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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO, RELAÇÕES

INTERNACIONAIS E DESENVOLVIMENTO – MESTRADO

DOUTORADO

ANA PAULA FELIX DE SOUZA CARMO GUALBERTO

REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA NO BRASIL:

NECESSIDADE DE REGULAÇÃO DO PROCEDIMENTO

PARA PRESERVAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

GOIÂNIA 2015

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ANA PAULA FELIX DE SOUZA CARMO GUALBERTO

REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA NO BRASIL:

NECESSIDADE DE REGULAÇÃO DO PROCEDIMENTO

PARA PRESERVAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento da Pontifícia Universidade Católica de Goiás como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Luiz Carlos Falconi.

GOIÂNIA 2015

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Dados Internacionais de Catalogação da Publicação (CIP) (Sistema de Bibliotecas PUC Goiás)

Gualberto, Ana Paula Felix de Souza Carmo.

G899r Reprodução humana assistida no Brasil [manuscrito]: necessidade de regulação do procedimento para preservação de direitos fundamentais / Ana Paula Felix de Souza Carmo Gualberto – Goiânia, 2015.

92 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento.

“Orientador: Prof. Dr. Luiz Carlos Falconi”. Bibliografia.

1. Tecnologia da reprodução humana – Direitos fundamentais. I. Título.

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ANA PAULA FELIX DE SOUZA CARMO GUALBERTO

REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA NO BRASIL:

NECESSIDADE DE REGULAÇÃO DO PROCEDIMENTO

PARA PRESERVAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Dissertação defendida no Curso de Mestrado em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, para obtenção do grau de Mestre.

Aprovada em 06 de junho de 2015.

Banca Examinadora:

_______________________________________________________

Dr. Luiz Carlos Falconi

Prof. Orientador e Presidente da Banca PUC-GO

_______________________________________________________

Dr. Nivaldo dos Santos

Prof. Membro da Banca PUC-GO

_______________________________________________________

Dr. Eriberto Francisco Beviláqua Marin

Prof. Membro da Banca UFG-GO

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4

Às mães de minha família, por me permitirem acompanhar de perto a maternidade, tanto advinda da reprodução humana natural quanto da artificial, e perceber que é indiferente a forma de concepção diante da grandiosidade do amor por elas dispensado aos filhos.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, de onde emana toda a vida na Terra e a Quem agradeço diuturnamente por minha vida e pela daqueles a quem amo.

Ao meu marido, companheiro inigualável, pelo amor, apoio, tolerância e amparo nos vários momentos de angústia e desânimo, os quais, por vezes, levaram-me à intenção de desistir.

À minha família, pais, mães, avós, tias, irmão, irmãs, cunhados, sobrinhos e sogros, todos unidos em torcida e oração por meu êxito na conclusão deste trabalho. Aos meus amigos, verdadeiros irmãos, Carla Valente, Cláudia Mussi, Ana Cristina, Marcos César, Silvinha, Jordana, Maria Augusta, Diógenes, Ana Flávia Mori, Cláudio Henrique, Giuliano Lima, Lorena Freire, João Augusto e Getúlio Filho, pela constante disponibilidade em colaborar e vibrar por meu sucesso em todas as empreitadas da vida. Aos meus colegas da docência, não menos amigos, José Bezerra Costa, Maria Nívia, Juliana Lourenço, Paula Canedo, Núria Micheline, Caroline Santos, Regina Celeste, Júlio Anderson e tantos outros, pelos livros emprestados, palavras de ânimo e encorajamento.

Aos meus Pastores, Giovane e Jane e à Irmã Judite, pelas orações e intercessões em meu favor.

Aos mestres que me inspiraram a amar o Direito de Família, Maria Lúcia Paranhos Sampaio e Getúlio Vargas de Castro.

Ao meu orientador, Luiz Carlos Falconi, pela generosidade em dividir comigo seus conhecimentos, pela elegância no trato, pela tolerância por minhas faltas e por me ensinar que a humildade e a simplicidade acompanham o elevado saber.

Aos doutores Nivaldo Santos e Eriberto Francisco Beviláqua Marin, mestres que compõem a banca examinadora, por seus ensinamentos.

Aos meus antigos e atuais alunos, filhos do coração, companheiros na busca pelo conhecimento, pela paciência e apoio.

Às colegas Katiusse Macedo e Lara Brenner, pela dedicação, amor ao trabalho e comprometimento no dia a dia do escritório, enquanto lá estiveram, o que me permitiu voltar a atenção ao desenvolvimento deste trabalho.

Em especial, a Ana Carolina Passarinho, que se tem feito presente em minha vida nas várias posições descritas acima, irmã, amiga, colega, parceira de todas as horas, pelas orações, apoio, carinho e cuidado dispensados a mim e a minha família.

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“Eis que os filhos são herança do Senhor, e o fruto do ventre, o seu galardão.”

(8)

RESUMO

A Reprodução Humana Assistida consiste em um conjunto de técnicas médicas que objetivam fazer uma mulher engravidar, quando ela ou seu parceiro ou ambos, não possuem a capacidade natural de procriar. No Brasil, a partir da década de 1980, a prática passou a ser encarada como indicação terapêutica adequada a casos de esterilidade ou infertilidade e, hodiernamente, é também recurso viável àqueles que, embora possam gerar, apenas não o querem na forma natural. No país, ela sempre foi regulada tão só por resoluções expedidas pelo Conselho Federal de Medicina, sendo vigente a de nº. 2.013/2013. Por estar vinculada a direitos fundamentais assegurados na Constituição Federal, quais sejam, o direito à vida, o direito à procriação e o direito à constituição de família, tais técnicas manipulam valores caros ao homem e, assim, possíveis conflitos dela advindos podem resultar em violação ou tensão entre aqueles direitos, o que sinaliza para a necessidade de regulação adequada da matéria por lei federal, que imponha para o procedimento, requisitos, limites e sanções e oportunize ao Poder Legislativo, o sopesamento de interesses necessários ao resguardo da dignidade dos sujeitos envolvidos e de salvaguarda dos objetivos inerentes ao princípio da segurança jurídica.

Palavras-chave: Reprodução assistida; Direitos fundamentais; Conflitos; Sopesamento de interesses; Lei.

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ABSTRACT

The Assisted Human Reproduction is a set of medical techniques that aim to make a woman pregnant when she or her partner or both do not have the natural ability to procreate. In Brazil, from the 1980s, the practice came to be regarded as adequate therapeutic indication the cases of sterility or infertility and, in our times, it is also viable resource to those who, although they may generate, just do not want the natural way. In the country, it has always been regulated so only by resolutions issued by the Federal Council of Medicine, and the current no. 2013/2013. To be linked to fundamental rights guaranteed in the Constitution, namely the right to life, the right to procreation and the right to a family, such techniques manipulate values dear to man and thus potential conflicts originated from it may result in a violation or tension between those rights, pointing to the need for proper regulation of the matter by federal law, which imposes for the procedure, requirements, limitations and sanctions and oportunize the legislature, the reflection of interests needed to guard the dignity of those involved and to safeguard the objectives inherent in the principle of legal certainty.

