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Processos gerais no metabolismo proteico e síntese de aminoácidos

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Academic year: 2021

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Processos gerais no metabolismo proteico e síntese de aminoácidos

Índice

1- Os aminoácidos do organismo ... 2

2- Notas introdutórias sobre a origem e o destino dos aminoácidos livres do organismo ... 2

3- A taxa de renovação das diferentes proteínas endógenas e o seu contributo para o turnover proteico global ... 3

4- A variação positiva ou negativa da quantidade de proteínas endógenas depende da relação entre as velocidades de síntese nos ribossomas e de hidrólise por protéases ... 4

5- Síntese de proteínas ... 4

6- A hidrólise das proteínas endógenas é maioritariamente levada a cabo pelo sistema ubiquitina-proteossoma ... 4

7- Sistema lisossómico de hidrólise proteica ... 5

8- Hidrólise proteica no exterior das células ... 6

9- Definição de “perda obrigatória de aminoácidos” e o aumento das perdas quando se ingerem proteínas ... 6

10- Definições de balanço azotado ... 7

11- O destino dos aminoácidos excedentários ... 8

12- Fatores hormonais e comportamentais que afetam a massa das proteínas musculares ... 8

13- Causas de balanço azotado positivo e negativo em situações fisiológicas e patológicas ... 9

14- Défice de ingestão proteica e proteico-calórica ... 10

15- Os aminoácidos podem ser nutricionalmente indispensáveis, dispensáveis ou semi-indispensáveis ... 10

16- O papel do azoto dos aminoácidos da dieta na síntese dos aminoácidos nutricionalmente dispensáveis... 11

17- A incorporação de azoto inorgânico na síntese de glutamato e glutamina ... 11

18- As reações de transaminação e a síntese de glutamato ... 12

19- O papel do glutamato na síntese dos aminoácidos nutricionalmente dispensáveis ... 12

20- A ação de transamínases na síntese da alanina e do aspartato ... 13

21- A síntese de serina a partir do 3-fosfoglicerato ... 13

22- A ação catalítica da hidroximetiltransférase da serina ... 13

23- A síntese de glicina a partir da colina ... 13

24- A síntese de glicina a partir do glicolato ... 14

25- A síntese de prolina e de arginina a partir de glutamato ... 14

26- O envolvimento das enzimas do ciclo da ureia na síntese da arginina ... 14

27- A síntese de asparagina a partir de aspartato ... 15

28- A síntese de tirosina a partir de fenilalanina ... 15

29- A síntese de cisteína a partir da metionina e da serina ... 15

30- Reações de “salvação” da metionina a partir da homocisteína ... 16

31- Aminoácidos indispensáveis ... 16

32- Conceito de aminoácido limitante da qualidade dietética de uma proteína ... 17

33- Conceito e determinação do índice químico de uma proteína ou de uma mistura de proteínas ... 17

34- A digestibilidade das proteínas como fator da sua qualidade dietética ... 18

35- A síntese de selenocisteína ... 18

36- A síntese de prolina e hidroxiprolina ... 18

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1- Os aminoácidos do organismo

Num indivíduo adulto com uma estrutura corporal normal e com 70 kg de peso, a massa de proteínas é de cerca de 10 kg. A esmagadora maioria dos aminoácidos presentes no organismo estão na forma de resíduos de aminoácidos incorporados nestas proteínas.

Apenas cerca de 1,5% da massa dos aminoácidos está na forma livre (≈150 g) e a maior parte está dentro das células. Dos 150 g de aminoácidos livres presentes no organismo só cerca de 3 g é que está no líquido extracelular. Admitindo, num indivíduo com 70 kg de peso, um volume de líquido extracelular de 10 L e intracelular de 30 L, a concentração dos aminoácidos entendidos como um todo é cerca de 15 vezes maior no interior das células (≈5 g/L) que no exterior (≈ 0,3g/L) [1]. Ao contrário do que acontece com a glicose ou com os ácidos gordos que, na forma livre, quase não existem dentro das células, a concentração intracelular de aminoácidos livres é relativamente elevada.

Estão descritos dezenas de transportadores membranares para os diferentes aminoácidos (ou grupos de aminoácidos). Muitos deles catalisam processos de transporte ativo dependente do ião Na+ o que ajuda a

compreender os marcados gradientes de concentração entre o interior e o exterior das células [2].

Quer dentro quer fora das células as concentrações dos diferentes aminoácidos variam de aminoácido para aminoácido. No plasma sanguíneo (e no líquido extracelular) os aminoácidos mais abundantes são a glutamina e a alanina desempenhando o papel de transportadores de azoto entre os diferentes tecidos. Mais de metade do azoto aminoacídico do plasma corresponde aos grupos azotados da glutamina (grupo amina + grupo amida) e da alanina (grupo amina). Nos hepatócitos, o aminoácido mais abundante é o aspartato onde desempenha um papel muitíssimo importante no ciclo da ureia, ou seja, na síntese de um composto (a ureia) que contém os átomos de azoto que pertenceram aos aminoácidos e que se perderam no decurso do catabolismo; o azoto dos aminoácidos é eliminado na urina maioritariamente incorporado na ureia. Nas fibras musculares os aminoácidos mais abundantes são a glutamina e a taurina1. A glutamina é o aminoácido mais

abundante no plasma sanguíneo (≈0,6 mM), mas a sua concentração dentro das fibras musculares (≈20 mM) é cerca de 30-35 vezes maior que no plasma [1] .

2- Notas introdutórias sobre a origem e o destino dos aminoácidos livres do organismo

Embora o tema da síntese endógena de aminoácidos nutricionalmente dispensáveis seja de importância crucial para compreender o metabolismo dos aminoácidos, é importante ter sempre presente que os grupos azotados dos aminoácidos sintetizados no organismo (amina, amida e guanidina) provêm de outros aminoácidos. Assim, se pensarmos nestes grupos azotados e esquecermos o “esqueleto carbonado” será adequado pensar que os aminoácidos presentes no organismo provêm, em última análise, da dieta: ou seja, são os aminoácidos constituintes das proteínas da dieta que foram absorvidos para o meio interno.

No entanto a maioria das moléculas dos aminoácidos livres presentes num determinado momento no organismo não tem origem direta na dieta.

Existe no meio interno renovação contínua das proteínas endógenas (turnover proteico): uma fração de todas e de cada uma das proteínas do organismo está num dado momento a sofrer hidrólise com a consequente libertação dos aminoácidos livres e estes, após ligação aos respetivos RNA de transferência (tRNA), estão a ser usados na síntese das mesmas ou de outras proteínas. Num indivíduo adulto em que a massa proteica endógena global seja estacionária, a massa proteica sintetizada equivale à que é hidrolisada e não haverá, por isso, variação da quantidade de aminoácidos livres no organismo, com base neste mecanismo.

No adulto saudável, a massa global de aminoácidos livres no organismo também é estacionária porque existe continuamente conversão de aminoácidos noutros produtos (nomeadamente em produtos que são excretados) e a massa de aminoácidos eliminados por processos catabólicos equivale à massa de aminoácidos da dieta. Os produtos que são eliminados resultam maioritariamente da oxidação (CO2) e

desaminação (ureia e amónio) dos aminoácidos, mas também podem ser catabolitos (urato, creatinina, bilirrubina, nitrato, etc.) de derivados aminoacídicos de grande importância biológica (como purinas, creatina, heme, NO, etc.).

Admite-se que, em média, na civilização ocidental a ingestão de proteínas resulta na absorção de cerca de 100 g de aminoácidos /dia e, no adulto saudável, é expectável que uma massa equivalente seja convertida em produtos de excreção. Maioritariamente a excreção da porção azotada dos aminoácidos ocorre na forma de ureia na urina enquanto a eliminação dos carbonos ocorre maioritariamente na forma de CO2 nos pulmões.

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Cada uma das proteínas endógenas tem uma taxa de renovação que é diferente das outras. O mesmo acontece no caso dos diferentes tecidos onde as taxas de renovação proteica também variam de tecido para tecido. No entanto, se considerarmos o turnover proteico das proteínas endógenas como um todo, é consensual admitir- se que, num indivíduo adulto saudável de 70 kg, a velocidade de síntese (e hidrólise) proteica é de cerca de 300 g /dia. Ou seja, cerca de 3% da massa proteica endógena renova-se diariamente. Esta percentagem é cerca do dobro no caso dos bebés porque o crescimento envolve remodelação de tecidos e órgãos que implica hidrólise e síntese de proteínas.

