INFORMAÇÕES TÉCNICAS
QUANTO VALE A
SOQUEIRA DO ALGODÃO?
Boletim - Nº 003 - Outubro de 2008 INSTITUTO MATO-GROSSENSE DO ALGODÃO - IMA
Diante da preocupação com o desmatamento indiscriminado das florestas naturais e com a utilização de madeira explorada clandes-tinamente, têm-se procurado fontes alternativas de energia para o abastecimento da demanda local de indústrias que utilizam lenha ou resíduos da agricultura como fonte de calor. No Estado de São Paulo, a indústria canavieira tem utilizado com sucesso o bagaço da cana-de-açúcar para geração de energia que é consumida na própria usina e, em muitos casos, vendida para consumo urbano em municípios próxi-mos. Nos Estados do Rio Grande do Sul e Minas Gerais, o refloresta-mento de grandes áreas com eucalipto tem fornecido a matéria-prima necessária para indústrias consumidoras de lenha.
Recentemente, alguns cotonicultores matogrossenses têm aproveitado a demanda por energia barata de determinadas indústrias e comercializado a soqueira do algodão para ser queimada em fornos e produzir calor (energia). À primeira vista parece ser uma boa opção: um terceiro aparece em minha propriedade e me paga um valor para levar embora meu “problema”, ou seja, não tenho que me preocupar em fazer a roçada da lavoura pós-colheita, e ainda me paga por isso. No entanto, deve-ser ter em mente que todo material vegetal contém elementos químicos em sua composição e que a manutenção dos restos vegetais na área de produção favorece a ciclagem dos nutrien-tes e manutenção de carbono no solo.
Com o objetivo de avaliar a importância da soqueira do algodão do ponto de vista de ciclagem de nutrientes e da conservação de
carbono no sistema de produção, realizou-se um levantamento deta-lhado na região sul de Mato Grosso em lavouras comerciais nos municí-pios de Itiquira, Primavera do Leste e Pedra Preta (Serra da Petrovina) acerca das quantidades de matéria seca, de nutrientes e carbono presentes na soqueira.
Foram selecionados campos de algodão em dois tipos de solo: argiloso (teor de argila > 40%) e arenoso (teor de argila < 20%), totali-zando seis campos amostrados, dois em cada município. Em cinco pontos dentro de cada campo foram colhidos dois metros lineares de plantas de algodão, após a passagem da colhedora, cortando as plantas rente ao solo sem carregar partes que já havia caído no chão. As plantas foram então secas em estufa e pesadas para a determina-ção da quantidade de matéria seca, trituradas e encaminhadas para análise laboratorial para determinação da concentração de macro e micro nutrientes e do teor de C total.
Foram encontrados valores distintos da quantidade de matéria seca da soqueira do algodão em função do tipo de solo (Tabela 1). Em média, nos solos com mais de 40% de argila (textura argilosa), há 4.172 kg/ha de matéria seca de resíduo na forma de planta em pé (soqueira). Estão presentes nessa matéria seca, em média, o equivalente a 36,4; 9,7; 70,5; 21,6; 5,6 e 2,5 kg/ha de N, P2O5, K2O, Ca, Mg e S, respecti-vamente; bem como: 35,4; 13,6; 308,4; 40,7 e 37,3 g/ha de B, Cu, Fe, Mn e Zn, respectivamente. Já em solos com menos de 20% de argila (textura média-arenosa), a quantidade média de matéria seca na soqueira do algodão foi de 2.189 kg/ha, sendo que esta matéria seca apresentava, em média o equivalente a 18,2; 6,9; 34,3; 9,6; 2,7 e 1,5 kg/ha de N, P2O5, K2O, Ca, Mg e S, respectivamente; e também: 18,7; 6,5; 158,9; 32,4 e 23,7 g/ha de B, Cu, Fe, Mn e Zn, respectivamente.
Tabela 1.Quantidade de matéria seca e de macro e micronutrientes presentes na soqueira de algodão pós-colheita, em dois tipos de solos, em três locais da região sul de Mato Grosso.