Keywords: Assisted reproduction; Fundamental rights; conflicts; the reflection of

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LISTA DE ABREVIATURAS

A.C – Antes de Cristo

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária

CC – Código Civil

CF – Constituição Federal

CFM – Conselho Federal de Medicina CNJ – Conselho Nacional de Justiça

CONEP – Comissão Nacional de Ética em Pesquisa

DNA – Ácido desoxirribonucleico (deoxyribonucleic acid) ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

FIV – Fertilização in vitro

GIFT – Transferência Intratubária de Gametas (Gametha Intra Fallopian Transfer) ICSI – Injeção Intracitoplasmática do Espermatozoide (Intracytoplasmic Sperm

Injection)

IIU – Inseminação Artificial Intrauterina

OGM – Organismos Geneticamente Modificados RA – Reprodução Assistida

STF – Supremo Tribunal Federal SUS – Sistema Único de Saúde

RDC – Resolução da Diretoria Colegiada

(11)

SUMÁRIO

RESUMO...07

ABSTRACT...08

LISTA DE ABREVIATURAS...09

INTRODUÇÃO ... 12

CAPÍTULO I - A REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA... 15

1.1 Definição e Causas para as Indicações ... 15

1.2 Breve Histórico ... 17

1.3 Técnicas Utilizadas no Brasil ... 19

1.3.1 Inseminação artificial intrauterina ... 20

1.3.2 Fertilização in vitro ... 20

1.3.3 Transferência Intratubária de gametas ... 22

1.3.4 Transferência Intratubária de zigoto ... 22

1.3.5 Injeção intracitoplasmática do espermatozoide ... 23

1.3.6 Gestação substituta ... 23

1.4 Normas Éticas e Técnicas do Conselho Federal de Medicina ... 24

CAPÍTULO II - DIREITOS FUNDAMENTAIS ASSEGURADOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ... 30

2.1 Direitos Fundamentais Vinculados à Reprodução Assistida ... 31

2.1.1 O direito à vida ... 31

2.1.1.1 A Vida Como Direito Natural para o Jusnaturalismo ... 32

2.1.1.2 A Vida como Direito Fundamental para o Positivismo Jurídico ... 37

2.1.1.3 A Vida com Dignidade Segundo o Pós-positivismo Jurídico ... 41

2.1.2 O direito à procriação ... 47

2.1.2.1 A Procriação Natural ... 48

2.1.2.2 A Procriação Artificial – Reprodução Humana Assistida ... 57

2.1.3 O direito à constituição de família ... 57

CAPÍTULO III - NECESSIDADE DE REGULAÇÃO DA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA NO BRASIL ... 70

(12)

11

3.2 Comparativo entre a Resolução do Conselho Federal de Medicina e os Projetos

do Congresso Nacional Brasileiro ... 77

3.3 Da Necessidade de Regulação da Reprodução Assistida por Lei Ordinária ... 80

CONCLUSÃO ... 85

(13)

12

INTRODUÇÃO

A reprodução humana assistida é forma de procriação artificial há décadas adotada por pessoas de todo o mundo, para satisfação do desejo pessoal da maternidade ou paternidade.

Refere-se a intervenção humana no processo de procriação, por meio do emprego de técnicas que resultem na gravidez da mulher, quando esta, seu parceiro ou ambos apresentam problemas de esterilidade ou infertilidade ou mesmo quando, ausentes tais problemas, a pessoa quer filhos por vias não naturais.

No Brasil, o uso de referidas técnicas é autorizado e regulado por Resoluções expedidas pelo Conselho Federal de Medicina, por meio das quais este normatiza as condutas médicas dos profissionais que as realizam.

Tais Resoluções têm por desiderato a regulação da conduta ética dos médicos dedicados à reprodução humana assistida, tendo por fim, evidentemente, finalidade limitada e dirigida especialmente à referida classe profissional.

E é nesse passo que se estabelece o ponto central deste trabalho, o fato de a reprodução humana assistida no Brasil ser realizada há tantos anos sob a ordem normativa precária de Resoluções expedidas por um conselho de classe, não havendo lei federal que se ocupe de estabelecer os requisitos e limites para sua realização, assim como, as sanções para ocasional mau uso de suas técnicas.

Disso resulta que, prováveis conflitos advindos da citada prática de procriação artificial não tenham solução prevista pelo Poder Legislativo brasileiro, o que se agrava pela possibilidade de tensão entre direitos fundamentais do homem assegurados pela Constituição Federal, tais como, o direito à vida, o direito à procriação e o direito à constituição de família.

O problema centra-se, portanto, no estudo do conteúdo dos direitos fundamentais (vida, procriação e liberdade de constituição de família) em face das técnicas relacionadas com os procedimentos de reprodução médica assistida protagonizados pela iniciativa privada e independentemente da existência de marco regulatório legal, o que certamente pode gerar conflitos e tensões por ocasião da referida prática, colocando em risco e ou impedindo que se leve a bom termo o efetivo exercício de tais direitos por todos aqueles que aos procedimentos se submetem ou ficam sujeitos ao seus efeitos.

(14)

13

Assim sendo, a partir do estudo dos referidos direitos fundamentais, esta dissertação tem por objetivo demonstrar a necessidade de regulação da reprodução assistida no Brasil, por lei ordinária que a todos vincule e que estabeleça, objetivamente, requisitos, limites e sanções às pessoas físicas e jurídicas envolvidas no processo, a fim de que direitos tão caros ao homem, não fiquem expostos a violação pela simples omissão do poder competente.

O propósito é demonstrar a insegurança provocada pela falta de lei específica sobre o tema e o fato de que tal regulamentação revela-se como instrumento oportuno e necessário à continuidade da referida prática no país, dentro de parâmetros mínimos de segurança para os envolvidos.

Para tanto, o trabalho foi desenvolvido pelo método dedutivo, que consiste em um raciocínio lógico que faz uso da dedução para obter uma conclusão. A pesquisa quanto aos objetivos foi explicativa e quanto aos procedimentos, bibliográfica.

Quanto à estrutura, o trabalho foi desenvolvido em três capítulos, sendo que no primeiro define-se a reprodução assistida e faz-se um esclarecimento sobre suas indicações médicas; relata-se seu histórico; descreve-se as técnicas de reprodução admitidas no Brasil e faz-se um comentário sobre as únicas normas reguladoras da citada prática, quais sejam, as resoluções já expedidas pelo Conselho Federal de Medicina para normatização das condutas éticas dos profissionais que as realizam.

No segundo capítulo discorre-se sobre os direitos fundamentais vinculados à reprodução assistida e assegurados pela Carta Magna vigente, que são, o direito à vida, o direito à procriação e o direito à constituição de família, ressaltando a possibilidade de conflitos que podem advir daquela forma de procriação, com risco de tensão entre os direitos, sobretudo face ao princípio de dignidade da pessoa humana que sobrepaira os demais.

Por fim, no terceiro capítulo, são abordados aspectos gerais do biodireito, ciência que tem por escopo a proteção da pessoa ante as peculiaridades que envolvem a relação entre o Direito e os avanços científicos; relata-se a existência de projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional, dispondo sobre a regulação da reprodução assistida no país, estabelecendo-se um comparativo entre aqueles e as resoluções já expedidas pelo Conselho Federal de Medicina.

Ainda, no terceiro capítulo, defende-se a necessidade de promulgação de lei ordinária para regulação adequada da mencionada forma de procriação, tendo em vista

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os valores dos direitos fundamentais que a envolvem e a já citada tensão a se estabelecer entre aqueles direitos, o que poderá ser resolvido por meio da aplicação pelo Poder Legislativo, da teoria do sopesamento de interesses defendida por Robert Alexy.

Enfim, espera-se que a presente dissertação desperte a sociedade em geral e a comunidade jurídica em especial, sobre a necessidade premente de lei ordinária para regulação do tema, que, elaborada apropriadamente por órgão que represente a vontade geral do povo brasileiro, retirará do desejo puramente pessoal e na maioria das vezes, egoístico, a manipulação de valores tão relevantes à garantia da dignidade da pessoa humana.

(16)

CAPÍTULO I

A REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

1.1 Definição e Causas para as Indicações

A Reprodução Humana Assistida refere-se a um conjunto de técnicas que objetivam fazer uma mulher engravidar, quando ela ou seu parceiro ou ambos, não possuem a capacidade natural de procriar.

As técnicas recebem também os nomes de procriação assistida, reprodução assistida e procriação medicamente assistida.