A síntese proteica ocorre nos ribossomas das células e a hidrólise da maioria das proteínas sintetizadas endogenamente também ocorre dentro das células. No entanto, uma percentagem relativamente elevada (≈20%; ≈70 g/dia) das proteínas que sofre turnover corresponde a proteínas das células epiteliais da mucosa do tubo digestivo que morrem e descamam para o lúmen sendo hidrolisadas pelas enzimas digestivas. As proteínas das células da mucosa assim como as próprias enzimas envolvidas no processo de digestão são proteínas endógenas cujos aminoácidos são absorvidos através do epitélio intestinal. Embora estes aminoácidos se misturem com os aminoácidos das proteínas da dieta, a sua origem é endógena e a massa proteica sintetizada no epitélio ou que faz parte das secreções do tubo digestivo é uma parte do processo de turnover das proteínas endógenas.

Se admitirmos que, num adulto, entram no pool de aminoácidos livres do organismo cerca de 400 g/dia (100 g da dieta e 300 g da hidrólise das proteínas endógenas), é de esperar que a mesma massa de aminoácidos saia deste pool, quer através de processos catabólicos (100 g/dia), quer através da sua utilização na síntese das proteínas endógenas (300 g/dia)2.

Quer a síntese quer a hidrólise de proteínas implicam gasto de ATP e cerca de 30% da despesa energética basal corresponde ao processo cíclico de turnover proteico. A renovação proteica permite a substituição das moléculas proteicas que sofreram danos estruturais como oxidações (por radicais livres) e desnaturação espontânea, assim como “abortar” moléculas proteicas com erros que ocorreram na síntese ou no processamento pós tradução.

Ver Figura 1.

3- A taxa de renovação das diferentes proteínas endógenas e o seu contributo para o

turnover proteico global

A percentagem de moléculas de uma determinada proteína que sofre hidrólise e síntese num dado intervalo de tempo depende principalmente da proteína em análise sendo muito baixa no caso do colagénio (cerca de 0,2% de renovação diária), relativamente modesta no caso da hemoglobina (1% dia-1) e das

proteínas miofibrilares dos músculos esqueléticos (2% dia-1), elevada no caso das proteínas das vísceras

(7-15% dia-1) e elevadíssima no caso de enzimas reguladas por transcrição/tradução e fatores de transcrição

(renovação total em horas).

As vísceras (tubo digestivo, fígado e pulmões) representam uma pequena fração da massa de um indivíduo, mas a taxa de renovação das suas proteínas é elevada (7-15% dia-1) sendo responsáveis por cerca

de metade da taxa de renovação proteica global [1]. No caso do fígado o seu grande contributo para a taxa global de turnover proteico é explicado pela sua riqueza em enzimas reguladas por transcrição/tradução e em fatores de transcrição, assim como pelo seu contributo para a síntese de proteínas plasmáticas (a albumina, por exemplo) que têm taxas de renovação elevadas. Já foi referido que cerca de 20% do turnover global (≈40 % do turnover das proteínas das vísceras) corresponde às proteínas do epitélio do tubo digestivo e das secreções digestivas.

Apesar da sua modesta taxa de renovação (2% dia-1), porque as proteínas dos músculos constituem

cerca de metade da massa total de proteínas do organismo, a sua taxa de renovação é responsável por cerca de 1/3 da taxa global. O colagénio representa, por si só, cerca de ¼ da massa total de proteínas endógenas, mas a sua baixíssima taxa de renovação (0,2 % dia-1) explica a sua modestíssima contribuição para a taxa de

renovação proteica global.

2 Na realidade, para admitirmos que a massa de proteínas endógenas é estacionária temos de considerar que a massa de proteínas sintetizada diariamente excede em cerca de 2 g a massa que sofre hidrólise porque algumas proteínas se perdem para o meio exterior como proteínas inteiras. Estas perdas correspondem às proteínas da pele que descama, dos pelos e das unhas que crescem, às proteínas do fluxo menstrual ou da ejaculação, etc. Estas perdas são muitas vezes designadas por “perdas insensíveis” e são cerca de 2g/dia.

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4- A variação positiva ou negativa da quantidade de proteínas endógenas depende da relação entre as velocidades de síntese nos ribossomas e de hidrólise por protéases

A compreensão do metabolismo das proteínas fica facilitado se considerarmos que a síntese de proteínas é um processo independente da sua degradação. Enquanto a síntese proteica ocorre nos ribossomas, a proteólise envolve variados sistemas de que é relevante destacar o sistema ubiquitina-proteossoma e os lisossomas. A hidrólise das proteínas e dos polipeptídeos é catalisada por enzimas designadas por protéases ou por peptídases acabando na libertação dos aminoácidos constituintes.

O incremento ou a diminuição da massa de uma proteína ou do conjunto das proteínas num órgão ou no organismo como um todo dependente da relação entre a velocidade da sua síntese e a velocidade da sua hidrólise. Só existe incremento da massa proteica endógena quando a velocidade de síntese excede a de degradação; a sua diminuição ocorre, obviamente, na condição inversa.

5- Síntese de proteínas

Não se pretende neste texto descrever os processos de transcrição dos genes nem a síntese proteica. No entanto algumas notas soltas sobre os processos de regulação da síntese proteica são importantes para a compreensão do metabolismo global dos aminoácidos e das proteínas.

Os genes contêm regiões, frequentemente designadas de “elementos do DNA”, que podem ligar-se de forma específica a determinadas proteínas (designadas por fatores de transcrição) afetando a velocidade de transcrição desses genes, ou seja, a síntese do RNA mensageiro correspondente. A quantidade de um dado RNA mensageiro numa determinada célula afeta a velocidade da tradução, ou seja, a velocidade de síntese da proteína que lhe corresponde. Para além da velocidade da sua transcrição, a estabilidade do RNA mensageiro (via ligação a proteínas ou a microRNAs específicos) também afeta a sua quantidade nas células e estão descritos mecanismos inibidores da hidrólise relativamente a alguns RNA mensageiros.

Para além desta regulação específica, a síntese proteica das diferentes proteínas numa célula ou num órgão também é regulada por mecanismos que envolvem a ativação e a inibição da iniciação da tradução.

O aumento da concentração de insulina no plasma, o aumento da concentração de aminoácidos nas células (nomeadamente do aminoácido leucina) e o aumento do aporte energético estimulam a síntese proteica através de mecanismos que envolvem a estimulação da iniciação da tradução. Uma via de sinalização implica a estimulação de uma cínase designada por mTORC1 (mammalian target of rapamycin complex 1) que catalisa a fosforilação de proteínas envolvidas na iniciação da tradução.

Uma outra via de sinalização que ajuda a compreender a diminuição da síntese proteica quando há diminuição da concentração de aminoácidos nas células envolve uma outra cínase designada por GCN2 (general control nondepressible kinase 2). A atividade da GCN2 é estimulada quando, em consequência da escassez de aminoácidos numa célula, há aumento da concentração de tRNAs não carregados com aminoácidos. A ativação do GCN2 implica inibição da iniciação da tradução de proteínas e tem um efeito homeostático na concentração de aminoácidos livres porque inibe o seu consumo na síntese proteica quando os aminoácidos livres escasseiam na célula. O contrário acontece quando as suas concentrações estão aumentadas.

6- A hidrólise das proteínas endógenas é maioritariamente levada a cabo pelo sistema

ubiquitina-proteossoma

Muitas proteínas citoplasmáticas e do retículo endoplasmático sofrem hidrólise através de um sistema localizado no citoplasma (e no núcleo) das células que se designa por sistema da ubiquitina-proteossoma. Em termos quantitativos é o sistema mais importante na degradação das proteínas endógenas. São alvos preferenciais deste sistema as proteínas que têm alterações estruturais (quer quando ocorreram por erros no processo de tradução ou no processamento pós-tradução, quer quando sofrem oxidações por radicais livres, desnaturação ou outros danos pós síntese), as que têm taxas de renovação elevada (caso das enzimas reguladas por transcrição/tradução e os fatores de transcrição, por exemplo), mas também algumas proteínas com taxas de renovação relativamente baixas como as proteínas das miofibrilas musculares. As proteínas que vão ser degradadas por este sistema são primeiramente conjugadas com uma molécula proteica designada por ubiquitina. Este processo envolve um sistema enzimático em que se consome ATP e, em vários ciclos de “ubiquitinação”, forma-se uma cadeia de moléculas de ubiquitina ligadas à proteína alvo.

