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Hepatite B e hepatite C : estudo de incidência : 1995-1997

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Academic year: 2021

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Maria da Conceição Fraga da Costa é consultora de clínica geral no Centro de Saúde de Peso da Régua e médica sentinela.

Hepatite B e hepatite C:

estudo de incidência 1995-1997

MARIA DA CONCEIÇÃO FRAGA DA COSTA

Em 1994, a Rede de Médicos Sentinela portuguesa decidiu na sua reunião nacional introduzir o tema hepatite. Ao fim de três anos de notificação fez-se a análise dos dados (1995-1997).

Verificou-se uma incidência de 28/105 para a hepatite B e de 16/105 para a hepatite C.

A incidência da hepatite foi superior nos grupos etários dos 15-34 anos, sendo no sexo masculino cerca de duas vezes mais do que no feminino. Estudadas as possíveis categorias de transmissão implicadas, verificou-se ser o sexo de risco e a toxicodependência as principais implicadas. Foi de re-alçar também a grande discrepância em relação aos dados obtidos pelo sistema nacional das Declarações Obrigató-rias, e uma incidência preocupante no distrito do Porto.

1. Introdução

As hepatites víricas são uma causa preocupante de morbilidade e mortalidade, adquirindo cada dia mais impacto social.

Hepatite B

A infecção pelo vírus da hepatite B (VHB) é uma das mais frequentes doenças da humanidade, com graves consequências em termos de morbilidade, mortali-dade e impacto económico (OMS, 1990; Ramalho e Velosa, 1997).

A hepatite B é uma das doenças infecciosas mais importantes do nosso tempo e constitui para a OMS um dos maiores problemas de saúde pública (Moura, 1990; Meliço-Silvestre et al., 1991; Portugal. Minis-tério da Saúde, 1993).

Segundo dados recentes (Conferência Internacional da Hepatite, Espanha, Novembro de 1997), representa 1 milhão de novos casos por ano a nível mundial. Dados de 1991 referentes à Europa apontam para uma incidência estimada de 120 por 100 000 habitan-tes (Ramalho e Velosa, 1997).

Calcula-se em mais de 2 mil milhões o número de indivíduos com hepatite B nos cinco continentes, dos quais 350 milhões serão portadores do AgHBs (Ramalho e Velosa, 1997; OMS recomenda, 1997), e estima-se que mais de um terço da população mun-dial já foi infectada (Ramalho e Velosa, 1997).

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Portugal é considerado um país de baixa endemicidade da hepatite B, com 30% de seropositivos e 1% a 5% de portadores crónicos (100 000 a 150 000 indivíduos) (Caetano, 1990; Jornal do Médico, 1989).

Numa revisão de ficheiro em clínica geral verificou--se que 5% dos utentes já tinham tido contacto com o vírus da hepatite B e, destes, 10% eram portadores crónicos (Costa, 1997).

Hepatite C

A hepatite C tem causado grande ansiedade, mas, na realidade, afecta muito poucas pessoas fora dos gru-pos de risco (Tibbs et al., 1996), embora tenhamos a percepção de que esta realidade estará a alterar-se. Afecta aproximadamente 10 milhões de indivíduos na Europa (Ramalho e Velosa, 1997).

A maioria dos estudos de incidência de infecção pelo VHC tem-se limitado aos receptores de transfusão e situa-se entre os 50-75% (Ramalho e Velosa, 1997). A prevalência da hepatite C é maior do que a previa-mente estimada pelos estudos de incidência da hepa-tite aguda pós-transfusional. A nível do Hospital de Santa Maria, a maioria dos infectados pertencem a grupos de risco: 83% são ou foram toxicodependen-tes e 79% referem história de transfusão de sangue e/ ou derivados (Ramalho e Velosa, 1997). Mais de 75% dos portadores de hepatite C nascidos no Reino Unido acabam por revelar uma história de consumo de drogas e.v. (Tibbs et al., 1996).

