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Fundamentalismo Islâmico

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CAPÍTULO II — HERANÇAS CONJUNTURAIS SOBRE O ISLÃ

2.1.1 Fundamentalismo Islâmico

Para o historiador e pesquisador Peter Demant, a vertente fundamentalista, embasada no Islã tradicional, simboliza, ao mesmo tempo, uma versão moderna e propõe a volta aos princípios da civilização islâmica para buscar justificativas aos iminentes choques culturais com a sociedade Ocidental contemporânea (DEMANT, 2004, p.17). Essa parcela de fundamentalistas tem se articulado em comunidades e grupos organizados, ou não, para reagir ao contexto histórico vigente, em que se encontram como subalternos à cultura Ocidental. Nesse cenário conflituoso, o fundamentalismo islâmico contradiz ideologicamente com o retrato consensual de inferioridade perante as outras civilizações. Conforme Demant (2004, p.19), esse embate está mais ligado às “inquietações da modernidade” do que os próprios islamistas gostariam de admitir.

A ideia de modernidade, ressaltada pelo pesquisador, vincula-se com as características da época histórica recente, em que do Ocidente se distribui, substancialmente, cultura e novas tendências, como direitos humanos, liberdade privada, estilo de vida liberal, tanto na afetividade quanto no consumo de mercadorias, sistema democrático na política e outros valores sociais e econômicos. Nesse sentido, Demant aponta que essa filosofia de vida das práticas atuais do Ocidente se choca com a realidade a qual o grupo fundamentalista visiona constituir.

Além das questões já apontadas, vê-se, mais claramente, nos meios culturais, a construção desse Islã multifacetado, igualando os grupos fundamentalistas a outras vertentes da doutrina que não são ligadas a qualquer radicalismo e, com isso, interpreta- se, na constituição do imaginário social, a formação de um único Islã, aquele formado pelo Ocidente. O especialista em estudos culturais Edward Said (2007) pontua a existência de um “Islã” — sempre entre aspas — construído segundo as vontades do Ocidente, e outro, mais próximo do real, o qual se torna sem vida ao passo que é

desconhecido pelo Ocidente. O autor embasa-se na ideia de uma invenção do Oriente pelo Ocidente, chamado de Orientalismo, cujo principal rótulo é uma visão inferiorizada e radicalizada dos valores e práticas do islamismo. Portanto, Said afirma a existência da criação de um consenso sobre o tema, perpetuando, a partir disso, a consagração de peculiares retratos do Oriente e do Islã.

Ao Ocidente, cabe entender como a riqueza histórica do mundo muçulmano se vincula à sua ira atual – e como o próprio mundo ocidental é cúmplice, de certa forma, da crise contemporânea do Islã. Um entendimento da dinâmica interna do mundo muçulmano, assim como de sua interação com os povos vizinhos, constitui o primeiro passo para desenhar políticas mais compassivas, e mais efetivas, frente a ele (DEMANT, 2008, p.13).

O grupo fundamentalista com maior peso atualmente como cerne de conflitos, em especial no protagonismo do ato terrorista do 11 de setembro de 2001, é a al-Qaeda. A formação da al-Qaeda caracteriza o tempo histórico das últimas décadas como exposição clara e violenta da maneira como o fundamentalismo muçulmano se desdobrou. Nesse movimento, o elemento norteador é sua abrangência global e seu aprofundamento do conflito entre Islã e Ocidente, de maneira nunca antes vista. Seu mentor, Bin Laden, considerava “[...] que a luta precisa ser levada ao coração do inimigo: o próprio Ocidente.” (DEMANT, 2008, p.288).

Osama Bin Laden, o líder do movimento, tem formação em engenharia e era herdeiro de uma herança milionária advinda de sua família saudita. Diferente de outros movimentos fundamentalistas, Bin Laden recrutava, além de jovens pobres e perdidos diante da modernização, e “[...] íntegros pais de família de classe média.” (DEMANT, 2008, p.288).

A ideologia de Bin Laden é bem conhecida por suas declarações públicas. Filho de uma família ligada aos interesses petrolíferos norte- americanos rompeu com sua pátria-mãe por considerar o regime saudita pouco religioso, corrupto e entregue aos interesses ocidentais. Numa fatwa publicada em 1998, acusa os norte-americanos de três crimes específicos contra Deus: a ocupação da terra sagrada da Arábia, o apoio dado à ocupação judaica de Jerusalém e o sofrimento imposto aos iraquianos. Esses crimes, que o texto considera um prolongamento das cruzadas cristãs, são passíveis da pena de morte e obrigam todos os muçulmanos em todos os países a um jihad que condena à morte todos os norte-americanos, tanto civis quanto militares (DEMANT, 2008, p.289).