O processo de ubiquitinação envolve a ação sequenciada de três enzimas designadas de E1 (enzima ativadora da ubiquitina), E2 (enzima de conjugação da ubiquitina) e E3 (lígase da ubiquitina). A enzima E1 catalisa a reação descrita pela Equação 1. Nesta reação forma-se uma ligação tioéster entre o grupo carboxilo terminal da ubiquitina e o grupo tiol de uma cisteína que está presente no centro ativo de E1. Este processo é endergónico e só pode ocorrer via acoplamento com a hidrólise de ATP. O segundo passo é a transferência

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da ubiquitina para um outro resíduo de cisteína presente em E2 (ver Equação 2) e o terceiro a transferência da ubiquitina para a proteína que vai ser degradada (ver Equação 3). Este último passo é catalisado por E3 de que existem múltiplas isoformas o que explica a possibilidade de interação com uma enorme variedade de proteínas alvo. A ligação formada entre a proteína alvo e a ubiquitina é uma ligação amida que envolve o grupo amina da cadeia lateral de um resíduo de lisina presente na proteína alvo e o grupo carboxilo terminal da ubiquitina. (Porque o grupo amina envolvido na ligação não é o grupo α-amina, a ligação entre a ubiquitina e a proteína alvo não se designa de peptídica; frequentemente usa-se a expressão “ligação pseudopeptídica” (ou isopeptídica) para designar este tipo de ligações.)

Equação 1 ubiquitina + E1-SH + ATP → E1-ubiquitina + AMP + PPi Equação 2 E1-ubiquitina + E2-SH → E2-ubiquitina + E1

Equação 3 E2-ubiquitina + proteína alvo → ubiquitina-proteína alvo + E2

A Equação 4 é o somatório das três equações anteriores e descreve a atividade do sistema enzimático de ubiquitinação na formação de uma ligação “pseudopeptídica” entre a ubiquitina e uma proteína alvo.

Equação 4 ubiquitina + proteína alvo + ATP → ubiquitina-proteína alvo+ AMP + PPi

A formação da cadeia de moléculas de ubiquitina envolve a repetição dos mesmos passos exceto que na reação 3 (ver Equação 3) o aceitador da ubiquitina já não é a proteína alvo isolada, mas sim o complexo ubiquitina-proteína alvo formado no 1º ciclo. Num segundo ciclo uma segunda molécula de ubiquitina é transferida de E2 para o grupo amina da cadeia lateral de um resíduo de lisina da ubiquitina adicionada à proteína alvo no primeiro ciclo (ver Equação 5). A adição de pelo menos 4 moléculas de ubiquitina (4 ciclos de ubiquitinação) marca a proteína para ser reconhecida e hidrolisada no proteossoma.

Equação 5 E2-ubiquitina + ubiquitina-proteína alvo → ubiquitina-ubiquitina-proteína alvo + E2

As proteínas poliubiquitinadas vão ser reconhecidas por uma estrutura proteica em forma de barril oco designada por proteossoma (ou proteossoma 26S). O proteossoma contém múltiplas subunidades proteicas e os dois conjuntos de subunidades situadas nas extremidades do proteossoma designam-se de complexos reguladores 19S. Entre os complexos 19S existe o miolo central do barril designado de complexo 20S cujas subunidades têm atividade proteolítica com os centros ativos voltados para o lúmen do “barril”.

Os complexos reguladores (19S) reconhecem as proteínas poliubiquitinadas, catalisam a hidrólise das ligações pseudopeptídicas libertando a proteína alvo das moléculas de ubiquitina, promovem o desenrolamento (unfolding) da proteína alvo (num processo que envolve a hidrólise do ATP) e promovem a sua entrada no interior do “barril”. A ação hidrolítica do complexo 20S leva à formação de polipeptídeos que saem do “barril” para o citoplasma onde vão terminar o processo hidrolítico (e a consequente libertação de aminoácidos) por ação de peptídases.

A regulação do sistema ubiquitina-proteossoma é mal conhecido, mas sabe-se que na aceleração do processo de hidrólise das proteínas musculares que ocorre na caquexia associada ao cancro está envolvido o aumento da síntese de ubiquitina e das subunidades do proteossoma.

7- Sistema lisossómico de hidrólise proteica

Um outro sistema de degradação de proteínas endógenas envolve os lisossomas onde vai ocorrer a hidrólise de uma enorme variedade de biomoléculas (lipídeos, fosfolipídeos, glicogénio, etc.) incluindo proteínas que têm baixas taxas de renovação. Neste sistema podem ser degradadas biomoléculas (incluindo proteínas) que vêm do meio extracelular (endocitose) ou do interior das células num processo designado por autofagia.

(i) Os lisossomas são organelos vesiculares em que o pH luminal é ácido (cerca de 5) devido à ação de uma ATPase da sua membrana que bombeia protões contra gradiente do citoplasma para o lúmen. No interior dos lisossomas existe uma enorme variedade de enzimas hidrolíticas com pH ótimo ácido que são capazes de degradar as biomoléculas que estejam presentes no lúmen. As hidrólases que, nos lisossomas, atuam nas proteínas designam-se de catepsinas e os aminoácidos libertados acabam por sair para o citoplasma das células.

(ii) Via endocitose componentes do meio extracelular que entram em contacto com a membrana celular formam o conteúdo de vesículas intracelulares designadas de endossomas. Estes endossomas podem

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diferenciar-se em lisossomas ou fundir-se com lisossomas ocorrendo então a hidrólise das biomoléculas que foram endocitadas.

(iii) A autofagia é um mecanismo em que componentes intracelulares (incluindo porções do citoplasma e organelos danificados) acabam incluídos em vesículas que têm duas membranas (uma interna e outra externa) e se designam por autofagossomas. Os autofagossomas acabam fundindo a sua membrana externa com a membrana de lisossomas formando vesiculas (autolisossomas) onde ocorre a digestão do conteúdo dos autofagossomas (membrana interna incluída).

Por ação das catepsinas ocorre a hidrólise de proteínas endógenas que sofreram algum tipo de alteração ou as que fazem parte de organelos danificados permitindo a eliminação dos componentes danificados e a reutilização dos aminoácidos.

8- Hidrólise proteica no exterior das células

As proteínas da matriz extracelular como, por exemplo, o colagénio e a elastina, são hidrolisadas por protéases que se designam genericamente por metaloprotéases3 da matriz. Algumas são segregadas pelos

fibroblastos, mas outras são ectohidrólases que estão presentes na membrana celular destas células.

As proteínas segregadas para o lúmen do tubo digestivo ou que resultam da descamação do epitélio são, juntamente com as proteínas da dieta, hidrolisadas pelas protéases e peptídases digestivas.

9- Definição de “perda obrigatória de aminoácidos” e o aumento das perdas quando se

ingerem proteínas

A importância da ingestão de proteínas na grávida, numa criança ou num adolescente que está a crescer ou num adulto que, por qualquer motivo, perdeu massa muscular e que está a recuperar dessa perda é fácil de entender. Para a síntese das novas moléculas proteicas são necessários aminoácidos que resultam da hidrólise das proteínas da dieta. No entanto, se admitirmos a situação mais habitual no adulto em que a massa proteica global é estável poderia pensar-se que o aporte de aminoácidos seria dispensável. Afinal, os aminoácidos que resultam da degradação das proteínas endógenas poderiam ser usados para a re-síntese dessas mesmas proteínas sem haver necessidade de aporte aminoacídico exógeno. Contudo, não é isto que acontece.

