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UniAGES Centro Universitário Bacharelado em Psicologia

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Academic year: 2021

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UniAGES

Centro Universitário

Bacharelado em Psicologia

BRUNO GONÇALVES RIBEIRO LOBO

MARIA SIMONE ANDRADE MORAES CAVALCANTE

OS IMPACTOS DO BULLYING NA INFÂNCIA

E AS POSSIBILIDADES DE ESCUTA CLÍNICA

NA PERSPECTIVA DA PSICANÁLISE

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BRUNO GONÇALVES RIBEIRO LOBO

MARIA SIMONE ANDRADE MORAES CAVALCANTE

OS IMPACTOS DO BULLYING NA INFÂNCIA

E AS POSSIBILIDADES DE ESCUTA CLÍNICA

NA PERSPECTIVA DA PSICANÁLISE

Monografia apresentada no curso de graduação do Centro Universitário AGES, como um dos pré-requisitos para a obtenção do título de bacharel em Psicologia.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Carolina Rodrigues Alves de Souza

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BRUNO GONÇALVES RIBEIRO LOBO

MARIA SIMONE ANDRADE MORAES CAVALCANTE

OS IMPACTOS DO BULLYING NA INFÂNCIA

E AS POSSIBILIDADES DE ESCUTA CLÍNICA

NA PERSPECTIVA DA PSICANÁLISE

Monografia apresentada como exigência parcial para obtenção do título de bacharel em Psicologia à Comissão Julgadora designada pela Coordenação de Trabalhos de Conclusão de Curso do UniAGES. Paripiranga, 08 de julho de 2021.

BANCA EXAMINADORA

Prof.ª Dr.ª Carolina Rodrigues Alves de Souza UniAGES

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Dedico à minha pequena filha, Maria Helena, minha força motriz, que me ensinou o significado de resiliência.

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AGRADECIMENTOS

Maria Simone Andrade Moraes Cavalcante

A Deus, pelo dom da vida e por Sua constante graça na minha vida.

Aos meus pais, Cosmo da Silva Moraes e Edinalva Madalena Andrade, que, desde o início desta jornada, não mediram esforços para me ajudar em tudo que eu precisei.

À minha irmã, Edvânia Andrade Moraes, por suas palavras de motivação. Ao meu amado esposo, João Cavalcante, pelo apoio constate, por seu carinho e sua atenção.

Ao Centro Universitário AGES, por ter proporcionado um ensino de qualidade. À minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Carolina Rodrigues Alves de Souza, por sua constante dedicação e seu empenho, procurando sempre fazer o melhor para os seus orientandos.

À professora Calila Mireia Pereira Caldas, que sempre estava à disposição para me atender e me ajudar nos momentos de dificuldades.

Aos demais professores, coordenadores e funcionários que, de alguma forma, contribuíram para que eu chegasse nesse momento.

Aos meus queridos colegas, que proporcionaram bons e inesquecíveis momentos juntos, em especial, às minhas mais que amigas, Ana Carolina, Keitlin Bastos e Ysanna Andrade.

Bruno Gonçalves Ribeiro Lobo

Agradeço à minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Carolina Souza, por aceitar conduzir o meu trabalho de pesquisa.

A todos os meus professores do curso de Psicologia do Centro Universitário AGES, pela excelência da qualidade técnica de cada um.

À minha avó, Lucilene Gonçalves, que sempre esteve ao meu lado, me apoiando ao longo de toda a minha trajetória.

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RESUMO

Este trabalho trata-se de uma pesquisa bibliográfica qualitativa e está divido em três capítulos fundamentados por teóricos que respaldam o tema proposto, dentre diversos psicanalistas que abordam essa temática, destacam-se aqui quatro, por serem os pioneiros no atendimento clínico infantil, os quais são: Anna Freud, Melanie Klein, Winnicott e Françoise Dolto. O objetivo deste trabalho é compreender os efeitos provocados pelo bullying e as possibilidades de escuta clínica na infância. Busca-se uma possível resposta para a pergunta norteadora: “como pode funcionar a clínica psicanalítica com crianças em situação de bullying”? O bullying se caracteriza por sucessivas agressões intencionais, verbais e/ou físicas, realizadas por um indivíduo ou por um grupo e acontece em qualquer contexto social, principalmente, nas escolas, onde, muitas vezes, as agressões são entendidas como simples brincadeiras; começa com apelidos ofensivos, mas, com o tempo, acarretará graves consequências às vítimas, a exemplo de queda no rendimento escolar e isolamento social. À medida que as ofensas e as humilhações aumentam, as vítimas podem desenvolver doenças psicossomáticas ou sofrem algum tipo de trauma psíquico. Nesse sentido, é importante que as crianças envolvidas nesse tipo de agressão tenham um acompanhamento ou um tratamento psicológico. A psicanálise infantil, por exemplo, promove às crianças um espaço de escuta. Trata-se de um lugar criado para elas se sentirem à vontade e, assim, serem capazes de externar suas dores, sua angústia e seus temores, por meio do brincar. Verifica-se que o lúdico é uma ferramenta indispensável estabelecida no meio psicanalítico na clínica infantil. Conclui-se, portanto, que a clínica psicanalítica com crianças que sofreram bullying se dá de igual modo em qualquer outra demanda, ou seja, o foco da análise é na criança e no seu sofrimento psíquico. Assim, é possível inferir que no atendimento com crianças o brincar é uma das técnicas mais eficazes e mais utilizadas pelos psicanalistas.

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ABSTRACT

This work is a qualitative bibliographic research and is divided into three chapters based on theorists who support the proposed theme, among several psychoanalysts who address this theme, four are stood out here, as they are pioneers in clinical child care, whom are: Anna Freud, Melanie Klein, Winnicott and Françoise Dolto. The objective of this work is to understand the effects caused by bullying in childhood and its possibilities for clinical listening. A possible answer to the guiding question is looked for: “how can the psychoanalytic clinic work with children who are in bullying situation?”. Bullying is characterized by successive intentional, verbal and/or physical aggressions, done by an individual or a group and happens in any social context, especially in schools, where aggressions are often understood as simple games; it starts with offensive nicknames, but, over time, it will have serious consequences for the victims, such as a drop in school performance and social isolation. As offenses and humiliations increase, victims may develop psychosomatic illnesses or suffer some form of psychic trauma. In this sense, it is important that children involved in this type of aggression have a follow-up or psychological treatment. Child psychoanalysis, for example, provides children with a space for listening. It is a place created for them to feel at ease and, thus, be able to express their pain, anguish and fears, through playing. It is verified that playfulness is an indispensable tool established in the psychoanalytical environment in children’s clinic. It is concluded, therefore, that the psychoanalytic clinic with children who have suffered bullying happens in the same way as it occurs in any other demand, that is, the focus of the analysis is on the child and his or her psychic suffering. Thus, it is possible to infer that in care with children, playing is one of the most effective and most used techniques by psychoanalysts.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 9

2 BULLYING 14

2.1 Características das Vítimas e Agressores 14

2.2 Causas e Consequências do Bullying 18

3 A CLÍNICA PSICANALÍTICA COM CRIANÇAS 22

3.1 A Clínica Infantil 22

3.2 Principais Teóricos 26

3.2.1 Anna Freud e a Psicologia do Ego 26

3.2.2 Melanie Klein e a Prevalência da Fantasia e dos Objetos Internos 29 3.2.3 Donald Winnicott e o Espaço Transicional 31 3.2.4 Françoise Dolto e a Escuta do Inconsciente na Infância 33

4 A ESCUTA PSICANALÍTICA COM CRIANÇAS VÍTIMAS DE BULLYING 36

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 46

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1 INTRODUÇÃO

A palavra bullying é de origem inglesa e contém o radical bully, que significa “valentão”. O sufixo -ing (somado ao prefixo bully) indica continuidade, o que ajuda na melhor compreensão e precisão do significado do termo mencionado (FANTE, 2008). O bullying, então, é definido como assédio moral e que se caracteriza por atos como: caluniar, violentar, agredir, destruir a estrutura psíquica de outra pessoa de forma corriqueira; trata-se de práticas de violência, física ou psicológica, que podem ser perpetradas por um indivíduo ou por um grupo; geralmente, ocorrem por preconceito de raça, cor, aparência, classe social ou religião; é comum as vítimas possuírem características de timidez, apresentarem ansiedade, insegurança e passividade (BRANDT; PADILHA, 2020).

