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A responsabilidade civil do estado e a aplicação do código de Defesa do Consumidor aos serviços públicos

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Academic year: 2021

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LUIZA CARLOTTO MUNARETTO

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO E A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS SERVIÇOS PÚBLICOS

Ijuí (RS) 2020

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LUIZA CARLOTTO MUNARETTO

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO E A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS SERVIÇOS PÚBLICOS

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Fabiana Fachinetto

Ijuí (RS) 2020

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Dedico a todos que de alguma forma contribuíram para a concretização deste trabalho, por meio de ideias, debates, sugestões e amparo nos momentos em que ousei desistir.

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AGRADECIMENTOS

Agradecer é falar através do coração e reconhecer que nada se consegue sem a ajuda do próximo. Por isso, agradeço à Deus por ser o princípio de tudo, por me guiar, por me dar força e proteção em todos os caminhos da vida.

Agradeço à minha família, pois é por meio dela que estabelecemos os nossos primeiros laços de afeto. Agradeço ao meu pai e à minha mãe - in memoriam -, os quais a todo momento foram uma fonte de amor, carinho e dedicação, bem como sempre acreditaram que por meio do estudo e do conhecimento alcançamos os nossos objetivos. Agradeço, igualmente, ao meu irmão por proporcionar momentos de diversão, parceria e por acreditar no meu potencial.

Agradeço à minha querida professora e orientadora, Fabiana Fachinetto, por todos os apontamentos feitos no meu trabalho, bem como por todo cuidado e empenho que tem com seus orientandos. Este trabalho é fruto da aplicação do conhecimento de cada um dos meus educadores ao longo da trajetória acadêmica.

Agradeço aos meus colegas e amigos que, no decorrer da faculdade, sempre trouxeram momentos de alegria e suavizaram os momentos de tensão. Eles são prova de que vale a pena investir em amizades concretas e pessoas do bem.

Agradeço à 12ª Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul por ter sido a instituição que abriu as portas para a realização do meu estágio extracurricular e que, indiretamente, incentivou na elaboração deste trabalho.

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Eu me lembro! eu me lembro! – Era pequeno E brincava na praia; o mar bramia E, erguento o dorso altivo, sacudia A branca escuma para o céu sereno. E eu disse a minha mãe nesse momento: “Que dura orquestra! Que furor insano! “Que pode haver maior do que o oceano, “Ou que seja mais forte do que o vento?!” – Minha mãe a sorrir olhou pr’os céus E respondeu: – “Um Ser que nós não vemos “É maior do que o mar que nós tememos, “Mais forte que o tufão! meu filho, é – Deus!” – Casimiro de Abreu

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso faz um estudo acerca dos serviços públicos prestados pelos entes da federação, analisando quais os requisitos necessários para configurar uma relação de consumo entre o usuário-consumidor e o Estado-fornecedor, de modo que seja possível ampliar a aplicação das medidas protetivas presentes no Código de Defesa do Consumidor quando houver uma má prestação do serviço. Inicialmente, o trabalho faz uma abordagem sobre os diversos princípios constitucionais e consumeiristas previstos no ordenamento jurídico brasileiro, dando um destaque àqueles que se referem aos serviços públicos. Na sequência, estuda os elementos constitutivos que estabelecem uma relação jurídica de consumo, quais sejam: o consumidor, o fornecedor e o serviço ou produto. Aborda a definição de serviço público e a respectiva responsabilidade pelo fato ou vício do serviço. Por fim, analisa a responsabilidade civil que incide sobre o Estado quando da má prestação de serviços públicos, buscando compreender, por meio das características de cada espécie de serviço, quando o ente público deverá reparar o dano sofrido pelo consumidor e quando restará isento de indenização, em virtude de culpa exclusiva da vítima.

Palavras-chave: Código de Defesa do Consumidor; Estado-fornecedor; Responsabilidade civil do Estado; Serviços públicos; Usuário-consumidor.

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ABSTRACT

The present graduation work makes a study about the public services provided by the federation entities, analyzing what the requirements are necessary to configure a consumer relationship between the user-consumer and the supplier State, so that it is possible to expand the application of the protective measures present in the Consumer Protection Code when there is a poor provision of the service. Initially, the paper takes an approach to the various constitutional and consumerist principles provided for in the Brazilian legal system, giving a highlight to those who refer to public services. Next, it studies the constituent elements that establish a legal relationship of consumption, namely: the consumer, the supplier and the service or product. It addresses the definition of public service and its responsibility for the fact or vice of the service. Finally, it analyzes the civil liability that affects the State when the poor provision of public services, seeking to understand, through the characteristics of each type of service, when the public person must repair the damage suffered by the consumer and when it will remain exempt from compensation, due to the victim's sole fault.

Keywords: Consumer Protection Code; Supplier state; State civil liability; Public services; User-consumer.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 RELAÇÃO DE CONSUMO E O SERVIÇO PÚBLICO ... 11

1.1 Fundamento constitucional e os princípios da relação de consumo ... 11

1.2 Elementos constitutivos de uma relação jurídica de consumo ... 17

1.2.1 Consumidor ... Erro! Indicador não definido...19

1.2.2 Fornecedor ... 23

1.2.3 Produto e Serviço ... 25

1.3 Serviços Públicos: o que são e no que consistem? ... 28

1.4 A responsabilidade por fato e por vício nos serviços...33

2 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NOS SERVIÇOS PÚBLICOS ... 40

2.1 Breve resgate histórico da responsabilidade civil do Estado ... 40

2.2 Serviços públicos de utilização singular e a responsabilidade subsidiária do Estado 42 2.3 Serviços públicos de utilização universal e a responsabilidade direta do Estado ... 50

2.4 Causas excludentes da responsabilidade estatal nos serviços públicos ... 55

CONCLUSÃO ... 61

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INTRODUÇÃO

Com o advento de um estado de bem-estar social que, no Brasil, se concretizou a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, os entes públicos passaram a ter uma responsabilidade maior com os seus cidadãos. Assim, como forma de garantir os interesses da população, no artigo 175 da Constituição foi estabelecida a prestação de serviço público pelo Poder Público ou por seus delegatários, visando atender as necessidades coletivas.

