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A pedagogia ao encontro da complexidade

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL- UNIJUÍ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO DAS CIÊNCIAS

DANIEL FERNANDO SANCHEZ NAVARRO

A PEDAGOGIA AO ENCONTRO DA COMPLEXIDADE.

IJUÍ-RS 2018

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL- UNIJUÍ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU-MESTRADO EM EDUCAÇÃO DAS CIÊNCIAS

DANIEL FERNANDO SANCHEZ NAVARRO

A PEDAGOGIA AO ENCONTRO DA COMPLEXIDADE.

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-graduação Stricto Sensu Mestrado em Educação das Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências.

Professora Orientadora: Dra. Helena Copetti Callai

IJUÍ 2018

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Catalogação na Publicação

Ginamara de Oliveira Lima CRB10/1204

N321p

Navarro, Daniel Fernando Sanchez.

A pedagogia ao encontro da complexidade / Daniel Fernando

Sanchez Navarro. – Ijuí, 2018. 103 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Educação nas Ciências.

“Orientadora: Dra. Helena Copetti Callai”.

1. Pedagogia. 2 Complexidade. 3. Teoria crítico-hermenêutica.

I. Callai, Helena Copetti. II. Título.

CDU: 37.013

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Dedico esta dissertação aos lutadores pela Democracia no Brasil, aos nascidos e aos que vão nascer. Desde Colômbia até o Brasil e por toda América Latina, Venceremos.

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AGRADECIMENTOS.

Agradecer é uma coisa que não posso parar de fazer. Termino mais uma etapa da minha caminhada profissional e quando penso em como cheguei aonde estou hoje é impossível não pensar em pessoas que fizeram tudo isto possível.

Agradeço primeiramente a minha mãe Magnólia e a minha tia Patrícia, minhas vitorias são nossas.

Agradeço a minha família, sempre firmes, sempre felizes, sempre comigo.

Agradeço a Universidade Pedagógica Nacional de Colômbia, minha casa, meu lar, minha luta e meu orgulho.

Agradeço aos professores da Banca de Qualificação e a Banca de Defesa, pelas contribuições, as quais agregaram muito à pesquisa.

Agradeço a minha Orientadora Dra. Helena Copetti Callai. Não tem suficientes dias no meu calendário para agradecer por tanto que você fez por mim, obrigado professora, seu exemplo será inesquecível. Também, agradeço aos colegas do grupo de pesquisa, por seus aportes, seu acolhimento, por nosso trabalho, especialmente a minha coorientadora Maristela Moraes, seu trabalho foi crucial em todas as etapas.

Por último quero agradecer enormemente ao Programa de Pós-graduação em Educação nas Ciências da UNIJUÍ, seus funcionários e professores, em especial de quem fui aluno durante o Mestrado em 2017 e 2018, os quais me trouxeram desafios, conquistas e conhecimentos, obrigado por me ajudar a ser um melhor professor.

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“Deseamos mal. En lugar de desear una relación humana inquietante, compleja y perdible, que estimule nuestra capacidad de luchar y nos obligue a cambiar, deseamos un idilio sin sombras y sin peligros, un nido de amor y, por lo tanto, en última instancia un retorno al huevo. En lugar de desear una sociedad en la que sea realizable y necesario trabajar arduamente para hacer efectivas nuestras posibilidades, deseamos un mundo de la satisfacción, una monstruosa sala-cuna de abundancia pasivamente recibida. En lugar de desear una filosofía llena de incógnitas y preguntas abiertas, queremos poseer una doctrina global, capaz de dar cuenta de todo, revelada por espíritus que nunca han existido o por caudillos que desgraciadamente sí han existido” (ZULUETA, 2015, p. 11-12).

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RESUMO

A pedagogia é o conhecimento fundante do profissional docente. Nela se constrói o ordenamento teórico das práticas educativas, dos sujeitos envolvidos, dos objetivos do ensino e das orientações ético-políticos do encontro entre as gerações, portanto, uma disciplina central para compreender a realidade do fenômeno educativo, porém, sua história se apresenta como a somatória de tentativas da validação de seus aportes teóricos, de seu campo de estudo, seus objetos e seus métodos. Aquele protagonismo parece, segundo o ponto de vista da história, um objetivo a conquistar, mais um projeto futuro que uma avaliação real do que a sociedade entende e confia sobre a pedagogia. A partir dessa perspectiva, a presente dissertação se insere no campo das reflexões contemporâneas, especialmente as que provêm da teoria da complexidade, sobre o sentido da pedagogia e a possibilidade de encontrar coordenadas teóricas que lhe permitam começar um processo renovado na formação da sua autonomia e, em consequência, os princípios a partir dos quais se constrói a identidade do professor e as capacidades de reorientar as práticas educativas. Por conseguinte, a presente pesquisa visa identificar de que forma a complexidade pode se inserir nos discursos pedagógicos, reorientar as práticas educativas e a reflexão sobre elas de frente aos desafios do presente século. Metodologicamente procede a partir dos princípios da pesquisa qualitativa fundamentada no enfoque hermenêutico crítico. Os resultados da construção teórica e a produção de dados nos encontros com sujeitos, por meio de entrevistas e questionários, forneceram as orientações básicas para construir uma proposta pertinente na lógica dos atores do mundo pedagógico, os professores. O trabalho conclui aventurando-se na proposta de Mario Osorio Marques Pedagogia. A ciência do educador em busca de estabelecer elementos necessários para conceber uma pedagogia da complexidade que possa formar parte da estrutura da racionalidade que Marques apresenta como a pedagogia para compreensão, encaminhada a afrontar os desafios educativos dos tempos atuais.

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ABSTRACT

Pedagogy is the founder knowledge of teaching professionals from which one builds theoretical planning of educational practices, of subjects involved, of teaching purposes and of ethical-political guidelines between generations. Therefore, is a central matter to comprehend the reality of educational phenomenon. However, its history presents itself as the summ of attempts to validate its theoretical contributions, its field of study, its objects and its methods. From the point of view of history, that protagonism seems a goal to conquer, more like a future project than real evaluation of what society understands and trusts about pedagogy. From this perspective, the present dissertation is in the field of contemporary reflection, especially coming from the theory of complexity, about the meaning of pedagogy and the possibility to find theoretical coordinates that allows a renewed process of autonomy for pedagogy and, in consequence, for the principles that build the teacher’s identity and for the capabilities to reorient teaching practices. Thereafter, this research aims to identify how complexity can be inserted in pedagogical speeches to redefine educational practices and to reflect on itself against today’s challenges. Methodologically, it proceeds from the principles of qualitative research based on the critical-hermeneutical approach. Results of theoretical construction and data production since encounters with subjects through interviews and questionnaires provided the basic guidelines to construct a pertinent proposal in the logic of the actors of the pedagogical scenery, the teachers. The work concludes adventuring in the pedagogy proposition from Mário Osório Marques, as the Science of educators in search of establishing necessary elements to conceive pedagogy of complexity as part of the frame of rationality that Marques presents as pedagogy for the comprehension to affront today’s educational challenges.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Níveis de intepretação. A análise de enfoque hermenêutico crítico...56

Figura 2 - Distribuição de participantes por nacionalidade...58

Figura 3 - Roteiro de entrevista semiestruturada...59

Figura 4 - Os instrumentos em perspectiva...63

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Nível 1 de análise anexo 1- parte 1...64

Quadro 2 - Nível 1 de análise anexo 1- parte 2...65

Quadro 3 - Nível 1 de análise anexo 2- parte 1...66

Quadro 4 - Nível 1 de análise anexo 2- parte 2...67

Quadro 5 - Nível 1 de análise anexo 3- parte 1...68

Quadro 6 - Nível 1 de análise anexo 3- parte 2...69

Quadro 7 - Nível 1 de análise anexo 4- parte 1...70

Quadro 8 - Nível 1 de análise anexo 4- parte 2...71

Quadro 9 - Nível 1 de análise anexo 5- parte 1...72

Quadro 10 - Nível 1 de análise anexo 5- parte 2...73

Quadro 11 - Nível 1 de análise anexo 6- parte 1...74

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SUMARIO

INTRODUÇÃO...13

1 A PEDAGOGIA EM CRISE ... 18

1.1 Localizar a pedagogia na construção histórica do conhecimento sobre educação ... 18

1.1.1 O momento grego ... 20 1.1.2 O momento medieval. ... 21 1.1.3 O momento moderno. ... 22 1.1.4 A crise ... 26 1.2 A Pedagogia em crise... 33 1.1.5 O enrarecimento da Pedagogia ... 34