Esse tipo de violência ocorre há muito tempo, porém, não era considerada uma forma de violência, mas, sim, uma “simples brincadeira”. Os primeiros estudos sobre esse assunto ocorreram a partir dos anos 70 e 80 na Suécia e Dinamarca, quando foram aprofundados devido aos relatos de suicídios de três estudantes relacionados ao bullying, a partir de então, o norueguês Dan Olweus se tornou conhecido como o primeiro pesquisador a distinguir o bullying das demais formas de violência, dentro ou fora da escola (GAMELLI, 2020).

No entanto, é no ambiente escolar que os casos de bullying se evidenciam, visto que é na escola que as crianças e os adolescentes passam maior parte do dia e convivem diariamente uns com os outros e é nesse espaço que se formam os primeiros grupos sociais e, nestes, surgem situações de hierarquia, muitas vítimas dessa violência se colocam numa situação de submissão, de parcialidade e têm dificuldade para desenvolver relação social. Algumas crianças apresentam quadros depressivos e baixa autoestima (ANDRADE; LI, 2020).

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Margarida Barreto focaram seus estudos, uma no cenário escolar e a outra no âmbito do trabalho (BRANDT; PADILHA, 2020).

O bullying pode se manifestar direta ou indiretamente. O modo direto divide-se em: físico, verbal e relacional; de forma indireta, o agressor usa outras pessoas para agredir ou o faz virtualmente, a exemplo do ‘cyberbullying’, no modo indireto, o bullying se caracteriza por atos de calúnias (NETO, 2011, apud BRANDT, PADILHA, 2020). A forma relacional está ligada a exclusão dos grupos, intrigas, mentiras, gestos ameaçadores e mensagens difamatórias para manchar a imagem de outrem; o bullying no âmbito virtual pode ocorrer nas redes sociais, como, por exemplo, e-mail, Facebook, chats de relacionamentos, dentre outras (NETO, 2011, apud BRANDT, PADILHA, 2020).

Os impactos do bullying afetam diretamente no desenvolvimento da criança, bem como no seu desempenho escolar, e, além dos efeitos negativos para a saúde física, cognitiva e emocional, os traumas psicológicos podem causar insegurança, medo, raiva reprimida e pensamentos negativos sobre si mesma (SIERRA; SIGNORELLI, 2014). De acordo com Albuquerque, Williams e D’Affonseca (2013), outros impactos que o bullying pode ocasionar são: problemas sentimentais, baixa autoestima, isolamento social, ansiedade, depressão, ideação suicida ou tentativas de suicídio, e é possível ocorrer também comportamentos agressivos.

Considerando esse fenômeno uma temática de suma importância, surge a necessidade de entender de que forma a psicologia pode intervir nos casos de bullying infantil. Dessa forma, este trabalho versará sobre o bullying e a prática clínica com crianças pelo viés psicanalítico, sabido que a terapia psicanalítica tem por finalidade mostrar como fatores inconscientes estão relacionados ao comportamento de cada pessoa (FREITAS, 2016).

A teoria psicanalítica tem o foco na investigação de processos mentais inconscientes, mas, também é um método terapêutico e seu objeto está constantemente se reformulando (COSTA, 2010). A psicanálise com crianças foi iniciada a partir dos estudos de Sigmund Freud, que propôs uma nova perspectiva de ‘ser criança’, provida de uma sexualidade perverso-polimorfa. Freud conceitua a ideia de pulsão e afirma que a criança tem um corpo pulsional e um corpo de desejo (Ibidem, 2010).

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interferem no seu cotidiano, portanto, ao anteder uma criança, é imprescindível elucidar as pulsões e os mecanismos de defesas do paciente e por meio da verbalização obter interpretação das angústias.

Este trabalho trata-se de uma pesquisa bibliográfica qualitativa e está divido em três capítulos fundamentados por teóricos que respaldam o tema proposto, dentre diversos psicanalistas que abordam essa temática, destacam-se aqui quatro, por serem os pioneiros no atendimento clínico infantil, os quais são: Anna Freud, Melanie Klein, Winnicott e Françoise Dolto. Portanto, propõe-se responder à seguinte questão: como pode funcionar a clínica psicanalítica com crianças vítimas de bullying? Tem-se como objetivo compreender a clínica psicanalíca com crianças vítimas de bullying. Os objetivos específicos são: identificar as causas e as consequências do bullying na infância; entender como acontece o atendimento psicológico de crianças pelo viés psicanalítico e analisar os impactos do bullying na saúde mental da criança

No capítulo 1 – Bullying: Causas e consequências; o perfil das vítimas e dos

agressores, consiste em expor os motivos da prática do bullying e as possíveis

repercussões na vida das crianças vítimas dessa violência, apontando as características das vítimas e dos agressores. Para tanto, investiga-se quando surgiram os primeiros estudos a respeito do bullying, discute-se o porquê, por muito tempo, esse tipo de violência era visto como uma “simples brincadeira”, esclarece como ocorrem e quais são os tipos do bullying, bem como os efeitos psicológicos desta agressão. Comumente, um dos motivos dessa violência decorre de um sentimento de poder que um indivíduo tem sobre o outro.

O capítulo dois aborda aspectos relacionados à clínica psicanalítica com

crianças. Esta prática, ao longo dos anos, foi sendo desenvolvida por alguns

psicanalistas, como: Ana Freud, Melanie Klein, Donald Winnicott e Françoise Dolto. Portanto, a proposta nesse capítulo é fazer um breve paralelo entre suas teorias e destacar pontos mais relevantes com o intuito de construir uma visão ampliada do que é a prática psicanalítica infantil, para poder, então, pensar como ela pode funcionar com crianças vítimas de bullying.

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infantil. Estas linhas foram formuladas com a finalidade de descrever uma série de fases que, para ela, a criança deve seguir até o ponto de poder atuar na sociedade por conta própria.

Em seguida, são abordados os conceitos de Melanie Klein, que, a partir de seus estudos relacionados às neuroses infantis, criou o conceito sobre a psique do bebê, sua teoria, portanto, baseia-se no processo de que o mundo interno é constituído pelas percepções do mundo externo. Na perspectiva kleiniana, o bebê não tem ainda um

self constituído, porém, pode sentir ansiedade e se defender delas por meio de

projeções e introjeções. Klein também percebeu a importância do brincar na sessão analítica, ela afirma que:

[...] as crianças, frequentemente, expressam, em seus brinquedos, a mesma coisa que acabaram de nos contar em um sonho; ou fazem associações a um sonho no brinquedo que se lhe segue, pois brincar é o meio de expressão mais importante da criança (KLEIN, 1960, p. 33).

Na sequência, destaca-se a teoria do inglês Donald Winnicott, que desenvolveu um conceito sobre objeto transicional e a da mãe suficientemente boa. Segundo ele, a psique é uma construção imaginária, que se desenvolve a partir do corpo e suas funções, e não uma estrutura pré-existente (FONTONI; FULGENCIO,2020). A maior parte dos conceitos teóricos desenvolvidos por Winnicott se refere ao “desenvolvimento emocional primitivo”, e seus efeitos são de suma importância para a criança, por se estenderem para além da infância. Visto que muitos problemas na vida adulta são reflexos das disfunções ocorridas entre a criança e o “ambiente”, representado, geralmente, pela mãe. Nesse sentido, verifica-se que a relação da criança como adulto é de fundamental importância para o desenvolvimento infantil saudável, uma que vez que ela necessita de atenção e cuidados específicos.

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“As intervenções de iam em direção aos pais e a criança. Ela apostava que escutando inclusive à história de cada um dos pais e à história do casal, podia entender as projeções que à criança podia fazer face em seu cotidiano” (

No capítulo três, é feita uma sistematização dos dois capítulos anteriores, ao pensarmos como o bullying pode afetar a saúde psicológica da criança e como se dá a intervenção da psicanálise no atendimento às crianças vitimizadas.