Não se pode negar que os serviços públicos estão presentes no cotidiano de todas as pessoas, seja por meio do uso de energia elétrica, do fornecimento de água, da locomoção por meio de transporte público, da utilização dos serviços de telefonia, além daqueles considerados gratuitos ou não remunerados diretamente, como é o caso dos serviços de saúde, educação, iluminação pública e segurança. Por força da lei, todos esses serviços devem ser prestados de maneira adequada e eficiente.

Em algumas situações, contudo, o serviço público deixa de atender com o esperado, tendo o cidadão prejuízos decorrentes da sua falha ou má prestação. Frente a esse cenário, a própria lei constitucional estabeleceu princípios e direitos em prol do cidadão, dentre eles, o direito fundamental de defesa do consumidor, previsto no artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal (CF), o qual se consolidou nos anos seguintes com a aprovação da Lei nº 8.078/90, conhecida como Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Ocorre que, apesar dessa previsão constitucional, não são todos os serviços públicos que recebem atenção da lei consumeirista, o que reflete na esfera protetiva daquele que quiser utilizar do serviço e acaba sofrendo algum dano. Assim, o presente trabalho tem como escopo averiguar qual a abrangência do Código de Defesa do Consumidor aos serviços públicos e a respectiva responsabilidade do ente público quando ocorrer um dano decorrente da má prestação de serviço ao usuário-consumidor.

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Inicialmente, será feita uma abordagem geral sobre os serviços públicos e a relação de consumo. Inicialmente, será feito um breve resgate histórico sobre o estado de bem-estar social e as garantias e princípios constitucionais em prol do cidadão, a fim de compreender o percurso que se deu até os dias atuais. Após, serão estudados os requisitos necessários para estabelecer uma relação de consumo, averiguando a possibilidade de um ente público estar na posição de fornecedor de serviços. Nesse seguimento, com o intuito de estabelecer uma base lógica para o capítulo seguinte, serão estudados os conceitos de serviços públicos e no que eles consistem, além da responsabilidade prevista no Código de Defesa do Consumidor pelo fato e vício do serviço. Destaca-se, por oportuno, que serão estudados somente o fato e o vício do serviço, sem análise da responsabilidade advinda do fato e vício do produto, em razão do tema abordado no trabalho.

Na sequência, o segundo capítulo abordará sobre a responsabilidade civil do Estado, tratando, num primeiro momento, sobre a história da responsabilidade civil no mundo e os reflexos que tiveram no Brasil até os dias atuais. Ainda, serão estudadas as espécies de serviços públicos com a respectiva responsabilidade, de forma a distinguir e averiguar quais os serviços públicos prestados pelo Estado em que há uma relação de consumo e a incidência do Código de Defesa do Consumidor, bem como os motivos pelos quais outros serviços não estão abarcados por esta lei. Por fim, também serão mencionados os casos em que não há necessidade do Estado-fornecedor indenizar o usuário-consumidor. Outrossim, como forma de consolidar melhor o entendimento, serão colacionadas jurisprudências do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, bem como do Superior Tribunal de Justiça.

Salienta-se que a presente pesquisa é do tipo exploratória, cujo método de abordagem é hipotético-dedutivo. Utiliza, no seu delineamento, a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na plataforma online. Ainda, no decorrer do trabalho, emprega-se a expressão “Estado” para designar todos os entes da federação brasileira, quais emprega-sejam, União, Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e não somente um estado-membro.

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1 RELAÇÃO DE CONSUMO E O SERVIÇO PÚBLICO

As relações de consumo e a utilização dos serviços públicos estão presentes no cotidiano dos cidadãos brasileiros, configurando-se assim uma forte ligação entre o Estado e as pessoas. Desta forma, neste primeiro capítulo, será feita uma análise teórica sobre a relação de consumo em si, levando-se em conta os fundamentos constitucionais e principiológicos que norteiam essa relação público-privada, pois foi a partir da Constituição Federal de 1988 que a defesa do consumidor tornou-se relevante a ponto de ser elevada a um direito fundamental (Art. 5º, XXXII). Também serão abordadosos elementos constitutivos dessa relação, sem os quais não seria possível estabelecer tal liame, uma vez que estão previstos no Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Em um segundo momento, buscando-se um enfoque maior no tema, tendo em vista o teor do artigo supramencionado, será abordado o conceito de serviço público e a responsabilidade por fato e por vício dos serviços prestados quando estes causarem danos a terceiros, com o objetivo de compreender se todo e qualquer tipo de serviço prestado pelo Estado configura uma relação de consumo e se dessa relação utiliza-se apenas o previsto na legislação consumeirista, uma vez que no CDC estão assegurados direitos e benefícios ao consumidor que não estão presentes em outras normas, como, por exemplo, no Código Civil.

1.1 Fundamento constitucional e os princípios da relação de consumo

A partir da Revolução Francesa, ocorrida no final do século XVIII, o Estado sofreu diversas modificações até os dias atuais. De acordo com Fernando Augusto Sales (2019, n.p.), essa transformação ocorreu na medida em que o Estado deixou de ser considerado liberal, isto é, intervindo o mínimo possível na vida dos seus cidadãos, e passou a ser um Estado social, no qual projetava uma maior relação entre o público-privado, já no século XX.

O Estado Brasileiro, por sua vez, também se inseriu nessa mudança histórica e aderiu a um estado social, o qual se concretizou melhor a partir do advento da Constituição Federal de 1988 (CF/88), conhecida por ser uma constituição democrática, com características voltadas a atender os interesses e o bem-estar social. Dentro do âmbito das relações de consumo, esses interesses se dão a partir do momento em que a defesa do consumidor elevou-se como um direito fundamental ao se estipular no art. 5º, XXXII, do referido diploma legal que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.