1.3 Duas propostas na mesa. ... 37

1.1.6 O professor capaz. ... 39

1.1.7 A epistemologia da prática ... 41

1.4 A relação teoria e prática. O nó do problema, a razão instrumental. ... 44

1.5 Abertura a busca por uma pedagogia para os professores pesquisadores ... 48

2 ENCONTRO DE REALIDADES. ... 50 2.1 A Questão fundamental. ... 50 2.1.1 A hermenêutica. ... 51 2.1.2 A interpretação ... 52 2.2 Questão de Metodologia ... 54 2.3 Questão de Método. ... 55 2.4 Questão de Técnica. ... 57 2.4.1 A amostra. ... 577 2.4.2 Entrevista semiestruturada ... 588 2.4.3 Questionário aberto. ... 60 2.5 Os dados produzidos ... 62

2.5.1 Nível 1 Análise formal ... .64

2.5.1.1 Análise das entrevistas...65

2.5.1.2 Análise dos questionario...76

2.5.2 Nível 2 de Análise. Síntese descritiva ... 76

2.5.2.1 Entrevistas...76

2.5.2.2 Questionários...77

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2.5.3.1 Três vozes...78

2.5.3.2 São convergentes...79

2.5.3.3 São parcialmente convergentes...80

2.5.3.4 Não são convergentes...81

2.6 Em síntese. ... 81

3 UM CAMINHO POSSÍVEL. ... 83

3.1 Mario Osorio Marques. A pedagogia como ciência. ... 83

3.1.1 A “re” emergência da Complexidade ... 86

3.1.1.1 Então, qual é complexidade do pensamento complexo?...88

3.1.1.2 A via trasndisciplinar...91

3.1.1.3 Transdisciplinaridade e pesquisa...92

4 CONCLUSSÃO. A META-PEDAGOGIA DA COMPREENSÃO. ... 94

4.1 Compreensão complexa: A relação pedagogia-identidade-práticas ... 94

4.2 Compreensão complexa: Do Instrumental para o Transdisciplinar ... 955

4.3 Síntese. ... 97

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INTRODUÇÃO

A Crise geral do mundo se manifesta de múltiplas e poderosas maneiras, uma das mais importantes tem sido a educação, como prova, está sua recorrente aparição na agenda política. Segundo Arendt (1961) a própria crise fornece a oportunidade de revisar todas as certezas acumuladas até o momento, revelando-as como respostas à questões ainda mais profundas que se manifestam de formas diferentes, exigindo de nós novas respostas. A crise só é fatídica quando se aprofunda diante de respostas dominadas pela pretensão de não dar o devido tratamento e de tentar encaixar as novas questões em modelos já rejeitados pelo fato de serem fracos diante da crise ou por que são preconceitos ocos ou teorias acriticamente assimiladas.

Falando agora em termos de fatos, é notório como os jornais internacionais se perguntam uma e outra vez por que os países de América Latina sempre obtém os lugares mais baixos nas provas, por exemplo, do PISA, onde se posicionam 25% mais baixo, ou o TERCE, feito pela Unesco com resultados igualmente alarmantes. Para além das comparações com países que têm sistemas de ensino radicalmente diferentes como Finlândia, Coreia do Sul ou Suíça, que ocupam os primeiros lugares na listagem, a análise histórica dos resultados demostra que os próprios resultados da região não melhoram muito em comparação a épocas passadas. As análises estruturais geralmente apontam ao contexto desigual como grande causa da falta de avanço na qualidade da educação, partindo da estrutura familiar, passando pelo financiamento, até a estrutura física das escolas e, obviamente, os professores.

O problema persiste ainda hoje que tem se realizado grandes esforços, pelo menos em cobertura, mesmo que ainda existem populações segregadas do acesso à educação ou em condições precárias, mas o que é mais preocupante é que, ainda que tenha recebido muita atenção midiática, popular, institucional e internacional, os resultados não param de marcar uma tendência à perda da qualidade, claro, se é entendido por qualidade os parâmetros das provas internacionais, como asseguram múltiplos recortes da imprensa da última década (BBC MUNDO, 2012, 2013, 2015; EL TIEMPO, 2014; GLOBO Educação, 2018).

A opinião nos jornais e os resultados das provas põe no debate público a crise da educação como uma tarefa sempre pendente, ainda que não seja uma resposta, nem uma análise fidedigna aos casos concretos, essa cobertura mediática traz a educação para o interesse do público. O discurso que pauta as opiniões das análises da grande mídia é sempre diverso, mas sempre chegam a um entendimento comum, de quem é a culpa. Seu julgamento permanentemente chama a atenção sobre o fato da falta de cobertura, da falta de inversão, da

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falta de qualidade. É inteiramente culpa do Estado e dos professores e são eles que têm que ser cobrados.

A mídia massiva demostra permanentemente de forma direta como a educação é claramente um campo de disputa política. Esta denúncia de um jornal sobre como as mudanças são muito lentas e não sabem ir junto às demandas da época, é um exemplo deste tipo de discurso, basta comparar e pensar sobre a definição de pertinência educativa que é usada: “A pertinência consiste em que te ensinem o que necessitas saber para ganhar-te a vida. Que o aprendido corresponda aos empregos que estão oferecendo.” (EL TIEMPO, 2014, não paginado, tradução nossa). Por sua vez, o jornal BBC MUNDO na seção de educação explica o porquê dessa preocupação como se tratasse do mesmo texto: “Isto é um problema importante numa economia globalizada, em que as recompensas vão parar aos trabalhadores melhor qualificados e mais produtivos, e onde se lhe dá mais importância que nunca à educação de alta qualidade.” (2015, não paginado, tradução nossa). A educação, em termos da mídia, é um assunto resolvido no que se refere a seus objetivos, pode ser um problema administrativo, de gestão de recursos, de aplicação prática de estratégias, mas pelo menos, segundo a mídia e as instituições que com ela concordam, os objetivos estão muito claros, a educação é uma ferramenta do mercado do trabalho.

Com uma avaliação distinta ao redor das provas, mas com o mesmo sentimento de insatisfação sobre os resultados da educação e dos seus sistemas de ensino, outros países como os Estados Unidos, França e Canada, têm desenvolvido seus próprios programas de melhora já na década dos 80.

A informação que aqui se apresenta é de forma alguma uma análise aprofundada sobre o discurso hegemônico na política educativa, são provas espalhadas pelo mundo dos assuntos educativos que servem como a prova irrefutável de que a educação vem apresentando uma profunda crise a nível global, e não só nos cenários institucionais e de educação infantil e de adolescentes, mas sim em todos seus cenários, e no olho do furacão estão os professores, problemática que se localiza no centro da discussão que se desenvolve nesta pesquisa. (GLOBO EDUCAÇÃO, 2018, não paginado).

O aprofundamento da crise pode ser entendido, segundo Arendt (1961), em três premissas ou forças mutuamente solidárias que se introduziram nos sistemas educativos, estas são:

1. A perda de contato entre os alunos e o professor, falando tanto como de grupos como indivíduos. Os adultos que atualmente se põem no lugar de assistente da autonomia do aluno, pressupondo que ela está bem orientada e perdendo o interesse na formação de horizontes

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qualificados para redigir aquela liberdade. Quebrada essa relação entre eles, quase que se obriga a que o verdadeiro padrão de comportamento para o aluno seja seu grupo, o que se pode degradar até o ponto da delinquência, como acontece em alguns casos.

2. O dominante pragmatismo das ciências, em especial da psicologia e a sociologia, que levou a perda progressiva do ser do professor e do ser do ensino. O professor sofre uma mutação quando seu conhecimento fundante, a pedagogia, é restrita especificamente a uma concepção instrumental do ensino, e só de forma geral, tirando dele as preocupações do por que ensinar? Para que ensinar? O que ensinar?

