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Estados Unidos & atentados fundamentalistas

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CAPÍTULO II — HERANÇAS CONJUNTURAIS SOBRE O ISLÃ

2.4 Estados Unidos & atentados fundamentalistas

O linguista americano Noam Chomsky é reconhecido internacionalmente pelos seus estudos na área de direitos humanos em relação à crítica de mídia e ao imperialismo americano, frente às guerras e outras ações de conflito e intervenções armadas, as quais denigrem e anulam qualquer tratado de paz e humanidade de fato. Diante dessas preocupações, numa entrevista que deu origem ao livro Poder e

Terrorismo, Chomsky recupera suas críticas à Guerra do Vietnã e salienta outras

intervenções americanas atuais as quais comprovam seus argumentos. Segundo Chomsky, os países imperialistas têm saído imunes às atrocidades que cometem e colaboram para acontecer.

O linguista evidencia a neutralidade que as atrocidades cometidas pelos Estados Unidos suscitam no cenário mundial e vai além dizendo que, quando essas atrocidades ocorrem no seu país, a imagem é outra, logo, a imagem construída dos EUA vincula-se à ideia de vítima. Traz, como exemplo, o bombardeio dos EUA no Vietnã do Sul:

Há cerca de uns dois meses, em março de 2002, houve o quadragésimo aniversário do anúncio público de que os Estados Unidos estavam atacando o Vietnã do Sul, de que os pilotos norte- americanos estavam bombardeando o Vietnã do Sul, e de que haviam começado a usar a guerra química para destruir as plantações e começado a expulsar milhões de pessoas para campos de concentração.

Tudo isso foi no Vietnã do Sul. Não houve nenhum russo, nenhum chinês, nenhum vietnamita do norte, presumindo-se que eles não tivessem permissão de estar em seu próprio país. Foi só uma guerra dos Estados Unidos contra o Vietnã do Sul, abertamente anunciada; e, decorridos quarenta anos, não há nenhuma comemoração, porque ninguém sequer sabe disso. Não é importante. É quando eles fazem alguma coisa contra nós que é o fim do mundo. Agora, se nós a fazemos contra eles somos perfeitamente normais; por que haveríamos sequer de falar nisso? (CHOMSKY, 2005, p.25).

Em relação ao ataque de 11 de setembro, Chomsky afirma que a política de Estado dos Estados Unidos não deve se embasar em questões morais. “Quando se leva a sério a tentativa de prevenir outras atrocidades, procura-se descobrir quais são as raízes delas. E por trás de quase qualquer crime, um crime de rua, uma guerra, seja lá o que

for, costuma haver alguma coisa que tem componentes de legitimidade, e é preciso levar em conta esses componentes.” (CHOMSKY, 2005, p.17).

Para o cientista político François Bernard Huyghe, os meios de comunicação colaboraram com a legitimação do efeito do 11 de setembro na sociedade estadunidense e mundial. O terrorismo vive em razão “[...] ao impacto que tem nos meios de comunicação. Antes, nos anos 70, os terroristas eram obrigados a se apoiar nos meios de comunicação inimigos, nos meios do capitalismo digamos, para que suas ações fossem difundidas”, pois é a partir da mídia que se afeta o imaginário das pessoas e, sem o suporte midiático, o terrorismo não existiria. “O atentado contra as torres gêmeas foi o acontecimento mais filmado da história da humanidade”, afirma Huyghe (2011, p.02).

Nessa direção, Chomsky atenta para as questões contextuais que transcendem o 11 de setembro, como o número de mortes e a “vingança” dos islamistas; propõe uma discussão árdua e complexa em relação aos interesses dos países envolvidos e suas culturas e valores históricos. E o principal apontamento feito pelo autor para demarcar o fim dos conflitos envolvendo o “terrorismo” é deixar de participar deles. “Isso se aplica a praticamente todos os países de que tenho conhecimento, em graus variáveis, mas se aplica de forma dramática aos Estados Unidos, à Grã-Bretanha, à Alemanha e a alguns outros”. (CHOMSKY, 2005, p.17).

Uma das pontuações de Chomsky sobre os Estados Unidos participarem do “terrorismo” é a sua alta influência nos vetos históricos da ONU. Ele lembra que em dezembro de 2001, o Conselho de Segurança (da ONU) tentou aprovar uma resolução, “[...] de iniciativa da União Européia, que pleiteava o envio de observadores internacionais, apenas para reduzir o nível de violência, o que costuma ter esse efeito.” Quando há observadores internacionais nas regiões dos conflitos, o cenário de violência costuma ser menor, entretanto, os EUA vetaram a resolução.

Sobre os conflitos envolvendo a região do Oriente Médio, Chomsky ressalta o exemplo do “Plano de Paz Saudita”, que está na mesa de discussões há mais de trinta anos. Quando foi proposto no Conselho de Segurança, em 1976, foi vetado pelos Estados Unidos. No entanto, o autor afirma que pessoas importantes nesse setor apoiaram o Plano, até os Estados Árabes e a Organização pela Libertação da Palestina (OLP) (CHOMSKY, 2005, p. 42).