De maneira similar, para Maluf e Maluf (2013, p. 531):

A reprodução humana assistida pode ser definida como a intervenção do homem no processo de procriação natural com o objetivo de possibilitar que pessoas com problemas de infertilidade ou esterilidade satisfaçam o desejo de alcançar a maternidade ou a paternidade.

A propósito, embora não seja o correto, os termos esterilidade e infertilidade são usados indistintamente para designar a incapacidade de reprodução; cumpre, porém, esclarecer que se referem a fragilidades distintas, inobstante ser utilizada pelo próprio Conselho Federal de Medicina naquele sentido genérico de incapacidade reprodutiva.

O médico ginecologista titulado em reprodução humana, Moreira, citado por Scalquette (2010, p. 60) observa que “esterilidade é a condição clínica em que vive

um casal que não evita filhos, mantém relações sexuais normais e desejando obter descendente não o consegue”.

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ambos, por causas funcionais ou orgânicas de fecundação, não havendo, portanto, gravidez.

Por outro lado, segundo os médicos portugueses Agostinho Almeida Santos e Teresa Almeida Santos, mencionados por Scalquette (2010, p. 60), a infertilidade não impede a gravidez, mas esta não chega a bom termo, conforme esclarecem:

A designação infértil deverá ser atribuída ao casal em que existe fecundação, mas em que o produto da concepção não atinge a viabilidade (...). O casal também não tem filhos, mas a grande maioria dos mecanismos da fecundação tem lugar, só que a gravidez que foi alcançada, uma ou mais vezes, não termina pelo nascimento de um novo ser vivo e viável.

Logo, nesse caso, há fecundação, há gravidez, todavia, não há nascimento do filho vivo.

Segundo Machado (2011, p. 24), a esterilidade ou infertilidade “pode se

originar tanto de causas femininas como masculinas, mistas, sem causa aparente ou de origem desconhecida”. A mesma autora cita dentre as causas relacionadas à

mulher:

1. Causas ováricas: a) ausência de gônadas: seja congênita ou adquirida (tumores, extração cirúrgica, inflamações), b) anomalias de ovulação, c) alterações da fase lútea, d) endometrioses, e) tendência letal do óvulo. 2. Causas tubáricas: é a obstrução tubárica considerada a principal causa. 3. Causas uterinas: a) por lesões do endométrio, b) por falta de permeabilidade, c) por fator mecânico.

4. Causas cervicais: a) alterações congênitas, b) posições anormais, c) alterações morfológicas ou na dimensão do colo, d) miomas e pólipos cervicais, e) cervicites, f) lesões traumáticas, g) alterações funcionais. 5. Causas vaginais: devido à má formação congênita, além de outras. 6. Causas Psíquicas.

7. Outras causas: como a obesidade, alteração das glândulas renais ou tireoides, carências vitamínicas importantes, drogas etc. (MACHADO, 2011, p. 26)

Complementa a explicação, logo adiante, anotando as causas relacionadas ao homem:

1. Em nível testicular podem ser consideradas como causa de infertilidade ou esterilidade masculina: a) alteração congênita por inexistência de espermatogenias por anomalias cromossômicas; b) ausência de espergenia por destruição ou por imaturidade.

2. Anomalias nas vias excretoras. 3. Alterações das glândulas acessórias.

4. Anomalias diversas na ejaculação ou inseminação.

5. Defeitos estruturais ou morfológicos dos espermatozoides. (MACHADO, 2011, p. 27)

(18)

Por fim, Machado (2011, p. 27), apresenta como causas mistas: “1. O fator

imunológico é considerado como um fato misto de esterilidade ou infertilidade. 2. A esterilidade idiopática ou sem causa aparente”.

Muito importante ressaltar que, quanto ao material genético utilizado, a reprodução assistida pode ser classificada como homóloga ou heteróloga; a primeira, quando realizada com gametas do marido e a segunda, quando feita com gametas de um terceiro doador, alheio ao casal que deseja ter filhos.

As técnicas que compõem a reprodução humana serão adiante especificadas, logo após o breve histórico de seu surgimento no mundo.

1.2 Breve Histórico1

As técnicas de reprodução assistida foram inicialmente experimentadas em animais e depois em seres humanos.

Há apontamentos de estudos sobre a embriologia, formulados no século V a.C, pelo médico grego Hipócrates, por muitos considerado o “Pai da Medicina”.

No século IV a.C, Aristóteles escreveu um tratado sobre o tema e no século II a.C, Galeno escreveu um livro sobre a formação do feto.

Citações, sem comprovação, dão conta de que os árabes usaram meios artificiais para inseminar cavalos de caça.

Na Idade Média, com o surgimento do microscópio em 1590, os experimentos se aceleraram. Em 1672, o médico e anatomista holandês Reiner de Graaf detectou no útero de coelhas, câmaras depois reconhecidas como blastocistos originados em ovários.

Em 1780, o padre e fisiologista italiano Lázaro Spallanzani obteve êxito com a fecundação de uma cadela da raça Barbetes, que gerou três crias. Com outros animais, Spallanzani estudou os efeitos do congelamento de espermatozoides. Pouco tempo depois, Pietro Rossi, repetiu a experiência, também com êxito.

Em 1788, Heller afirmou que os espermatozoides se encontram no líquido testicular.

O primeiro caso de inseminação artificial humana tem registro em 1791, praticada pelo médico inglês John Hunter. Seguiram-se casos esparsos,

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se as experiências do frade agostiniano Gregório Mendel.

J. Marion Sims, médico americano considerado o “Pai da Ginecologia”, em 1866, após cinquenta e cinco inseminações em seis mulheres, concretizou a primeira gravidez mediante meios artificiais, a qual resultou em aborto.

A fertilização in vitro começou a ser estudada em 1878, ocasião em que o cientista Schenk, ao tentar fertilizar óvulos de cobaias, incubou oócitos foliculares com espermatozoides, porém, sem êxito.

Dogues, em 1883, declarou que os ovários têm participação no processo de fecundação e os pesquisadores concluíram que a fertilização se processa pela união do núcleo de um espermatozoide com o núcleo de um óvulo.

Em 1886, Montegazza propôs a criação de bancos de sêmen congelado e em 1945, o biólogo Jean Rostand constatou que os espermatozoides submetidos ao frio e envolvidos em glicerol conservavam-se durante longo período em condição de uso.

Em 1889, o médico Robert Dickinson realizou, nos Estados Unidos, uma inseminação artificial com sêmen de doador.

Em 1944, dois biologistas, Rock e Menkin obtiveram quatro embriões normais a partir de óvulos humanos colocados na presença de espermatozoides.

Em 1946, em Londres, o Public Morality Council realizou um simpósio sobre as técnicas de reprodução assistida, especificamente sobre a utilização de sêmen de doador.

Em 1947, Chang fez a primeira transferência de ovo fertilizado e congelado e cerca de dez anos depois, provou a viabilidade da fertilização in vitro, por meio de técnicas aplicadas a coelhas.

Em 1949, foi criado por Roberty Schayshean, o primeiro banco de sêmen congelado nos Estados Unidos.

Em 1953, Audrey Smith provou a possibilidade de desenvolvimento normal dos embriões congelados e passaram a ser feitas inseminações artificiais em humanos com sêmen congelado.

A partir de 1960, pela atividade de várias equipes médicas, entre eles, os ingleses R. G. Edwards, P. C. Steptoe e B. Basister e os australianos C. Wood e A. Lopato e W. B. Whittingham e Edward Wilmut, a técnica começou a disseminar-se e surgiram os questionamentos éticos e jurídicos a respeito.

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artificiais evoluíram e, em 1971, um óvulo foi filmado pela primeira vez. No mesmo ano, Hayashi, da Universidade de Toho, apresentou seu filme “Começo de Vida”, sobre o processo de reprodução dos seres humanos.