3. A terceira é a extensão do pragmatismo para os domínios do conhecimento, e deste para o entendimento da aprendizagem. Nesta lógica, só pode ser demostrado o aprendizado se este leva o sujeito a possuir a competência de fazer, usualmente pelo jogo ou a emulação, elemento autônomo do aluno, que por sua vez são fenômenos medíveis que servem para substituir o conceito de trabalho no seu sentido filosófico de atuar no mundo transformando-se e transformando o mundo, mas também da própria teoria, fechando ao aluno em um círculo vicioso, onde a atividade leva automaticamente o saber para o fazer, ao mesmo tempo em que faz com que o aluno permaneça fora do mundo da cultura e do contato com outros, fortalecendo a primeira premissa da crise.

Em resumo, a problemática principal desta pesquisa gira em torno do fato de que o profissional encarregado da educação, o qual teria que ser o que estudasse as incógnitas mais profundas desta, não possui um corpo de conhecimentos para se basear no momento de poder fazer avaliações sobre o sentido e o futuro da educação, por conseguinte, qualquer proposta que tente dar conta do contexto atual tem que pensar na superação desta falta de fundamentação do trabalho docente, e são essas condições as quais se pretende detectar e fundamentar no intuito de entender melhor a crise e perceber possíveis caminhos de saída desta.

Fala-se então de uma crise da Pedagogia. Ela é a ciência que reflete sobre a educação, é o conhecimento próprio do professor, é sua base, o constitui e dá sentido a suas práticas. É justificável dizer que sem ela, ou com ela em xeque-mate pela perda de sentido, se perde cada vez mais a figura do professor moderno.

Como um produto refinado da cultura, a Pedagogia possui a qualidade de ser um reflexo das preocupações de uma formação social sob um elemento problemático da vida que precisa ser pensado, orientado a partir dos conhecimentos disponíveis. Na sua constituição histórica vem carregando as ideias e pressupostos que fizeram possíveis as práticas educativas, isto é, uma racionalidade. Ela é a constatação histórica de que humanidade a cada geração precisa se

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humanizar, se fazer humana, o que tem como resultado uma reconstrução permanente do sentido do que é o humano.

Na atualidade, a Pedagogia como fundamento do trabalho docente está passando por um momento de permanente questionamento sobre sua verdadeira validez, já que o discurso empalidece em comparação às avaliações dos sistemas educativos feitas nas últimas décadas. Uma crise que teve como consequência a perda do sentido do ser/fazer do professor. No processo da crise perdeu sua unidade, foi perdendo autoridade sobre seu objeto e foi cada vez menos capaz de atuar e refletir de maneira autónoma, perdeu seu lugar como ciência, se é que alguma vez teve esse lugar. Em consequência o professor teve os mesmos comportamentos e perdeu, se é que alguma vez a possuiu, a potencialidade de agir e pensar como intelectual. Uma crise na tradição que virou crise de autoridade. Nada pode dizer a pedagogia fazendo alusão a seu passado, portanto ninguém a escuta no presente, aliás, o próprio mundo tampouco está conseguindo fazer essa ligação.

Nesse intuito, o presente trabalho propõe trazer para esta discussão os aportes da teoria da complexidade e sua aposta por um entendimento transdisciplinar do esforço de pensar, neste caso, a educação. A forma de chegar à complexidade como uma proposta valiosa para pensar a educação chega pela mão de Mário Osorio Marques no seu livro “Pedagogia. A ciência do educador”.

Na obra, o autor define o entendimento pedagógico do professor como uma meta-disciplina composta por três dimensões. Começa por um entendimento dialético que leve a humanidade a sua liberação no sentido crítico do pensamento, mas também tem que ter um suporte hermenêutico que oriente o pensamento crítico nas interpretações do sentido na história e, por último, no entendimento do autor, um pilar instrumental onde poderia se resumir as atuações do professor que tem a ver com o uso da técnica. Não obstante, os elementos que se quer atingir no momento de pensar o instrumental como dimensão válida são mais amplos. Por isso está pesquisa aposta em buscar, por meio da complexidade, essa leitura de modo que possa ser uma peça importante para construir uma pedagogia capaz de ler e superar a crise atual, e convergir no projeto do Mario Osorio Marques por uma meta-pedagogia da compreensão.

Acreditando nessa possibilidade, o trabalho procede a partir o suporte teórico crítico-hermenêutico, na perspectiva de orientar uma pesquisa qualitativa que encontre os caminhos para poder chegar ao encontro da complexidade como fundamentação pedagógica para se relacionar com os enfoques crítico e hermenêutico, que se permita sonhar com um enfoque teórico útil para os professores diante da crise de seu corpo de conhecimento. Infelizmente, essa pedagogia não pode nascer de um trabalho desta natureza, ela precisa ser construída

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coletivamente na ação e reflexão dos docentes, no entanto, o objetivo aqui é estabelecer os marcos teóricos para essa longa caminhada.

Em termos sintéticos, a pesquisa tem como objetivo geral identificar de que forma a complexidade pode se inserir nos discursos pedagógicos, reorientar as práticas educativas e a reflexão sobre elas frente aos desafios do século XXI. Para isto se faz necessário realizar um rastreio histórico dos discursos pedagógicos e analisar suas dimensões constitutivas através da revisão de literatura. Também, se pretende conhecer mediante metodologias da investigação qualitativa o significado das relações que os professores estabelecem entre pedagogia, identidade profissional, práticas educativas. Para isso, se usam como instrumentos a entrevista semiestruturada e o questionário, como formas de manter contato com o mundo vivido dos docentes que, no caso, atuam na área de formação de professores para assim chegar a discutir a possibilidade de uma pedagogia complexa através da exploração da proposta do Mario Osorio Marques no seu livro “Pedagogia Ciência do Educador” e entender como esta permitiria a construção de uma pedagogia complexa que responda aos desafios da pedagogia no século XXI. Para acolher esta tarefa, este texto se desdobra na seguinte estrutura: No primeiro capítulo se realiza uma pesquisa documental para dimensionar a natureza da crise da pedagogia, procurando em textos que localizem o desenvolvimento teórico da pedagogia como disciplina, que expliquem o porquê da crise e, ainda mais importante, o porquê da sua não superação. No capítulo dois se buscou fazer uma pesquisa qualitativa que encontre os caminhos pelos quais se tece a relação conhecimento e trabalho para o caso da docência e como essa relação está sendo afetada nos tempos atuais, fazendo ênfase na possiblidade da pesquisa como elemento chave para distinguir as capacidades do professor. Para isso, será usado o instrumento do questionário e a entrevista semiestruturada. Por último, no terceiro capítulo, se recolhe as análises dos elementos anteriores e a proposta da obra do Marques (2006), em busca de estabelecer elementos necessários para conceber uma pedagogia da complexidade, que possa formar parte da estrutura da racionalidade que o autor apresenta como a pedagogia para compreensão, encaminhada a afrontar os desafios educativos dos tempos atuais.

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1 A PEDAGOGIA EM CRISE

Neste capítulo se explora o desenvolvimento da pedagogia desde as reflexões gregas sobre educação, passando por seu surgimento como uma disciplina moderna até a crise contemporânea localizada na modernidade tardia. Usa-se a categoria de paradigma como a chave de análise para o entendimento dos elementos constitutivos da pedagogia, necessários para a compreensão dos problemas atuais sobre o corpo de conhecimentos que sustenta a prática profissional docente. Na atualidade, seus limites, suas caraterísticas e suas possibilidades estão sendo discutidas no mundo todo, parece que a pedagogia não é mais entendida como o elemento central na ação/reflexão sobre a educação, nem no trabalho do ensino. Da tentativa pela definição da pedagogia como conhecimento constitutivo docente se desprendem obrigatoriamente reflexões e mudanças para sustentar seu estatuto profissional, os programas curriculares de formação e sua participação nos cenários de debate público sobre a educação atual, de onde estão sendo excluídos ou infra valorados. É nesse intuito que se desenvolve este capítulo como uma leitura teórica a partir da revisão bibliográfica de tipo narrativa, isto é, sem esgotar fontes concretas de dados e segundo os critérios do próprio estudo segundo os autores, ganha profundidade a causa de sua flexibilidade, a que permite que a revisão tenha a capacidade de focar-se nas temáticas que ache mais relevantes (FAC UNESP, 2015).