De facto, a esmagadora maioria das moléculas dos aminoácidos libertados durante a hidrólise das proteínas endógenas (≈300 g dia-1) é reutilizada na síntese de novas moléculas proteicas. No entanto, uma

parte não é reutilizada porque uma parte dessas moléculas sofre transformações irreversíveis ficando excluídas do ciclo de reutilização. Entre estas transformações irreversíveis tem especial relevância quantitativa (i) a oxidação a CO2(que se acompanha da perda dos grupos azotados), mas também incluem

a conversão em derivados aminoacídicos com grande importância biológica. Exemplos de formação destes derivados são (ii) a conversão de aminoácidos em creatina e (iii) em neurotransmissores (histamina, serotonina, dopamina, noradrenalina, NO, etc.), (iv) hormonas de baixa massa molecular (adrenalina, melatonina, tiroxina), assim como (vi) a contribuição dos aminoácidos para a síntese de nucleotídeos púricos e pirimídicos e do heme. Estas transformações irreversíveis ocorrem mesmo quando a ingestão de proteínas é nula e tem como consequência que uma parte dos aminoácidos que resultam da hidrólise das proteínas endógenas se perca para o ciclo de reutilização.

(i) O organismo perde azoto para o exterior sobretudo na urina, mas também nas fezes e através da pele, genitais e secreções nasais. Numa condição experimental em que a dieta é adequada no que se refere aporte energético, vitamínico e água, mas em que a ingestão proteica é nula, a perda de azoto é a mínima possível e o seu valor num adulto saudável é de cerca de 4 dia-1. Este valor corresponde à massa de azoto

contido em cerca de 25 g de proteínas (ver à frente) e designa-se por perda obrigatória de aminoácidos4.

A perda obrigatória de aminoácidos é, em grande parte, uma consequência da presença, nas células, de enzimas que têm como substratos aminoácidos e que catalisam transformações catabólicas irreversíveis incluindo desaminações e oxidações. O azoto dos aminoácidos que sofrem catabolismo é

3 O termo “metaloprotéases” tem origem no facto de terem metais (como o zinco ou o cobalto) como cofatores essenciais. 4 A perda obrigatória de aminoácidos (obligatory aminoacids losses) pode, na prática, ser determinada avaliando as perdas de azoto do organismo num indivíduo que tem uma dieta equilibrada sob todos os pontos de vista exceto um: não ingere proteínas. A ureia difunde do sangue para o lúmen intestinal e, no lúmen do cólon, por ação das bactérias é convertida em amónio; este amónio é reabsorvido e, no fígado, vai ser novamente reconvertido em ureia. Este processo constitui um ciclo entero-hepático ureia-amónio e retarda a excreção da ureia sintetizada a partir do catabolismo dos aminoácidos. Por isso, é necessário esperar vários dias antes de se tornar patente que a exclusão das proteínas da dieta diminui a excreção de ureia.

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maioritariamente transformado em ureia [1C,2N] (que se perde na urina) enquanto o seu esqueleto carbonado (a parte desprovida de azoto) pode ser oxidado a CO2, em última análise contribuindo para a

síntese de ATP. O azoto das proteínas não se perde apenas na forma de ureia. A urina contém outros compostos azotados que, em última análise, também provêm do metabolismo dos aminoácidos; dentre estes é de destacar a creatinina (catabolito da creatina), o ácido úrico (catabolito das bases púricas), o ião amónio (NH4+) e, embora em quantidades muito mais pequenas, aminoácidos (modificados ou não) e catabolitos de

hormonas e neurotransmissores que tiveram aminoácidos na sua génese. Também se perdem aminoácidos endógenos nas fezes pois uma parte das proteínas do epitélio intestinal que descama, das mucinas segregadas (glicoproteínas do muco) ou mesmo parte das enzimas digestivas não são completamente digeridas (ou são digeridas pelas bactérias presentes no lúmen do cólon e os produtos usados na síntese proteica bacteriana).

O facto de, em média, 16% da massa das proteínas ser azoto permite estabelecer uma relação entre a massa de azoto perdida nas excreções e a massa de proteínas que essa massa de azoto representa. Assim, para converter a massa do azoto excretado em equivalentes de massa de proteínas multiplica-se a massa do azoto excretado por 6,25 (100/16 = 6,25). Tal como acontece na maioria das situações, em condições de ingestão proteica nula, mas equilibrada sob todos os outros aspetos, a maioria do azoto sai do organismo na urina. Nestas condições, cerca de 70% do azoto correspondente às perdas obrigatórias de aminoácidos perde-se na urina (50% na forma de ureia e 20% na forma de creatinina, amónio e outros compostos) e cerca de 20% nas fezes; os restantes 10% correspondem às perdas de proteínas inteiras na pele que descama, nas unhas e cabelos que crescem, nas secreções nasais, no fluxo menstrual ou na ejaculação e na ureia que está presente no suor. A percentagem de azoto perdida na forma de ureia (na urina) é muito maior quando a ingestão proteica aumenta podendo ser cerca de 80%, ou mesmo 90% do total.

(ii) Poderia pensar-se que, para repor as perdas obrigatórias de 25 g de aminoácidos dia-1, bastaria

ingerir uma quantidade equivalente de proteínas, mas não é isso que acontece.

A absorção de aminoácidos no intestino, leva a um aumento transitório da sua concentração no plasma5 [3] e nas células e a um aumento da velocidade do seu catabolismo: uma parte substancial dos

aminoácidos ingeridos fica sujeita à ação das enzimas catabólicas sofrendo, junto com os libertados na hidrólise das proteínas endógenas, oxidação e desaminação irreversíveis. Parte deste catabolismo ocorre nos enterócitos ainda antes de os aminoácidos entrarem para o sangue no decurso da sua absorção intestinal. Cerca de 60% dos carbonos das moléculas dos aminoácidos glutamina, glutamato e aspartato que estão a entrar nos enterócitos vindos do lúmen são, ainda antes de passarem para o sangue, oxidados a CO2; os

átomos de azoto destes aminoácidos são convertidos em amónio durante o processo e o mesmo acontece aos átomos de azoto correspondentes às moléculas de aminoácidos (cerca de 20 % da glutamina, glutamato e aspartato) cujos carbonos geraram lactato (que não contém azoto) nestas células [4]. A percentagem de oxidação e desaminação não é tão elevada no caso dos outros aminoácidos mas, em qualquer caso, nem todas as moléculas dos aminoácidos que entram para os enterócitos passam para o sangue. Além disto, uma parte das proteínas ingeridas não chega a ser absorvida e perde-se nas fezes.

Os trabalhos experimentais com seres humanos adultos saudáveis apontam para valores da ordem dos 0,8 g por kg de massa corporale por dia (≈ 50 g dia-1 num adulto saudável com cerca de 60 kg) como o

mínimo de proteínas a ingerir para repor a perda obrigatória de aminoácidos e a perda que se soma à perda obrigatória quando se ingerem proteínas [5].

10- Definições de balanço azotado

Nas situações em que a massa de proteínas endógenas está a aumentar diz-se que há um balanço azotado positivo; na condição contrária diz-se que o balanço azotado é negativo; o balanço azotado é nulo quando não há aumento nem diminuição da massa proteica endógena.

Em geral, um indivíduo adulto saudável mantém constante a quantidade total de proteínas endógenas. De facto, a massa de proteínas endógenas “flutua” ao longo de um dia aumentando no período

5A concentração plasmática dos aminoácidos entendidos como um todo aumenta a seguir a uma refeição que contenha

proteínas. No entanto, à semelhança do que acontece no caso da glicemia, os processos homeostáticos fazem com que o incremento de concentração de aminoácidos no plasma e líquido extracelular seja muito mais discreto que o que seria de prever tendo em conta a massa de proteínas ingerida. De acordo com um estudo de Morens e col. (2003), a ingestão de 900 mL de leite (28 g de proteínas) provocou, 3 h após a refeição, um pico máximo de concentração de aminoácidos que era apenas 24 % maior que a concentração basal; passou de 2,1 mM para 2,6 mM. Se considerarmos um indivíduo adulto normal com 10 L de líquido extracelular (plasma incluído), isso corresponde a um incremento da massa de aminoácidos livres no líquido extracelular de apenas 0,6 g (de 2,7 g para 3,3 g) o que corresponde a cerca de 2% dos 28 g ingeridos.