Entre 1970 e 1975, concomitantemente, Estados Unidos, Inglaterra, Suécia e Austrália, desenvolveram estudos sobre a fertilização “in vitro” com óvulos humanos, formação de embriões com transferência para o útero e coleta de óvulos.

Finalmente, em 25 de julho de 1978, nasceu, na cidade de Oldham, Inglaterra, Louise Joy Brown, o primeiro bebê concebido pela fecundação in vitro, por meio dos gametas de seus pais legais, como resultado do trabalho dos pesquisadores britânicos Drs. Patrick Steptoe e Robert Edwards.

Também em 1978, na Índia, nasceu o segundo “bebê de proveta”, pelas mãos do médico Dr. Saroj Kanti Bhattacharya.

Em 1979, nasceu ainda, Alastair Montgomery, na Escócia, pelo trabalho dos médicos Drs. Steptoe e Edwards.

Na década de 1980, com mais de cem casos de sucesso, a inseminação artificial e fertilização in vitro passaram a ser encaradas como indicações terapêuticas comuns aos casos de esterilidade.

Especialmente no Brasil, nasceu o primeiro bebê de proveta em São José dos Pinhais-PR, no dia 7 de outubro de 1984, dando-se a luz a uma menina, que conta hoje com 30 anos de idade.

Hodiernamente, em vários países do mundo, as pessoas se valem das técnicas de reprodução assistida para gerar filhos, as quais passam a ser explanadas.

1.3 Técnicas Utilizadas no Brasil

As técnicas de reprodução assistida consistem em procedimentos médicos que têm por fim suprir as deficiências, insuficiências ou esterilidade daqueles que não podem, por tais razões, procriar, e, portanto, satisfazerem a um desejo quase sempre presente na pessoa humana.

Essas técnicas auxiliares são admitidas pelo Conselho Federal de Medicina Brasileira, conforme Resolução abaixo, parcialmente transcrita:

As técnicas de Reprodução Assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes para a solução da situação atual de infertilidade (Resolução nº. 1.358/1992 do CFM).

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Conforme se observa, o Conselho não fez distinção entre infertilidade e esterilidade, referidas na seção 1.1 retro. Segue, adiante, a descrição das atuais técnicas auxiliares da reprodução assistida.

1.3.1 Inseminação artificial intra-uterina

A inseminação artificial intra-uterina, conhecida como IIU, é o procedimento mais simples, em que uma quantidade de espermatozoides é introduzida no interior do canal genital da mulher por meio de um cateter, sem relação sexual.

A referida técnica é indicada para casos de incompatibilidade do muco cervical com os espermatozoides, ou defeito no canal cervical em casos de deficiência seminal leve, e casos de alteração na ovulação com o sêmen do marido, casos de alteração na concentração espermática, volume seminal e motilidade, bem como em caso de disfunções ejaculatórias e anormalidades imunológicas.

É uma técnica recomendável para mulheres com problemas nas trompas, anovulação crônica, endometriose ou ovários policísticos.

A ovulação geralmente é estimulada e os óvulos são colhidos por punção orientada por ultrassonografia endovaginal. Os espermatozoides, que podem ser do marido (inseminação homóloga) ou de um banco de esperma (inseminação heteróloga), são colhidos por meio de masturbação e deverão ser coletados, selecionados, preparados e transferidos para o colo do útero, não sendo necessária a utilização de anestesia. Essa modalidade de reprodução assistida consiste, portanto, em fecundação in vitro.

A fecundação ocorre no laboratório. Óvulo e espermatozoide são colocados juntos e processados em ambiente com 5% de CO2 e temperatura de 37ºC e, após 24

a 48 horas, os pré-embriões formados, contendo quatro a oito células, são transferidos para a cavidade uterina da mulher.

Claro que, nos casos de inseminação artificial, nem sempre ocorrerá a fecundação, uma vez que o óvulo e o espermatozoide podem não se fundir, mesmo que se tenha calculado com exatidão a época da ovulação. Isso se deve ao fato de a técnica utilizada consistir tão somente na introdução do sêmen na cavidade uterina.

1.3.2 Fertilização in vitro

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ensaio, o ambiente das Trompas de Falópio da mulher, ambiente próprio à fertilização natural, seguindo-se o procedimento até a transferência do embrião para o útero materno.

A respeito desse procedimento, Camargo (2003, p. 29), assevera que seu ponto chave está na realização de uma indução do ciclo menstrual da mulher, o que o torna a grande estrela da tecnologia reprodutiva. Em contrapartida, explica o seguinte:

A fecundação in vitro consiste basicamente em reproduzir, com técnicas de laboratório, o processo de fecundação do óvulo, que normalmente ocorre na parte superior das Trompas de Falópio, quando obstáculos insuperáveis impedem que este fenômeno se realize intra corpore.

As indicações são os fatores femininos de infertilidade (cervical, ovariano, uterino e tuboperitonial), alterações seminais leves e moderadas, infertilidade sem causa aparente e falha de ciclos prévios de inseminação intrauterina.

No procedimento, a ovulação é geralmente estimulada para liberação de 5 a 20 óvulos por ciclo, os quais, amadurecidos, são colhidos por meio de laparoscopia ou por uma cânula acoplada a um aparelho de ultrassom vaginal; os óvulos são isolados em tubos que contêm solução especial e mantidos em estufa; os espermatozoides a serem utilizados poderão ser do marido da mulher que se submete ao tratamento, de terceiro ou de ambos e serão selecionados e introduzidos (cerca de 50.000) nos tubos junto aos óvulos; os tubos vão à estufa para fecundação; formado o embrião, este é colocado no útero da mulher por meio de uma cânula acoplada ao aparelho de ultrassom vaginal ou por laparoscopia; após a transferência, o embrião deve ser implantado no útero materno, ocorrendo, então, a nidação, e, assim, o êxito da técnica e início da gestação.

Obviamente, é possível o fracasso da medida e, nessa circunstância os embriões, chamados excedentários, poderão ser congelados para novas tentativas.

Cabe ressaltar que as possibilidades de sucesso da técnica estão diretamente ligadas ao número de embriões transferidos. A recente Resolução nº 2.013/2013, expedida pelo Conselho Federal de Medicina, fixa em quatro o número máximo de oócitos e embriões a serem transferidos para a receptora, sendo até dois para mulheres com até 35 anos; até três para mulheres entre 36 e 39 anos e até quatro para mulheres entre 40 e 50 anos. A idade da mulher é considerada na hora da coleta dos óvulos.

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1.3.3 Transferência Intratubária de gametas

Há também a Transferência Intratubária de Gametas, conhecida também como Gametha Intra Fallopian Transfer (GIFT), em cujo procedimento exige-se que a mulher tenha ao menos uma das trompas.

Esclarece Santos (apud Scalquette, 2010, p. 71), que “durante o GIFT, os

espermatozoides e oócitos são aproximados e transferidos para a tuba. Assim, o

processo de fertilização poderá ocorrer naturalmente à luz desse órgão”.

Em virtude dessa técnica, permite-se que a fecundação ocorra dentro do corpo humano.

Não há distinção da fertilização in vitro no que tange à estimulação à ovulação e à coleta e preparação dos espermatozoides, mas, depois dessa etapa, os espermatozoides são introduzidos, por meio de um cateter, nas trompas da paciente e ali deverá ocorrer a fecundação. Há, contudo, necessidade de que a mulher tenha ao menos uma trompa saudável para que seja viável a ocorrência de tal fertilização.

Estudos relatam que as técnicas de transferência de gametas são indicadas em certas situações, dentre elas a de esterilidade sem causa aparente, por fator cervical, fator masculino, fator imunológico, endometriose e aderências anexas que prejudiquem a captação de oócitos.

A desvantagem desse método com relação à FIV decorre do fato de que a visualização do embrião é de grande importância para que se avalie a qualidade da fertilização. Tal deficiência do método implica, necessariamente, em alta possibilidade de abortos, vez que pode ocasionar gravidez ectópica (gravidez na tuba uterina).