Além do fator do veto autenticar seu poder na ONU, os Estados Unidos, para Chomsky, solapam a paz mundial, pior, utilizam a violência para controlar o mundo e afirmam claramente essa posição, que recebe o título de “ação preventiva”

(CHOMSKY, 2005, p.46). Nesse sentido, Chomsky propõe outro argumento, com base num fato diplomático ocorrido em maio de 2002:

Então, por exemplo, quando o príncipe Abdulah, da Arábia Saudita, esteve aqui há algumas semanas, ele tentou convencer os dirigentes dos Estados Unidos a moderarem seu apoio à violência israelense. E o que Abdulah disse foi que haverá uma revolta no mundo árabe, que será perigosíssima para nossos próprios interesses, como o controle do petróleo. (...) O príncipe foi descartado, é claro.

A notícia do fato diplomático saiu no New York Times, inclusive com a ênfase na resposta americana ao príncipe:

[...] escute, dê uma olhada no que fizemos no Iraque durante a Tempestade no Deserto. Agora, temos dez vezes aquela força. Se você quer saber qual é a nossa força, dê uma olhada no que acabamos de fazer no Afeganistão. É para isso que ela serve, para lhe mostrar o que pode acontecer se você levantar a cabeça (CHOMSKY, 2005, p.46-7).

Para Chomsky, como para outros intelectuais que lutam pela diplomacia por meio do diálogo e não pela pressão e outras formas de violência, a atitude do governo americano foi evidente, ela é ruim para os Estados Unidos e para o mundo.

Com isso, Chomsky afirma que os Estados Unidos têm uma posição de privilégio frente a determinações da história mundial contemporânea, em razão do poderio militar esmagador e de outras formas de poder, as quais os consolidam como a potência mais importante da atualidade. Com base no poder militar desempenhado pelos Estados Unidos, o pesquisador Lars Schoultz realizou um estudo sobre a correlação entre a ajuda externa norteamericana e as violações flagrantes dos direitos humanos; as pesquisas foram publicadas na época que Ronald Reagan assumiu o governo americano, em 1980, com o foco na “Guerra ao Terrorismo”.

E se concentrou particularmente no que foi chamado, nas palavras do Secretário de Estado George Shultz, de “o flagelo maléfico do terrorismo”, uma peste disseminada por “adversários depravados da própria civilização”, num “retorno ao barbarismo na era moderna”. Shultz, que era considerado moderado no governo Reagan, disse ainda que era preciso lidar com o terrorismo através da força e da violência, e não de meios legalistas utópicos, como a mediação, a negociação e coisas similares, que eram um simples sinal de fraqueza. O governo Reagan declarou que a luta se concentraria nas duas áreas em que esse crime era mais cruel, a saber, a América Central e o Oriente Médio (CHOMSKY, 2005, p.61).

Diante dessa afirmação, Chomsky se volta à interrogação, com base na pesquisa de Schoultz, e questiona o que teria acontecido na América Central e no Oriente Médio.

O autor afirma que a América Central foi transformada em cemitério, onde milhares de pessoas foram massacradas, aproximadamente duzentas mil, e houve mais de um milhão de refugiados, órfãos, muitas pessoas torturadas e aniquiladas moralmente (CHOMSKY, 2005, p.62). No Oriente Médio, Chomsky destaca terem existido inúmeras atrocidades patrocinadas pelos Estados Unidos, na época, mas comenta que a pior delas foi a invasão israelense no Líbano, em 1982, que matou cerca de vinte mil pessoas (CHOMSKY, 2005, p.66). E pontua isso como “terrorismo internacional”:

E pôde prosseguir porque os Estados Unidos deram o sinal verde, forneceram as armas e o apoio diplomático – vetando diversas resoluções do Conselho de Segurança da ONU que tentaram deter a luta e fazer os exércitos recuarem. E também foi um grande sucesso. O chefe do Estado-Maior do exército israelense, o general-de-divisão Rafael Eitan, assinalou prontamente que a operação tinha sido um sucesso. Ela eliminou a Organização pela Libertação da Palestina (OLP) como integrante das negociações a respeito dos territórios ocupados (CHOMSKY, 2005, p.66).

Chomsky explica que o objetivo da guerra era justamente a expulsão da OLP da região e manter os territórios ocupados no Líbano sob domínio de Israel, evidenciando a ligação de Israel com os Estados Unidos, a fim de potencializar a força militar americana junto às disputas históricas no Oriente Médio.

Nesse sentido, é interessante entender a definição oficial de “terrorismo internacional” pelos Estados Unidos, como “ameaça ou uso de violência para atingir fins políticos, religiosos, ou de outra natureza através da intimidação, da indução ao medo [...]”. Logo, fica claro que a invasão do Líbano por Israel é um exemplo de “terrorismo internacional”, intervenção à qual os Estado Unidos estão diretamente relacionados, sem nunca, entretanto, terem sido julgados (CHOMSKY, 2005, p.67).