Antes de 1998, a al-Qaeda explodiu simultaneamente duas embaixadas americanas, na Tanzânia e no Quênia, somou trezentas mortes. Depois desses ataques, o mais dramático dos acontecimentos do início do século XXI foi em 11 de setembro de 2001. Os fundamentalistas da al-Qaeda, organizadores desse terrorismo, eram, em sua maioria, sauditas que moravam na Alemanha. Eles sequestraram quatro aviões norte- americanos e os lançaram contra símbolos do poder econômico político e militar dos Estados Unidos. Dois destruíram as torres gêmeas de Nova York, outro avião prejudicou a estrutura do Pentágono, em Washington, e o último, com pretensão de explodir a Casa Branca, foi desviado pelos passageiros e abatido em território neutro, matando todos os tripulantes. “Estes atos de terrorismo suicida somaram mais de três mil mortos, quase todos civis — o maior assassinato em massa desde a bomba nuclear contra Hiroshima em 1945, e sem precedente numa era de paz.” Esse ato também marcou profundamente a história atual, levou o fundamentalismo muçulmano para dentro dos lares norteamericanos, abalando o sentimento de segurança da sociedade americana (DEMANT, 2008, p.289).

Bin Laden se tornou, da noite para o dia, o homem mais conhecido do planeta e o inimigo número um dos Estados Unidos. O presidente americano da época, George W. Bush definiu o ato terrorista como uma “declaração de guerra” (DEMANT, 2009, p.290).

No cenário muçulmano, o acontecimento foi horrível, entre a classe dos ulemás, principalmente, “[...] a maioria ficou chocada e denunciou este ato de terrorismo como incompatível com o Islã.”. Outros sentiram vergonha; outros, ainda, afirmaram que por mais terríveis que fossem as atuações ocidentais em território muçulmano, o terror praticado pelos fundamentalistas, no 11 de setembro, era deplorável (DEMANT, 2009, p.290).

Como primeira retaliação, os EUA bombardearam a base da al-Qaeda no Afeganistão, mas o governo local não quis entregar o islamista. “Os EUA perseguiram os seguidores da al-Qaeda no país e destruíram seus campos; os sobreviventes se dispersaram e Bin Laden escapou.” (DEMANT, 2008, p.291).

Após o marco do 11 de setembro, o presidente americano, Bush, lançou uma luta contra os fundamentalistas “fanáticos”, o que se intitulou como “guerra contra o terror”. Mesmo diante do término e dispersão da al-Qaeda no Afeganistão, o governo americano lista países e movimentos enquadrados como “terroristas” e, em especial, acusa países de fabricarem armamento nuclear e os rotula como “eixo do Mal”, como

Iraque, Irã e Coréia do Norte. Nesse sentido, os EUA apontam o Iraque, em 2003, como o inimigo a ser combatido preventivamente para não desenvolver atos próximos ao do 11 de setembro (DEMANT, 2008, p.291).

“Os EUA acusaram o Iraque de conluio com terroristas islamistas; a administração de Bush doravante insistiu numa mudança de regime. A oposição internacional à guerra preventiva e unilateral foi liderada pela França e pela Federação Russa. A Grã-Bretanha apoiou os EUA na questão do desarmamento iraquiano.” (DEMANT, 2008, p.292). E, em março de 2003, os EUA invadem o Iraque com aliança internacional britânica e australiana e apoio local dos curdos. Na guerra e ocupação americana no Iraque, Saddam Hussein desapareceu e junto com ele as armas de destruição em massa (DEMANT, 2008, p.292). Mas, em dezembro de 2003, tropas americanas e rebeldes curdos capturam Saddam, que foi mantido em prisão americana e julgado em 2006, num julgamento conturbado, e condenado à pena de morte por crimes contra a humanidade. Saddam foi enforcado em dezembro do mesmo ano.

Outro protagonismo estadunidense foi o assassinato de Bin Laden em 03 de maio de 2011 no Paquistão. A força tarefa foi realizada pela equipe especial da CIA no país de maioria muçulmana1.

Para concluir sua argumentação, o historiador Peter Demant observa que o projeto do fundamentalismo islâmico se delimita a uma pequena minoria dos muçulmanos, mas vem atraindo adeptos ao longo da história contemporânea, principalmente, pelo excessivo desgaste humano advindo das injustiças econômicas e políticas, muitos dos erros cometidos pelo Ocidente (2004, p.29).

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