Segundo Freitas (2016, p.2):

Pensar a respeito da psicoterapia infantil e suas técnicas exige que possamos recapitular sua origem e entender os elementos que norteiam sua constituição. Logo, apesar do número expressivo de estudos teóricos existentes sobre a temática do brincar na psicoterapia psicanalítica infantil, acredita-se ser relevante retomar às origens e desenvolvimento da psicoterapia de crianças para perceber as mudanças ocorridas na técnica e adaptações realizadas durante o passar do tempo, os quais contribuíram para expansão da prática clínica com crianças.

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2 BULLYING

2.1 Características das Vítimas e Agressores

Os atos de bullying são praticados há muitos anos, mas só há pouco tempo que estes atos são considerados uma forma de violência. Tratam-se de agressões propositais e repetitivas contra uma pessoa indefesa, que podem ocasionar danos físicos e traumas psicológicos às vítimas. “Assim, uma piada ou brincadeira entre amigos pode não parecer violência, mas, sem ouvir as partes envolvidas, não podemos ignorar o potencial dano psicológico dessas ações” (GEMELLI; ALVES; SCHUBERT, 2020, p.7).

É comum a vítima se mostra tímida, apresenta baixa autoestima e se sente inferior diante dos seus agressores. Fante e Pedra (2008, p. 45) apud Brandt e Padilha (2020, p.16) caracterizam as crianças vítimas de bullying dizendo que “[...] São tímidos, retraídos, passivos, submissos, ansiosos, temerosos, com dificuldade de defesa, de expressão e de relacionamento”. Uma criança que experenciou este tipo de agressão sempre se sentirá inferior, pois essa violência toca diretamente naquilo que mais causa dor ou constrangimento ao agredido, como a cor da pele, peso, classe social, religião dentre outros.

As diferenças de raça, religião, opção sexual, desenvolvimento acadêmico tanto aqueles que vão muito bem à escola podem ser alvos como também aqueles que têm dificuldade em aprender, sotaque, maneira de ser e de agir, modo como se vestem os que têm algum tipo de deficiência física ou intelectual, que usam óculos ou aparelho ortodôntico, são muito baixos ou muito altos, são mais gordinhos ou muito magros, ou seja, aqueles que fogem à regra, geralmente, são as vítimas mais comuns dos agressores. Infelizmente vivemos numa sociedade padronizada, onde todos tem que ser iguais, se vestir igual, falar igual, pensar igual, agir igual, e todo aquele que se sobressai por ter diferenças e não ser considerado “normal” é atacado e vítima de gozações (ESTEVE; ARRUDA, 2014, p.21).

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possíveis motivos que inibem as vítimas de revelarem” (BRINO; LIMA, 2015, p.3). Nesse sentido, faz-se necessário identificar, por meio do comportamento da criança, se ela está apresentando sinais de que está vivenciando algum tipo de agressão, como, por exemplo, se a criança que antes gostava de brincar com os amigos e de repente perde o interesse e se isola, fica triste e chora sem um motivo aparente, esta criança pode estar sofrendo agressões e sendo coagida a ficar calada.

Segundo Moura, Cruz e Quevedo (2011) dizem, é comum crianças vítimas de agressões se sentirem inseguras ao ponto de não conseguirem pedir ajuda, assim, tornam-se crianças passivas, não fazem amizades, não reagem diante dos atos de violência e não raro muitas desistem dos estudos. É normal também as vítimas apresentarem falta de autoconfiança, sentirem-se incapazes, fracas, sem inteligência, ou seja, sempre se colocado numa posição de inferioridade. Em muitos casos, elas não buscam ajuda por se sentirem inseguras e não serem capazes de reagir às agressões, por conta disto, muitas pensam em abandonar a escola e os estudos (MOURA et al., 2011, apud SANTOS; SOARES, 2016).

Outra característica da vítima do bullying é a manifestação de ataques de raiva e agressividade. Geralmente crianças que vivem em um lar onde são exploradas, humilhadas e abusadas de alguma forma, quando têm a oportunidade, acabam também se tornando agentes causadores de dor e humilhações (MARTINS; ALMARIO, 2012).

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O estresse é responsável por cerca de 80% das doenças da atualidade, pelo rebaixamento da resistência imunológica e sintomas psicossomáticos diversificados, principalmente próximos ao horário de ir à escola (especialmente no caso de crianças menores), como dores de cabeça, tonturas, náuseas, ânsia e vômito, dor no estômago, diarreia, enurese, sudorese, febre, taquicardia, tensão, dores musculares, excesso de sono ou insônia, pesadelos, perdas ou aumento do apetite, dores generalizadas, entre outras. (CALHAU, 2011, p. 13, apud BRANDT; PADILHA, 2020, p.16).

Diante desse cenário, fica evidente que as crianças vítimas de bullying precisam com urgência serem assistidas. Pais ou responsáveis e professores têm que atentar para os sinais supracitados para em seguida buscarem um apoio psicológico para essas crianças.

Normalmente, os agressores buscam ser reconhecidos, obter popularidade ou têm necessidade de se sentir no poder; geralmente, as agressões ocorrem no âmbito escolar, onde se pode perceber a formação de grupos e os laços de amizades. “Na escola ele se sente o mais forte então quer poder intimidar seus colegas, para que com isso se sinta bem e se sinta o mais forte. E isso vira um círculo vicioso que não terá fim a não ser que seja quebrado” (ESTEVE; ARRUDA, 2014, p.20).

Como se sabe, o bullying ocorre com maior frequência nas escolas, geralmente há uma maior mobilização dos professores em acolher às vítimas e lhes darem toda atenção necessária. Porém, muitos comentem o erro deixar de lado os agressores, considerando-os como vilões que não têm necessidade de, assim como as vítimas, de serem assistidos. Visto que, como ratifica Marcolino et al. (2018, p.7):

[...] os efeitos negativos não se restringem, somente, às vítimas. Os agressores que já possuem instabilidade emocional e dificuldades de relacionamento social tendem a potencializar esse comportamento antissocial, de isolamento e de criminalidade com supervalorização da violência como forma de obtenção de poder e inserção social.

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humilhar, perseguir e excluir, aqueles que não se enquadram em seus padrões (FERREIRA; ROWE; OLIVEIRA, 2010).

Verifica-se que a prática do bullying se dá de muitas formas, no entanto, Meier e Rolim (2013, pp. 31-32) apud Brandt e Padilha (2020, p.14) dizem que existem dois tipos de bullying: o direto e o indireto:

[...] no bullying direto, a vítima identifica o seu agressor, porque as ações são cometidas diante dela, sejam agressões verbais, físicas ou relacionais. O bullying verbal [...] as palavras tendem a machucar muitos mais do que os danos físicos, abalando essa criança emocionalmente. O bullying físico é constituído pelas agressões corporais, como bater, empurrar, chutar, beliscar, rasgar a roupa do colega [...] O bullying relacional é compreendido por atos de exclusão de pertencimento a algum grupo, fofocas, mentiras e alguns gestos ameaçadores, como bilhetes e mensagens de constrangimento. [...] Esses atos podem incluir o cyberbullying, ou bullying virtual, como também é conhecido, [...] realizadas por meio eletrônico.

É importante observar e também cuidar das crianças que estão no lugar de agressor, pois muitas dessas crianças manifestam esses comportamentos, ou porque sofrem agressões desse mesmo tipo, ou porque residem em um lar hostil, por isso reproduzem as violências que presenciam. Visto que, a violência vivenciada em casa pode refletir em qualquer momento da vida da criança agressora, isso não quer dizer que todas as crianças que vivem num contexto familiar agressivo reproduzirão essa agressividade, no entanto, a falta de apoio da família e da sociedade gera crianças e adolescentes cada vez mais rebeldes e desnorteados (OLIVEIRA et al., 2015).

Nesse sentido, percebe-se que quando a criança agressora é acolhida, quando ela se sente compreendida, ela tem a possibilidade de mudar seu comportamento agressivo e, assim, o ciclo de violência pode ser quebrado. De acordo com Martins e Almario (2012, p.03): “a educação e a cultura deveriam tender a eliminar as formas agressivas de resolução de tensões que provocam as diferenças individuais”.

