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Enquadrando o Discurso Jornalístico

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CAPÍTULO IV — O OUTRO ISLÃ NA MÍDIA

4.3 Enquadrando o Discurso Jornalístico

A pesquisadora na área da comunicação da UERJ, Alessandra Aldé, no artigo

Mídia e guerra: enquadramentos do Iraque promove interessante pesquisa na análise

7 Esse conceito de think tanks (em português, Usina de Ideias) foi redirecionado pelos pesquisadores da

área crítica do uso da retórica de filosofias neoliberais da economia americana. Está relacionado ao significado de “pensadores que policiam as atribuições valorativas do establishment americano”.

dos discursos jornalísticos que retratam o Oriente Médio, em especial em período de guerra, como deixou transparecer no artigo sobre a Guerra no Iraque.

Ampliando a discussão, Aldé não apenas realiza as análises posicionando os discursos em seus respectivos “enquadramentos”, como também traz a presença do Estado, enquanto ator da esfera política no debate de apropriação do discurso da mídia. E interroga se este Estado, numa democracia como a brasileira e a estadunidense, se fortalece com os enquadramentos analisados do papel da mídia, ou seja, identifica o jogo de interesses entre enquadramentos, mídia, Estado e sociedade ─ opinião pública. “Também interessa a perspectiva da sociedade cujo poder, numa democracia, o Estado representa, e cujos interesses podem ou não coincidir com os deste último”. Contudo, diagnostica que em situações de crise o clima entre a mídia e o Estado é singular “[...] percebemos que os atores políticos oficiais contam com vários recursos para procurar controlar a cobertura dos meios de comunicação de massa, fornecendo-lhes eventos de mídia, declarações oficiais, imagens exclusivas ou pitorescas. Para questões políticas, polêmicas ou não, a imprensa dificilmente deixará de ouvir a versão oficial” (ALDÉ, 2004, p.03). Pois ter os “[...] jornalistas alinhados ao enquadramento oficial é estratégia fundamental.” (ALDÉ, 2004, p.03).

Nesse sentido, Aldé esclarece que quanto mais pluralidade de enquadramentos nos discursos da mídia, maiores serão as opções democráticas para a sociedade. E o inverso é prejudicial à população. “O fechamento de enquadramentos, numa guerra, pode levar no limite à adoção restrita da versão oficial, reduzindo a possibilidade dos cidadãos de elaborarem suas opiniões a partir da comparação entre diferentes aspectos e perspectivas sobre o conflito.” (ALDÉ, 2004, p.06).

Na análise da cobertura jornalística do conflito do Iraque a pesquisadora Aldé verificou quatro enquadramentos principais,

a) O enquadramento militar ou belicista, centrado nas táticas e estratégias de guerra, nos arsenais e equipamentos, foi o que enfatizou as informações sobre armamentos, trajetórias, mapas, manobras, movimentos, comparação de forças etc. Trata-se de uma perspectiva naturalmente atraente para os meios de comunicação de massa, dada a carga dramática e imagética de qualquer conflito, e portanto é previsível que seja um dos enquadramentos mais recorrentes (ALDÉ, 2004, p.09).

O segundo enquadramento — o econômico — diz respeito às “[...] eventuais motivações econômicas da guerra, e para as possíveis conseqüências da derrota e

ocupação do país inimigo”. Segundo a autora, esse enquadramento permitiu uma perspectiva mais crítica pela mídia, pois trazia à luz questões da guerra ligadas às reservas petrolíferas do Iraque (ALDÉ, 2004, p.9).

O terceiro refere-se ao enquadramento humanista que destaca os efeitos da guerra sobre as sociedades e grupos inclusos da disputa, nas mortes e na destruição civil, como um todo.

O quarto e último enquadramento, o político, “[...] aponta para os significados públicos da guerra, o processo de tomada de decisões e exercício do poder, com suas relações de alianças e repúdios, e seus efeitos para a ordem internacional.” (ALDÉ, 2004, p.9).

Na opinião da pesquisadora, o enquadramento humanista, neste conflito, pode ser visto, de certa forma, pela pressão das imagens fornecidas pelas redes árabes de televisão às agências e emissoras internacionais, imagens que, ao passo que deram visibilidade do enquadramento, forçaram inclusões mais humanas à mídia americana.

