califa se tornava monarca semidivino, absoluto e distante, processo que se completaria sob uma nova dinastia (DEMANT, 2008, p.43).. Além disso, houve um forte descontentamento dos mawalis e, nos anos 740, lideraram uma rebelião sob a chefia de Abual-Abbas, cujo parentesco vinculava-se ao Profeta, mesmo distante, influenciou a época e conduziu seu povo à vitória, inaugurando uma nova dinastia, a Abássica, igualando os direitos de todos os muçulmanos, tanto árabes quanto não-árabes. Desse confronto, um herdeiro da dinastia Omíada se salvou e fugiu para a Espanha, onde essa vertente religiosa se manteve até meados de 1031 (DEMANT, 2008, p.43). “Apesar de conflitos e revoltas ocasionais, o califado conseguiu em geral garantir uma prolongada época de paz interna, além de um mínimo de justiça e tolerância para com seus súditos” (DEMANT, 2008, p.43). Os dois primeiros séculos desse império, até 945, formaram o cenário histórico mais reconhecido pela prosperidade e desenvolvimento cultural, chamado de época de ouro da civilização muçulmana (DEMANT, 2008, p.43). Contudo, após esses tempos de ascensão, floresceu antigas brigas e discórdias, tal como a das minorias com a maioria árabe-muçulmana, produto principal das pressões e violências impostas pelos anos de regimes muçulmanos. Desse processo heterogêneo de grupos étnicos, abrigaram-se, no mundo árabe, quatro vertentes significativas (DEMANT, 2008, p.44): 1- “[...] os arabófonos não-muçulmanos (como os maronitas no Líbano)” 2-“[...] muçulmanos não arabófonos (caso dos curdos e dos berberes no Marrocos)” 3- “[...] grupos nem muçulmanos nem árabes (os armênios, por exemplo)”. 34.

(35) 4- “[...] cismáticos muçulmanos, muitos deles reunidos em seitas xiitas mais ou menos radicais e exotéricas (druzos, ismailitas, nusairis, alawitas, etc.), além de cariditas, bahai e outros” Esses grupos minoritários ainda existem e, em alguns casos, com outra nomenclatura; eles se encontram nos famosos “bolsões”, territórios delimitados, sofrem constantes pressões nas fronteiras, assim como aqueles que passaram por diásporas, como os judeus, até 1948 (quando foi criado Israel). Demant afirma que as pressões para a uniformização cultural sempre existiram, umas mais violentas em relação às outras, e pontua que [...] os reinos muçulmanos nunca dispuseram dos recursos (nem do impulso ideológico) que a Espanha, a França ou a Inglaterra forjaram na Idade Moderna com essa finalidade, tais como a limpeza éticoreligiosa implementada em Castela e Aragão pelos reis católicos nos séculos XV e XVI ou, na França, por Luís XIV no século XVII. Como resultado, o mundo muçulmano é heterogêneo. Atualmente, a única sociedade do Oriente Médio mais ou menos homogênea é a Turquia; mas tal unidade só foi garantida à custa de genocídios e de trocas forçadas de populações no século XX (2008, p.44).. 1.4.4.1 Características culturais e jurídicas do Islã. A crescente unificação econômica do Oriente Médio levou o Islã a passar por conflitos internos de interpretação da doutrina, visto que já havia passado gerações do Profeta e de testemunhos de pessoas que viveram as primeiras elucidações do Alcorão. Contudo, a religião desenvolveu uma técnica jurídica para interpretar as fontes religiosas no intuito de facilitar, com mais proximidade à palavra, o gerenciamento das regras de conduta religiosa e social baseadas na doutrina. Nesse sentido, optou-se pelo apoio de quatro fontes para a caracterização do pensamento unificado: Alcorão, rascunhos das palavras de Maomé, ciência crítica (raciocínio analógico) e, se fosse preciso, o auxílio do consenso entre os ulemás (HOURANI, 2006, p.92-3). Logo os ulemás representavam “os guadiães da consciência moral da comunidade” (HOURANI, 2006, p.215). Diante disso, originaram quatro escolas jurídicas ortodoxas (HOURANI, 2006, p.215-8) — chamadas madhhabs —, ou escolas de interpretação moral e legal, cuja base está nas escritas originais, e vigoram até hoje no mundo muçulmano: 1- Predominantemente no Oriente Médio, na Ásia e no subcontinente indiano, a escola hanifita, fundada pelo idealizador Abu Hanifa (699-767). 35.

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