1.3.4 Transferência Intratubária de zigoto

A técnica Zibot Intra Fallopian Transfer (ZIFT) exige os mesmos procedimentos da GIFT, mas a fecundação se dá em laboratório.

Consoante Scalquette (2010, p.72), “a transferência intratubária de zigoto,

consiste na retirada do óvulo da mulher para fecundá-lo na proveta, com sêmen de marido ou de doador, para depois introduzir o embrião diretamente em seu corpo”.

Nessa técnica, o zigoto é transferido para a trompa em vez de ser colocado no útero. O risco de gestação múltipla é menor porque poucos zigotos são introduzidos na mulher. Além disso, essa técnica tem a vantagem de se poder constatar a

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fertilização e sua qualidade, bem como, a de colocar embriões em seu habitat ideal. As indicações para a técnica de transferência de zigoto são as mesmas que foram descritas na técnica para transferência de gametas.

1.3.5 Injeção intracitoplasmática do espermatozoide

A técnica Injeção Intracitoplasmática do Espermatozoide, igualmente conhecida como Intracytoplasmic Sperm Injection (ICSI), consiste na injeção de um único espermatozoide no citoplasma do óvulo por meio de um aparelho especialmente desenvolvido com microagulhas.

Segundo Machado (2011, p. 47), a ICSI “trata-se do mais importante

avanço em termos de técnica de fecundação assistida, sendo indicada, principalmente, para os casos de hipofertilidade masculina”.

O material genético a ser utilizado poderá ser do próprio casal ou de terceiros, doadores de sêmen e/ou óvulo.

Estudos relatam que tratamentos com a ICSI podem propagar defeitos genéticos, maior incidência de malformações e maior taxa de defeitos cromossômicos. Ademais, crianças nascidas da FIV/ICSI mais frequentemente apresentam defeitos no trato respiratório, gastrointestinal, problemas de fala e de pele.

Além dos fatores retromencionados, importante salientar a possibilidade de gestação múltipla, uma maior incidência de complicações durante a gestação e partos prematuros.

1.3.6 Gestação substituta

A cessão temporária de uso do útero, conhecida vulgarmente por “doação de útero” surgiu para solucionar os problemas de mulheres com absoluta impossibilidade de levar ao término uma gravidez, por vários motivos, dentre eles, quando o útero da pretensa mãe é malformado ou quando a mulher não o possui, ou ainda, quando a gravidez apresenta risco de vida para ela.

A técnica do “empréstimo” do útero ou “mãe de substituição”, “barriga de aluguel” ou ainda, “mães de aluguel”, termos utilizados por Machado (2011, p. 52), consiste na intervenção de uma terceira pessoa na gestação, a qual se compromete a entregar a criança ao casal solicitante logo após o nascimento.

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As indicações médicas para utilização dessa técnica são: a ausência de útero, a infertilidade vinculada à patologia uterina, contraindicação médica a uma gravidez decorrente de outras patologias, tais como, a insuficiência renal severa ou diabetes grave insulinodependente.

No entanto, consoante esclarece Ommati (apud Ferraz, 2011, p. 49):

Não se trata de uma técnica biológica, mas, sim, da utilização de mulheres férteis, que se dispõem a carregar o embrião durante o período de gestação, pela impossibilidade física da mulher que recorreu aos centros de reprodução de suportar o período gestacional.

Há diversas controvérsias a respeito da utilização desta forma de procriação, pelo fato de ter-se que recorrer a uma terceira pessoa que possa desenvolver a gestação, razão pela qual tem sido objeto de questionamentos éticos, psicológicos, jurídicos e religiosos.

Doutrinariamente, no campo jurídico, há entendimento de que a utilização de óvulos doados e a gestação substituta não são abrangidas pelas expressões “fecundação artificial”, “concepção artificial” e “inseminação artificial”, o que, inclusive, foi esposado na III Jornada de Direito Civil patrocinada pelo Conselho da Justiça Federal, conforme se depreende do Enunciado nº 257.2

Não obstante tal entendimento jurídico, a Resolução nº 2.013/2013, traça diretrizes para a realização da gestação substituta, estabelecendo que as mulheres autorizadas a fazer a cessão de uso do útero devem ser da família de um dos parceiros, com parentesco consanguíneo até o quarto grau, respeitado em qualquer caso, o limite de idade de 50 anos.

1.4 Normas Éticas e Técnicas do Conselho Federal de Medicina

Em razão de possíveis dificuldades e conflitos a que ficam sujeitos os médicos, quando da realização de procedimentos para a reprodução assistida e face à ausência de lei ordinária que regule a prática no país, o Conselho Federal de Medicina decidiu expedir resoluções para normatização das condutas éticas de seus profissionais, devendo tais regras serem observadas para a aplicação das respectivas

2 Enunciado 257. Art. 1.597: As expressões “fecundação artificial”, “concepção artificial” e “inseminação

artificial” constantes, respectivamente, dos incs. III, IV e V do art. 1597 do Código Civil, devem ser interpretadas restritivamente, não abrangendo a utilização de óvulos doados e a gestação de substituição.

(26)

técnicas.

A questão foi tratada pela primeira vez na Resolução nº. 1.358, publicada no dia 19 de novembro de 1992, que passou a abordar a infertilidade humana como um problema de saúde pública.

De acordo com essa resolução, as técnicas de reprodução assistida tinham como foco principal, facilitar o processo de procriação quando outros tratamentos terapêuticos não fossem eficientes.

No entanto, referida norma previa que, para que tais técnicas pudessem ser utilizadas, era essencial que não colocassem em risco a saúde da paciente e de seu possível descendente, além da existência de uma probabilidade concreta de sucesso.

Outro ponto relevante dizia respeito à obrigatoriedade de consentimento expresso, em formulário especial, dos pacientes inférteis e dos doadores.

A Resolução estabelecia ainda, que o número ideal de oócitos e pré-embriões a serem transferidos para a receptora não deveria ser superior a quatro, com o intuito de não aumentar os riscos já existentes de multiparidade, ou seja, múltiplo número de gravidez.

Além disso, a referida Resolução coibia qualquer outro tipo de fecundação, cujo intuito não fosse a procriação humana, sendo vedada, nos casos de gravidez múltipla, a utilização de procedimentos que visassem a redução embrionária.

No tocante aos usuários das técnicas de reprodução humana assistida, a Resolução, estabelecia o seguinte:

1 - Toda mulher, capaz nos termos da lei, que tenha solicitado e cuja indicação não se afaste dos limites desta Resolução, pode ser receptora das técnicas de RA, desde que tenha concordado de maneira livre e consciente em documento de consentimento informado.

2 - Estando casada ou em união estável, será necessária a aprovação do cônjuge ou do companheiro, após processo semelhante de consentimento informado.

Após 18 anos de vigência da Resolução nº. 1.358/1992, entrou em vigor a Resolução nº. 1.957/2010, publicada no dia 06 de janeiro de 2011, a qual, apesar de repetir a maioria dos dispositivos anteriores, revogou totalmente o ato normativo anterior. Das alterações realizadas, foi acrescentada aos princípios gerais, uma ressalva sobre o número de embriões a serem transferidos para cada mulher, levando em consideração a sua idade.

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A norma passou a dispor que mulheres com até 35 anos seriam receptoras de até dois embriões, já mulheres entre 36 e 39 anos, até três embriões e mulheres com 40 anos ou mais, até quatro embriões, referências que não existiam na Resolução anterior.

Para aqueles que quisessem se valer das técnicas de reprodução assistida, a nova Resolução dispôs o seguinte:

Todas as pessoas capazes, que tenham solicitado o procedimento e cuja indicação não se afaste dos limites desta Resolução, podem ser receptoras das técnicas de RA desde que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o mesmo, de acordo com a legislação vigente.3

Verifica-se que o novo regramento deixou de fazer referência à necessidade de a mulher casada ou que mantinha união estável, ter a aprovação do cônjuge ou do companheiro, além de alterar a terminologia “mulher capaz” para “pessoas capazes”.