1.1 Localizar a pedagogia na construção histórica do conhecimento sobre educação A educação é uma relação social em que indivíduos interatuam com a cultura, cultura que, por sua vez, é um produto histórico, isto é, foi moldada pelos homens e mulheres protagonistas de seu passado. Obter da cultura tanto respostas como perguntas acumuladas ao longo da história humana, ainda que não seja de maneira homogénea e sem tensões, é o que aqui se refere quando se fala de educação. Nela se transita uma senda espinhosa, a senda da humanização. Ser humano é uma condição que deve ser reafirmada, não basta nascer como humano, deve se vincular à humanidade pela mão da educação. O caminho da humanização está composto de uma amálgama heterogénea de saberes, dos quais podemos diferenciar grupos ou estruturas as quais compartilham uma série de traços que lhes dão um caráter singular. Grupos, ou melhor, agrupações que, vinculam, distinguem, separam e excluem a partir de valores que dão sentido à verdade, por conseguinte, definem o que é verdadeiro. Estes pilares de validação são conhecidos como paradigmas (MARQUES, 1993).

Necessitam-se para seguir adiante na análise uma triangulação de três palavras chave. Terá que relacioná-las de maneira acertada: conhecimento, paradigmas e educação. A educação trabalha, por assim dizer, com o conhecimento, o qual é um componente da cultura de uma

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sociedade produto da relação pensamento-realidade. Os modos em que o pensamento opera, isto é, as formas em que a possibilidade do conhecimento se dá no mundo, são configurações particulares próprias de comunidades cognoscentes, sempre em disputa, as quais criam e modificam um método, um objetivo, uma linguagem, uns limites, uns códigos de validação, objetos, perguntas ou interesses que, em seu conjunto, se denominam como racionalidade. A racionalidade se veste de paradigma depois que, além de desenvolver todos seus elementos, se torna consciente de sua própria existência e começa uma busca pela coerência interna, associando e excluindo ideias, estabelecendo um limite para o que é conhecimento socialmente válido (MARQUES, 1993; 1994).

Então, poderia se dizer que os paradigmas são entidades históricas, categorias que denominam configurações particulares de nossa racionalidade, habitam e se transformam no seio da sociedade, moldando assim seus produtos, seus produtores, seus códigos, o sentido do humano e a percepção humana do real. Poder-se-ia, como exercício da imaginação, examinar cada coisa que é quotidiana para nós e delas extrair o paradigma que lhes é implícito, por exemplo, um laboratório tradicional é a manifestação fidedigna do ideário do conhecimento moderno expressado por Descartes.

Do anterior se infere que a educação deve trabalhar com os paradigmas e refletir, por conseguinte, sobre a própria estrutura do conhecimento e dali servir-se para refletir sobre sua cultura a fim de obter dela o “melhor”. Se temos que humanizar, que pelo menos se pergunte: Humanizar para quê? E qual tipo de humano? (MARQUES, 2000a).

Quando ditas problemáticas se tornaram sistemáticas, a educação deixou de ser uma tarefa social improvisada ou pautada como um ato tradicional de modo a ser uma oficina e se converteu num objeto científico. A pedagogia começa ali sua travessia na modernidade estando disponível para quem deseja assumir a educação e a prática de ensino como problema de reflexão (MARQUES, 1994).

O primeiro é localizar-se e fixar um rumo, como em qualquer aventura. No caso do docente, esse rumo só estará dado no momento que o sujeito, abandeirado da missão pedagógica, determine a relação que vai estabelecer entre educação e conhecimento através da relação entre pedagogia, como disciplina e paradigma como categoria de análise. Criar primeiro um mapa sobre o qual possa determinar o caminho que deseja recorrer em direção para a humanização. Daí que nesse texto se pretenda defender que a cartografia paradigmática é uma tarefa necessária para os professores. Se pudesse estar em qualquer ponto dentro do mapa, onde você estaria? O que neste caso significa, que educação você quer?

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Cartografar: o mapa é um produto feito a partir de uma linguagem que permite localizar todos os elementos de interesse distribuídos no espaço. Ocorre o mesmo ao intentar tomar postura dentro da interação entre a educação e o conhecimento pelo viés da relação entre paradigma e pedagogia. É necessário aclarar que só serão levados em conta os momentos chave para a conformação do mundo moderno ocidental, o qual é o marco de referência e afetação do presente trabalho já que, igual que os mapas, as disciplinas e as categorias, são produtos históricos e estão temporal e especialmente localizados. Isto não quer dizer, de nenhuma maneira, que em sociedades não ocidentais, por exemplo, as indígenas —sendo que existam sociedades indígenas modernas ocidentalizadas — não exista relação entre conhecimento e educação, mas suas características e particularidades no que está referido ao conhecimento, seus limites e possibilidades, são de outra origem social e seria anacrónico tratar de definir elas a partir da categoria de paradigma ou desde uma disciplina como a pedagogia sem uma discussão epistemológica profunda que lhe anteceda.

Um paradigma engloba dentro de si uma estrutura de conhecimento sustentada por componentes teóricos e éticos entre os quais convém destacar: a relação entre sujeito cognoscente e objeto conhecido; uma finalidade ou um objetivo; uma metodologia de ação e, por último, uma forma de afrontar o fenómeno, no caso a formação humana ou educação, por exemplo, no caso grego, os cidadãos contavam com fontes e referências para falar sobre educação, um protótipo de pedagogia, distinta radicalmente à experiência contemporânea, mas que guarda uma relação demasiado estreita para ser omitida ou excluída como ponto de referência.

Voltando sobre a metáfora, o mapa que o professor deve criar está conformado com três momentos paradigmáticos dos quais se pretende conhecer sua estrutura. No entanto, é preciso afirmar que sua sucessão não é lineal, nem acumulativa, nem crítica, nem pacífica, nem romântica, na realidade é complexa. Atualmente todas e cada uma emergem de maneiras próprias à contemporaneidade e escapam na maioria das ocasiões à distinção nítida e as definições essencialistas. Os paradigmas estão dissolvidos em compostos que se diluem na sociedade, mas este comportamento errático e unicamente de nossa contemporaneidade o que será tratarão mais adiante.

1.1.1 O momento grego

Também chamado de paradigma das essências. Uma forma de construir conhecimento baseada fundamentalmente na relação de sujeito-objeto (O→S), mas configurada de modo que o objeto se apresenta como real e o sujeito tem que captá-lo em sua essência.

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Este esquema de interação com o real que visa construir uma verdade apresenta um mundo perfeito que está povoado por sustâncias perfeitas. O erro só provém do humano em sua forma de perceber, por isso, a finalidade do conhecimento será lutar contra de esses erros humanos que entorpecem a contemplação da realidade (MARQUES, 1993).

Há um compreender teológico. Uma ideia de divindade no real que faz que o mundo seja alheio aos homens, que pelo fato de ser humanos não podem aceder à divindade e o conhecimento será só a agonia de tentar aproximar-se a esse estado divino.

Reconhecem-se no interior do momento grego três tradições enfrentadas em seu proceder para o conhecimento. Os Pré-socráticos e a pregunta pela essência, uma razão para todas as coisas. Os Sofistas e sua ênfase no discurso e a praça pública acordando a verdade em debate. Por último Sócrates, Platão e Aristóteles, os grandes filósofos; desenvolveram duas visões sobre o mesmo problema do conhecimento e o real, o idealismo e o realismo. Os sofistas, sendo uma enorme maioria, terminam por ser esquecidos, no entanto Platão e Aristóteles se transformam em duas divisões de um mesmo tipo de saber (MARQUES, 1993).

O realismo aristotélico e o idealismo platónico pretendem buscar, ou no mundo das ideias, ou nas sustâncias do real, um caminho para conhecer. Ambos operavam usando o método da contemplação, entendendo-se a si mesmos como observadores externos.