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pós-prandial e diminuindo durante o jejum noturno6. No entanto, tendo em conta a massa total de proteínas,

as variações percentuais são mínimas e, além disso, considerando um período de 24h (ou mais) pode dizer-se que a velocidade de hidrólidizer-se é, no adulto saudável, igual à de síntedizer-se. Um indivíduo que está nestas condições diz-se em equilíbrio azotado (ou que tem um balanço azotado nulo). O uso do adjetivo “azotado” resulta do facto de a esmagadora maioria do azoto presente no organismo ser o azoto dos resíduos aminoacídicos das proteínas.

Porque é uma boa aproximação à realidade considerar que a massa de aminoácidos livres (cerca de 150 g no organismo inteiro) é estacionária, quando o balanço azotado é positivo (negativo, nulo) a massa de azoto ingerido é superior (inferior, igual) à de azoto excretado; caso exista uma diferença entre os valores da síntese e da hidrólise de proteínas endógenas (ou seja, se houver variação na sua massa global de proteínas endógenas) essa diferença reflete-se numa diferença equivalente entre o azoto ingerido e o azoto excretado. Assim, o balanço azotado também se pode definir como sendo a diferença entre a massa de azoto ingerido e a massa de azoto excretado (ou a diferença entre os valores da massa de proteínas correspondente).

Um indivíduo que, durante um determinado período de tempo (uma semana ou um mês, por exemplo), está em balanço azotado nulo e ingere 100 g de proteínas /dia (um valor normal na dieta de tipo ocidental), perde na urina, fezes, pele, nariz e genitais uma massa de azoto equivalente (100 g × 0,16 = 16 g de azoto /dia) e a sua massa proteica endógena, embora tenha sofrido flutuações diárias, não variou no intervalo de tempo considerado. Um indivíduo que, num terminado período de tempo, excretou, por exemplo, 10 g de azoto em excesso relativamente ao ingerido deverá ter perdido uma massa proteica endógena de 62,5 g (10 g de azoto × 6,25 g de proteína/ g de azoto = 62,5 g de proteína).

11- O destino dos aminoácidos excedentários

Poderia pensar-se que a massa de proteínas ingeridas seria um importante fator na definição da variação da quantidade de proteínas do organismo. A massa de gordura do organismo aumenta quando o valor calórico da dieta é superior à despesa energética mas, no caso do azoto, o sistema funciona de forma diferente. A massa de proteínas endógenas baixa (balanço azotado negativo) se a ingestão for inferior à quantidade necessária para repor as perdas obrigatórias (≈25 g dia-1) e fazer face ao acréscimo de perdas

resultante da ingestão (outros 25 g dia-1), mas uma ingestão de proteínas acima do montante necessário

para cobrir as necessidades (≈50 g dia-1) resulta apenas no catabolismo dos aminoácidos excedentários

e num aumento da produção de ureia. Quando aumentamos a ingestão proteica mantendo balanço energético nulo o que acontece é a substituição, na mistura de nutrientes que está a ser oxidada, de uma parte dos hidratos de carbono e das gorduras por aminoácidos.

Ao contrário do que acontece com a massa de gordura, a quantidade de cada uma das proteínas do organismo só depende da dieta na medida em que (i) esta pode constituir um fator limitador da sua síntese e (ii), acessoriamente, na medida em que o aumento da massa de gordura é acompanhado pela formação de vasos sanguíneos, de adipócitos e de tecidos de suporte (que contêm proteínas). Ingerir mais proteínas que as necessárias para repor os aminoácidos que sofreram catabolismo não provoca, por si só, balanço azotado positivo.

12- Fatores hormonais e comportamentais que afetam a massa das proteínas musculares

Considerando o organismo como um todo e um intervalo de tempo elevado (um mês ou mais), o balanço entre a massa de proteínas endógenas que sofre hidrólise e a que é sintetizada é, em grande medida, dependente do balanço na massa das proteínas dos músculos. A importância das proteínas musculares no balanço azotado pode ser melhor compreendida se tivermos em conta o peso destas proteínas na massa total de proteínas (cerca de metade do total) e na taxa de renovação global (cerca de ¼ do total). Por isso os fatores 6 Não é correto considerar que o aumento da síntese de proteínas endógenas e o incremento da massa de proteínas do organismo que ocorre a seguir às refeições corresponde a uma situação de balanço azotado positivo. Também não é correto dizer que a perda de massa de proteínas endógenas que ocorre durante o jejum noturno é um exemplo de balanço azotado negativo. A seguir às refeições há aumento de síntese de enzimas digestivas (proteínas) nas células acinares pancreáticas, de proteínas no fígado (incluindo a síntese de albumina), de proteínas musculares, etc. Se o individuo estiver em balanço azotado nulo, a massa de proteínas ganha no período pós-prandial é equivalente à que se perde durante o jejum noturno. Pelo menos no caso das proteínas musculares uma razão para o incremento da síntese no período pós-prandial é o aumento da insulina plasmática neste período e o seu papel estimulador da tradução. Reciprocamente, a diminuição da insulina durante o jejum noturno contribui para a diminuição da massa proteica dos músculos. Estas flutuações cíclicas diárias poderão ser, em valor absoluto, da mesma ordem de grandeza das do glicogénio mas, em termos percentuais, dada a enorme massa de proteínas em comparação com a de glicogénio (cerca de 20-30 vezes mais proteínas), são discretas.

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que afetam a síntese e a degradação das proteínas musculares são importantes para compreender a regulação do balanço azotado.

Ao contrário do que acontece com a maioria das proteínas cuja síntese e degradação depende em grande medida de fatores de regulação específicos, as proteínas musculares (ou, mais precisamente, as proteínas diretamente envolvidas no processo contrátil, a actina e a miosina) sofrem variações de massa que dependem em grande medida de fatores hormonais e comportamentais.

A hormona do crescimento (também designada por somatotrofina), a testosterona e a insulina são hormonas que afetam positivamente a síntese das proteínas musculares estimulando o processo de iniciação da tradução. Ao mesmo tempo, reforçando o seu contributo para o incremento da massa proteica muscular, têm um papel inibidor na degradação através de ações que envolvem inibição da proteólise que ocorre nos proteossomas. No entanto estas hormonas não provocam, por si só, incrementos na massa proteica muscular. Para aumentar a massa das proteínas de um determinado grupo de músculos há que fazer “exercícios de musculação”, ou seja, fazer exercícios anaeróbicos utilizando esse grupo de músculos. Este tipo de exercícios (levantamento de peso, corridas de “sprint”, etc.) provoca aumento do catabolismo durante o exercício mas, durante o repouso que se lhe segue, a síntese proteica é estimulada e, no balanço global, há incremento da massa de proteínas.

Algumas moléculas sinalizadoras extracelulares como as hormonas tiroideias, o cortisol e as citosinas inflamatórias têm efeitos opostos e provocam diminuição na massa das proteínas dos músculos. Em consonância com o efeito das hormonas tiroideias no metabolismo basal (as hormonas tiroideias aumentam o metabolismo basal), as hormonas tiroideias também têm um efeito positivo na sua taxa de renovação (turnover proteico). As hormonas tiroideias aceleram a síntese proteica, mas também a sua hidrólise e, considerando o somatório dos dois efeitos antagónicos, o efeito catabólico predomina sobre o anabólico. Como referido acima, a prática de exercícios anaeróbicos também estimula o turnover das proteínas musculares mas, neste caso, o somatório é positivo havendo incremento da massa proteica dos músculos envolvidos.

13- Causas de balanço azotado positivo e negativo em situações fisiológicas e patológicas

Sob efeito das hormonas acima referidas, do exercício e de outros fatores, a quantidade total de proteínas do organismo aumenta (balanço azotado positivo) nos indivíduos (i) em fase de crescimento (crianças e adolescentes), (ii) que estão a engordar, (iii) que estão a recuperar após um período de balanço azotado negativo ou (iv) que, através de exercício físico anaeróbico (com ou sem a ação dopante de esteroides anabolizantes), estão a aumentar a sua massa muscular. Nos indivíduos adultos que estão a engordar a maior parte do aumento da massa corporal deve-se à acumulação de triacilgliceróis no tecido adiposo, mas também ao aumento das proteínas dos vasos sanguíneos, dos adipócitos e dos tecidos de sustentação incluindo os músculos.