O VHC é responsável pela maioria dos casos de hepatite pós-transfusional na Europa, 80% a nível dos hemofílicos, percentagem esta que sobe para os 90% nos politransfundidos. Das hepatites pós-trans-fusionais na Europa, 90% são hepatite C (Tibbs et

al., 1996).

É considerado um autêntico assassino à solta, embora os seus efeitos sobre o fígado progridam de modo muito lento e a infecção seja assintomática na maio-ria dos doentes (Tibbs et al., 1996), 95% das vezes assintomática para alguns autores.

Embora a hepatite constitua uma das doenças de notificação obrigatória nacional, a Rede de Médicos Sentinela decidiu introduzir esta patologia na sua notificação contínua por duas razões: por um lado, porque havia uma percepção de que haveria mais hepatites B e C do que as notificadas; por outro, numa tentativa para melhorar o conhecimento sobre as categorias de transmissão.

Este estudo foi orientado pelos seguintes objectivos: 1. Estimar a incidência de hepatites B e C na popu-lação coberta pela Rede de Médicos Sentinela no período de 1995 a 1997;

2. Conhecer as categorias de transmissão em que se incluem os doentes com hepatite B e hepatite C identificados.

2. Metodologia

A Rede de Médicos Sentinela é constituída, exclusi-vamente, por clínicos gerais/médicos de família que trabalham nos centros de saúde e a sua participação na Rede é estritamente voluntária. Tem como objec-tivos de actividade estimar taxas de incidência de algumas doenças (neste caso, hepatites B e C) que ocorrem na sua população de utentes, definidas em listas. Para isso fazem notificação contínua, semanal, dos novos casos ocorridos. Desde o início foi sendo alargada progressivamente aos vários distritos do país e em 1997 abrangia já os 18 distritos do continente, assim como a Madeira e os Açores.

Os critérios de diagnóstico adoptados são os da CIPS-2 definida.

Os dados apresentados referem-se à notificação con-tínua dos anos de 1995, 1996 e 1997.

O instrumento de notação é o habitual na Rede e pergunta-se, além dos elementos identificadores do doente, sexo, idade, escolaridade e actividade profis-sional, qual ou quais as categorias de transmissão em que se integra aquele indivíduo.

As taxas foram calculadas em relação a 100 000 habitantes (105).

3. Resultados

3.1. População sob observação

Estiveram sob observação pela Rede no triénio um total de 471 336 indivíduos, sendo 47,6% do sexo masculino e 52,4% do feminino.

Houve uma variação de –5% de cada um dos anos para o seguinte.

Quadro I

População sob observação na Rede de Médicos Sentine-la/ano/sexo

Masculino Feminino Total

1995 78 107 86 569 164 676

1996 74 672 82 167 156 839

1997 71 371 78 450 149 821

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3.2. «Declaração sazonal»

Não nos parece haver qualquer altura anual de «pre-dilecção» para a «manifestação» da doença. É, no entanto, curioso notar que as declarações de hepatites

B e C tendem a caminhar simultaneamente.

Algumas declarações foram simultaneamente hepati-tes B e C, o que ajudará eventualmente a compreen-der este acompanhamento sazonal.

Não houve grandes diferenças ao longo dos três anos, mas é de notar a persistência de um aumento de notificações nos meses de Janeiro-Março.

3.3. Distribuição segundo os distritos

De todos os médicos da Rede, 87 fizeram declara-ções de hepatite B e/ou C em 17 distritos do conti-nente nos anos de 1995 a 1997.

A notificação na Rede apresenta incidências de hepa-tites B e C que são 3,5 vezes superiores à incidência

encontrada pelo Sistema de Declaração Obrigatória da DGS (DDO).

No distrito do Porto o número de notificações é supe-rior a qualquer um dos restantes distritos do país. O segundo distrito com mais notificações foi o de Lisboa, mas, mesmo assim, a taxa de notificações de hepatite B no distrito do Porto é muito superior. Em relação às DDO, as diferenças ainda são maiores se considerarmos os dois distritos separadamente. Em Lisboa a taxa de hepatite B é 7 vezes superior e a taxa de hepatite C 17 vezes superior. No Porto essa diferença é de cerca de 10 vezes superior nos médi-cos sentinela em relação às DDO.