Esteve e Arruda (2014, p.9) afirmam que:

Para que se tenha uma real melhora nos números de quadros de bullying temos que ter um trabalho em conjunto de pais e educadores, onde ambos vão ajudar essa criança que está praticando bullying a ter em primeiro lugar uma nova visão de si mesma e depois uma nova visão das outras pessoas que a cercam.

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(2012, p.7) caracterizam os agressores como “fisicamente mais fortes que seus pares, dominantes, impulsivos, não seguem regras, baixa tolerância à frustração, desafiantes à autoridade, boa autoestima”. Observa-se que muitos agressores para se tornarem populares e obterem respeito dos demais colegas na escola, usam diversas formas de maus tratos, tanto físicos quanto psicológicos. Sobre as formas de violência na escola, Gemelli, Alves e Schubert (2020) dizem que estas são expressadas por meio de ofensas, insultos, ou seja, utilizam as palavras para julgar, desqualificar e humilhar as vítimas.

Os comportamentos agressivos podem ser expressados de várias maneiras e, embora não seja fácil identificar um agressor (bully), é possível destacar algumas caraterísticas ou alguns sinais pra identificá-lo. Duboc et al. (2021, p. 4) afirmam que o agressor é alguém que impõe autoridade por meio de ações coercitivas, combinadas à força física e/ou psicológica, demonstrando a necessidade de poder e dominação. Uma das principais características dos agressores de bullying é que eles são muito populares, têm habilidades para liderar, poder de persuasão e procuram sempre dominar aqueles que eles consideram fracos, vulneráveis e indefesos (BRANDT; PADILHA, 2020).

Infere-se, portanto, que os agressores são crianças que muitas vezes já sofreram ou sofrem algum tipo de agressão, têm necessidade de serem reconhecidas e se sentirem no poder, também pode ser que elas tenham baixa tolerância à decepção e precisam provocar, magoar para se sentirem melhor. São crianças que dificilmente fazem amizades, não gostam de frequentar a escola e vivem em um ambiente familiar conturbado.

2.2 Causas e Consequências do Bullying

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muitos autores na influência do ambiente familiar como fator relevante tanto para a incidência como para a prevenção do bullying” (ALBINO; TERÊNCIO, 2012, p.17). Atualmente, muitas relações familiares encontram-se desestabilizadas e, por vezes, violentas, não há diálogo, afeto e compreensão e nesse cenário pode-se encontrar tanto agressores, quanto vítimas do bullying.

Ramos (2019) relata que um dos fatores que aumenta os índices de casos de bullying é reflexo da sociedade atual, que alimenta a ideia do mais forte domina o mais fraco, a violência está enraizada em todas as classes sociais. O bullying é encontrado em todos os níveis de ensino, bem como em ambientes de trabalho (o mobbying) e, até mesmo, nas redes sociais.

Em vista disto é que se adverte aos pais e/ou responsáveis maior atenção às características, ou seja, aos sinais que podem ser observados tanto nas crianças que são vítimas do bullying, quanto nas que são agressoras, para em seguida buscar estratégias para ajudá-las. Compreendendo que essa violência contribui para o surgimento de diversos problemas físicos e psicológicos, para vítimas e agressores.

As consequências do bullying não acabam quando o aluno sai da escola, suas lembranças e traumas ainda o acompanham e podem gerar problemas sérios para a vida da pessoa, não só no nível psíquico, mas males psicossomáticos como: diarreia, febre, vômito, dor de estomago, dor de cabeça, isso em curto prazo em longo prazo os danos podem ser mais sérios como transtornos de ansiedade e de alimentação como: bulimia, anorexia, bruxismo, alergias, depressão e ideias suicidas (ESTEVE; ARRUDA 2014, p.25).

As crianças agressoras também precisam de atenção e cuidado, pois elas futuramente podem acarretar sérios problemas psicológicos e de convivência social. Esteve e Arruda (2014, p.19) citando Fante (2005) afirmam que:

[...] o autor do bullying, precisa de ajuda tanto quanto as vítimas, pois ele não tem em primeiro lugar valores morais importantes como: amizade, respeito, não sabe conviver em grupo, só pensa em si mesmo e não consegue se colocar no lugar do outro, o agressor tem valores de poder, de imposição por força física, intimidação e, para mudar essa situação, é preciso mexer em primeiro lugar na sua própria imagem, para que possa aprender a ter convívio social sadio.

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Observou-se que as agressões podem ser de ordem física, verbal ou psicológica, em que as vítimas são colocadas numa situação de constrangimento, são expostas e ridicularizadas, as agressões podem ocorrer de forma individual ou em grupos. Nos dias atuais, essas formas de agressões estão ainda mais disseminadas, principalmente, depois do livre acesso a “internet e telefones celulares, começaram a espalhar boatos e difamações, com muito mais facilidade e rapidez, causando medo e humilhação nas vítimas e suas famílias que, em muitos casos, acabam sendo envolvidas também nos atos” (ESTEVE; ARRUDA, 2014, p.12).

Geralmente, os casos de bullying são registrados no âmbito escolar, porém ele pode acontecer na rua, no condomínio e na própria família. Além dos atos de violência psicológicas, o bullying também pode ocorrer por meio de agressões físicas. Muitas crianças que praticam essas agressões são vistas ora como rebeldes, ora como pessoas com algum tipo de distúrbios, no entanto, “para a psicanálise, a agressividade é inata ao indivíduo e não deve ser tratada como um distúrbio de comportamento. O prazer e o desprazer têm a mesma importância no desenvolvimento psíquico” (GAGLIOTTO; BERTÉ; VALE, 2012, p. 5). Então, é possível dizer que a agressividade essencial para a autopreservação da raça humana, uma vez que a agressividade se traduz em um comportamento regido pelo emocional.

Gagliotto, Berté e Vale (2012, p. 2) vão destacar ainda que:

A agressividade faz parte do instinto de todas as espécies, prova disso são os animais que quando ameaçados se comportam de forma agressiva como um meio de defesa ou de sobrevivência. No ser humano a agressividade é desencadeada, também de maneira positiva e necessária ao seu desenvolvimento, pois é ela quem dá o impulso para a busca da realização de desejos, porém pode se constituir em um traço negativo na personalidade, levando inclusive a atos violentos e à destruição.

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Além disso, muitas crianças, vítimas ou agressoras, podem sofrer de graves distúrbios psíquicos, como: depressão, ansiedade, fadiga, irritabilidade, insônia e déficit de memória e de concentração, assim, elas precisam ser acolhidas e passar por uma escuta de um profissional de saúde mental, capacitado no atendimento desse tipo de demanda. Tendo em vista que, como relatam Gagliotto, Berté e Vale (2012 p.10):

Dar liberdade total aos filhos como forma de demonstrar amor e carinho, sem estabelecer regras, faz destes indivíduos dependentes, inseguros, incapazes de resolverem situações problemáticas, insatisfeitos com a vida e sem perspectivas de futuro. Na ausência de limites, as crianças podem tornar-se agressivas, rebeldes, indisciplinadas, cheias de conflitos internos, egoístas, intolerantes, porque acreditam que sempre serão protegidas e terão alguém para satisfazer as suas necessidades.

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3 A CLÍNICA PSICANALÍTICA COM CRIANÇAS

3.1 A Clínica Infantil

A prática psicanalítica com crianças iniciou-se a partir do discurso do filosófico iluminista, o qual tinha uma visão voltada a questões educacionais; definia-se, portanto, o termo infantil como sendo o tempo de vida psíquica carregado de experiências, que futuramente poderia se transformar em algum tipo de sofrimento. Assim, quando se buscava entender a origem das neuroses, investigavam-se as experiências sexuais traumáticas sofridas na infância. Desse modo, o conceito de inconsciente estabelece uma relação entre infantil e pulsão e, segundo Lacan, a psicanálise com crianças está para além de uma cronologia, o que existe é uma estreita ligação entre o sujeito do inconsciente e o infantil. Freud não se aprofundou no uso das técnicas da psicanálise infantil (COSTA, 2010). Nessa área da psicanálise tem as contribuições, entre outros, de Ana Freud, Melanie Klein, Donald Winnicott e Françoise Dolto.