Na Tabela 2, pode-se observar o valor econômico relativo da soqueira de algodão pós-colheita em relação à quantidade de N, P2O5, K2O e SO4 presentes. Esses valores foram calculados transformando-se a quantida-de daqueles nutrientes em quantidaquantida-des quantida-de uréia, superfosfato simples, cloreto de potássio e gesso agrícola, baseando-se nos preços correntes em Rondonópolis-MT no mês de agosto de 2008: uréia, US$ 1.020/ton; superfosfato triplo, US$ 1.000/ton, cloreto de potássio, US$ 890/ton; e gesso agrícola, US$ 39,40/ton. Pode-se contabilizar, então, que na soque-ira do algodão cultivado em solos com mais de 40% de argila (textura argilosa) e com menos de 20% de argila (textura média-arenosa) estão presentes em cada hectare, em média, US$ 211,20 e US$ 109,10, respec-tivamente.
Contudo, apesar dos valores econômicos encontrados na soqueira do algodão, a sua maior riqueza é (i) a capacidade de promover a ciclagem dos nutrientes no solo, que estarão sendo disponibilizados no decorrer da safra seguinte mediante a decomposição dos restos culturais e a sua
Tabela 2. Valor econômico relativo do resíduo de algodão pós-colheita com base na quantidade de N, P2O5, K2O e SO4 presente.
1Baseado em: a) Uréia, US$ 1020,00/ton; b)Superfosfato triplo, US$ 1.000,00/ton; c) Cloreto
de potássio, US$ 890,00/ton; e d) Gesso agrícola, US$ 39,40/ton.
mineralização, e (ii) a participação na manutenção do conteúdo de matéria orgânica do solo devido ao carbono total presente na matéria seca que auxiliará na sustentabilidade do sistema de produção.
A segunda riqueza relacionada acima é a mais valiosa e não tem como calcular o seu valor financeiro, devido aos inúmeros e intensos benefícios que proporciona ao sistema. Isto é ainda mais importante em um sistema de produção onde ações concretas quanto à melhoria da qualidade física e biológica do solo praticamente não existem, como ocorre na cotonicultura do Mato Grosso. O acúmulo de carbono no solo é resultado da decomposição lenta e gradual dos restos vegetais das plantas cultivadas que, através da fotossíntese, capturam o carbono da atmosfera e o transformam em tecido vegetal. Se esses resíduos são retirados do campo não haverá adição de C ao sistema e, com isso, o
conteúdo de matéria orgânica no solo tende a reduzir. Dessa forma, a sustentabilidade do sistema de produção fica ainda mais prejudicada e a produtividade futura das culturas comprometida.
Considerando os valores médios obtidos neste levantamento, mesmo o produtor recebendo U$ 211,20 / ha pela soqueira do algodão cultivado em solo de textura argilosa, para restituir apenas os nutrien-tes presennutrien-tes nos fertilizannutrien-tes, não é possível admitir que um setor de produção tão profissionalizado, inclusive possuindo assistência técni-ca própria ou terceirizada, faça esta operação financeira. Se o cotoni-cultor mato-grossense precisa fazer a venda da soqueira para se manter viável na atividade é um sinal claro que algo muito sério está acontecendo. A venda da soqueira não vai resolver problemas, e o pior vai complicar ainda mais a situação.
Leandro Zancanaro, Engº Agrº - Fundação MT/PMA Eros Artur Bohac Francisco, Engº Agrº - Fundação MT/PMA Leonardo Coelho Soares Vilela, Engº Agrº - Fundação MT/PMA
João Paulo Grande, Engº Agrº - Fundação MT/PMA Cleverson Volnei Kock, Tec. Agríc. Engº Agrº - Fundação MT/PMA
INSTITUTO MATO-GROSSENSE DO ALGODˆO!IMA Av. Historiador Rubens de Mendona, 157!Sala 404 - CEP 78008-000 CUIAB` MT