3.4. Hepatites B e C: sua distribuição por sexo

No período de referência foram notificados no total:

130 casos de hepatite B 37/105 do sexo masculino

— 28/105 19/105 do sexo feminino

Quadro II

Número de notificações de hepatites B e C/percentagem relativa ao total das notificações e comparação com DDO/trimestre

Janeiro-Março Abril-Junho Julho-Setembro Outubro-Dezembro

Número Percentagem Número Percentagem Número Percentagem Número Percentagem

(MS) 150 39 135 27 121 16 124 19

(DDO) 777 32 650 27 509 21 516 21

(MS) 134 46 113 18 119 26 118 11

(DDO) 384 29 382 29 245 19 302 23

MS — médicos sentinela; DDO — doenças de declaração obrigatória.

Quadro III

Estimativas das taxas de incidência (/105 ) das hepatites B e C no período de observação — 1995-1997, comparação

das declarações obrigatórias com as notificações dos médicos sentinela, nacional, Lisboa e Porto

Médicos sentinela Declaração obrigatória

1995 1996 1997 Total 1995 1996 1997 Total Nacional Hepatite B 36 31 15 27,6 10,5 8,4 6,8 8,6 Hepatite C 19 17 10 15,7 14,9 4,1 4,8 4,6 Lisboa Hepatite B 17 54 31 351, 16,4 5,8 3,6 5,2 Hepatite C 23 22 31 251, 11,9 1,6 1,2 1,5 Porto Hepatite B 85 84 23 651, 19,5 9,7 6,7 8,6 Hepatite C 46 33 15 291, 12,9 2,8 2,2 2,7 Hepatite B Hepatite C

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74 casos de hepatite C 23/105 do sexo masculino

— 16/105 9/105 do sexo feminino

17 indivíduos acumularam hepatite B e hepatite C. A incidência de hepatite B e hepatite C vem descendo desde 1995, mas a sua posição relativa tem-se modifi-cado. Enquanto em 1995 a relação hepatite B/hepatite

C era de 2/1, em 1997 passou para 3/2 devido a uma

descida menos acentuada da hepatite C.

3.5. Grupos etários

A análise dos dados por grupos etários mostra-nos a quase ausência de casos abaixo dos 15 anos de idade. Há um bebé do sexo feminino que contraiu a hepa-tite C por contágio materno. Em três anos de

obser-vação há apenas 3 casos de hepatite B dos 0-4 anos e apenas 1 caso de hepatite C.

A idade média situa-se cerca dos 31 anos, e o indi-víduo mais velho foi encontrado na hepatite B, uma mulher com 77 anos, e na hepatite C também uma mulher com 70 anos.

Na hepatite B, 83% das declarações situam-se entre os 15 e os 45 anos.

Na hepatite C, 44% das declarações situam-se no grupo etário dos 15 aos 34 anos.

3.6. Escolaridade

Mais de 50% dos doentes têm a escolaridade pre-paratória e registam-se apenas 6 mulheres analfa-betas.

Quadro IV

Estimativas das taxas de incidência (/105 ) da hepatite 1995-1997

Masculino Taxa Feminino Taxa Total Taxa

Hepatite B 1995 38 491, 21 24,3 159 35,8 1996 32 42,9 17 20,7 149 31,2 1997 14 19,6 18 10,2 122 14,7 1995-1997 84 37,5 46 18,6 130 27,6 Hepatite C 1995 22 281, 10 11,6 32 19,4 1996 20 26,8 17 18,5 27 17,2 1997 10 14,0 15 16,4 15 10,0 1995-1997 52 23,2 22 18,9 74 15,7 Quadro V

Estimativas das taxas de incidência (/105) da hepatite B por sexo e grupo etário 1995-1997