Reconhecer o conhecimento como a pesquisa pelo real-preexistente, tem como consequência uma educação que atua descrevendo o mesmo movimento. Um estudante que deve acercar-se ao que já existe, caminho longo para o qual deve adaptar-se um olhar experto e sensível para detectar o real. O aluno se entende a si mesmo como desprovido de conhecimento. O docente, portanto, deverá ter aquele conhecimento, ou pelo menos o suficiente para poder guiar a esse aluno impossibilitado a encontrar qualquer tipo de entendimento do real por si só, ainda que assim leve décadas; é entendível que os cidadãos mais importantes fossem os mais velhos (MARQUES, 2000b).

1.1.2 O momento medieval.

A época medieval é bastante infra valorada e desconhecida ou lida simplesmente desde o preconceito dela ter sido excessivamente teocêntrica, silenciando a complexa mistura da tradição judaico-cristã e a grega-romana. A revelação das contradições resultantes e as implicações para o mundo moderno são fundamentais (MARQUES, 1993).

A época medieval tem em seu leito uma reconfiguração do paradigma grego. Preserva a mesma configuração de relação entre sujeito e objeto. Sua finalidade está em encontrar a verdade divina, dada por certa e existente em termos do Deus católico. O dogma era o princípio

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e o fim, uma estrutura de conhecimento que começa com ou dogma como problema de conhecimento e termina com ou dogma como conclusão, em outras palavras, conhecer era uma maneira de reforçar a ideia inicial de que tudo é apresentado por Deus, validado por ele e exposto aos homens como verdade através dos textos sagrados.

Nesta etapa a pugna entre Platão e Aristóteles foi resolvida a favor de Aristóteles e a pesquisa pela sustância do real era agora a procura de Deus no mundo, com o fim de fazer o humano mais próximo a ele. Aqui, ainda da meditação se usou um tipo de hermenêutica, mais que clássica, embrionária, a qual encontrava as verdades divinas a partir dos textos e, posteriormente, com a contemplação eram encontradas no mundo. A ideia pedagógica que surgiu neste paradigma medieval está atravessada por vários elementos sociais muito marcados e que têm muito a ver com a posição política da qual gozava a nascente igreja católica, entre eles está o elitismo que existia no momento de interatuar com fontes de informação, a censura, o combate do paganismo etc. Não obstante, sua ideia de educação estava clara, o dogma leva ao dogma.

O docente era a verdade porque portava a palavra divina. O aluno só tinha a opção de imitar e aprender a força de repetição, e imitação. Apesar disso, vale aclarar que esta prática estava reservada para as esferas altas da sociedade. Por outro lado, as camadas mais baixas aprenderam durante o catecismo, e posteriormente nas oficinas manufatoras dos burgos, mas sem escapar aos princípios da verdade divina.

1.1.3 O momento moderno.

Segundo Habermas (1998), o termo modernidade foi usado pela primeira vez no século V para diferenciar o presente cristão do passado pagão. Expressa consciência histórica que se olha a si mesmo com relação a uma época radicalmente distinta. Uma transição ao novo com várias fontes de inspiração. Começa com o resgate do pensamento grego, mas esse espírito foi substituído pela confiança na ciência, um modernismo romântico que chegou até a primeira metade do século XIX, que acreditava na melhoria social e moral infinita. Na segunda metade do século XIX sua interpretação se decantou pela oposição entre tradição e presente fazendo de sua marca distintiva “o novo”, condenando a obsolescência cada coisa que nasce dela, mas gerando pautas autossuficientes para sua reprodução permanente.

Marques (2000a) denomina este momento como o paradigma mentalista. A certeza a priori da existência da mente é o que permite o conhecimento. É muito explícito que nesta época o sujeito seja o centro do ato de conhecer e, portanto, de toda a tradição filosófica e científica que se desenvolva a partir deste ponto. A modernidade seria o primeiro momento da

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história em que a humanidade, consciente de si mesma, se joga à aventura do conhecimento sem ataduras externas, acredita-se suficiente para sustentar uma ordem metafísica desde onde possa fundar um sistema unitário que dê validez ao conhecimento e à moralidade.

É filha de dois pais, Descartes e Kant, quem marcaram pontos de não retorno no pensamento ocidental. Descartes lhe deu, a partir de seu método, os elementos necessários para a invenção de um mundo distinto, já que aquela sociedade necessitava deixar de conferir o pré-existente e encontrar o novo, a invenção e o homem criador (MARQUES, 1993). O domínio da natureza pelo humano foi um progresso inestimável, porém, este se corroeria a tal ponto que dificulta, hoje em dia, nossas possibilidades de conhecer e de viver.

No “Discurso do Método” se especificam quatro elementos que, segundo Descartes (2010), lhe permitiam acreditar que na hora de tomar as melhores decisões o pensador moderno o conseguiria acreditando com firmeza nos princípios da razão. Estes são: duvidar de todas as coisas, apostar pelo proceder dedutivo, dividir todo as suas partes mais simples e fazer uma revisão tão extensa que fosse plausível confiar em que não se permitisse uma omissão importante. Só assim estaria evitando o erro e poderia presumir de objetividade. Descartes fundou dentro do realismo a corrente racionalista que estabelece o fato de que, para existir o conhecimento e a própria realidade, a razão deve processar o real, bem conhecida pela frase, penso logo existo, cogito ergo sum.

Em seu tempo se enfrentou, contra os empiristas, os quais afirmavam que o primordial no conhecimento era a experiência captada pelos sentidos e, portanto, o método indutivo era mais pertinente. De um conjunto de sucessos ocorridos numa experiência controlada poderão determinar-se leis gerais, distinto do dedutivo que estabelece ideias prévias, teorias provisionais, que verificam ou dão por falsas num processo de contraste, atitude que Descartes achava mais favorável, porém tanto uma como a outra foram as vias de acesso à ciência moderna, a maior das vitórias e o maior dos problemas da modernidade.

Dentro desta disputa aparece Kant. Em sua obra magna “Crítica à razão pura” determina como opera o conhecimento e deixa de lado a discussão entre racionalistas e empiristas. Ele retoma o idealismo e o põe a serviço das demandas e dos tempos modernos. A obra de Kant estabelece uma verdade fatídica que está no centro do ato de conhecer. Os seres humanos nunca conhecem o “númeno”, o real é alheio a nós, o que o humano conhece são fenômenos. O processo pelo qual se constroem fenômenos a partir do númeno é o processo de conhecer. Kant determina que através dos sentidos ordenamos o caos que existe fora de nossa mente, o primeiro passo se dá no uso das intuições puras, as categorias do tempo e espaço, depois de localizar a

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representação se procede a configurá-la através das categorias do entendimento que são: quantidade, qualidade, relação e modalidade (KANT, 2007).

O Idealismo kantiano, responsável pelo chamado giro copernicano, compreende que é o sujeito quem cria uma imagem da realidade na sua mente e que essa seria a fonte do conhecimento, já que o real não pode ser captado por nós de forma pura. Em Kant começa a substituição da moral cristã pela moral baseada na razão, entenda-se esta como o resultado de um sujeito na linear do individualismo, com plena fé no conhecimento cientifico, portanto possuidor, criador e propagador de verdades universalistas sobre os fenômenos (FENSTERSEIFER, 1999, p. 39).

A modernidade viu nascer o Estado Nacional, os impérios, a classe operária, as revoluções burguesas, o socialismo, o capitalismo industrial, a ciência e a tecnologia como nunca na história. A modernidade se concebe como um projeto, desde o qual a diversidade de ideias tinha sentido, um projeto sonhado desde a França revolucionária, os Estados Unidos independentes, os grandes avanços técnicos, os valores Iluministas e no Humanismo. É um campo de lutas que se dirige, em trilhos marcados pela razão em direção a uma sociedade mais justa.

O entendimento moderno do século XIX encontrou em Marx, Durkheim e Weber três explicações sociológicas de como a etapa moderna tinha se configurado e com ela todas as instituições que configuraram a ordem social das nascentes Estados Nação. Segundo Guiddens (1994, p.24) se podem resumir estas ideias assim:

A. Marx propõe na sua explicação que a nova ordem social é, principalmente, produto do desenvolvimento do capitalismo. A modernidade é, portanto, a configuração capitalista da economia, a política e as outras instituições. Seu ritmo instável de mudança permanente é o resultado social dos ciclos de produção e a lógica inversão-benefício-inversão. Com cada ciclo o lucro percebido é menor, o que leva o sistema a procurar sua expansão até reverter a tendência decrescente do lucro, daí seu compartimento expansionista e o nascimento dos impérios.