A psicanálise, desenvolvida por Sigmund Freud (1856-1939), é uma abordagem teórica, um método de investigação e também uma prática profissional que tem como foco o inconsciente. Muitos comportamentos conscientes são controlados pela atuação do inconsciente, como as memórias, os impulsos e os desejos reprimidos (FREUD [1915] 1996). Compreende-se que a psicanálise, como teoria, é um conjunto sistemático de conceitos sobre a ação da vida psíquica, o método é o interpretativo, o oculto é investigado observando o comportamento e as criações do imaginário, como: delírios, sonhos, atos falhos e as associações livres; já a prática psicanalítica refere-se ao modo terapêutico que busca o autoconhecimento (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA,1999).

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[1915] 1996). Desse modo, verifica-se que na clínica infantil há a necessidade de construir uma escuta específica, visto que:

O processo de desenvolvimento da perspectiva psicanalítica acerca da subjetivação psíquica da criança se deu por meio do prisma teórico, mas também do clínico, o qual não pôde ser desenvolvido exclusivamente por meio da “cura pela palavra”, da associação livre daquilo que é dito no set psicanalítico. Com as crianças é preciso mais do que isso. Há a necessidade de compreender aquilo que pode ser próprio da infância, pode vir a esclarecer o modo de fazer a clínica infantil (HEUSER, 2019, p. 19).

Embora não tenha se aprofundando na prática psicanalítica infantil, Freud contribuiu para interpretar as neuroses geradas na infância. Ele acreditava que a vida está permeada pela tensão e pelo prazer, sendo que a tensão é o resultado da carga de libido (energia sexual) e toda descarga dá origem ao prazer; o termo “sexual” para ele refere-se aos pensamentos e/ou ações prazerosas (FREUD [1915], 1996).

Carneiro, (2017, p. 103) enfatiza que:

Ao nomear o sexual como pulsional, Freud marca que a sexualidade humana, diferente do instinto animal não se satisfaz como uma necessidade fisiológica, mas está sempre atrelada a uma dimensão de representação, de palavra, que dá forma à fantasia e ao desejo.

Observa-se, portanto, que na psicanálise a criança é vista como um ser em construção organicamente e psiquicamente. “A noção de infantil, corresponde a algo maior do que a infância propriamente dita, perpassa todo o arcabouço teórico da psicanálise e coloca-se como o fio condutor para pensar na emergência do sujeito do inconsciente” (FRANÇA; PASSOS, 2019 p. 2).

Em princípio, Freud não acreditava numa possível análise infantil, mas mudou seu discurso depois de sua experiência no caso de um menino de cinco anos1, conclui,

segundo Costa (2010, p.17), que “[...] a realidade psíquica da criança se assemelha à do adulto em suas angústias, fantasias e desejos”, compreende-se, então, que na clínica psicanalítica com crianças, assim como os adultos, a atenção sempre estará voltada para a construção do inconsciente.

É notório que a prática psicanalítica com crianças atravessou por diversos pensamentos teóricos. Desde Freud até os dias atuais se discute qual seria o método

1 Caso clínico do Sigmund Freud, “O pequeno Hans” no livro “Análise de uma fobia em um menino de

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mais viável para acolher o público infantil. Em geral, os psicanalistas usam “o brincar” como uma das técnicas terapêuticas. Visto que “o brincar deixa de ser mera atividade imaginativa e passa a ser um meio de realização do sujeito do inconsciente que se dá pela via da figuração” (HEUSER, 2016, p.28).

É importante salientar que para acessar o mundo psíquico de uma criança no

Setting terapêutico, se faz necessário atentar para o brincar. Segundo Heuser (2019,

p. 26), “o brincar traz efeitos de significação, é a realização de um trajeto no qual o inconsciente se manifesta produzindo um sentido”. Os estudos de Freud sobre as neuroses e a organização do psiquismo leva-o a investigar a infância, e perceber que muitas vezes as causas dos transtornos mentais estão nas primeiras fases da vida. Assim, com base na formação da transferência por parte da criança, realizam-se as análises e interpretações observando as fantasias que se manifesta por meio do brincar. Em seu livro “Além do Princípio do Prazer”, Freud (1920/1976) faz referência ao brinquedo e menciona que a interpretação por meio do jogo é notória.

Infere-se, então, que “o brincar” na prática psicanalista é de suma importância, visto que permite ao analista identificar possíveis problemas inscritos no inconsciente, na medida que compreende a dinâmica psíquica e a subjetividade da criança, possibilitando o acesso às suas defesas, conflitos e sintomas.

Assim poderá projetar na brincadeira medos, desejos, expectativas, demonstração de verbalizações e associações livres que se desencadeiam por jogos e brincadeiras que serão o meio para o terapeuta mediar os conflitos e propiciar ressignificações das angústias e sofrimentos (HEUSER, 2019, p.26).

Desse modo, o analista faculta à criança uma leitura verossímil de seus sintomas, possibilitando-a assimilar e discernir seu próprio material inconsciente, ou seja, o analista auxiliará essa criança a obter um entendimento consciente de seus desejos inconscientes e ser capaz de ressignifica-los.

Heuser (2019, p.27) aponta que:

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O ato de brincar é de suma importância para desenvolvimento psicológico e para o processo de aprendizagem, é por meio da brincadeira que a criança é capaz de externar os conteúdos do seu mundo interno, possibilitando, assim, a elaboração dos sentimentos, reconhecimento e controle das próprias emoções. Em consonância com Paula (2017, p. 7), nota-se que:

[...] o brincar é um facilitador da expressão da realidade psíquica da criança, pois é pelo jogo que a criança demonstra suas fantasias inconscientes e, ao fazer isso, integra seus conflitos, facilitando a elaboração das situações traumáticas.

Pensar numa clínica infantil e suas técnicas pelo viés psicanalítico exige-se uma compreensão dos elementos que norteiam sua construção. Embora exista um significativo número de estudo sobre “o brincar” como a técnica mais eficaz, é importante averiguar alguns pontos importantes sobre a origem e o desenvolvimento da psicoterapia com crianças para observar como se processaram e se adaptaram às técnicas realizadas ao longo dos anos e quais cooperaram para difusão dessa prática clínica (FREITAS, 2016).

Costa (2010, p. 72) destaca que:

Dolto afirma que uma das diferenças entre a psicanálise de adultos e a de crianças muito pequenas reside no fato de que essas crianças ainda não atingiram o Édipo, nem sequer atravessaram os componentes pulsionais orais e anais que o precederam. O trabalho consiste, nesse caso, em compreender como está a relação mãe-filho e pai-filho, e o que ocorre com a desenvoltura motora, a linguagem verbal, a identidade sexuada da criança, sua autonomia e seu desejo.

Numa visão freudiana, a criança é, desde o nascimento, o corpo-organismo que precisará passar por algumas etapas de desenvolvimento e de maturação. Apesar da importante contribuição teórica de Freud a respeito do atendimento infantil, ele não se dedicou na construção de técnicas para essa demanda.

Paula (2017, p.16) relata que:

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Em linhas gerais, é de competência da psicanálise infantil promover à criança um lugar de sujeito, entendo-a como um ser apto para construir sua própria demanda clínica, seja na escuta da palavra pronunciada e do brincar em forma de fantasia. Assim, sobre a sistematização do trabalho clínico com crianças, destacam-se aqui as contribuições de Ana Freud, Melanie Klein, Donald Winnicott e Françoise Dolto; teóricos escolhidos por se tratar dos primeiros estudiosos e psicanalistas infantil.

3.2 Principais Teóricos

3.2.1 Anna Freud e a Psicologia do Ego

A filha mais nova de Sigmund Freud, Anna Freud, começou sua carreira profissional como professora do ensino primário, mais tarde interessou-se pela psicanálise com foco na clínica infantil e foi nesse campo da psicanálise com crianças que Anna Freud tornou-se reconhecida pelos seus trabalhos. Em 1927 publicou sua obra principal, “O tratamento psicanalítico das crianças” e, a partir de então, foi considerada a fundadora do campo da psicanálise infantil, que analisou o ego e os mecanismos de defesa.

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Sublimação – direcionamento de parte da energia investida nos impulsos sexuais à consecução de realizações socialmente aceitáveis.