Homens Mulheres Total

Grupo etário

Número Taxa Número Taxa Número Taxa

00-04 13 29,0 10 101, 113 14,6 05-09 10 101, 10 101, 110 101, 10-14 10 101, 10 101, 110 101, 15-24 27 73,3 14 37,3 141 55,1 25-34 29 77,7 15 37,8 144 57,1 35-44 14 46,6 19 29,2 123 37,8 45-54 15 21,5 15 19,3 110 20,4 55-64 15 21,7 12 17,3 117 13,9 65-74 11 14,9 10 101,, 111 12,2 75 e + 10 101, 11 14,6 111 12,8 Total 84 37,5 46 18,6 130 27,6

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3.7. Situação profissional

A maioria dos doentes são trabalhadores activos, a relação activo/desempregado é de 59% para 19% na hepatite B e de 47% para 35% na hepatite C.

3.8. Categorias de transmissão

Analisando os factores de risco/categorias de trans-missão em que se incluem estes doentes, verificamos em primeiro lugar que em 18% das declarações de

hepatite B e 30% da hepatite C não foi possível iden-tificar qualquer categoria.

Analisando apenas os casos em que foi possível con-siderar uma categoria de transmissão, verificamos como primeira categoria identificada, para a hepa-tite B, o sexo de risco (44,4%), atingindo 64,4% no sexo feminino, e, para a hepatite C, a utilização de drogas e.v. (62,5%) um pouco mais no sexo mas-culino, com 66,7%.

No entanto, se analisarmos todas as notificações, com e sem factor de risco identificado, e conside-rando separadamente os dois sexos, observamos que

Quadro VI

Estimativas das taxas de incidência (/105) da hepatite C por sexo e grupo etário 1995-1997

Homens Mulheres Total

Grupo etário

Número Taxa Número Taxa Número Taxa

00-04 10 101, 11 19,8 11 14,9 05-09 10 101, 10 101, 10 101, 10-14 10 101, 10 101, 10 101, 15-24 16 43,4 16 16,0 22 29,6 25-34 27 72,3 18 20,2 35 45,5 35-44 15 16,7 14 13,0 19 14,8 45-54 11 14,3 10 101, 11 12,0 55-64 12 18,7 11 13,6 13 15,9 65-74 11 14,9 12 17,8 13 16,5 75 e + 10 101 10 101, 10 101, Total 52 23,2 22 18,9 74 15,7 Quadro VII

Categorias de transmissão encontradas para a hepatite B por sexo 1995-1997

Homens Mulheres Total

Categoria

Número Percentagem Número Percentagem Número Percentagem

Sexo de risco 26 31 29 63 55 42

Droga e.v. 42 50 16 13 48 37

Outra 11 13 10 22 21 16

Sem risco 15 18 18 17 23 18

Quadro VIII

Categorias de transmissão encontradas para a hepatite C por sexo 1995-1997

Homens Mulheres Total

Categoria

Número Percentagem Número Percentagem Número Percentagem

Sexo de risco 16 31 19 41 25 34

Droga e.v. 38 73 12 55 50 68

Outra 13 16 12 19 15 17

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no sexo masculino a principal categoria identificada é a utilização de drogas e.v. (50% para a hepatite B e 73% para a hepatite C). No sexo feminino verifi-cou-se ser maioritariamente o sexo de risco o respon-sável para a hepatite B, embora para a hepatite C se mantenham como primeiro factor as drogas e.v. 12% dos indivíduos com hepatite B e 19% com hepa-tite C foram incluídos em mais de uma categoria de transmissão.

Em 17 casos a notificação de hepatite B verificou-se simultaneamente em familiares coabitantes, não só casais, mas também irmãos (sabe-se que o pai é por-tador), mães e filhos, embora sem indicação de que a transmissão tenha sido feita de forma vertical. Registou-se 1 hemofílico em 1995 com hepatite B e 2 receptores de transfusão sanguínea em 1997, 1 caso de hepatite B (28 anos, sexo feminino) e 1 caso de hepatite C (51 anos, sexo masculino), sem outros fac-tores de risco, e registaram-se ainda 4 indivíduos oriundos de países endémicos.