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Além de ser um direito fundamental, a defesa do consumidor encontra outro respaldo constitucional por estar incluído entre os princípios gerais da Ordem Econômica, no art. 170, inciso V, da Constituição, o qual contém a seguinte redação:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]

V - defesa do consumidor”. (BRASIL, 1998).

Nesse sentido, é que surgiu a necessidade de estabelecer uma norma que regulamentasse especificamente as relações jurídicas consumeiristas. Nas palavras de Fernando Borges da Silva (2019, n.p.):

[...] Ao estabelecer a defesa do consumidor como Princípio da Ordem Econômica, o constituinte impôs ao legislador ordinário a tarefa de criar um conjunto de normas capazes de harmonizar a defesa do consumidor e o desenvolvimento econômico fundado na economia de mercado e na livre concorrência. Promulgada a Carta Política, fez-se premente a criação de um sistema normativo capaz de propiciar a efetiva proteção do consumidor pretendida pela nova ordem. Para tanto, estabeleceu o constituinte no artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, o prazo de cento e vinte dias para que o Congresso Nacional elaborasse o Código de Defesa do Consumidor.

Corroborando com tal constatação, é o que estipula Sérgio Cavalieri Filho (2014, p. 12), ao dizer que: “o dispositivo, além de estabelecer prazo para a elaboração da lei de defesa do consumidor, ainda lhe deu a denominação de Código de Defesa do Consumidor”. (grifo do autor).

Deste modo, não obstante o desrespeito ao prazo estipulado no artigo supramencionado, é que o legislador criou e aprovou a Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990, conhecido como Código de Defesa do Consumidor (CDC), a qual reuniu “todos os princípios cardiais do nosso direito do consumidor, todos os seus conceitos fundamentais e todas as normas e cláusulas gerais para a sua interpretação e aplicação” (CAVALIERI FILHO, 2014, p. 12).

Por dispor de tamanha peculiaridade, tendo em vista que o CDC envolveu uma esfera muito específica, além de estabelecer critérios que não incidem em outras áreas, é que esta legislação foi intitulada como um microssistema jurídico, como bem explica Silva (2019, n.p.):

[...] O que faz do CDC um microssistema normativo eficiente são os princípios em que se funda. Tais princípios se irradiam diretamente da Constituição Federal e dão ao consumidor um tratamento diferenciado em razão da natureza das relações jurídicas que envolvem os atores desse tipo de relação em uma economia de mercado. Essas peculiaridades do CDC são, em regra, inaplicáveis a relações jurídicas

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subordinadas às normas gerais (Código Civil, Comercial, Código de Processo Civil etc.)

Por outro lado, há controvérsias em relação a esse entendimento de ser o CDC um microssistema jurídico independente de qualquer outra diretriz. Isto porque, o próprio código está em um plano infraconstitucional, sujeito a princípios constitucionais, entendendo-se, por fim, como uma lei principiológica. Este é o entendimento de Cavalieri Filho (2014, p. 16):

[...] o Código de Defesa do Consumidor é uma lei principiológica, que se destina a efetivar, no plano infraconstitucional, os princípios constitucionais de proteção e defesa dos consumidores [...]. Seria uma temeridade, e até uma impossibilidade, se o lgeislador pretendesse retirar dos múltiplos diplomas legais tudo aquilo que se relaciona com os direitos ou interesses do consumidor para concentrar tudo isso em um microssistema jurídico.

O autor supracitado ainda exemplifica quanto os serviços públicos que estes: “continuam regidos pelas leis e princípios do Direito Público, mas no que for pertinente às relações de consumo, ficam também sujeitos à disciplina do Código de Defesa do Consumidor.” Em síntese, o Código de Defesa do Consumidor recebeu grande destaque a partir da Constituição de 1988 e um tratamento especial em razão das suas características ímpares, principalmente no que diz respeito à defesa do consumidor, o qual é definido, indubitavelmente, como a parte mais frágil da relação de consumo, não em um sentido pejorativo, mas, sim, na concepção de que dentro de uma relação, o consumidor carece de recursos financeiros, técnicos e intelectuais diante da parte contrária, qual seja, o fornecedor – neste caso, o Estado – que acaba gerando uma certa desigualdade. É por tal motivo que se consolidou diversos princípios em prol do usuário de produtos ou serviços públicos, entre eles estão: o princípio da vulnerabilidade, o princípio do dever governamental, o princípio da boa-fé, o princípio da segurança, o princípio da garantia da adequação e o princípio da harmonia no mercado de trabalho, os quais serão analisados respectivamente a seguir.

Etimologicamente falando, princípio significa dizer o começo de alguma coisa, a origem de algo. Para Cavalieri Filho (2014, p. 32), do ponto de vista jurídico, os princípios seguem essa mesma linha de raciocínio da origem da palavra, uma vez que se constituem como uma base e um guia para o ordenamento jurídico, atuando no vácuo da lei num sentido interpretativo, até porque muitos desses princípios espelham-se nos traços de uma sociedade, nos seus costumes, na ética e na moral desse meio, adquirindo, assim, um status de norma legal. O campo de atuação do Código de Defesa do Consumidor, principalmente no tocante às

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relações de consumo, é regido vigorosamente pelos princípios, além dos artigos em si codificados; em relação aos serviços públicos, não é diferente. Nessa lógica de “ponto de partida”, Elaine Cardoso Matos Novais (2019, p. 97) corrobora dizendo que: “o primeiro princípio a ser lembrado relaciona-se com o motivo pelo qual ganhou força a defesa do consumidor: sua vulnerabilidade”.