Toda teoria de Anna Freud baseia-se na ideia de que uma criança não deveria ser analisada, pois, passa por uma série de fases de desenvolvimento. Segundo ela:

Na técnica analítica através do brinquedo, proposta pela escola inglesa para a análise de crianças de tenra idade, a ausência de livre associação é compensada da maneira mais direta. Esses analistas sustentam que os jogos e os brinquedos de uma criança equivalem às associações dos adultos e, portanto, usam essas atividades lúdicas para fins de interpretação, exatamente da mesma maneira. O livre fluir de associações corresponde, na criança, ao desenvolvimento do seu jogo ou brinquedo, livre de perturbações (FREUD, 1946/1986, p.33).

É preciso explorar o contexto e as relações que marcam os problemas infantis, “a criança não tem consciência de sua doença, nem acha que tem um “problema” para resolver. Normalmente são seus pais que estão preocupados ou angustiados diante de suas dificuldades” (COSTA, 2010, p.24). Anna constatou então, que havia distinção entre os sintomas notados em crianças e em adultos, a partir daí ela desenvolveu sua teoria e técnicas baseando-se em estágios de desenvolvimento e na importância do ego na personalidade do indivíduo.

Como destacam Fontoni e Fulgêncio, (2020, p.2), Anna Freud considerava o ambiente importante “[...] no processo de desenvolvimento, já que, para ela, esses avanços são sempre o resultado da interação entre impulso e ego/superego com a reação às influências ambientais”. Observa-se, assim, que a atenção da psicanalista estava no cuidado de que na clínica com crianças o analista não coagisse as mesmas a circunstâncias para as quais o nível de desenvolvimento emocional não era adequado.

Em seu livro “O tratamento psicanalítico das crianças” (1971), Anna Freud expõe os princípios da análise infantil, recomendando aos analistas de crianças que desempenhassem um papel ativamente pedagógico, apostando na liberação de impulsos recalcados na criança. Seu trabalho teórico abrangeu a análise das funções que o ego desempenha, no sentido de tornar tolerável a intensidade da ansiedade despertada por pensamentos e sentimentos pessoais frente às demandas pulsionais (HEUSER, 2016, p.28).

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desde a tenra idade até o momento que o indivíduo tenha habilidades suficientes para viver em sociedade. Verifica-se, também, que além das fases, há fenômenos que marcam a passagem de uma fase para outra.

Diante disso, Calzavara (2013, p.49) considera que:

[...] Anna Freud parece privilegiar mais intensamente os aspectos externos relacionados à observação de crianças. A perspectiva da criança em desenvolvimento é um fator que privilegia esse interesse externo. Ao mesmo tempo, a associação entre o superficial e a profundidade do comportamento, aliada também aos fundamentos pedagógicos, parece-nos se encaminhar para uma prática preocupada com as respostas do comportamento em detrimento das questões estruturais concernentes ao inconsciente.

Anna Freud pensava numa clínica infantil voltada para a educação e a disciplina, com o apoio dos pais. Ela buscava entender:

[...] até que ponto a tarefa educativa deve induzir as crianças, mesmo as de mais tenra idade, a dedicarem todos os seus esforços à assimilação da realidade e até que ponto é admissível encorajá-las a desviarem-se da realidade e construírem um mundo de fantasia (FREUD, 1946/1986, p.66).

Para Anna Freud (1946/1986), o “eu” “se apresenta como medida defensiva frente ao irreconciliável presente no id, participando como defesa contra o sintoma” (CALZAVARA, 2012, p.63).

Compreende-se que, na visão de Anna Freud, o foco da psicanálise não se aplica aos conflitos do inconsciente, mas à observação do ego. Nessa perspectiva, o ego é a parte do aparelho psíquico que se conecta com a realidade externa. Como destaca Calzavara (2013, p.12):

Para ela (1957/1984), o ego existe desde o início da vida pós-natal, embora de forma rudimentar, e desempenha uma série de funções importantes de defesa contra a pulsão de destruição. O ego se apresenta como ator principal nesse cenário em defesa de sua integração, colocando-se a serviço da pulsão de vida e buscando se defender da pulsão de morte.

No que se refere aos mecanismos de defesa elaborados por Anna Freud, os principais são: repressão, negação, racionalização, comportamento reacionário, isolamento, projeção, regressão e sublimação. Para Anna, esses mecanismos tornam possível ao ego suprimir a ansiedade e preparam psicológico do indivíduo para seu o funcionamento original.

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Portanto, a tarefa do analista é, antes de tudo, proceder ao reconhecimento dos mecanismos de defesa. Quando cumpri-la, realizará uma boa parte da tarefa de análise do ego. Sua tarefa seguinte é desfazer o que tiver sido feito pela defesa, isto é, descobrir e repor em seu lugar o que foi omitido por meio do recalcamento, corrigir os deslocamentos e devolver ao seu verdadeiro contexto o que tiver sido isolado. Assim que tiver restabelecido as ligações cortadas, dirige a sua atenção, uma vez mais, da análise do ego para a do id (FREUD, 1946/1986, p.15).

A teoria de Anna Freud foi de imensa importância à terapia e à psicologia infantil. Em seus estudos, ela foi além do seu pai (Sigmund Freud) na investigação do desenvolvimento e da patologia infantil, por meio de suas sessões de análise. “O que podemos destacar na prática clínica de Anna Freud, sobretudo, é que a perspectiva centrada no desenvolvimento da criança não permite reconhecer em cada uma delas uma particularidade” (CALZAVARA, 2013, p.9). Em sua prática, é importante destacar também que “[...] na análise com crianças, o que é levado em conta é o material recolhido no âmbito da família e não no da sessão. Daí a importância do trabalho constante com os pais e dessa troca contínua de informações” (COSTA, 2010, p. 27).

Anna Freud deixou um importante legado no que diz respeito ao tratamento clínico com crianças, sua atenção voltada ao desenvolvimento e a educação é de grande relevância tanto para a aérea da educação como para ao atendimento psicológico infantil. Além disso, sua obra, contribuiu para uma aproximação entre a psicanálise e a psicologia experimental acadêmica. Ao introduzir um método bem detalhado de investigação do desenvolvimento humano.

3.2.2 Melanie Klein e a Prevalência da Fantasia e dos Objetos Internos

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psicanalítica fundamenta-se na infância mais remota, nas fantasias que a criança tem desde seu nascimento, quando entra em contato com mundo externo.

Das descobertas da psicanálise resultou a criação de uma nova Psicologia Infantil. Por meio delas aprendemos que, já nos primeiros anos de vida, as crianças experimentam não apenas impulsos sexuais e angústia com também sofrem grandes desilusões. Juntamente com o mito da assexualidade da criança sucumbiu o mito do "paraíso da infância". Essas conclusões, a que chegamos através da análise dos adultos e da observação direta das crianças, foram depois confirmadas e ampliadas pela análise de crianças de tenra idade (KLEIN, 1960, p.26).

De acordo com Klein (1882-1960), uma criança muito pequena não deveria se submeter a uma análise, pois seu entendimento do mundo real é insuficiente, e elas não têm a capacidade de entender que estão doentes ou têm algum problema e, o que é mais importante, não são capazes de, ao brincarem, fornecerem associações verbais para um possível tratamento analítico. Klein, em seus estudos sobre as neuroses infantis, deixou uma obra complexa sobre a psique do bebê, seus conteúdos relacionados à psicanálise são tão profundos que é possível ser comparada às obras freudianas. Melanie Klein descobriu que a criança, ao contrário de não se relacionar emocionalmente com um objeto no início da vida, relaciona-se muito fortemente, embora, no começo, de forma não integrada (COSTA, 2010, p.30).

Klein também é considerada uma percussora em empregar o brinquedo como instrumento terapêutico na análise com crianças, para ela, o ato de brincar da criança numa sessão é equivalente à associação livre do adulto. “A criança expressa suas fantasias, desejos e experiências de uma forma simbólica, através do jogo e brinquedos. Ao fazê-lo, utiliza os mesmos modos arcaicos e filogenéticos de expressão, a mesma linguagem com que já nos familiarizamos nos sonhos” (KLEIN, 1882-1960, p.30).