É ainda de referir que 17 doentes (8% de todas as hepatites declaradas) 14 do sexo masculino e 3 do feminino, foram incluídos simultaneamente na hepa-tite B e na hepahepa-tite C. Estes homens têm a média de idade de 25 anos, 50% trabalhadores activos e 50% desempregados, e têm como característica comum o facto de serem todos toxicodependentes.

4. Discussão

Não nos parece haver qualquer altura do ano prefe-rencial para a manifestação da doença. É, no entanto, curioso notar que as declarações de hepatites B e C caminham simultaneamente ao longo do ano, sur-gindo casos de doentes que acumulam as duas hepa-tites B e C.

A incidência de hepatite B na população em observa-ção foi cerca de 2 vezes superior à hepatite C, sendo no sexo masculino também duas vezes superior à do sexo feminino na B e 2,5 vezes superior na C. As taxas de incidência de hepatites B e C têm vindo a diminuir ao longo do triénio, mas, como já referi-mos, a sua posição relativa tem vindo a alterar-se e a perspectiva é a de passarmos a ter mais novos casos de hepatite C do que B com o decorrer dos anos. Isto deve-se, provavelmente, ao sucesso que vão tendo as campanhas de vacinação de hepatite B nos nossos adolescentes.

Mesmo tendo diminuído de 1995 para 1997 de 36/105

para 15/105, a hepatite B mantém uma notificação 3,5

vezes superior à taxa de incidência encontrada pelas DDO. É curioso notar que na Bélgica, um país com uma dimensão populacional equivalente à de Portu-gal, um estudo realizado pela Rede de Médicos

Sen-tinela para a hepatite B também encontrou uma dife-rença de número de casos notificados 4 vezes inferior ao por eles estimado (Roscoe, 1997).

Os números mostram também que os sentinela se desinteressaram pela hepatite em 1997. A descida das notificações foi notável, conseguindo quase equipa-rar-se às declarações obrigatórias. Este desinteresse foi verdadeiramente sentido a nível do Porto. Man-tendo-se a taxa nacional dos sentinela, em 1997, muito semelhante à dos anos anteriores, verifica-se que isso se deve ao aumento da incidência de hepa-tite em Lisboa, pois a nível do Porto a sua descida é tal que quase não há notificações em 1997 e a inci-dência teria descido de 33/105 para 5/105.

É sabido que há alguma subnotificação a nível do Sistema de Declaração Obrigatório (DDO); a moti-vação é um factor importante para as notificações, e os médicos estão pouco motivados para o fazerem. Mesmo a nível da Rede de Médicos Sentinela, grupo especialmente motivado e que actua de forma absolutamente voluntária, a motivação é um factor preponderante para obter resultados. É habitual manterem-se patologias em notificação na Rede, em média, durante três anos e, a partir daí, outras vêm substituí-las. A hepatite foi introduzida na notifica-ção após grande discussão; uma vez que já era no-tificada pelas DDO, talvez esse facto tenha tido alguma interferência nesta descida final das notifi-cações.

Esta desistência face à hepatite veio alterar os resul-tados finais. No entanto, mesmo assim, podemos verificar, avaliando todo o triénio, haver uma taxa de hepatites B e C superior à do restante país nos gran-des distritos de Lisboa e do Porto, com particular significado neste último, e ser notória a diferença entre as notificações pelos sentinela e pelas DDO. No entanto, mesmo nos valores que nos são forneci-dos pelas DDO, a taxa de incidência de hepatites B e C em relação às taxas nacionais é muito superior nesses dois grandes distritos.