Outro ponto de extrema relevância que passou a ser disciplinado pela Resolução nº. 1.957/2010, dizia respeito à reprodução assistida post mortem, então instituindo que, “não constitui ilícito ético a reprodução assistida post mortem desde

que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente”.

Atualmente, vigora a Resolução nº. 2.013, publicada no dia 09 de maio de 2013, a qual revogou a Resolução nº. 1.957/2010, trazendo novas modificações.

Inicialmente, cabe salientar que a Resolução vigente não faz alusão à necessidade de utilização das técnicas de reprodução humana assistida nos casos em que outros tratamentos terapêuticos tenham sido ineficazes ou inapropriados.

Além disso, impõe à mulher, como limite para gestação por reprodução assistida, a idade de 50 anos e acrescenta que, nas situações de doação de óvulos e embriões, a idade da doadora deve ser considerada no momento da coleta dos óvulos. A partir dessa Resolução, passou a ser permitido o uso das técnicas de reprodução assistida por casais homossexuais, em decorrência da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4.277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 132, julgadas pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceram a possibilidade de união estável estabelecida entre pessoas do mesmo sexo. A Resolução admitiu as referidas técnicas também para as pessoas solteiras, respeitado

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o direito de objeção por motivo de consciência do médico.

No que se refere às clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de reprodução assistida, a Resolução acrescenta que os registros realizados deverão estar disponíveis para fiscalização dos Conselhos Regionais de Medicina.

No tópico “Doação de Gametas ou Embriões” da Resolução em comento, foi fixada como idade limite para a doação de gametas, 35 anos para a mulher e 50 anos para o homem. Passou-se a admitir a doação voluntária de gametas, bem como, a doação compartilhada de oócitos, quando a doadora e a receptora participam do procedimento como portadoras de problemas de reprodução e compartilham tanto do material biológico quanto dos custos financeiros que o envolvem, proporcionando à doadora preferência sobre o material genético que será produzido.

A norma estabelece a possibilidade de descarte dos embriões criopreservados com mais de 05 (cinco) anos, contanto que seja da vontade dos pacientes, diferentemente da Lei de Biossegurança – Lei nº. 11.105/2005, que estabelece um prazo menor, ou seja, de 03 (três) anos, para fins de pesquisa e terapia. Sobre a gestação de substituição ou “doação temporária de útero”, a Resolução vigente permite o emprego das técnicas de reprodução assistida não apenas nos casos em que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação pela doadora genética, como também em caso de união homoafetiva.

A Resolução prevê que as mulheres que se dispuserem à gestação de substituição, devem pertencer à família de um dos parceiros, na condição de parente consanguíneo até o quarto grau, sempre respeitando a idade de 50 anos. Ressalte-se que, na Resolução anterior, o parentesco era fixado até o Ressalte-segundo grau.

Documentos de extrema importância passaram a ser exigidos dos pacientes, além de observações que deverão constar do prontuário deste, quais sejam:

1- termo de Consentimento Informado, assinado pelos pacientes (pais genéticos) e pela doadora temporária do útero, consignado.

2- relatório médico com o perfil psicológico, atestando adequação clínica e emocional da doadora temporária do útero;

3- descrição pelo médico assistente, pormenorizada e por escrito, dos aspectos médicos envolvendo todas as circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA, com dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico, bem como os resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta;

4- contrato entre os pacientes (pais genéticos) e a doadora temporária do útero (que recebeu o embrião em seu útero e deu à luz), estabelecendo claramente a questão da filiação da criança;

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6- os riscos inerentes à maternidade;

7- a impossibilidade de interrupção da gravidez após iniciado o processo gestacional, salvo em casos previstos em lei ou autorizados judicialmente; 8- a garantia de tratamento e acompanhamento médico, inclusive por equipes multidisciplinares, se necessário, à mãe que doará temporariamente o útero, até o puerpério;

9- a garantia do registro civil da criança pelos pacientes (pais genéticos), devendo esta documentação ser providenciada durante a gravidez;

10- se a doadora temporária do útero for casada ou viver em união estável, deverá apresentar, por escrito, a aprovação do cônjuge ou companheiro. (item 3 do inciso VII)

Até a Resolução nº. 1.957/2010, não havia referência a tais documentos, que só se tornaram imprescindíveis em razão das mudanças sociais havidas e da evolução científica do tema.

As penalidades impostas pelo Conselho Federal de Medicina ao médico que descumprir a Resolução, vão desde advertência até a cassação do registro. Há ainda, medidas intermediárias como a suspensão do exercício profissional.

Ressalte-se que as normas acima citadas referem-se à normatização da conduta ética dos médicos que se dedicam aos procedimentos de reprodução assistida, não havendo lei ordinária, a todos destinada, que regule o tema sob os diversos ângulos que abrange, principalmente no que tange às obrigações que naturalmente resultam das várias condutas postas em execução, na prestação das técnicas de reprodução assistida.

O recurso às técnicas acima descritas, todavia, tem sido uma constante para aqueles que pretendem ter filhos, quando não conseguem a concretização de tal intento pelo método natural ou mesmo quando não querem se valer deste último.

Assim, segue a prática (cada vez mais realizada), sem regulação geral, ou seja, sem a necessária discussão e apreciação legítima do Poder Legislativo do país, produzindo efeitos não antevistos e sopesados por seus representantes, por vezes até, não desejados, mas sem possibilidade de limitação, pela falta da lei.

Observa-se que o legislador ordinário reconheceu, no art. 1.593 do Código Civil de 2002, que há parentesco civil no vínculo parental proveniente “quer de técnicas de reprodução assistida” (...) “quer da paternidade socioafetiva, fundada na

posse do estado de filho” (Enunciado nº 103, da I Jornada de Direito Civil, coordenada

pelo Conselho da Justiça Federal).

Reconheceu, também, a presunção de paternidade relativamente aos filhos: havidos por fecundação artificial homóloga; oriundos de embriões excedentários decorrentes de reprodução artificial homóloga e havidos por inseminação artificial heteróloga, autorizada previamente pelo marido, conforme art.

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1.597, incisos III, IV e V, do mesmo Código.

Porém, nem o Código Civil, nem a legislação ordinária esparsa lograram disciplinar as várias relações jurídicas que podem exsurgir dos incontáveis atos que serão efetuados pelos profissionais da saúde no exercício das práticas de reprodução assistida, nem aqueles que serão praticados pelo(a) paciente das técnicas disponibilizadas em virtude do procedimento assistencial.

Disso resulta que prováveis conflitos de interesses advindos da prática, não tenham solução prevista pelo Poder Legislativo competente, o que se agrava pelo fato de que, a maioria deles enseja violações a direitos fundamentais do homem, constitucionalmente assegurados no Brasil, quais sejam, o direito à vida, o direito à procriação e o direito à liberdade de constituição de família.

Tais conflitos acabam, ainda, por estabelecer uma tensão entre os citados direitos fundamentais, cuja solução tem sido confiada, na ausência de lei, ao exclusivo senso de justiça do juiz de direito incumbido do julgamento do fato real, podendo culminar na solução diversa de casos semelhantes, e, portanto, na insegurança jurídica, que, repita-se, compromete valores embutidos nos princípios concernentes aos direitos à vida, liberdade e dignidade.

Tais conflitos, que penetram na seara dos direitos fundamentais à vida, à procriação e à liberdade de constituição de família, constituem o objeto do capítulo vindouro.

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CAPÍTULO II

DIREITOS FUNDAMENTAIS ASSEGURADOS

NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A partir do momento em que há interferência do homem na procriação humana, as diversas condutas postas em prática para a consumação do procedimento podem acabar gerando a eclosão de conflitos relativamente às pessoas envolvidas e as suas relações familiares.