É de esperar que haja balanço azotado negativo (i) a partir dos 40-50 anos de idade, (ii) quando se diminui a atividade física, (iii) quando se emagrece voluntariamente ou (iv) em consequência de défice nutricional proteico e/ou proteico-calórico involuntário ou (v) em situações de doença. A perda de massa muscular associado ao envelhecimento é, pelo menos em parte, uma consequência da diminuição da sensibilidade dos músculos aos efeitos anabólicos do exercício físico, mas também à diminuição desse exercício.

Grande parte das doenças agudas e crónicas cursam com balanço azotado negativo. Embora a diminuição do apetite e do exercício possam ter um papel na diminuição da massa muscular, não são estes os fatores determinantes na maioria dos casos de doença. A diminuição da massa muscular associada a muitas doenças (cancros, traumatismos acidentais ou cirúrgicos, doenças infecciosas agudas e crónicas, etc.) é uma componente da resposta adaptativa que leva à hidrólise das proteínas musculares, desta forma disponibilizando aminoácidos para a síntese aumentada de proteínas que ocorre no fígado (designadas por “proteínas de fase aguda”) ou nos tecidos que estão em processo de cicatrização [6]. Nestes processos participam as citosinas inflamatórias que, direta e indiretamente, provocam aumento nos processos de hidrólise e inibição da síntese das proteínas musculares. As citosinas são proteínas produzidas por células do sistema imunitário e aumentam em situação de inflamação. Os efeitos indiretos das citosinas inflamatórias envolvem a diminuição da sensibilidade aos efeitos anabolizantes da insulina e da somatotrofina e à estimulação da secreção de cortisol.

A diminuição da secreção de insulina no pâncreas também pode ser um fator determinante. Neste contexto, é clássico referir que, antes da introdução da terapêutica insulínica, os doentes com diabetes tipo 1 morriam num estado de caquexia: as proteínas dos músculos iam desaparecendo enquanto os aminoácidos constituintes se iam convertendo em glicose que, em grande parte, se perdia na urina.

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14- Défice de ingestão proteica e proteico-calórica

Num indivíduo adulto saudável que mantém constante a sua massa muscular, é de prever que a quantidade total de proteínas também se mantém mais ou menos constante: nestas condições, os aminoácidos excluídos do ciclo de reutilização são repostos por ingestão e incorporados nas proteínas sintetizadas existindo balanço azotado nulo. Quando a ingestão proteica não é suficiente para repor os aminoácidos que sofrem catabolismo há balanço azotado negativo.

No caso das crianças o balanço azotado é fisiologicamente positivo, mas uma ingestão deficiente de proteínas provoca atraso no crescimento. Em situações de subnutrição proteica pode surgir uma doença designada de kwashiorkor em que, além do atraso de crescimento, há edemas nos membros e ascite (líquido no espaço entre os dois folhetos do peritoneu). O edema e a ascite são provocados pela diminuição da produção de albumina no fígado. A albumina é a proteína mais abundante no plasma sanguíneo e tem efeito osmótico que contrabalança a pressão hidráulica que favorece a saída de líquido do plasma para o espaço extracelular. Quando a concentração plasmática de albumina baixa, este fator de retenção de líquido no plasma diminui e passa a predominar a pressão hidráulica provocando edema e ascite.

A perda de massa muscular que ocorre em situações de défice nutricional proteico-calórico como o que acontece nas situações de “greve de fome” é mais marcada que a simples omissão das proteínas da dieta de um indivíduo. No défice nutricional proteico-calórico, para além da “perda obrigatória de aminoácidos”, há uma perda adicional que é adaptativa e resulta da diminuição da insulina. Quando um indivíduo inicia uma “greve de fome” a hidrólise das proteínas musculares fica aumentada e fornece ao fígado aminoácidos que são usados como substratos na síntese de glicose. Porque o glicogénio se esgota em um ou dois dias de jejum, a gliconeogénese tem, neste processo, um papel determinante na síntese da glicose que é oxidada no cérebro. No entanto, à medida que o tempo de jejum se prolonga a proteólise muscular diminui porque há diminuição da secreção de hormonas tiroideias. Esta diminuição da proteólise relativamente ao que acontecia nos primeiros dias de jejum, acompanha-se duma diminuição da necessidade de fornecer glicose ao cérebro: à medida que o jejum se prolonga aumenta a síntese de corpos cetónicos que podem substituir até 2/3 das necessidades energéticas do cérebro. Um indivíduo em jejum total (só água e vitaminas) há uma semana está em balanço azotado negativo e pode perder cerca de 50 g de massa proteica endógena por dia; a perda líquida desta massa proteica corresponde a uma perda líquida de azoto de 8 g/dia (50 g × 0,16 = 8 g). Dado que estamos a considerar que o indivíduo tem uma ingestão proteica nula, o valor de 8 g/dia é também o valor correspondente ao azoto eliminado pelo organismo.

Este último valor é cerca do dobro da perda obrigatória de aminoácidos (4 g de azoto/dia), mas é cerca de metade da eliminação de azoto num indivíduo em equilíbrio azotado que ingere 100 g de proteínas por dia (16 g de azoto/dia).

15- Os aminoácidos podem ser nutricionalmente indispensáveis, dispensáveis ou

semi-indispensáveis

Poderia pensar-se que cada uma das moléculas de cada um dos aminoácidos que se perde via oxidação e desaminação ficando excluída do ciclo de reutilização (hidrólise e síntese proteica) teria de ser substituída pela ingestão de uma molécula igual, mas esta ideia, só parcialmente, é verdadeira.

(i) Alguns dos aminoácidos excluídos do ciclo não podem ser sintetizados pelo organismo humano pois não dispomos das enzimas indispensáveis para o processo e nestes casos os aminoácidos dizem-se nutricionalmente indispensáveis (ou essenciais). Para substituir um determinado aminoácido nutricionalmente indispensável que sofreu catabolismo é necessário ingerir esse aminoácido. Ou seja, no caso dos aminoácidos nutricionalmente indispensáveis, cada molécula perdida tem de ser substituída por uma igual.

(ii) Alguns dos aminoácidos excluídos do ciclo podem ser repostos por síntese endógena a partir de intermediários do metabolismo da glicose e, nestes casos, os aminoácidos dizem-se nutricionalmente dispensáveis (ou não essenciais). No entanto, deve notar-se que, embora o esqueleto carbonado provenha da glicose, o grupo azotado vem de outros aminoácidos que terão de ser ingeridos em quantidade suficiente para colmatar as perdas de azoto. O “esqueleto carbonado” da alanina, por exemplo, provém do piruvato, mas o azoto da alanina “tem de vir” doutro aminoácido. Ver Figura 2.

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(iii) Um terceiro grupo de aminoácidos (cisteína e tirosina) forma-se a partir de aminoácidos indispensáveis (metionina e fenilalanina, respetivamente) e poderão classificar-se como semi-indispensáveis7 [5]. Ver Figura 2.

16- O papel do azoto dos aminoácidos da dieta na síntese dos aminoácidos nutricionalmente

dispensáveis

No caso dos aminoácidos sintetizados a partir de intermediários do metabolismo da glicose (serina [3C,1N,1OH], glicina [2C,1N], alanina [3C,1N], aspartato [4C,1N], asparagina [4C,2N], glutamato [5C,1N], glutamina [5C,2N], prolina [5C,1N] e arginina [6C,4N]), embora o esqueleto carbonado possa ser formado a partir da glicose, os grupos azotados (amina, amida ou guanidina) resultam da transferência direta ou indireta de grupos amina (ou amida) de aminoácidos para esses intermediários. Para que um indivíduo adulto tenha a capacidade de manter constante a massa das suas proteínas precisa de absorver, na forma de aminoácidos, tantos átomos de azoto como os que perde na urina, nas fezes, nos genitais, nas secreções nasais ou na pele. Se a quantidade total de azoto ingerido (na forma de proteínas) não for suficiente para colmatar o azoto excretado o indivíduo fica em balanço azotado negativo.

Em geral, um défice de aminoácidos nutricionalmente dispensáveis corresponde a uma ingestão quantitativamente inadequada de proteínas: na presença de azoto aminoacídico em quantidade suficiente para formar os grupos azotados, o organismo pode sintetizar todos e cada um dos aminoácidos nutricionalmente dispensáveis a partir de intermediários do metabolismo glicídico e, nesta síntese, todos os aminoácidos são, em última análise, potenciais dadores de azoto.