Segundo o Dr. Fernando Ramalho e José Velosa (Ramalho e Velosa, 1997), é desconhecida a incidên-cia de hepatite B na comunidade portuguesa; no entanto, estes dados da Rede (28/105) apontam para

valores sobreponíveis aos da comunidade ocidental europeia, se bem que a nível do Porto a taxa seja mais elevada (65/105), correspondendo à região

oriental da Europa, segundo as mesmas fontes. A análise das categorias de transmissão e grupos etários na hepatite B é também coincidente com os padrões encontrados na Europa ocidental. Segundo a mesma fonte (Ramalho e Velosa, 1997), «nos países desenvolvidos 90% dos casos agudos ocorrem em adultos ou adolescentes», sendo «essencialmente por via parentérica, toxicodependência» (nos sentinela,

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50% no sexo masculino) «e através da via sexual» (nos sentinela, 63% no sexo feminino), «havendo ainda uma percentagem significativa que nalguns países atinge os 30%» (nos sentinela, 18%) «onde não é possível determinar a fonte de contaminação». «Em Portugal a transmissão horizontal, no contexto do agregado familiar, assume particular relevância» (Ramalho e Velosa, 1997); também os dados da Rede concordam com esta afirmação. Verificámos a inci-dência simultânea em familiares coabitantes, 5 casais, 6 irmãos (sabe-se que num dos casos o pai é portador) e mãe e filho. Em 1996 e 1997 não se verificou nenhum caso de transmissão vertical de hepatite B; poderemos pensar que isto se deve ao empenho que vem sendo dado à triagem pré-concep-cional, na grávida, e à vacinação dos RN. No entanto, é preocupante o facto de verificarmos, além de um caso de hemofílico com hepatite B em 1995, ter sur-gido em 1997 um caso de hepatite B com referência de transfusão sanguínea prévia.

Quanto à hepatite C, apenas se conhecem estudos de incidência nos EUA, onde a incidência média de 15/106, terá baixado em cerca de 50% nos anos 90

(Ramalho e Velosa, 1997).

A taxa de hepatite C encontrada na nossa Rede de Médicos Sentinela (15,7/105) é muito mais elevada.

Se tivermos em conta que a doença é caracterizada, na maioria das vezes, pela natureza assintomática da fase aguda e que poderemos ter de esperar cerca de 4 meses até à seroconversão (Valente et al., 1997), é lícito perguntar se não estaremos involuntariamente a «misturar» prevalências com incidências.

A análise dos dados por grupos etários mostra-nos a quase ausência de casos abaixo dos 15 anos de idade: apenas 1 bebé do sexo feminino que contraiu a hepa-tite C por contágio materno. A transmissão vertical da hepatite C é rara, a menos que a mãe tenha altos níveis de RNA-HCV ou se estiver concomitante-mente infectada pelo HIV (Tibbs et al., 1996). No nosso caso, a mãe da criança em causa não apresen-tava esse factor de risco, embora tenha sido referen-ciada com «outros» no campo das categorias de transmissão.

A nível da Europa ocidental, para a hepatite C, veri-fica-se um pico entre os 30-40 anos (o adulto jovem) e não são referenciadas diferenças entre os dois sexos. Na nossa população o pico é entre os 15 e 35 anos (o adolescente) e o sexo masculino apresenta uma incidência 2,5 vezes superior à do sexo femi-nino.

A maioria dos estudos a nível europeu são de preva-lência e efectuados entre os dadores de sangue, mas apontam para os toxicodependentes (nos sentinela, 73% no sexo masculino) e seus parceiros sexuais como principais propagadores de doença (nos

senti-nela, 41% no sexo feminino com referência de com-portamentos sexuais de risco). No entanto, a via sexual não parece ser o mecanismo preferencial para a propagação do vírus da hepatite C. Num estudo espanhol nenhum dos 50 parceiros sexuais estava infectado pelo HCV (Tibbs et al., 1996). No nosso estudo encontramos, no entanto, 2 casais com decla-ração simultânea de doença.

Em 30% das situações não se conseguiu identificar qualquer categoria de transmissão neste estudo da Rede de Médicos Sentinela, o que é uma percenta-gem superior à verificada no Reino Unido, onde ape-nas 2% a 5% são desconhecidos. Nestes dados veri-fica-se uma prevalência de hepatite C muito elevada nos dentistas (Tibbs et al., 1996). Este indicador não foi introduzido na notificação da Rede, pelo que não poderemos comparar. Ao contrário do que foi refe-rido para a hepatite B, a transmissão do HCV entre os membros de uma família é menos comum (Tibbs et

al., 1996). Na Rede encontramos apenas 1 caso de

um irmão.