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3.2.3 Donald Winnicott e o Espaço Transicional

O pediatra e psicanalista inglês Donald Woods Winnicott, produziu uma vasta obra aludindo a respeito da teoria do amadurecimento pessoal, com elementos cruciais para entender a natureza e a etiologia dos distúrbios psíquicos. Sua psicanálise fundamenta-se nas relações entre a criança e o ambiente em relação à mãe. Outeiral (2005) apud Belo, Scodeler (2013) indica que, de acordo com Winnicott, qualquer pessoa tem predisposição natural ao amadurecimento e, para que essa predisposição seja efetivada é preciso que o bebê esteja adaptado ao seu meio ambiente e suas necessidades. E “essa adaptação é exigida mais intensamente no relacionamento do bebê com sua mãe (ou alguém que faça esse papel), que aceite a ideia de ser responsável por um bebê inicialmente totalmente dependente dela”

De modo geral, entende-se que os conceitos teóricos de Winnicott abordam sobre a passagem de fases, em que uma criança passa da fase da dependência à fase da independência e, assim, constrói sua identidade. Mas, para que o desenvolvimento desse individuo seja satisfatório, é imprescindível o apoio da sua mãe (ou quem exerce essa função), aqui se introduz outro conceito de Winnicott chamado de “good enough mother” (mãe suficientemente boa).

Assim, segundo Winnicott, num primeiro momento, a mãe precisa entender o filho prontamente em suas necessidades, para que a criança pense que foi ela mesma que supriu essas necessidades. Depois, é preciso que a mãe não a atenda prontamente, a fim de que a criança já comece a enfrentar prováveis decepções. Esse processo de desapontamento provoca a presença de objetos transicionais, outro conceito utilizado por Winnicott para mencionar o instrumento usado pela criança para que a mesma possa superar a separação da mãe. Assim, sobre o desenvolvimento psíquico do bebê, ele “[...] parte de sua total dependência em relação ao meio ambiente para explicar como, gradualmente, ele consegue se desvincular da dependência desse ambiente, ou seja, da mãe ou de seu substituto” (COSTA, 2010, p. 49).

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maternos. Eles “[...] permitem à criança suportar a separação, restabelecendo a continuidade ameaçada de ruptura”. Além desse conceito, Winnicott desenvolveu também a ideia de espaço transicional, “[...] o espaço de jogo entre a criança e o mundo. É uma etapa importante porque é deste modo que ela toma seu lugar na família” (COSTA, 2010, p. 52).

Logo, compreende-se que, em sua prática psicanalítica com crianças, Winnicott direcionava a habilidade ou inabilidade da mãe e reproduzia o contexto entre mãe e filho em seu consultório. Esse cenário atingia dois propósitos: observar a relação da mãe-bebê e o modo como a criança brinca.

Em outros termos, é a brincadeira que é universal e que é própria da saúde; o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde; o brincar conduz aos relacionamentos grupais; o brincar pode ser uma forma de comunicação na psicoterapia; finalmente, a psicanálise foi desenvolvida como forma altamente especializada do brincar, a serviço da comunicação consigo mesmo e com os outros. O natural é o brincar, e o fenômeno altamente aperfeiçoado do século XX é a psicanálise (WINNICOTT, 1971, p.70)

Na teoria winnicottiana, o ato de brincar, tanto para crianças quanto para adultos, só é possível ser compreendido completamente se houver uma transicionalidade. Essa transicionalidade ocupa o lugar intermediário entre o mundo psíquico e o mundo social. Ou seja, para entender como funciona a brincadeira na prática psicanalítica infantil na perspectiva de Winnicott, é importante compreender que, o campo intermediário é formado pela realidade interna e pela realidade externa do indivíduo. Refere-se a uma transição que se inicia com a ilusão do bebê, que pensa que é “soberano”, em seguida, passa pela desilusão quanto à sua onipotência.

O significado do brincar adquiriu novo colorido para mim a partir de meus estudos sobre os fenômenos transicionais, remontando-os em todos os seus sutis desenvolvimentos, desde o emprego primitivo de um objeto ou técnica transicional, aos estádios supremos da capacidade de uni ser humano para a experiência cultural (WINNICOTT, 1971, p.68).

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criança leva para a “sessão-espaço-de-brincadeira”, eventos de suas experiências em sociedade e os utiliza como elementos de desenvolvimento e transição com resultados no mundo interno.

3.2.4 Françoise Dolto e a Escuta do Inconsciente na Infância

Françoise Dolto atuou como pediatra e psicanalista, sua preocupação com as crianças, para que elas fossem vistas como seres humanos dignos de atenção e escuta, fez com que ela se tornasse especialista e uma das pioneiras em psicanálise infantil. Dolto observou que o sofrimento da criança está relacionado à falta da verdade, ainda que se justifique que é pro bem dela. “Segundo ela, a mentira está em desequilíbrio com o pressentido e o inconsciente do sujeito” (COSTA, 2010, p.71).

Afirmava, também, que a criança, mesmo antes de falar já se comunica por meio do seu corpo e que “[...] a fala é o organizador que permite o cruzamento do esquema corporal (pré-consciente e consciente) com a imagem do corpo (inconsciente)” (COSTA, 2010, p.71).

Com suas experiências no atendimento com crianças e com a ajuda de outros profissionais, Dolto criou um espaço denominado Maison Verte, esse local servia para acolhimento, escuta e de lazer para as crianças desde os primeiros dias de vida até os quatros anos.

A Maison Verte foi uma instituição criada por Dolto em 1978 com a intenção de que fosse um espaço de convivência e troca de experiências entre familiares e crianças em idade pré escolar àquela época. Um lugar onde a palavra pudesse circular, onde crianças pequenas pudessem se encontrar com seus pares antes que tivessem idade suficiente para ir à escola. Um espaço intermediário entre o mundo familiar e o mundo escolar (VALLIM, 2016, p.16).

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e onde as crianças pudessem se preparar de modo que a vivência da entrada na escola não fosse tão traumática” (VALLIM, 2016, p.16).

Na sua teoria psicanalítica, Dolto diz que tudo é “linguagem”, referindo-se também àquilo que não é expresso por meio das palavras. “Para Dolto, a especificidade do ser humano como ser linguajeiro significava que tudo é linguagem, comunicação” (COSTA, 2010 p.61).

Sobre esta questão, Costa (2010, p. 61) ratifica que:

O sujeito, portanto, não nasce pronto como os animais. O sujeito assujeitado à fala, o sujeito do inconsciente, nasce no campo do Outro. Se ele não nasce pronto, deve ser construído, e sua constituição acontece na relação com a fala que passa pela linguagem. E essa fala não significa aprender a articular palavras e formar frases para comunicar-se com os demais, mas significa ir além da necessidade e ter acesso ao desejo.

Em seu livro “A imagem inconsciente do corpo”, publicada em 1984, observa-se um entrelaçamento entre teoria e sua prática clínica, destaca-observa-se o conceito de que a criança se expressa por meio do brincar, suas produções com desenhos e massa de modelar ajudam a compreender suas experiências. As produções infantis eram, para Dolto, espectros reproduzidos, trata-se de uma forma que a criança tem de se relacionar com o mundo e acessar inconsciente. O que se verifica nesse método de análise infantil é que a própria criança traz as informações necessárias para interpretação, por meio da tradução de seus desenhos imaginários. Para Dolto (2010, p. 3), os temas figurativos utilizados pelas crianças em seus desenhos, normalmente estão ligados a um drama familiar, algo que aconteceu e que marcou a criança profundamente.

As construções realizadas pelas crianças, seja por meio de desenhos ou por formas com a massa de modelar, se constituem em verdadeiras fantasias e qualquer parte de suas produções criam vida quando a criança fala sobre elas, analisando-as, é como se a criança fosse parte daquela construção; assim, quando uma criança fala sobre um desenho, por exemplo, é como se ela estivesse dentro dele.

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passiva, quer ativamente – passivamente em seu equilíbrio psicossomático, ativamente na relação com os outros (DOLTO, 2010, p.6).

Observa-se que, tanto em sua obra teórica, quanto em sua prática clínica, Françoise Dolto preocupou-se na relação mãe-filho. Foi de grande valia para a análise infantil, quando ela substitui o método da associação livre, pelo método do brincar, utilizando-se de matérias significativas, como: a massa de modelar, o lápis para as crianças desenharem, mas sempre procurando adaptar esses recursos conforme a necessidade de cada uma. E por meio das produções incentiva seus pacientes a fazerem as interpretações, calando-se e deixando com que eles se expressassem. Dolto, propõe então, uma prática analítica com crianças pautada no papel ativo do analista, no sentido de questionar e esclarecer conteúdos importantes para a constituição subjetiva, tendo em vista a reorganização psíquica do indivíduo.