Em uma relação consumeirista há a existência de dois elementos subjetivos constitutivos para caracterizar tal relação: o consumidor e o fornecedor. Assim, conforme mencionado anteriormente, existe um desequilíbrio entre as partes, pois o consumidor não reúne todo o conjunto de informações e técnicas que estão à disposição do fornecedor, restanto, portanto, como a parte mais fraca naquele meio. É por esta razão que surgiu o princípio da vulnerabilidade - que se diferencia da denominada hipossuficiencia, espécie essa da qual vulnerabilidade é o gênero -, entendido por Cavalieri Filho (2014, p. 48) como: “[...] a espinha dorsal da proteção do consumidor, sobre o que se assenta toda a filosofia do movimento.”. Ou seja, uma vez identificado um evidente contraste entre as partes, busca-se estabelecer uma igualdade por meio desse princípio, o qual encontra fundamento legal no art. 4º, I, do CDC, que contém a seguinte redação:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; [...] (BRASIL, 1990, grifo nosso).

Importante destacar que o referido princípio possuí quatro espécies que ratificam o entendimento exposto, as quais são: a vulnerabilidade técnica, a fática/socioeconômica, a júrídica/científica e a informacional. Cumpre esclarecê-las. Sucintamente, a vulnerabilidade técnica diz respeito a falta de conhecimento específico do produto ou serviço adquirido pelo consumidor que não possuí domínio de consumo, carcaterística esta que se entende presumida pelo fornecedor ou pelo consumidor não-profissional; quanto à vulnerabilidade fática, esta decorre da tamanha disparidade sócioeconômica entre os fornecedores (que detêm os meios de controle da produção) e os consumidores; a vulnerabilidade jurídica/científica, que resulta da falta de conhecimentos jurídicos, de assistência judicial, de contabilidade e economia por parte do consumidor. Assim certifica Novais (2019, p. 99):

[...] a vulnerabilidade técnica, presumida para o consumidor não-profissional, exsurge quando o consumidor não possui conhecimentos específicos sobre o que está

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adquirindo ou utilizando, podendo ser enganado quanto às características ou utilidade do bem. Já a vulnerabilidade jurídica ou científica reside na ausência de conhecimentos científicos específicos exigidos para a adequada percepção das circunstâncias do caso concreto, sejam ditos conhecimentos relativos à Economia, à Contabilidade ou ao Direito. Nesse caso, também prevalece a presunção de vulnerabilidade para o consumidor não-profissional e pessoa física, vigorando para as pessoas jurídicas profissionais o contrário. Por fim, a vulnerabilidade fática ou socioeconômica atinge aqueles que contratam com parte detentora de grande poder econômico e acabam por se submeter à superioridade dessas, acatando, por exemplo, contratos de adesão com cláusulas previamente elaboradas pela empresa. Em situações desse jaez, a presunção atinge só o consumidor não-profissional.

Por fim, resta a vulnerabilidade informacional que, no entender de Humberto Theodoro Júnior (2017, p. 26), decorre da omissão ou manipulação por parte do fornecedor na prestação de informações ao consumidor, deixando-o, assim, em situação indefesa.

Ou seja, numa relação jurídica em que uma parte (consumidor) carece de informações, sejam estas técnicas, jurídicas, fáticas ou informacionais, acerca daquilo que se está utilizando, enquanto a outra (prestador de serviços, no caso serviços públicos) detém todos os conhecimentos envolvidos na prestação do serviço, evidente que resta uma desigualdade, a qual, por médio da incidência do princípio da vulnerabilidade busca-se superar.

Além desse princípio norteador das relações de consumo entre o Estado e a pessoa física, há o princípio do dever governamental de intervenção, que encontra seguimento no artigo 4º do CDC, desta vez no inciso II, que diz o seguinte:

II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta;

b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas; c) pela presença do Estado no mercado de consumo;

d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. (BRASIL, 1990)

Tal princípio encontra tamanha importância pois enseja a proteção do consumidor por médio da intervenção governamental, consistindo na iniciativa e no incentivo estatal, atuando de acordo com o princípio fundamental de dever do Estado na efetivação da proteção do consumidor, o qual acaba, por exemplo, na criação de órgãos de proteção ao consumidor, como é o caso dos PROCONs estaduais e municipais, e das agências reguladoras, como a ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações) e a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). Além disso, prevê a atuação do Estado no mercado de trabalho, reconhecendo a figura do Estado tanto como consumidor quanto como fornecedor. Porém, como assevera Novais (2019, p. 101): “qualquer que venha a ser a posição assumida pelo Estado no mercado de consumo, deve ele respeitar as normas de proteção ao consumidor.” A autora supracitada conclui que:

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Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Alvim e James Marins assinalam que o princípio em questão decorre não só do inc. II do art. 4º do CDC, mas também, do preceituado nos incs. VI (relativo à coibição e repressão de todos os abusos praticados no mercado de consumo) e VII (prevê a melhoria e racionalização dos serviços públi-cos). Observam, então, que o dever governamental deve ser visto sob dois prismas distintos: o primeiro, engloba o dever do Estado na qualidade de organizador da sociedade, responsável em prover o consumidor dos mecanismos capazes de viabilizar sua defesa; já no segundo, o Estado é visto propriamente como fornecedor, sendo-lhe exigida a melhoria e racionalização dos serviços públicos. Levando em conta os serviços públicos e a ação governamental, insta registrar que os órgãos públicos são de grande valia na busca pela efetiva tutela do consumidor, porque recebem reclamações, sugestões e outras intervenções dos consumidores. (NOVAIS, 2019, p.102)

Outro princípio fundamental das relações de consumo é o princípio da boa-fé objetiva, o qual também veio expressamente inserido na parte final do art. 4º, inciso III, do CDC. Tal princípio, nas palavras de Novais (2019, p. 105): “consiste em regra de conduta segundo a qual, as partes devem portar-se com lealdade e segundo certos padrões de correção, lisura e honestidade”. Isto é, a boa-fé objetiva baseia-se em condutas éticas e morais esperadas em uma relação de consumo; condutas essas das quais são desvencilhadas de motivos pessoais dos sujeitos (boa-fé subjetiva), sendo unicamente um padrão que se espera das partes, o de respeitar o direito do outro, sem o desejo de ludibriar. Assim contempla Cavalieri Filho (2014, p.40):