Como será discutido adiante neste texto, no processo global de transferência dos grupos azotados de um qualquer aminoácido para os percursores que originam os aminoácidos nutricionalmente dispensáveis participam enzimas que, em última análise, vão envolver o glutamato, um aminoácido que tem, nestes processos, um papel crucial.

17- A incorporação de azoto inorgânico na síntese de glutamato e glutamina

Através da ação catalítica de variadas enzimas, os aminoácidos podem libertar o azoto do seu grupo amina (ou de outros grupos azotados) na forma de amónio (NH4+). O ião amónio é a forma protonada do

amoníaco (NH3); o seu pKa é cerca de 9,3, predominando, por isso, a forma protonada, quer no meio interno,

quer na urina.

Dentro das células, por ação de desamínases (hidrólases, líases e desidrogénases) que atuam nos aminácidos livres há uma contínua libertação de amónio (azoto inorgânico). A maioria desse amónio dá origem a ureia que se perde na urina, mas uma parte é recuperado para o metabolismo aminoacídico por ação catalítica (i) da desidrogénase do glutamato (ver Equação 6) e (ii) da sintétase da glutamina (ver Equação 7). Por ação destas enzimas o azoto inorgânico do amónio pode ser convertido em azoto aminoacídico. O glutamato [5C,1N] é um aminoácido dicarboxílico com 5 carbonos e difere do α-cetoglutarato por ter, em vez do grupo cetónico, um grupo amina no carbono 2. A glutamina [5C,2N] difere do glutamato porque, em vez do grupo carboxílico em C5, tem um grupo amida nesse carbono.

Equação 6 α-cetoglutarato + NH4+ + NADPH → glutamato + NADP+ + H2O8

Equação 7 glutamato + NH4+ + ATP → glutamina + ADP + Pi

Como referido, uma parte do amónio utilizado na síntese do glutamato e da glutamina (ver Equação 6 e Equação 7) pode ter origem em aminoácidos que, no seu processo catabólico dentro das células, perderam

7 Quem classifica faz um exercício de organização dos conhecimentos da forma que lhe dá mais jeito. Também é frequente chamarem à cisteína e à tirosina “condicionalmente indispensáveis” porque só são indispensáveis se a dieta for pobre em metionina e fenilalanina, respetivamente.

8 In vitro a desidrogénase do glutamato também pode usar NADH na reação de síntese do glutamato. No entanto a razão de concentrações NAD+/NADH favorece a reação inversa (a desaminação oxidativa do glutamato). Em termos globais, a desidrogénase do glutamato é predominantemente uma enzima que converte glutamato em α-cetoglutarato com libertação de amónio. Numa mutação genética em que a enzima é mais ativa que o normal os doentes têm de facto hiperamonémia. No entanto, também é verdade que a administração de amónio marcado no átomo de azoto a indivíduos sãos leva à formação de moléculas de glutamato marcado. Isto significa que a desidrogénase do glutamato pode catalisar a reação de incorporação de amónio no α-cetoglutarato. A razão de concentrações NADPH/NADP+ permite compreender que a reação possa evoluir no sentido da síntese de glutamato quando o redutor é o NADPH [Treberg, J. R., Banh, S., Pandey, U. & Weihrauch, D. (2013) Intertissue Differences for the Role of Glutamate Dehydrogenase in Metabolism, Neurochem Res.]

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os seus grupos azotados em reações de desaminação (ou desamidação9), mas também pode, paradoxalmente,

ter origem na ureia. Na realidade uma parte da ureia sintetizada endogenamente não passa diretamente para a urina, mas sim para o lúmen do tubo digestivo. No íleo e no colón, por ação das bactérias, uma parte dessa ureia é convertida em amónio que é reabsorvido. A maioria destas moléculas de amónio vão ser captadas no fígado e originar novas moléculas de ureia (ciclo entero-hepático ureia-amónio), mas outras podem, nas células do organismo, ser substrato da desidrogénase do glutamato (ver Equação 6) e, por ação desta enzima, serem “salvas” contribuindo para a síntese de glutamato e, em última análise, via reações de transaminação (ver à frente Equação 10), contribuir para a síntese de todos os aminoácidos não essenciais. A equação soma relativa a este processo sequencial é a Equação 8.

Equação 8 α-cetoácido X + NH4+ + NADPH →α-aminoácido X + NADP+ + H2O

O amónio que é absorvido no tubo digestivo também pode ser “salvo” quando, pela ação da sintétase da glutamina (ver Equação 7), o glutamato se converte em glutamina. No entanto, o amónio que é “salvo” neste processo tem uma importância menor no contexto de uma discussão sobre a biossíntese de aminoácidos porque não existe nenhuma enzima capaz de catalisar a transferência do grupo amida da glutamina para gerar outros aminoácidos. Para além da incorporação direta na síntese de proteínas, o destino da glutamina que tem maior relevância quantitativa é sofrer a ação da glutamínase (uma hidrólase; ver Equação 9) para voltar a gerar glutamato com a perda do grupo amida que tinha sido incorporado na ação da sintétase da glutamina. Equação 9 glutamina + H2O → glutamato + NH4+

18- As reações de transaminação e a síntese de glutamato

Para além de poder ter origem na ação da desidrogénase do glutamato (ver Equação 6), a síntese de glutamato também tem lugar em reações de transaminação (ver Equação 10) em que diversos aminoácidos cedem o grupo amina (azoto orgânico) ao α-cetoglutarato gerando glutamato e os α-cetoácidos correspondentes. Assim, o glutamato e a glutamina (via sintétase da glutamina; ver Equação 7) podem formar-se endogenamente a partir de um intermediário do ciclo de Krebs (o α-cetoglutarato); sabendo-se que os intermediários do ciclo de Krebs se podem formar a partir da glicose (via glicólise e carboxílase do piruvato; ver Equação 11) conclui-se que o glutamato e a glutamina são aminoácidos nutricionalmente dispensáveis.

Equação 10 α-aminoácido X + α-cetoglutarato ↔ glutamato + α-cetoácido X Equação 11 piruvato + CO2 + ATP → oxalacetato + ADP + Pi

19- O papel do glutamato na síntese dos aminoácidos nutricionalmente dispensáveis

Quando, em reações de desaminação (ou de desamidação), um dado aminoácido perde o seu azoto na forma de amónio, este amónio pode ser incorporado no α-cetoglutarato para formar glutamato (ver Equação 6). Quando a perda do grupo amina envolve uma reação de transaminação o aceitador é também o α-cetoglutarato e também se forma glutamato (ver Equação 10).

Na síntese dos aminoácidos nutricionalmente dispensáveis (não essenciais), o glutamato vai ter um papel relevante como dador de grupos amina a intermediários do metabolismo que levam à síntese de aminoácidos. Como será explicado adiante neste texto o glutamato é dador do grupo amina na síntese da alanina a partir de piruvato, na síntese de aspartato e de asparagina a partir do oxalacetato e na síntese de serina (e dos aminoácidos a que esta pode dar origem) a partir de 3-fosfoglicerato. Além disso o glutamato é o precursor em vias metabólicas em que ocorre a síntese de prolina e arginina.

É de notar no entanto que, apesar de a síntese de glutamato se poder fazer a partir de amónio e do α-cetoglutarato, o amónio não pode ser usado para substituir o azoto dos aminoácidos da dieta. O amónio não faz parte da dieta humana porque, além de intragável, é um composto que se fosse administrado em doses suficientes para colmatar as necessidades de azoto para a síntese dos aminoácidos nutricionalmente dispensáveis (substituindo os aminoácidos da dieta) provocaria a morte porque é muito tóxico.

9 A expressão “desaminação” usa-se frequentemente num sentido abrangente incluindo a perda dos grupos amina e dos grupos amida. O termo “desamidação” refere-se especificamente às reações em que ocorre a hidrólise do grupo amida da glutamina ou da asparagina.