B. Para Durkheim as explicações sobre as instituições modernas não estão no capitalismo, mas sim nas consequências do processo de industrialização e a complexa divisão social do trabalho que liga as necessidades humanas aos ritmos cambiantes da produção industrial.

C. No caso de Weber o capitalismo faz parte da leitura das condições marcantes da modernidade, mas a categoria que ele usa é a do capitalismo racional, porém, o capitalismo na sua definição não é o mesmo de que fala Marx. Na sua proposta de teoria sociológica, o núcleo das mudanças vertiginosas está no âmbito racional, isto é, a tecnologia e a técnica como

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principais organizadoras das atividades humanas, o que teria como resultado a configuração burocrática das instituições.

Guiddens explica ainda que não são caracterizações mutuamente excludentes entre si, que desde um olhar complementário podem captar a modernidade na sua constituição multidimensional diante dos novos desafios da modernidade tardia, conceito que problematiza a contemporaneidade desde sua base moderna.

Habermas (1993) faz uma leitura aprofundada do pensamento filosófico que envolve a modernidade, porém distinto do processo de modernização. Os dois fenômenos têm um mesmo começo, são uma unidade como pode se encontrar nas leituras dos clássicos da sociologia, principalmente Weber, Dukheim e Marx. Com o desencantamento das imagens religiosas do mundo, a criação de uma cultura laica especializada e a organização das estruturas sociais ao redor do estado burocrático e a empresa capitalista, que institucionalizam as preocupações administrativas e econômicas em lógica pragmática de meios e fins, dissolvendo as formas de vida tradicionais da mão da universalização de normas e valores, além de provocar o desenvolvimento massivo do processo de individualização do sujeito, todos como fatores simultâneos e que se reforçam mutuamente.

Assim, com o desenvolvimento das formas produtivas, a implementação dos poderes políticos, a difusão progressiva dos direitos individuais e a participação política, a formação das identidades nacionais, o crescimento das formas urbanas de ocupar o espaço se desenvolve o processo de modernização, distinto da modernidade e seu racionalismo, categoria com que se designaria a objetivação histórica das estruturas racionais desta época.

Ambos os processos rompem conexões conforme se faz mais rápido suas dinâmicas, a modernização vai se afastando cada vez mais do racionalismo, permitindo que o termo pós-modernismo estivesse em circulação. A modernização avança pelo mundo de maneira automatizada como formatação social padronizada sem distinguir espaço ou tempo, impondo um modo de ser, isto pode ser melhor analisado na luz das relações entre conhecimento, sociedade e cultura.

A ideia da modernidade como projeto era produzir uma ciência objetiva, uma moral universal com uma lei e arte autônomas, que ajudaram a humanidade no seu caminho para seu aperfeiçoamento. Portanto, os intercâmbios culturais são vitais para que a totalidade da humanidade chegasse nesse disfrute universal dos bens e das responsabilidades do projeto moderno, no entanto, o desenvolvimento da cultura moderna foi contrário a este intuito como explica Weber. Devido à aparição de três esferas autônomas, a ciência, a arte e a moralidade,

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as quais provêm da separação da chamada razão substantiva que está contida na relação filosófica e prática entre religião e pensamento metafísico.

Os antigos problemas da humanidade se organizam para passar a ser domínios do conhecimento institucionalizados em discursos científicos, teorias morais, jurisprudência, produção e crítica artística. Cada domínio será o responsável pela formação de profissionais especialistas que dão um tratamento elitista, portanto, sua intervenção na cultura da modernidade é produtora de divisões. Cria-se assim uma dimensão da cultura para expertos, longe da cultura do comum, que faze com que o contato entre esferas seja cada vez mais difícil, e como consequência é quase impossível aguardar a que as ideias produzidas por especialistas passem a ser parte da vida cotidiana das pessoas, não tem contato, portanto não tem como ser retroalimentadas uma com a outra. Contrário ao senso comum, esta autonomia não se traduz em pensamento crítico, esta é a metáfora do monopólio do domínio das esferas da cultura pela comunidade de especialistas, que no contexto político econômico do capitalismo liberal viram promotores da razão instrumental.

1.1.4 A crise

A crise das sociedades modernas tem muito a ver com a separação entre sociedade e cultura. O modernismo cultural fez com que a vida cotidiana tomasse como hegemônicos o princípio de autorrealização ilimitada, quer dizer um indivíduo permanentemente incompleto, sujeito de desejo inesgotável procurando uma experiência autêntica, isto é, uma motivação hedonista incapacitada para se vincular a propósitos ou condutas sociais mais amplas. O pós-moderno relativiza o processo de modernização, acreditam que as premissas da ilustração estão mortas, só estão vivas suas consequências, divide a modernidade cultural, onde supostamente morreram os princípios ilustrados, da modernidade social que está andando sem ter em conta seus antigos princípios.

Antes de avaliar esse ponto de vista, vale a pena refletir se precisamos reviver os princípios sociais do iluminismo ou reconhecer que este é uma causa perdida? Então, modernidade ou pós-modernidade? Frente a como assumir o momento atual há um grande debate, a crise da modernidade é um assunto polêmico. É esta a pós-modernidade? Algo “depois da” modernidade. Será que os valores modernos fundamentais ainda têm validez? O projeto iluminista de criar uma sociedade mais justa, com igualdade, solidariedade e liberdade, pelo viés exclusivo da razão viu-se reduzido pela repentina queda de todas suas certezas, incluindo alguns autores que determinaram que o humanismo estava agonizando, que a barbárie voltaria e que o homem morreria para jazer junto a Deus no mesmo buraco que já tinha feito Nietzsche.

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É necessário primeiro marcar a diferença entre pós-modernismo e pós-modernidade. A primeira tem um significado restrito que faz alusão só a correntes estéticas dentro da literatura, as artes plásticas e a arquitetura e que certamente fazem crítica ao estilo moderno. A pós-modernidade é um conceito com implicações mais radicais, esta significaria que a humanidade está traçando um caminho longe da ordem moderna para outra forma de configuração das relações sociais profundamente diferentes do que vinham sendo quando eram orientadas desde as instituições modernas.

Segundo Guiddens, o pós-modernismo apenas pode expressar a consciência desse movimento, a sensação de que as experiências atuais são marcadamente distintas do passado, mas isto não consegue demostrar a existência fática que neste momento da história já não estamos dentro da modernidade. Até certo ponto isso é uma verdade iniludível, caíram verdades absolutas e todas as certezas irrefutáveis, e junto com elas se foram as principais discussões da epistemologia clássica, agora é reconhecido que a história não possui uma teleologia, que aquela visão de progresso é uma convenção social e não um destino marcado. Por outro lado, a importância de muitos objetos de estudo têm diminuído, entretanto, a agenda teórica e política atual está marcada por uma série de questões que não existiam ou não tinham sido reconhecidos na modernidade clássica, as questões de gênero, os movimentos sociais, as lutas ambientais, entre outras, o que significa a deslocação das preocupações deixando fora a exclusividade político econômica do estruturalismo (GUIDDENS, 1994, p.52-54).

Vattimo (2002), defendendo um futuro pós-moderno, aclara para seus leitores que a base dessa busca por um outro sentido da existência começa com Nietzsche, com a ideia do eterno retorno, e em Heidegger com a ideia de superação, a qual estabelece que a modernidade faz da história uma progressiva apropriação dos fundamentos racionais do conhecimento. A crítica fundamental da modernidade iluminista se localiza na secularização do espírito hebraico-cristão que tinha outorgado um sentido ontológico à história, que sempre busca um princípio para onde voltar e que entende a si mesma como a busca permanente de estados superiores do ser pelo viés da razão. O sentido do prefixo pós quer dizer o intento de fugir dessa lógica do pensamento, mas sem tentar estabelecer um princípio ainda mais verdadeiro, dando lugar a hipóteses como o fim da história ou da historicidade, estabelecendo o fim do eterno retorno, já que no procura achar um princípio legitimador que se encontra no passado, isto é, um futuro niilista, e que também não procura a superação permanente, entendendo a existência como evento.