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4 A ESCUTA PSICANALÍTICA COM CRIANÇAS VÍTIMAS DE

BULLYING

Na tentativa de encontrar resposta para a questão central desse trabalho “Como pode funcionar a clínica psicanalítica com crianças vítimas de ‘bullying’?”

É notório que o ‘bullying’, apesar de ser um ato agressivo praticado há muito tempo, somente há poucos anos é que ele passou as ser considerado um ato de violência. É importante ressaltar, quando se trata de bullying, que tanto o agressor quanto o agredido podem estar na posição de vítima, entendendo que, no instante em que uma criança não consegue elaborar seus sentimentos ruins ela passa a externá-los com atos de violência.

O bullying é um fenômeno estreitamente ligado a relações desiguais de poder. Brandt e Padilha (2020, p. 17) destacam que:

Uma das principais características dos agressores de bullying é que eles são extremamente populares, são líderes natos, possuem capacidade de persuasão e poder de comunicação, mas os utilizam para dominar aqueles que veem como mais fracos.

Nessa conjuntura, faz-se necessário entender, num primeiro momento, como a psicanálise trata a questão da violência, não obstante, como esclarece Machado (2013), não existe nessa abordagem conceitos referentes à violência, mas traz referências sobre a agressividade. Na perspectiva psicanalítica, os atos de agressão são como impulsos que se repercutem tanto na vítima quanto no agressor, pois este faz um grande esforço para se livrar de possíveis angústias. Assim, “a agressividade é um jogo de projeções produzidas no espelho que constituem o eu, o outro e o objeto, elementos que compõem a dialética das identificações” (MACHADO, 2013).

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descrever um ser humano constituído de pulsão de morte2. Depois, ele refere-se à

agressividade numa posição de não mais articulada às pulsões de conservação do eu, mas, mostra que a violência é uma propensão inerente a humanidade, que marca a pulsão de morte e, para Freud, é uma ameaça para a sociedade civilizada (FREUD, 1930/1974).

Anna Freud (1936) traz o conceito da análise do ego como uma resposta instintiva a realidade; assim, instintivamente, o indivíduo procura proteger “a imagem aceitável do que se é”, utilizando várias formas de defesas, dentre elas destacam-se aqui a ‘projeção’ que ocorre quando um indivíduo lança seus sentimentos negativos ou suas frustrações em outro, sem reconhecer que estes sentimentos fazem parte de si mesmo. Assim, em relação à agressividade, Anna relata que:

Os autores da escola inglesa de psicanálise acham que, nos primeiros meses de vida, antes de qualquer recalcamento ter ocorrido, o bebê já projeta seus primeiros impulsos agressivos e que esse processo é de crucial importância para a imagem que a criança forma do mundo à sua volta e para a maneira como a sua personalidade se desenvolve (FREUD, 1946/1986, p.89).

Nota-se, então, que na prática clínica desenvolvida por Anna Freud, é imprescindível a compreensão dos mecanismos de defesas do Ego, perante as exigências do id ou superego. De acordo com a autora, qualquer manifestação de atos agressivos é uma resposta (defesa) natural do próprio ser humano a uma possível ameaça.

Se investigarmos essa luta pela supremacia entre o ego e o id, perceberemos que quase todos os fenômenos inquietantes do período pré-puberal correspondem a diferentes fases no conflito. Maior atividade da fantasia, lapsos na gratificação sexual pré-genital (isto é, perversa); o comportamento agressivo ou criminoso significa êxitos parciais do id; a ocorrência de várias formas de angústia, o desenvolvimento de traços ascéticos e a acentuação dos sintomas e inibição de radical neurótico denotam uma defesa mais vigorosa, isto é, o sucesso parcial do ego (FREUD, 1946/1986, p.106).

O conceito de Mecanismos de Defesa criado por Sigmund Freud e aprofundado por Anna Freud é entendido como estratégias geradas pelo ego para proteger o indivíduo de situações aparentemente ameaçadoras, ou de dores, sofrimentos e decepções. Trata-se de um processo inconsciente que qualquer pessoa desenvolve

2 Nas suas teorias das pulsões Sigmund Freud descreveu duas pulsões opostas: a pulsão de vida, que

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durante seu desenvolvimento psíquico, nesse processo formam-se sistemas de proteção que ajudam a pessoa a enfrentar os desafios do mundo real e os conflitos emocionais. No momento que é ativado um mecanismo de defesa, não há como o sujeito prever, essas estratégias do ego desempenham um tipo de adequação, que procuram tornar suportável um alto nível de sofrimento emocional, atenuando, assim, mesmo que temporariamente, a dor.

A fantasia configura-se para a criança como um mecanismo de defesa do ego, que lhe auxilia no sentido de extinguir sentimentos de desprazer que não seria possível por meio da realidade. É como se a criança elaborasse em sua mente uma espécie de teatro, em que atua de modo diferente de sua realidade, e nesse cenário seus desejos são atendidos e suas ansiedade é diminuída.

Nesse sentido, pensar em um atendimento psicanalítico a uma criança vítima de bullying, pelo ponto de vista de Anna Freud, é imaginar que essa criança, acompanhada pelos pais, ou responsáveis, será analisada atentando para as fantasias que ela expressa por meio da brincadeira, visto que na teoria de Anna Freud, a criança é capaz de projetar nos brinquedos seus sentimentos recalcados. “[...] a atividade da sua fantasia nos jogos e nas brincadeiras, seus desenhos, etc., revelam suas tendências do id de uma forma muito mais indisfarçada e acessível do que é usual nos adultos e, na análise, podem quase ocupar o lugar da emergência” (Freud, 1946/1986, p.32).

Como já mencionado no primeiro capítulo, o bullying é um tipo de agressão que acontece comumente o ambiente escolar. Nesse sentido, pressupõe-se que a prática clínica de Anna Freud na terapia infantil é de suma importância para o âmbito educacional, para o acolhimento de crianças e adolescentes que sofrem com as consequências do bullying. Visto que, para ela, o papel do analista assemelha-se a de um educador, pois, dessa maneira, ele obterá a transferência necessária para acessar o inconsciente da criança e, por conseguinte, auxiliá-lo na superação de seus traumas.

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processos de divisão, projeção e introjeção (KLEIN, 1975). Assim, se um objeto (alguém) lhe parecer como uma ameaça, ela projetará nele seus impulsos agressivos.

No pensamento kleiniano, a emoção está no centro da cena e o fio que perpassa toda a teorização é o da angústia e da fantasia inconsciente. Adotou de imediato o conceito de pulsão de morte, ao contrário de tantos outros autores. A agressividade e a destrutividade, a pulsão de morte, presentes no seu trabalho sobre a inveja mais o conceito de cisão abriu caminho para a perspectiva de tratar os casos graves até então considerados intratáveis. E futuramente levaram a importantes contribuições de outros analistas para a compreensão da compulsão à repetição, das reações terapêuticas negativas, do narcisismo destrutivo, das organizações patológicas, dos refúgios psíquicos, etc. (GOMES, 2012, p.5).

É por meio das fantasias das crianças que é possível compreender seu sofrimento e através do lúdico ela pode externar os sentimentos de dor e angustia. “A criança expressa suas fantasias, desejos e experiências de uma forma simbólica, através de jogos e brinquedos. Ao fazê-lo, utiliza os mesmos modos arcaicos e filogenéticos de expressão” (KLEIN, 1882-1960, p. 30).

É possível concluir que, na prática clínica infantil, diferente de Anna Freud, que sustentava a ideia de uma escuta analítica mais voltada para o comportamento das crianças, observando as influências externas, o método de Melanie Klein consiste na interpretação profunda e consciente, por meio da fantasia que a criança expressa na brincadeira. Assim, o modo terapêutico desenvolvido por Klein cria um espaço propício para o atendimento de crianças vítimas de bullying, uma vez que, os traumas, as angústias podem ser projetados na brincadeira espontânea.

Referências

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