A comparação com a cobertura da primeira Guerra do Golfo, em 1991, é esclarecedora. As centenas de milhares de iraquianos mortos naquela ocasião e nos anos que se seguiram tiveram menos destaque, nas imagens da mídia, dos que os pássaros grudados nos vazamentos marítimos de petróleo. Predominaram, em geral, as imagens de bombardeios esverdeados, ao longe, que reforçavam o caráter “limpo e cirúrgico” da intervenção americana, enquadramento que se impôs à cobertura internacional pela censura americana, em uma estratégia deliberada de desinformação do público (KELLNER apud ALDÉ, 2004, p.10).

Analisando esses enquadramentos na cobertura da mídia brasileira, Aldé identificou que a revista Veja adotou a perspectiva militarista da guerra, embora hibridizasse, dependendo do interesse editorial da revista, os enquadramentos políticos e econômicos. “As capas e maioria das matérias, no entanto, sempre chamavam a atenção para a disparidade de forças, enfatizando a superioridade americana”. Completa, afirmando que em várias matérias, nos primeiros meses de 2003, mostravam as “monstruosidades de Saddam Hussein e seu regime”, dando poucas linhas para descrever o papel dos Estados Unidos na consolidação de seu poder imperialista. “Em vários momentos, a revista reproduziu as ridicularizações dos norte-americanos às manifestações pacifistas de outras partes do mundo, inclusive do Brasil, dando a guerra como inevitável e tecnológica, política e economicamente eficiente.” (ALDÉ, 2004, p.10-11).

Nas análises telejornalísticas predominaram-se o enquadramento belicista, que reforçou a visão militar dos mais poderosos no conflito, os EUA e seus aliados. Nesse sentido, a pesquisadora salienta que ocorreu uma “disparidade de forças”, e mostra que foi a versão oficial dos invasores que permaneceu nos discursos.

O Jornal Nacional reservou vários minutos de cada bloco dedicado ao assunto para descrições minuciosas dos equipamentos e rotas de invasão, com o apoio gráfico de um mapa tridimensional. Trata-se de um enquadramento evidente, é claro, em se tratando de uma guerra, mas a ênfase ou fechamento, no caso deste se tornar exclusivo, arrisca a fortalecer o argumento da força, destacando o caráter “inócuo” das gestões contra a guerra e as previsões otimistas do lado mais forte (ALDÉ, 2004, p.12).

Para o pesquisador em cultura contemporânea da UFBA, Antônio Brotas, em

Guerra e Terrorismo: os diferentes discursos e enquadramentos da mídia, houve a

representação contaminada da realidade muçulmana no conflito, em razão desses enquadramentos estarem ligados a uma visão oficial e, mesmo, de propaganda da guerra pelos invasores.

Ao aceitar imagens e textos puramente propagandísticos como verdadeiros acontecimentos, o jornalismo dificulta a formação de uma cultura de aceitação do outro como seu contemporâneo, não inferior, mas diferente no seu modo de vida. Os jornalistas realizam uma extrema simplificação da religião, das reflexões teológicas, das divisões internas, da complexidade da história, das regiões, das culturas e dos movimentos políticos que existem nessa vasta região chamada de “mundo islâmico” (BROTAS, 2005, p.10).

Além do enquadramento oficial, Brotas identifica que as imagens sobre o mundo muçulmano foram construídas a partir de elementos “[...] etnocêntricos, que associam toda uma população, ao atraso, ao fanatismo e extremismo religioso” retratando o Outro Islã em uma representação de inferioridade e distanciamento mais profundo da visão Ocidental, reproduzida por uma parcela significativa da mídia internacional (BROTAS, 2005, p.03). E conclui que esse discurso “patológico” sobre o terrorismo esconde suas motivações políticas e todas as questões de fundo que ajudam a compreender a realidade daquele povo (BROTAS, 2005, p.10).

“É ilusão acreditar que as possibilidades virtuais, capazes de

reproduzir imagens de realidades do outro lado do mundo

dentro das nossas salas, nos façam entender aquelas

realidades. Quanto mais a câmera focaliza os detalhes, menos

vemos do quadro completo. Tão perto e, mesmo assim, tão

longe.” (MILZ, 2003, p.67).

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