[...] Tem-se proclamado que pela boa-fé o Direito deixa de ser só técnica para ser também ética, pois foi pela porta da boa-fé que a etização do Direito se deu. Por isso se diz também que a boa-fé é a ética negocial. É o padrão de conduta necessário à convivência social para que se possa acreditar, ter fé e confiança na conduta de outrem. É comportamento ético, padrão de conduta, tomado como paradigma o homem honrado, leal e honesto. (grifo do autor)

Tomando como exemplo, é por esse motivo que o art. 51, inciso IV, do CDC, estabelece como nulas as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos ou serviços que sejam iníquas e abusivas nas obrigações, pois colocam o consumidor em um grau exageradamente desigual, uma vez que não é respeitada a boa-fé objetiva, tampouco a equidade. O princípio da segurança é de muita importância nas relações de consumo, especialmente para o Estado quando presta serviços públicos aos consumidores. Este princípio, conforme Cavalieri Filho (2014), encontra respaldo no artigo 14, §1º, do CDC e tem como base garantir uma proteção ao consumidor contra os riscos e danos provenientes dos serviços prestados, independentemente da existência de culpa do fornecedor. Quando tais serviços deixam de observar a segurança devida, gera-se uma responsabilidade a fim de reparar os danos, que será abordada futuramente. Simultaneamente a esse princípio, encontra-se o princípio da

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garantia da adequação, o qual também é relevante, uma vez que impõe ao fornecedor a prestação de serviços de maneira adequada e de qualidade de forma a garantir a saúde e segurança daquele consumidor de serviços. No caso dos serviços prestados pelo Estado, a base legal é encontrada nos incisos, II, alínea “d” e inciso V do art. 4º e conforme Novais (2019, p. 102):

[...] referem-se à garantia e ao controle da qualidade e segurança dos produtos e serviços oferecidos no mercado de consumo, só que, no primeiro caso, tal controle é feito pelo Estado, enquanto, no segundo, caberá aos fornecedores incentivar a criação de meios eficientes de controle de qualidade esegurança de produtos e serviços.

Ainda segundo a autora, quanto à responsabilidade do Estado na garantia de produtos seguros é que criaram agências reguladoras como autarquias de regime especial com objetivo de fiscalizar que os produtos colocados no mercado de trabalho sejam certificados com a segurança e qualidade adequada, trazendo como exemplo o Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial) e a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica).

Por fim, dentre os princípios basilares da prestação de serviços pelo Estado, tem-se o princípio da harmonia do mercado de consumo, encontrado na primeira parte do inciso III do art. 4º, CDC. No entender de Novais (2019, p. 103) esse princípio consiste na existência de um equilíbrio e harmonia entre as partes, quais sejam, o consumidor e o fornecedor, a ponto de não existir injustiças na medida em que se conceda privilégios (de forma injustificada) para um ou para outro.

Após o estudo dos princípios que norteiam as relações de consumo, os quais, conforme inicialmente comentado, fazem a base do direito consumeirista, necessário se faz aprofundar os conhecimentos nos elementos caracterizadores que organizam e regem essas relações, a fim de compreender a ocupação e o papel que cada parte estabelece nesse vínculo.

1.2 Elementos constitutivos de uma relação jurídica de consumo

Constituem-se como elementos de uma relação de consumo as partes e os conteúdos que integram uma relação jurídica, os quais são subdividos em elementos subjetivos e objetivos. Inicialmente, para melhor compreendê-los, é preciso estudar a estrutura e as características que compõem a relação jurídica. Iniciando esse entendimento, Cavalieri Filho (2014, p. 64) afirma que a relação jurídica é:

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[...] toda relação social disciplinada pelo Direito. Preferem outros defini-la como toda relação da vida social que produz consequências jurídicas. Logo, toda relação jurídica é social, mas nem toda relação social é jurídica, somente aquela que, por sua relevância, é disciplinada pelo Direito.

Portanto, o autor entende que tais relações partem da atuação social do homem e, na medida em que essas relações sociais são disciplinadas pelo Direito, tornam-se relações jurídicas uma vez que é atribuído poder a um dos sujeitos, enquantoao outro é conferido um dever ou subordinação. Nesse sentido, corrobora Maria Helena Diniz (2010, p. 516-517, apud Neves; Tartuce, 2015, p. 70), ao dizer que:

[...] a relação jurídica consiste num vínculo entre pessoas, em razão do qual uma pode pretender um bem a que outra é obrigada. Tal relação só existirá quando certas ações dos sujeitos, que constituem o âmbito pessoal de determinadas normas, forem relevantes no que atina ao caráter deôntico das normas aplicáveis à situação. Só haverá relação jurídica se o vínculo entre pessoas estiver normado, isto é, regulado por norma jurídica, que tem por escopo protegê-lo.

Além disso, cumpre ressaltar que, para Cavalieri Filho (2014, p. 64), uma relação jurídica nasce a partir de um denominado fato jurídico, ou seja, quando por uma ação humana uma norma abstrata se concretiza no mundo dos fatos, se está diante de um fato jurídico. Nesse sentido, o autor acrescenta:

[...] o fato jurídico constitutivo é, na verdade, condição indispensável para que surja qualquer relação jurídica concreta. Na lei estão prefiguradas em abstrato todas as relações jurídicas. Todas existem na lei como ideia. Mas nenhuma relação concreta, efetiva, real, pode existir sem que intervenha um fato jurídico. Por obra do fato jurídico é que a relação jurídica sai do limbo das possibilidades para surgir como realidade concreta, tornando-se potencial em atual. (CAVALIERI FILHO, 2014, p. 65).