Um segundo ato também envolve a ajuda americana a Israel — o bombardeio à Túnis, ocorrido dois meses depois da invasão do Líbano. Foi um ataque com bombas inteligentes, matou cerca de setenta e cinco pessoas e deixou milhares de feridos e mutilados. Entre as etnias envolvidas, estavam tunisinos e palestinos.

Mais uma vez isso foi terrorismo internacional. Os Estados Unidos estavam profundamente envolvidos. Para começar, a Sexta Frota, que fica nessa região, não informou os tunisianos – e a Tunísia é um aliado

– de que os bombardeios estavam a caminho, embora, é claro, soubesse disso.

O secretário de Estado George Shultz reagiu ao bombardeio telefonando imediatamente para o ministro das Relações Exteriores israelense, a fim de parabenizar Israel e expressar a solidariedade dos Estados Unidos à agressão terrorista (CHOMSKY, 2005, p.71).

Essa ajuda americana ficou tão evidente quando o Conselho de Segurança da ONU aprovou a resolução que condenou Israel por um ato de agressão armada, os Estados Unidos recuaram e se negaram a votar.

O intelectual explica que esses atos, no meio acadêmico, são tomados como “medidas proativas” e descritos como necessários para o combate ao “terrorismo” no Oriente Médio (CHOMSKY, 2005, p.75). Vai além, afirma que são justificativas dos Impérios, ao logo da história da humanidade. “Quando nós o praticamos com eles, isso é antiterrorismo ou guerra justa, é levar a civilização aos bárbaros, ou coisa parecida.” (CHOMSKY, 2005, p.78).

Chomsky termina a discussão da pesquisa de Lars Schoultz e a ideia de “terrorismo internacional” concluindo com a opinião, em 2002, do líder majoritário da Câmara dos Estados Unidos, Dick Armey, que deu sua solução para o conflito israel- palestino: “[...] todos os palestinos devem ir embora”. (apud CHOMSKY, 2005, p.92). Segundo Chomsky, porque há muitos lugares no mundo onde os palestinos podem se enraizar, então, por que eles não se retiram, simplesmente.

Com isso, o problema ficará resolvido, o que é a maneira certa de lidar com “meras coisas” e é, aliás, nossa atitude para com as meras coisas. Isso é fácil de provar. E também ajuda a explicar a existência de uma correlação notável entre a ajuda militar norte-americana e atrocidades pavorosas, inclusive as consequências para a saúde (CHOMSKY, 2005, p.93).

Outra questão discutível é como o 11 de setembro de 2001 formatou o cenário sobre o muçulmano que vive nos Estados Unidos. Para o advogado internacional e presidente do Centro para Direitos Constitucionais (CCR), Michael Ratner, acostumado a lidar com casos de violações de direitos humanos e de liberdades civis por parte do governo estadunidense, em especial em tribunais estrangeiros e nacionais, incluindo a Suprema Corte,

o próprio caráter do país mudou com as pessoas comuns aceitando as violações de suas liberdades pelo governo, as violações do direito internacional e da nossa própria Constituição. Aceitaram também que

o governo pudesse espionar qualquer um sem autorização judicial, tudo sob a justificação oficial da “guerra contra o terrorismo”. Jamais teria antecipado tudo isso antes do 11 de setembro (apud BROOKS, 2011, p.01).

Ratner vai além dizendo que “O governo ordenou o registro de todos os homens muçulmanos entre 18 e 25 anos de idade, originários primeiro de nove países e depois de 19. Ainda que essas medidas tenham sido suspensas, demonstram os muçulmanos como uma população altamente suspeita no país, o que prossegue e é muito difícil de superar.” (BROOKS, 2011, p.02). O fato compromete ideologicamente o governo dos Estados Unidos e os próprios valores de liberdade privada tão publicizada pelo país nos seus moldes constitucionais.

Outra questão também de origem do 11 de setembro é a influência do posicionamento dos Estados Unidos a alguns outros países. Segundo Chomsky, houve um aproveitamento do 11 de setembro como manobra política de legitimação de conflitos, como foi o caso do programa repressivo da Rússia na Chechênia e da Turquia, o primeiro país a “[...] oferecer tropas para a nova fase da ‘guerra contra o terror’, como sinal de gratidão, assim declarou seu primeiro-ministro, à colaboração dos EUA à campanha do Governo Turco na sórdida repressão contra a população curda, levada a cabo com extrema crueldade e crucialmente apoiada pelo fluxo de armas promovido pelos EUA.” (CHOMSKY, 2005b, p.158).

“[...] O diferente paga sempre o preço de estar ─ mesmo sem

querer ─ alterando algo, ameaçando rebanhos, carneiros e

pastores. O diferente suporta e digere a ira do

irremediavelmente igual: a inveja do comum; o ódio do

mediano. O verdadeiro diferente sabe que nunca tem razão,

mas que está sempre certo.

O diferente começa a sofrer cedo, já no primário, onde os

demais de mãos dadas, e até mesmo alguns adultos por

omissão, se unem para transformar o que é peculiaridade e

potencial em aleijão e caricatura [...].” (TÁVOLA, 2010, p.01).

CAPÍTULO III

A CONSTRUÇÃO DO OUTRO NA HISTÓRIA

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