A hepatite C é responsável pela maioria de casos de hepatite pós-transfusional na Europa (Ramalho e Velosa, 1997; Tibbs et al., 1996), sendo grande a percentagem de infecção pelo HCV a nível dos hemofílicos (80%), particularmente se politransfun-didos (90%). Na Rede verificámos apenas 1 caso de hepatite C pós-transfusional em 1997 (7% em relação às notificações desse ano).

É de fazer notar que não foram notificados quaisquer casos de exposição profissional para as hepatites B ou C.

Estima-se que apenas um terço dos infectados tenham manifestações clínicas de doença aguda. E, a nível dos sentinela, os casos de hepatites B e C serão de suspeição clínica, ou serão mais achados de labo-ratório?

Esta é uma das razões que levam a pensar que talvez a hepatite não seja um bom caso para as notificações pela Rede dos Médicos Sentinela.

5. Conclusões

• A introdução desta patologia na notificação con-tínua da Rede dos Médicos Sentinela parece-nos ter sido proveitosa. Não havendo outros estudos de incidência nacionais, estes dados da Rede vie-ram confirmar que não nos afastamos muito dos dados conhecidos a nível europeu.

• Confirmámos também que existe subnotificação pelo sistema das DDO. Mesmo com a «desistên-cia» em 1997, há cerca de 3,5 vezes mais notifi-cações pela Rede dos Médicos Sentinela do que pelas DDO.

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Tivemos uma incidência de hepatite B de 28/105,

que nos grupos etários dos 15-34 anos, no sexo masculino, atingiu os 90/105. Para a hepatite C

verificámos uma incidência de 16/105, sendo que

no grupo etário dos 25-34 anos, no sexo mas-culino, atingiu os 72/105.

• O conhecimento das categorias de transmissão parece confirmar também os dados da literatura conhecidos: os comportamentos de risco são os grandes propagadores da doença, com a toxicode-pendência à cabeça, particularmente para a hepa-tite C, seguido de perto pelo sexo de risco, prin-cipalmente para a hepatite B e no sexo feminino. • Os dados do distrito do Porto são preocupantes: a taxa aí encontrada é muito superior ao resto do país. Seria importante verificar que tipo de popu-lação abrangemos, será popupopu-lação de alto risco, ou simplesmente as campanhas de prevenção não os atingem (preservativos e troca de seringas)? Pelo menos em relação à hepatite B poder-se-á intensificar a campanha de vacinação. E não nos esqueçamos que em 18% dos casos a nível nacio-nal não foi possível identificar qualquer categoria de transmissão, mas houve vários familiares envolvidos, e não só o clássico casal; havendo um portador na família ou um convivente, toda a família está em risco, risco esse que pode ser prevenido pela vacinação.

• E, finalmente, fica-nos a velha questão: quantos portadores crónicos temos? Quantas destas hepa-tites B declaradas cronificaram, mantendo a dis-seminação da doença? Seria importante quanti-ficá-los.

Referências bibliográficas

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Summary

HEPATITIS B AND HEPATITIS C: STUDY OF THEIR INCI-DENCE 1995-1997

Since 1994, the Portuguese general practitioners sentinel network, decided to introduce the hepatitis disease in their continuous noti-fication. After 3 years, we are doing those data analysis (1995-1997).

We verified for hepatitis B an incidence of 28/105 and 16/105 for hepatitis C.

Hepatitis incidence was higher among 15-34 years old, and twice more at masculine then feminine sex.

Studied the transmission categories possible involved, we verified that sex risk and toxicodependence were the primes involved. It was setted off the big discrepancy among data from the national obligatory declarations (DDO), and Sentinels Network data, and further a worring incidence at Porto’s district.

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