Isto não significaria a impossibilidade do conhecimento, a chegada do relativismo absoluto que alguns acham plausível pela perda sistemática de bases epistemológicas. Guiddens (1994) compartilha com Vattimo a leitura de que um entendimento profundo de

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pós-modernidade começa em Nietzsche e em Heidegger, mas aclara que eles, críticos do iluminismo, não conseguem que sua crítica chegue num ponto de vista superior, nem está baseada em pretensões mais solidamente fundamentadas. O principal problema é que assumir esses argumentos impõe ao defensor da pós-modernidade o requisito do pensamento moderno, isto é, achar coerência na história e localizar nosso lugar dentro dela. Tem mais sentido entendê-la como um movimento auto reflexivo da modernidade, olhando para eentendê-la em busca da compreensão e não como um movimento de superação da própria modernidade como tal. Mesmo que ainda se possa chamar a realidade social atual de pós-moderna ou outras denominações, por que sim, é verdade que o mundo está mudando, às vezes fora da modernidade, às vezes contra seus princípios básicos (pp. 54-58).

Em consequência, a modernidade tardia é um momento especialmente difícil na história da humanidade. A sociedade moderna se constrói através de sua leitura do passado e sua necessidade de se localizar fora dele. Com o afastamento progressivo da tradição a modernidade tardia é cada vez mais auto fundamentada em novos valores, que diferem drasticamente da época anterior. A modernidade tardia se caracteriza, entre outras coisas, pela mudança do sentido do tempo social, isto é, a negação do passado e a incerteza do futuro, este já não é lido mais como sorte, tem sido secularizada essa ideia e agora estamos numa sociedade administradora do risco, o qual se acumula nas probabilidades de obter resultados inesperados produzidos pelos avanços da racionalidade instrumental e a busca permanente pelo novo, por exemplo, que se repita o acontecido em Chernobyl.

Como o movimento para o novo é permanente e em ciclos cada vez mais rápidos, a própria modernidade se perde em si mesma, já se auto constrói numa estrutura imaginaria em que a vontade de dominação da razão acredita, ela mesma, não ter fim. Assim perde suas próprias referências e cria uma paisagem de desordem que é difícil de compreender devido ao fato de que cada esfera do real está dominada pela racionalização, a ideologia do progresso e a produção permanente. Tudo isso configura uma dialética do novo que sempre implica a volta ao mesmo princípio fundante, nela a esfera econômica e a cultural viraram sistemas autônomos no seu próprio domínio, porém, estas esferas não pararam de criar relações entre si, o problema agora é que é mais difícil entendê-las devido a seu imediatismo, ali mora um risco permanente do desentendimento entre economia e cultura, fazendo impossível a ordem social. (BERIAIN, 1996).

A modernidade, certamente encontra pontos de crise mas, segundo a crítica de Horkheimer (2002) que observa como a razão técnica obscurece os ideais humanistas, mesmo assim, ainda não estão mortos, parecesse que só a cápsula da modernidade foi eliminada,

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enquanto o projeto prevalece apesar de que o terrível relativismo, o qual promove o desentendimento permitindo reinar à técnica e o lucro como valores supremos em todas as dimensões humanas.

Existem alternativas a esse divórcio entre modernização e modernidade, entre cultura e sociedade, entre novidade e tradição? Habermas (1993) acredita que é mais sensato aprender a partir dos erros que foram detectados pelos que negaram a modernidade. A modernidade como projeto não se realizou, a tarefa agora é reconciliar a cultura com as práticas cotidianas que dão vida ao universo societal, incluídas nas esferas econômicas e administrativas. É difícil, quase impossível, avivando as críticas de antimodernos, que negão a modernidade estética, promotores da subjetividade descentrada das restrições estruturais, como também dos novos conservadores, chamados de pós-modernos que negam a cultura moderna, ou dos pré-modernos, que são os velhos conservadores que ainda procuram na moral cristã orientações e que responsabilizam a cultura pela dissolução da ética protestante que tinha racionalizado como virtudes as práticas do sacrifício e do trabalho.

O modernismo, agora órfão de razão, dominou hegemonicamente o mundo ocidental, mas a convicção de um mundo cheio de homens e mulheres livres, solidários, justos, é um futuro que já começou, as críticas à modernidade são a prova. A atitude moderna de auto entendimento, uma profunda consciência histórica, produz o novo com uma normatividade extraída de si mesma, se consome a si mesma e, consequentemente, se sente perdida. Porém, o projeto não foi descartado de todo, os Estados ainda existem e ainda existe a ciência, apesar de que a razão não seja o filtro universal da realidade e a fé total na ciência esta se desvanecendo, sendo estes os sinais mais claros da confusão dentro da coerência interna da modernidade. (FENSTERSEIFER, 1999)

O sem fim de outros discursos colocaram em dúvida a existência de um único projeto que acolheram à humanidade, a história por um momento existiu sem um Telos universal, um objetivo, uma justificação. Pode-se assim, fazer uma leitura mais clara desta desordem se compreender que o momento atual é uma superposição de, pelo menos, três rostos da mesma modernidade.

Como convulsão: Em anos posteriores à guerra, artistas e posteriormente filósofos e pesquisadores se somaram ao movimento pós-moderno. Denunciavam o fim dos grandes relatos, os grandes fines. O socialismo e seu Éden proletário, o Capitalismo e seu paraíso do livre mercado, o Iluminismo e sua sociedade onde tudo é pautado pela razão e, por último, o Cristianismo e a vida além da morte (LYOTARD, 1994). Todos eles foram duramente criticados, mesmo assim não houve propostas alternativas que serviram como novo ponto de

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partida, nem de chegada. Converteu-se numa etapa de confusão em que fenômenos como a globalização e o neoliberalismo desafiaram o entendimento. Afirma Pithan (2005), que o movimento atual consiste no oposto ao movimento que outrora realizaram os gregos. Os habitantes do Mediterrâneo construíram um tribunal para que este fosse habitado soberanamente pela razão, para que dali julgasse todas as coisas, agora, o trono da razão havia sido usurpado, todas as coisas julgam à razão e se julgam entre elas em uma interação policêntrica da verdade.

Bauman, em seu livro “O mal-estar na pós-modernidade”, imita a análise que realiza Freud sobre as dolências que lhes eram impostos desde a modernidade a os sujeitos. Na modernidade se deu uma troca de liberdade e prazer por seguridade; esse câmbio estava baseado no apego a ordem, a beleza e a limpeza como virtudes do comportamento moderno e como base da conduta civilizatória, tanto na Europa com seus cidadãos como na América com seus escravos. Bauman analisa como o mal-estar contemporâneo é totalmente oposto, sendo que a ordem, a limpeza e a beleza ainda são referentes, mas o que se procura com eles é obter prazer em troca de perder toda seguridade, inclusive a civilização (1998).

O paradigma moderno, que aparentava ter todas as respostas, foi posto em xeque por problemas, questionamentos e fenômenos que não soube compreender, sendo assim desbordado por todos seus pontos cegos. Resume Marques (1997, p.43) que:

A crise que estamos vivenciando na educação, na economia, na cultura, nas ciências se trata não de uma crise em vários setores ou instâncias da vida, nem do seu inverso, ou seja, de uma crise particular, específica de uma dimensão apenas, mas sim da crise da própria modernidade em seu âmago.

Como crítica: apesar de tudo, as denúncias do pós-modernismo fortaleceram grupos que na realidade estavam sendo reprimidos pelo projeto moderno, entre elas estão o feminismo, o movimento a favor das lutas de gênero, o mundo não ocidental, os povos originários e outras lutas que tomaram relevância através das numerosas críticas que se fizeram à modernidade. Podemos construir um mundo no qual, como propõe Mouffe, as justas lutas do proletariado não devam se fazer em detrimento da mulher, o movimento LGBTI, a infância, os oprimidos ancestrais e o meio ambiente, entre outros. Um mundo onde a democracia alcance para retomar o projeto liberal humanista, advertindo, agora sim, que é preciso uma reflexão radical e pluralista (1999).