A evolução incessante da ciência médica na área da reprodução assistida tem proporcionado diversas imprecisões de ordem ética, moral, religiosa e jurídica.

Frozel (2003, p. 61), expõe alguns questionamentos que merecem ser analisados com cautela, em razão da importância do tema:

a) Diante do valor da vida humana e frente às técnicas de Reprodução Assistida, existe algum outro valor – liberdade, direito etc. – que possa sobressair?

b) É juridicamente sustentável o “direito a ter filhos”, mesmo que este direito se oponha ao “direito à vida”?

c) Permitir a experimentação científica, que supõe a destruição de vidas humanas em seus mais variáveis graus de desenvolvimento, está de acordo com as normas do Direito brasileiro, no que tange à liberdade individual? d) O Direito deve contemplar, expressa e positivamente, as técnicas de Reprodução Assistida, fazendo com que as normas legais proíbam sua utilização, na medida em que suponham a destruição de vidas humanas, ou deve permitir a experimentação, uma vez que esta destruição se faz necessária para que haja progresso científico?

Da análise das indagações acima, depreende-se a sutileza do tema, sobretudo por estar fortemente vinculado a direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal, circunstância que torna a questão carecedora de legislação

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específica, clara e imperativa, ainda não existente.

2.1 Direitos Fundamentais Vinculados à Reprodução Assistida

Direitos fundamentais consistem em um conjunto de instrumentos que buscam a proteção do indivíduo frente ao Estado, visando a manutenção da vida humana de forma pacífica, livre, digna e igualitária.

Na visão de Bulos (2014, p. 525) “sem os direitos fundamentais, o homem

não vive, não convive, e, em alguns casos, não sobrevive”.

Os direitos fundamentais surgiram de acordo com a necessidade de cada época, razão pela qual a doutrina constitucionalista os classifica em gerações de direitos ou dimensões. Para efeitos genuinamente acadêmicos, a doutrina tradicional assegura que existem os direitos de primeira, de segunda e de terceira dimensão. Já a doutrina moderna acrescenta os direitos de quarta e de quinta geração.

Os direitos de primeira geração referem-se às liberdades individuais e têm como titular o indivíduo, sendo oponíveis ao Estado; os direitos de segunda geração correspondem à igualdade, que abarca a classe dos direitos sociais, culturais e econômicos; e os direitos de terceira geração são marcados pela solidariedade e fraternidade. Já os direitos fundamentais de quarta geração surgiram com os avanços da biotecnologia, tratando-se de direitos que têm vinculação direta com o direito à vida.

Segundo Lenza (2011, p. 862), “referida geração de direito decorreria dos

avanços no campo da engenharia genética, ao colocarem em risco a própria existência humana, por meio da manipulação do patrimônio genético”; por outro lado,

a quinta dimensão é caracterizada pelo direito à paz.

Para os estudiosos modernos, portanto, a reprodução humana assistida integra os direitos de quarta geração e possui ligação especial com o direito à vida, o direito à procriação e o direito à liberdade de constituir família, resultando daí, a importância de sua adequada regulamentação por fonte legal primária e não por simples resoluções de entidades de classe. Passa-se, então, à análise dos referidos direitos.

2.1.1 O direito à vida

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instinto de sobrevivência.

A vida do homem, desde sua origem, foi, continuamente, objeto de valoração, o que resultou no decorrer dos séculos e por toda a extensão da Terra, na sua maior ou menor preservação pelas civilizações várias.

De difícil conceituação para a biologia, a vida e seu sentido consistem no propósito principal de investigação da filosofia e a sua salvação e perenidade, na promessa de todas as religiões.

Juridicamente, a vida é tutelada segundo fundamentos diversos, propostos diferentemente pelas correntes filosóficas que acompanharam o Direito, quais sejam, o jusnaturalismo, o positivismo e o pós-positivismo, sobre os quais passa-se a discorrer.

2.1.1.1 A Vida Como Direito Natural para o Jusnaturalismo

Segundo o jusnaturalismo, o direito à vida é um direito natural do homem, inerente à sua natureza e, desta feita, um direito legítimo, imutável, inalienável, irrenunciável, imprescritível e oponível a todos, anterior à norma positiva e, por essa razão, não foi criado pelo Estado, mas apenas reconhecido por este.

O jusnaturalismo se desenvolveu a partir do século XVI, fundamentado na existência de um direito natural, um conjunto de valores e pretensões humanas legítimas que não decorrem de uma norma jurídica emanada do Estado, mas de uma ética superior que fixa limites à própria norma estatal.

A lei natural foi percebida inicialmente por gregos e pensada por Sócrates, Platão e Aristóteles. Platão se referia àquela como uma “justiça inata, universal e

necessária”.

Em Roma, o jusnaturalismo teve grande repercussão entre juristas e filósofos, tais quais Cícero, Sêneca, Marco Aurélio, Epíteto e Ulpiano, seguidos na Idade Média por Agostinho e Tomás de Aquino.

O jusnaturalismo apresenta-se em duas versões: a) a de uma lei determinada por Deus, também conhecida por jusnaturalismo clássico e; b) a de uma lei ditada pela razão, denominada como jusnaturalismo moderno.

O jusnaturalismo clássico apresenta acentuado conteúdo teológico, fundado em uma vontade divina que impera sobre uma sociedade e cultura fortemente submetidas à fé. Segundo Barroso (2001, p. 13), o filósofo romano Marco Túlio Cícero divulgou-o em Roma, na obra Da República, conforme trecho abaixo transcrito:

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A razão reta, conforme a natureza, gravada em todos os corações, imutável, eterna, cuja voz ensina e prescreve o bem (...). Essa lei não pode ser contestada, nem derrogada em parte, nem anulada; não podemos ser isentos de seu cumprimento pelo povo nem pelo senado (...). Não é uma lei em Roma e outra em Atenas, - uma antes e outra depois, mas uma, sempiterna e imutável, entre todos os povos e em todos os tempos; uno será sempre o seu imperador e mestre, que é Deus, seu inventor, sancionador e publicador, não podendo o homem desconhecê-la sem renegar a si mesmo.

Segundo Morris (2002, p. 53), Tomás de Aquino pregou que “a lei natural é

promulgada pelo próprio Deus, que a instilou na mente do homem, de modo a ser conhecida naturalmente por ele”.

O jusnaturalismo moderno enfatiza a natureza e a razão humanas, conferindo caráter mais racional à teoria. Defenderam essa concepção os filósofos Hugo Grócio, Thomas Hobbes, Pufendorf, Jean Jacques Rousseau e Immanuel Kant.

Grócio (2002, p. 80), considerado precursor do jusnaturalismo moderno, também citado por Morris, assegurava que o Direito Natural ia além das coisas feitas pela própria natureza, tratando também de coisas produzidas pelo ato do homem. Inaugurou, portanto, uma nova forma de pensar, fundamentada na razão humana e não mais na razão única de Deus, como pregava o jusnaturalismo clássico. E explicava:

O Direito Natural é o Ditame da Razão Certa, indicando que qualquer ato, segundo sua concordância ou discordância com a natureza racional [do homem], contém em si mesmo uma torpeza moral ou uma necessidade moral; e, como consequência, que tal ato é proibido ou ordenado por Deus, o autor da natureza.

Hobbes (2002, p. 106), conforme o mesmo autor apresentava uma visão racional e defendia a ausência de hierarquias políticas, propagando que a vida era o maior bem a ser preservado. Para ele, os homens eram iguais por natureza; o que os distinguia era a sabedoria. Nesse sentido, afirmava:

O direito de natureza, que em geral os autores chamam de Jus Naturale, é a liberdade que cada homem tem de usar seu próprio poder, como quiser, para a preservação de sua própria vida; e, por conseguinte, de fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão concebam ser os meios mais apropriados para isso.