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20- A ação de transamínases na síntese da alanina e do aspartato

A alanina [3C,1N] difere do piruvato porque, em vez do grupo cetónico no carbono 2, tem um grupo amina; o aspartato [4C,1N] difere do oxalacetato pela mesma razão. A síntese de alanina e aspartato é o resultado da transferência do grupo amina do glutamato para os α-cetoácidos correspondentes: o piruvato e o oxalacetato, respetivamente. A transamínase da alanina (ver Equação 12) e a transamínase do aspartato (ver Equação 13) catalisam, respetivamente, a formação de alanina e aspartato mas, como estas reações são fisiologicamente reversíveis, também intervêm nos processos em que estes aminoácidos perdem o grupo α-amina para o α-cetoglutarato. Existem muitas transamínases com especificidades distintas relativamente a um dos substratos, mas o outro substrato é (quase) sempre o glutamato/α-cetoglutarato (ver Equação 10). Dependendo do sentido em que a reação esteja a evoluir, uma reação de transaminação pode servir para formar um determinado aminoácido à custa da conversão do glutamato em α-cetoglutarato ou para formar glutamato à custa da conversão de um determinado aminoácido no seu α-cetoácido correspondente. Uma característica comum a todas as transamínases (e a muitas outras enzimas envolvidas no metabolismo aminoacídico) é a presença de piridoxal-fosfato (derivado da vitamina B6) como grupo prostético10.

Equação 12 glutamato + piruvato ↔α-cetoglutarato + alanina Equação 13 glutamato + oxalacetato ↔α-cetoglutarato + aspartato

21- A síntese de serina a partir do 3-fosfoglicerato

A serina [3C,1N,1OH] é um aminoácido que contém 3 carbonos e um grupo hidroxilo em C3. A glicina [2C,1N] é o aminoácido mais simples e contém apenas 2 carbonos. Transamínases com diferentes especificidades intervêm no processo de síntese da serina a partir de 3-fosfoglicerato (um intermediário da glicólise) e da glicina a partir de glioxilato (contém um grupo aldeído em vez do grupo amina no carbono

α).

No processo de síntese da serina a partir do 3-fosfoglicerato intervém primeiro uma desidrogénase que converte o grupo hidroxilo do carbono 2 num grupo cetónico levando à formação do 3-fosfohidroxipiruvato (ver Equação 14) que é substrato da transamínase da fosfoserina (ver Equação 15). A fosfoserina (formada na reação de transaminação) é hidrolisada por uma fosfátase com a consequente formação da serina (ver Equação 16).

Equação 14 3-fosfoglicerato + NAD+ 3-fosfohidroxipiruvato + NADH

Equação 15 glutamato + 3-fosfohidroxipiruvato ↔α-cetoglutarato + fosfoserina Equação 16 fosfoserina + H2O → serina + Pi

22- A ação catalítica da hidroximetiltransférase da serina

A reação catalisada pela hidroximetiltransférase da serina (ver Equação 17) para além de permitir a síntese de glicina a partir de serina (e o inverso) também permite a metilação do tetrahidrofolato (H4-folato): o N5,N10-metileno-H4-folato formado nesta reação é indispensável na síntese de timina e, portanto,

do DNA. O facto de a glicina se poder formar a partir da serina (ver Equação 17) e de esta poder gerar-se a partir de um intermediário da glicólise (3-fosfoglicerato; ver Equação 14, Equação 15 e Equação 16) permite compreender que, quer a serina, quer a glicina sejam aminoácidos nutricionalmente dispensáveis.

Equação 17 serina + H4-folato ↔ glicina + N5,N10-metileno H4-folato 23- A síntese de glicina a partir da colina

Para além de poder ser sintetizada diretamente a partir da serina (ver Equação 17), a glicina também pode ser sintetizada numa via metabólica que parte de colina. Neste caso também se pode considerar que a glicina deriva da serina porque, embora a maior parte da colina tenha origem na dieta, também pode ser

10 No decurso do ciclo catalítico o piridoxal-fosfato que está, no início do ciclo, ligado ao grupo 6-amina de um resíduo de lisina da transamínase, converte-se em piridoxamina-fosfato, mas, no final do ciclo, regenera-se a forma original. Com algumas exceções (lisina, treonina, prolina, triptofano e arginina) existem transamínases que (com maior ou menor eficácia) são capazes de catalisar a troca entre o grupo cetónico dos α-cetoácidos correspondentes e o grupo amina do glutamato.

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sintetizada endogenamente a partir da serina11. Nesta via metabólica a colina é oxidada no grupo hidroxilo

formando-se betaína (trimetilglicina; ver Equação 18). De seguida a betaína é dadora de um grupo metilo à homocisteína formando-se dimetilglicina (metiltransférase da betaína-homocisteína; ver Equação 19) que, por sua vez, pode ceder os dois grupos metilo restantes ao tetrahidrofolato (H4-folato) gerando-se a glicina (ver Equação 20 e Equação 21).

Equação 18 colina + O2 + NAD+ → betaína + H2O2 + NADH

Equação 19 betaína + homocisteína → dimetilglicina + metionina

Equação 20 dimetilglicina + H4-folato → sarcosina + N5,N10-metileno-H4-folato;

Equação 21 sarcosina + H4-folato → glicina + N5,N10-metileno-H4-folato 24- A síntese de glicina a partir do glicolato

Num outro processo de síntese, a glicina pode ter origem no glioxilato, uma substância que tem dois carbonos um deles contendo um grupo carboxílico e o outro um grupo aldeído. O glioxilato é aceitador do grupo amina numa reação de transaminação atípica em que o dador do grupo amina é a alanina e em que o aceitador (o glioxilato) contém um grupo carbonilo que não é um grupo cetónico (ver Equação 22). De qualquer forma, porque o grupo amina da alanina pode provir do glutamato (ver Equação 12), o papel crucial do glutamato na síntese da glicina a partir de glioxilato não está em causa.

Equação 22 alanina + glioxilato → piruvato + glicina

O glioxilato pode resultar da oxidação do glicolato (que existe em muitas plantas comestíveis) por ação da oxídase do glicolato (ver Equação 23).

Equação 23 glicolato + O2→ glioxilato + H2O2

25- A síntese de prolina e de arginina a partir de glutamato

A prolina [5C,1N] é o único aminoácido em que o grupo amina é uma amina secundária (que liga os carbonos 2 e 5). A arginina [6C,4N] contém 6 carbonos, mas um deles faz parte da estrutura do grupo guanidina [1C;3N] que se liga ao carbono 5. Quer a prolina quer a arginina podem ser sintetizadas a partir do glutamato. O glutamato pode, por redução do grupo carboxílico C5, originar o semialdeído do glutamato (ver Equação 24).

Equação 24 glutamato + NADPH + ATP → semialdeído do glutamato + NADP+ + ADP + Pi

O semialdeído do glutamato pode seguir dois destinos distintos: (i) num deles (por redução dependente do NADPH) dá origem à prolina e (ii) no outro origina a ornitina [5C,2N] que, via ação catalítica das enzimas do ciclo da ureia, se converte em arginina. A conversão do semialdeído do glutamato em ornitina é catalisada pela transamínase da ornitina (ver Equação 25). Na reação catalisada por esta transamínase é o carbono 5 (o carbono que continha o grupo aldeído do semialdeído do glutamato) que vai aceitar o grupo amina.

Equação 25 glutamato + semialdeído do glutamato ↔α-cetoglutarato + ornitina

26- O envolvimento das enzimas do ciclo da ureia na síntese da arginina

A arginina [6C,4N] é sintetizada no ciclo da ureia. A arginina é um intermediário desse ciclo, concretamente o intermediário que sofre hidrólise por ação da argínase levando à formação de ureia [1C,2N] e ornitina [5C,2N]. No ciclo da ureia, a ornitina converte-se em citrulina [6C,3N] que, por sua vez origina arginino-succinato [10C,4N]; é o arginino-succinato que regenera a arginina. Assim, a ornitina, a citrulina, o arginino-succinato e a arginina são intermediários do ciclo da ureia. No entanto, a arginina é também um dos aminoácidos constituintes das proteínas e, quando é utilizada na síntese proteica, a 11 A colina é um componente das lecitinas (fosfatidil-colina) que ao sofrer hidrólise (fosfolípase D) geram colina. O resíduo de colina resulta da descarboxilação do resíduo de serina da fosfatidil-serina (fosfatidil-serina → fosfatidil-etanolamina + CO2) e posterior metilação do resíduo de etanolamina da fosfatidil-etanolamina (fosfatidil-etanolamina + 3 S-adenosilmetionina → fosfatidil-colina + 3 S-adenosil-homocisteína.)

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