Quanto à formação da relação jurídica de consumo, esta se constitui no mesmo processo jurídico, ou seja, para Cavalieri Filho (2014), sempre que houver um ato de consumo, seja pelo fornecimento de algum produto ou pela prestação de um serviço, as normas jurídicas de proteção ao consumidor incidirão nesse vínculo. Convém salientar a existência de dois elementos caracterizadores dessa relação, quais sejam, os subjetivos, que se referem aos sujeitos da relação, isto é, o consumidor e o fornecedor, e os objetivos, relacionados ao bem que recai sobre o interesse da relação, que são os produtos e os serviços, ambos tutelados pela Lei nº 8.078/1990. Tais elementos serão objeto de estudo a seguir.

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1.2.1 Consumidor

Um dos elementos que compõe a relação jurídica de consumo é o consumidor. A fim de evitar discussões, o conceito de consumidor está elencado expressamente no caput do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, contendo a seguinte redação: “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.” (BRASIL, 1990). Ou seja, consumidor significa a abrangência de tanto pessoas físicas, como jurídicas, as quais utilizam produtos ou serviços com a finalidade de satisfazer seus interesses particulares, tendo como característica principal que o consumidor seja o destinatário final do produto ou serviço adquirido.

Contudo, o termo “destinatário final” trouxe à tona algumas controvérsias quanto ao seu entendimento, pois alguns doutrinadores davam uma ampla interpretação à matéria, enquanto outros entendiam de maneira mais restritiva, ensejando, assim, nas chamadas teoria maximalista/objetiva e teoria finalista/subjetivista.

A teoria maximalista interpreta de forma mais expansiva o CDC, pois entende que basta um ato de consumo para caracterização do consumidor, seja este pessoa física ou jurídica. Em outras palavras, havendo esse ato a pessoa enquadra-se como o destinatário final, encerrando-se aí a cadeia consumeirista, não importando encerrando-se, posteriormente, iria ou não revender o produto adquirido. Assim entende Cavalieri Filho (2014, p. 67):

[...] a corrente maximalista ou objetiva entende que o CDC, ao definir o consumidor, apenas exige, para sua caracterização, a realização de um ato de consumo. A expressão destinatário final, pois, deve ser interpretada de forma ampla, bastanto à configuração do consumidor que a pessoa, física ou jurídica, se apresente como destinatário final do bem ou serviço, isto é, que retire do mercado, encerrando objetivamente a cadeia produtiva em que inseridos o fornecimento do bem ou a prestação do serviço. (grifo do autor).

Para essa corrente é irrelevante o motivo da compra, não importando se o indivíduo obteve o bem ou o serviço para uso pessoal, profissional, ou com objetivo de lucrar em cima disso ou não. Basta o ato de consumo e a retirada do produto do mercado de trabalho para caracterizá-lo como consumidor fático, destinatário final, o qual se presume sua vulnerabilidade técnica, jurídica, socioeconômica e informacional. Além disso, conforme explicam Daniel Amorim Assumpção Neves e Flávio Tartuce (2015, p. 77), os adeptos à corrente maximalista viam “nas normas do CDC o novo regulamento do mercado de consumo brasileiro, e não normas orientadas para proteger somente o consumidor não profissional”. É por tal razão que a teoria maximalista não possui força. A teoria finalista, por sua vez, tem uma interpretação

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restritiva quanto à expressão “destinatário final”, entendendo que somente pode ser tido como consumidor a pessoa, física ou jurídica, com destinação final fática, isto é, o último na cadeia de consumo, e econômica, não visando lucrar nem repassar o produto ou serviço adquirido. Neste caso, o consumidor põe fim ao processo econômico, e não somente à cadeia consumeirista de produção, pois ele utilizará tais produtos e serviços apenas para satisfazer suas necessidades particulares, não colocando novamente o bem no mercado de consumo, conforme prevê a corrente maximalista. Em síntese, Cavalieri Filho (2014, p. 69) dispõe que:

[...] o conceito de consumidor, na esteira do finalismo, portanto, restringe-se em princípio, às pessoas, físicas ou jurídicas, não profissionais, que não visam lucro em suas atividades e que contratam com profissionais. Entende-se que não se há falar em consumo final, mas intermediário, quando um profissional adquire produto ou serviço com o fim de, direta ou indiretamente, dinamizar ou instrumentalizar seu próprio negócio lucrativo.

Nos últimos anos ganhou destaque a teoria finalista mitigada, consolidada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a qual analisa de forma mais aprofundada o caso concreto e a presença da vulnerabilidade do consumidor, para, então, aplicar o norma consumeirista mesmo nas hipóteses em que o produto/serviço é utilizado para fins profissionoais. Para Francisco Drula Belache (2019, p. 02):

[...] essa nova teoria apresenta a definição de consumidor de forma mais ampla, considerando que a pessoa jurídica ou pessoa empresária pode ser considerada consumidora, mesmo na hipótese de adquirir produto ou serviço e emprega-lo com insumo ou reemprega-lo no mercado de consumo, ou seja, sem ser destinatário final.

Assim, para o autor supramencionado, nos casos mais complexos, envolvendo, por exemplo, microempresas, onde os proprietários são pessoas leigas e sem formação superior, não há como se presumir que o microempresário tenha condições de obter melhores informações técnicas em relação à empresa que produziu tal produto do que o consumidor padrão. Desta forma, não obstante a reposição do produto ao mercado de consumo pela empresa que adquiriu, aplica-se a teoria finalista mitigada, a qual prevê que em situações em que há uma imensa desproporção de conhecimento entre duas empresas, há a incidência de vulnerabilidade pela parte com menos experiência. Colaciona-se entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul nesse sentido:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DO SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA. PERDA DA QUALIDADE DO FUMO. EXTENSÃO DOS DANOS E NEXO DE

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CAUSALIDADE COMPROVADOS. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. TEORIA FINALISTA DO CONCEITO DE CONSUMIDOR.

MITIGAÇÃO. POSSIBILIDADE QUANDO VERIFICADA A

VULNERABILIDADE DA PARTE FRENTE AO FORNECEDOR.

RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO DECORRENTE DA INEFICIÊNCIA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. AFASTADA A OBRIGATORIEDADE DE O AUTOR ADOTAR GERADOR DE ENERGIA PRÓPRIO. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. DANOS MATERIAIS COMPROVADOS. 1. Inicialmente, importa referir que são aplicáveis às relações existentes entre as empresas concessionárias de serviços públicos e as pessoas físicas e jurídicas que se utilizam dos serviços como destinatárias finais do serviço as normas do Código de Defesa do Consumidor, dentre outras, quanto à responsabilidade independentemente de culpa (artigo 14) e quanto à essencialidade, adequação, eficiência e segurança do serviço (artigo 22). 2. Outrossim, ainda que a parte não se enquadre propriamente no conceito de destinatária final do produto ou do serviço, é possível a aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor quando configurada situação de vulnerabilidade, como na hipótese do produtor rural frente à empresa pública fornecedora do serviço de energia elétrica. Trata-se da mitigação da teoria finalista do conceito de consumidor, aplicada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 3. A responsabilidade das concessionárias de energia elétrica é objetiva, ou seja, independe de culpa, bastando a comprovação do prejuízo e do nexo de causalidade entre a ação administrativa e o dano. Inteligência do artigo 37, § 6°, da Constituição Federal, e dos artigos 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor. 4. No caso, a interrupção do fornecimento de energia elétrica nas datas e horários indicados pela parte autora restou incontroversa. 5. Não há falar em obrigatoriedade do requerente em utilizar-se de geradores próprios de energia, uma vez que é responsabilidade da concessionária fornecer serviço de qualidade e ininterrupto. 6. Comprovada a falha na prestação do serviço e o dano, evidenciando os pressupostos legais que embasam a reparação pretendida. 7. Danos materiais comprovados e quantificados. Demonstrada a redução da qualidade do fumo, por meio de laudo técnico trazido pela parte autora e firmado por engenheiro agrônomo devidamente registrado no CREA, bem como pela perícia judicial realizada nos autos. 8. Em face do provimento do recurso do autor, vencida a ré na totalidade, esta deve arcar com o ônus da sucumbência, fixado de acordo com o disposto no §2º do artigo 85 do CPC. APELAÇÃO PROVIDA.(Apelação Cível, Nº 70082782731, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lusmary Fatima Turelly da Silva, Julgado em: 27-11-2019) (RIO GRANDE DO SUL, 2019, grifo nosso).

No caso em tela, o autor da ação é pequeno produtor rural de fumo, o qual necessita dos serviços de energia elétrica da empresa ré para realizar a correta secagem do seu produto. Ocorre que a companhia de energia elétrica falhou na prestação de serviços, prejudicando o produto do autor. Em razão disso, o mesmo ajuizou uma ação pretendendo a indenização face ao prejuízo sofrido, com base na teoria finalista mitigada, que restou procedente, tendo em vista sua vulnerabilidade perante a concessionária de serviços de energia elétrica, a qual é detentora de mais recursos e conhecimentos técnicos que não permitam a falta do abastecimento de energia a seus consumidores.

Compreendidas as teorias maximalista e finalista, bem como finalista mitigada, é necessário traçar algumas considerações sobre outro tipo de consumidor: o equiparado. O conceito de consumidor stricto sensu está definido no caput do art, 2º, do CDC, como anteriormente visto. Todavia, para Cavalieri Filho (2014, p. 77), “a legislação consumeirista

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também é aplicável a terceiros que não são consumidores, em sentido jurídico, mas que foram equiparados a consumidores para efeitos de tutela legal por força das disposições contidas no parágrafo único do art. 2º e nos arts. 17 e 29”. Desta forma, são equiparados ao consumidor stricto sensu: a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo (parágrafo único do art. 2º), todas as vítimas do evento (art. 17) e todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais e contratuais (art. 29).

Merece destaque o referido art. 17, pois, no entender de Cavalieri Filho (2014, p. 78) esse dispositivo equipara à consumidor todas as vítimas dos acidentes de consumo e tem por escopo dar maior relevância no que se refere à responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, uma vez que o produto fabricado e fornecido não deve ser seguro somente ao consumidor direto que o adquiriu, mas também a terceiros que possam vir a sofrer os danos decorrentes desses produtos e serviços. Desta maneira, a relevância social é o motivo pelo qual se deu um tratamento diferenciado a esse tipo de vítima, que é o consumidor equiparado, uma vez que abrange toda uma coletividade. Além disso, Cavalieri Filho (2014, p. 78) menciona que: “a norma do art. 17 do CDC só se aplica em relação à pessoa física de alguma forma inserida em uma cadeia de consumo e que seja vítima de um acidente de consumo”. Assim, o autor em destaque traz um exemplo quanto aos serviços públicos quando ocorre a contratação de serviços de luz e telefonia com documentação falsa, mas também existem outros exemplos do art. 17 como quando ocorrem acidentes de trânsito decorrentes da má conservação das rodovias públicas ou quando há um óbito decorrente de falha no serviço hospitalar público. A responsabilidade estatal decorrente de tais acidentes, seja com o consumidor ou com o consumidor equiparado, serão estudados adiante de forma detalhada. Contudo, em relação ao exemplo utilizado pelo autor quanto aos acidentes de trânsito, há de se destacar que estes não incidem numa relação de consumo, mas geram ao Estado uma responsabilidade objetiva pautada no parágrafo 6º do artigo 37 da Constituição Federal, aplicando-se a teoria do risco administrativo. Ocorre que, os doutrinadores do campo consumeirista trazem essa situação somente como um exemplo de consumidor equiparado, pois, de qualquer modo, o Código de Defesa do Consumidor, bem como a da Constituição estabelecem a responsabilidade objetiva nesse caso.

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1.2.2 Fornecedor

O fornecedor é considerado como o segundo sujeito da relação jurídica de consumo, encontrando respaldo legal no art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, que contém a seguinte redação:

Art. 3° - Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (BRASIL, 1990).