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Como possibilidade: a crise da modernidade deve ser lida como o momento de reflexão mais importante do nosso presente. É a oportunidade de expor o conjunto de ideias e práticas que foram construídas na modernidade, isto é, quais devem seguir com a humanidade, quais não, e quais devem ser adicionadas para conseguir o objetivo de ter uma sociedade mais justa. Não poderia expor este momento como outra etapa, mas sim como um momento de inflexão, já que nunca mais será o que era antes. Outras portas se abrem e outros capítulos se fecham. Poderíamos acreditar em uma outra modernidade, resultante do encontro entre a modernidade existente e a modernidade desejável, uma neomodernidade social, cultural, moral e, epistemologicamente sedimentada na razão, mas com um outro racionalismo, contestável, debatido, no entender de Habermas uma razão comunicativa (FENSTERSEIFER, 1999).

A educação moderna respondeu a todos esses sentimentos e não poderia expressar-se como uma unidade, como a grande educação moderna, o que se pode dizer com certeza é que a educação já não seria mais um campo dominado pelas intuições de sábios.

Kant (2003) explica que a humanidade só pode superar sua animalidade por meio da educação, pressupondo que existe uma correlação direta entre educação e a humanidade procurando seu aperfeiçoamento usando a razão. No seu entender idealista, a humanidade é uma ideia, um conceito perfeito a caminho de achar sua existência na experiência, no caso, por meio da formação dos sujeitos. A importância deste processo é tão grande que existe a obrigação de manter a reflexão sistemática de forma permanente, isto é, a demanda de que existe uma disciplina que converta a arte da formação em uma ciência moral, a pedagogia, que dirige as tentativas de pensar sobre o ato de educar evitando assim que cada geração da humanidade tenha que começar de novo, esquecendo os avanços e começando desde zero na caminhada ao ideal humano.

A proposta concreta de Kant para a pedagogia era a criação de uma teoria para ensinar a viver livremente, conformada por: a. A formação escolástica que tem a ver com chegar nos fins; b. A formação pragmática que está vinculada a prudência como virtude necessária para a convivência cidadã e a participação da vida pública; c. Por último, a formação moral onde conectam juízos de valor e experiência cotidiana. As três formam uma unidade em que é possível basear os esforços para a humanização dos indivíduos.

Existe na modernidade uma aposta, quase uma fé, em que é possível a universalização da cultura, o conhecimento, a ciência, a tecnologia e, em consequência, o progresso. Tudo isso, mediante a educação; ato racional gerador de razão, desde a qual se acredita socialmente que poderia dirigir todos os aspetos da vida.

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A educação mediada pela ciência, principalmente a psicologia, transformou todo o processo de aprendizagem sobre o sujeito autônomo, o docente é só um mediador que se encarrega de construir os cenários para os quais o estudante deve transitar. Sua relação é burocrática e a reflexão do processo é verificada constantemente a partir de medidores desenhados por agentes externos, porém, entre agentes externos e internos há um consenso para manter a ordem produtivista sobre o que deve se expressar os resultados dos estudantes. A razão moderna é, neste momento, uma racionalidade instrumental e, em consequência, a pedagogia fez da educação um corpo de meios para a dominação (MARQUES, 2000b).

Se se pretendia uma sociedade mais justa por meio da razão, como é que se produziram racionalmente duas guerras mundiais, um punhado de genocídios, guerras civis e avanços bélicos sem precedentes? Por que a tortura se assemelhava mais a uma investigação científica que a um ato medieval supersticioso? Questionamentos dessa natureza obscureceram o horizonte da modernidade, os mais ousados concluíram que não necessitávamos de nenhum desses horizontes e que até a própria ideia de ter que procurar de horizontes era um esforço em vão.

Quando civilização e barbárie deixaram de ser contrários, os cimentos da modernidade caíram, começou então a se falar da crise da modernidade. Por efeitos da própria divisão social do trabalho, que tinha feito tangível a conexão recíproca entre ciências rígidas e práticas sequenciais — hoje em crise —, a educação adquiriu os mesmos códigos e, portanto, os mesmos problemas, elaborando fórmulas e modelos para responder todas as incógnitas sobre a educação. Portanto, a convulsão, a crise e a crítica da modernidade aconteceu também na educação. Por um lado, a pedagogia se desvirtuou e perdeu seu lugar como corpo teórico capaz de pensar a educação, no seu lugar apareceram as ciências da educação e, por outro lado, as novas propostas mesmo pensadas desde o próprio professor não conseguiram deixar de pensar na lógica instrumental, mesmo que crítica ela e a defina como indesejável (KUHN, 2016).

Diante este contexto desafiador, muitos intelectuais deram-se à tarefa de primeiro encontrar as enormes falhas da racionalidade moderna e, segundo, ainda mais difícil, a de encontrar solução àqueles problemas. Com a encenação de novos paradigmas se abriram frentes inéditas em cada lugar onde os conhecimentos estiveram em debate, entre eles, a educação e, portanto, as disciplinas que sobre ela refletem, dando como resultado um impacto radical em oposição à simplificação como forma de ensinar e como conteúdo do ensino. Esta pesquisa é mais um esforço nesta perspectiva, a busca de uma pedagogia baseada em coordenadas teóricas fora da lógica da razão instrumental, crítica de seu passado e capaz de trabalhar com a complexidade do mundo educativo.

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1.2 A Pedagogia em crise

Localizados já no horizonte da modernidade tardia é importante aprofundar a natureza da perda de sentido em que está atolada a pedagogia. Usa-se aqui o termo crise por duas razões, porque por um lado alerta sobre uma situação problemática que ameaça não permitir mais a continuidade no tempo de um fenômeno, e por ser, pela mesma razão, uma possibilidade para repensar e mudar o estado das coisas no mundo, basicamente é um estado de risco, mas também de possibilidade, a oportunidade de passar para o projeto e a utopia (LEFEVRE, 1970).

É necessário começar definindo o lugar que teria a Pedagogia, pois ela é o conhecimento do professor, é o que faz dele um profissional que merece a confiança pública para atingir uma ação socialmente válida e necessária, isto é, a tarefa complexa de educar. Portanto, quando se fala da crise da pedagogia, se fala também de uma crise nas práticas educativas, nos discursos sobre a educação, e na reflexão dos professores a seu respeito. Em resumo, a causa principal da pouca força que têm os professores na hora de participar do projeto educativo nos seus contextos é o afastamento e a desordem interna do seu corpo de conhecimento.

Como se está falando de uma disciplina moderna é necessário começar pelas dúvidas epistemológicas básicas. É a pedagogia uma ciência? A epistemologia nasceu de uma necessidade da ciência, já que a própria ciência não podia justificar cientificamente a ciência, isto é, a ideia de cientificidade, um limite que separa certos tipos de conhecimento do conhecimento estritamente científico. Nesse intuito, foi constituindo-se um conhecimento que reflete sobre aqueles limites que fazem deste, um conhecimento científico. Um esforço reflexivo do pensamento moderno chamado epistemologia. Um conhecimento científico da ciência, dos objetos, os conceitos, as categorias, os problemas até chegar no próprio sujeito, o cientista. Seu avanço fez com que fosse cada vez mais necessário resolver em um primeiro momento as dúvidas epistemológicas antes de chegar à pesquisa como capacidade exclusiva da ciência.

A partir deste entendimento vem o questionamento, é possível um entendimento epistemológico da Pedagogia? Se isso é possível, tem que ser ela uma ciência? E se não fosse, pode a reflexão epistemológica ajudar a estabelecer o lugar da pedagogia que certamente é um corpo de conhecimento que orienta à prática? Aqui não se pretende responder a pergunta, mas sim entendê-la, e como as dificuldades que se tem para resolvê-la no plano do senso comum funciona como prova da crise que sacode o campo pedagógico.

A pergunta pela epistemologia é sim o objeto de Zuluaga et al. (2011, p.10), que aclaram como a pedagogia posta à luz dos requerimentos científicos clássicos parece não ser uma ciência, esta se comportaria de forma técnica e opressora se este fosse o caso. Os autores

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