Apesar de concordar parcialmente com Hobbes, Rousseau trouxe algumas inovações para a época, compreendendo que o estado de natureza do homem dividia-se em dois momentos. Em um primeiro, asdividia-sentia que o homem nascia bom, em contraposição a Hobbes, que acreditava que o homem já nascia com o espírito de

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malevolência; já em um segundo momento, afirmava que os homens tinham direitos e eram donos de si mesmos, havendo uma igualdade e liberdade plenas em seu favor.

Conforme se vê, nota-se que para Rousseau (2002, p. 222), o homem interagia com a sociedade e essa interação dava ensejo à desigualdade, o que culminava na necessidade de realização de pactos sociais. Nesse tocante, expôs:

O que está bem e em conformidade com a ordem é assim, pela natureza das coisas e independentemente das convenções humanas. Toda justiça vem de Deus, que é a única fonte; porém, se soubéssemos como receber inspiração tão alta, não precisaríamos de governo, nem de leis. Sem dúvida, existe uma justiça universal que emana só da razão; mas essa justiça, para ser admitida entre nós, deve ser mútua.

Rousseau entendia que as leis decorriam de uma vontade geral e, para que a sociedade se sujeitasse àquelas, precisava ser responsável por sua criação.

Pufendorf defendia a existência de uma ordem moral e regras de justiça universal (leis da natureza), que indicavam ao homem os seus deveres e o proibiam de fazer o mal, sendo imutáveis e eternas. Quem não respeitasse tais leis naturais, ofendia a dignidade do homem.

Já o jusnaturalismo de Kant apresentou um homem racional e livre, capaz de impor a si mesmo normas de conduta de natureza ética, aplicadas como fins em si mesmas, e não meios a serviço de outros.

Tais normas decorriam da razão pura do homem e tinham como motivo de agir a própria ideia de dever, desgarrada da preocupação com a aplicação de sanção imanente da norma jurídica. Assim, Kant pregava a divisão entre Direito Natural e Direito Positivo, conforme esclarece Morris (2002, p. 243): “o Direito Natural

assenta-se sobre princípios racionais puros, a priori; o Direito Positivo ou Direito Estatutário é o que provém da Vontade de um Legislador.”

No alvorecer do século XVIII, cresceu a intolerância do homem ao regime então vigente, o Absolutismo - teoria política na qual o soberano tinha poder absoluto, independente de outro órgão - e cresceram também seus ideais de conhecimento com base na razão e na liberdade. Esse crescimento resultou em uma associação do jusnaturalismo racionalista ao iluminismo, este como expressão de revolução intelectual ocorrida na Europa, em especial na França, ainda no século XVII, quando ocorreu o ápice das transformações iniciadas com o Renascimento, no século XVI.

A esse respeito, esclarece Barroso (2013, p. 258/259):

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investigação científica, levaram à gradativa separação entre o campo da fé (religião) e o da razão (ciência), determinando profundas transformações no modo de pensar e de agir do homem. Para os iluministas, somente através da razão, o homem poderia alcançar o conhecimento, a convivência harmoniosa em sociedade, a liberdade individual e a felicidade. Ao propor a reorganização da sociedade com uma política centrada no homem, sobretudo no sentido de garantir-lhe a liberdade, a filosofia iluminista defendia a causa burguesa contra o Antigo Regime.

A propagação da doutrina jusnaturalista resultou na promulgação das duas mais importantes Declarações de Direitos Humanos na ordem internacional, sobre as quais Bobbio (2004, p. 88), discorreu:

A doutrina dos direitos do homem nasceu da filosofia jusnaturalista, a qual – para justificar a existência de direitos pertencentes ao homem enquanto tal, independentemente do Estado – partira da hipótese de um estado de natureza, onde os direitos do homem são poucos e essenciais: o direito à vida e à sobrevivência, que inclui também o direito à propriedade; e o direito à liberdade, que compreende algumas liberdades essencialmente negativas.

Interessante, a propósito da referida citação, esclarecer que a diferença entre direitos do homem e direitos humanos encontra-se, de maneira específica, no fato de que os primeiros são inerentes à natureza humana, independentemente de estarem positivados; enquanto os segundos, são aqueles mesmos direitos, porém consignados em documentos que obtiveram positivação no plano internacional.

Canotilho (2003, p. 393), por sua vez, na busca de precisão terminológica entre os termos direitos do homem e direitos do cidadão, ensinou:

Como é sabido, a Declaração dos Direitos de 1789 intitulou-se Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão. Daí que se procurasse distinguir entre direitos

do homem e direitos do cidadão: os primeiros pertencem ao homem enquanto

tal, os segundos pertencem ao homem enquanto ser social, isto é, como indivíduo vivendo em sociedade.

Merecem destaque como documentos de positivação internacional, a Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776), onde constam referências às leis da natureza e ao Deus da natureza, com a seguinte menção: “Sustentamos que estas

verdades são evidentes, que todos os homens foram criados iguais, que foram dotados por seu Criador de certos Direitos inalienáveis, que entre eles estão a vida, a Liberdade e a Busca da Felicidade”.

No mesmo sentido, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, esta última aprovada pela Assembleia Nacional, em 26 de agosto de 1789, na França, que menciona em seu preâmbulo a existência de direitos naturais, inalienáveis e sagrados ao

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Homem. Lembrando que ambas garantem ao ser humano o direito à vida. Sobre esse período, assevera Barroso (2013, p. 259),que:

A crença de que o homem possui direitos naturais, vale dizer, um espaço de integridade e de liberdade a ser obrigatoriamente preservado e respeitado pelo próprio Estado, foi o combustível das revoluções liberais e fundamento das doutrinas políticas de cunho individualista que enfrentaram a monarquia absoluta. A Revolução Francesa e sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e, anteriormente, a Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776) estão impregnadas de ideias jusnaturalistas, sob a influência marcante de John Locke, autor emblemático dessa corrente filosófica e do pensamento contratualista, no qual foi antecedido por Hobbes e sucedido por Rousseau. Sem embargo da precedência histórica dos ingleses, cuja Revolução Gloriosa foi concluída em 1689, o Estado liberal ficou associado a esses eventos e a essa fase da história da humanidade.

A Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão tem por destinatário o gênero humano e como conteúdo os direitos humanos que são, naquele documento, reconhecidos como naturais, inalienáveis e sagrados.

Importa salientar ainda, que essa Declaração alçou ao cenário mundial o reconhecimento dos direitos humanos, contudo, a verdadeira consolidação desses direitos na ordem internacional, deu-se em meados do século XX, em decorrência da Segunda Guerra Mundial e das monstruosidades e violações ocorridas no período e legitimadas pelo Estado através da ordem jurídica vigente.

O legado da Segunda Guerra Mundial exigiu a reestruturação dos direitos humanos, sob pena de se perderem todas as conquistas até então efetivadas. Sobre esse contexto, Piovesan (2011, p. 176),discorre:

No momento em que os seres humanos se tornam supérfluos e descartáveis, no momento em que vige a lógica da destruição, em que cruelmente se abole o valor da pessoa humana, torna-se necessária a reconstrução dos direitos humanos como paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável. A barbárie do totalitarismo significou a ruptura do paradigma dos direitos humanos, por meio da negação do valor da pessoa humana como valor fonte do direito. Diante dessa ruptura, emerge a necessidade de reconstruir os direitos humanos, como referencial e paradigma ético que aproxime o direito da moral. Nesse cenário, o maior direito passa a ser, adotando a terminologia do Hanna Arendt, o direito a ter direitos, ou seja, o direito a ser sujeito de direitos.

O processo de internacionalização dos direitos humanos culminou na criação da Organização das Nações Unidas e na proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948, como ideal comum a todos os povos e nações. Nela, o direito à vida é protegido nos seguintes termos: “Art. 3.º Toda pessoa tem

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