O referido conceito é entendido pelos doutrinadores de forma mais ampla do que o conceito jurídico de consumidor, pois considera como fornecedores as pessoas físicas e jurídicas, pública ou privada, nacional ou estrangeira e, além disso, os entes despersonalizados, que são aqueles sem personalidade jurídica. Assim, nas palavras de Novais (2019, p. 113), “o fornecedor é, portanto, gênero, do qual são espécies aqueles que produzem, montam, criam, constroem, transformam, importam, exportam, distribuem ou comercializam produtos ou prestam serviços.” Caracteriza-se como gênero porquanto abarca o sujeito em si (isto é, pessoa física ou jurídica; pública ou privada; nacional ou estrangeira), e também porque se refere às atividades que o fornecedor desenvolve.

Diante disso, é que surgiram algumas classificações referentes ao fornecedor, como, por exemplo, o fornecedor imediato e mediato. No entender de Novais (2019, p. 114) considera-se fornecedor imediato aquele que passa o produto ou presta o serviço diretamente ao consumidor. Já o fornecedor mediato, na mesma lógica da autora supracitada, é aquele que coloca o produto ou serviço de forma intermediária no mercado de trabalho, apenas fazendo o trabalho de repassar para outro fornecedor.

Ademais, existe outra classificação que divide o fornecedor em: reais, aparentes e presumidos. O fornecedor real é aquele responsável por efetivamente produzir o produto ou serviço através da matéria-prima a ser nele utilizada, ou seja, quando o produto acaba, é o fornecedor real que arcará com a fabricação e a produção do bem para recolocá-lo ao mercado. Neste caso, complementa Novais (2019, p. 114):

[...] esse tipo de fornecedor abrange, portanto, o fabricante (quem elabora produtos industrializados e produz partes componentes a serem integradas no produto final), o produtor (responsável em colocar no mercado produtos não-industrializados, como os produtos de origem vegetal e animal) e o construtor (aquele que corporifica bens imobiliários).

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O fornecedor aparente engloba aqueles que apresentam o seu nome no produto, ainda que não participem diretamente do processo de produção, fabricação ou construção. Ele é tido como um intermediário. Para Novais (2019, p. 114): “a lei trata o produtor aparente como se produtor real fosse”, tendo em vista que ao se comportar como produtor, trocando o nome, marca ou algum distintivo da embalagem e ocultando a marca do produtor real, deverá o fornecedor aparente assumir as consequências advindas da aparência de produção particular. Por fim, há o fornecedor presumido que é caracterizado por ser aquele que importa os produtos, sejam estes industrializados ou naturais, advindos de outros países. É o que se extrai do art. 13 do CDC, o qual, no entendimento de Novais (2019, p. 115), tem por objetivo: “facilitar aproteção ao consumidor, sendo interessante frisar que a lei brasileira não abre exceções para o importador poder identificar o real fabricante, eximindo-se da responsabilidade”.

Além disso, é importante mencionar que os fornecedores ou produtores podem ser pessoas jurídicas de Direito Público ou de Direito Privado. Neste caso, dentre as pessoas jurídicas de Direito Público, conforme mencionam Neves e Tartuce (2015, p.72): “[...] merecem relevo os serviços públicos que estão abrangidos pelo CDC, inclusive com tratamento específico no seu art. 22”. Ou seja, o conceito de fornecedor pode também ser abarcado pelo próprio Estado, que fornecerá seus serviços de forma direta ou por meio de suas concessionárias e permissionárias de serviços.

A atividade desenvolvida pelo fornecedor está estabelecida no art. 3º do CDC, conforme anteriormente explicitado. Contudo, tal dispositivo legal não é taxativo e tampouco se limita somente às atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou serviços. O rol de atividades elencado no artigo 3º é meramente exemplificativo, pois abarcam também “quaisquer outras atividades capazes de gerar relações de consumo e fazer surgir direitos para os consumidores” (NOVAIS, 2019, p. 115). Porém, para isso caracterizar de fato o fornecedor, é necessário que a atividade desenvolvida por ele seja somada de atos coordenados com uma finalidade específica. Assim, conforme preceitua Antônio Junqueira de Azevedo (apud NEVES; TARTUCE, 2015, p. 72):

‘Atividade’, noção pouco trabalhada pela doutrina, não é ato, e sim conjunto de atos. ‘Atividade’ foi definida por Túlio Ascarelli como a ‘série de atos coordenáveis entre si, em relação a uma finalidade comum’ (Corso di diritto commerciale. 3. ed. Milano: Giuffrè, 1962. p. 147). Para que haja atividade, há necessidade: (i) de uma pluralidade de atos; (ii) de uma finalidade comum que dirige e coordena os atos;

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(iii) de uma dimensão temporal, já que a atividade necessariamente se prolonga no tempo. A atividade, ao contrário do ato, não possui destinatário específico, mas se dirige ad incertam personam (ao mercado ou à coletividade, por exemplo), e sua apreciação é autônoma em relação aos atos que a compõem. (grifo do autor)

Nesse sentido, além dos requisitos do art. 3º do CDC, é necessário que a atividade prestada pelo fornecedor seja feita de forma habitual, tipicamente profissional e que não atue de forma isolada, em um ato único, mas sim, que objetive à coletividade, ou seja, o mercado de consumo.

Compreendida a figura do fornecedor, imperioso se faz analisar o resultado dessas atividades por ele produzidas, quais sejam, os produtos e serviços, que serão explicitados a seguir.

1.2.3 Produto e Serviço

Os produtos e serviços são os elementos objetivos que caracterizam a relação jurídica de consumo, uma vez que estão relacionados ao objeto das prestações ali sugeridas. Assim, nas palavras de Cavalieri Filho (2014, p. 82):

[...] o objeto da relação jurídica de consumo é a prestação à qual tem direito o consumidor e à qual está obrigado o fornecedor, em razão do vínculo jurídico que os une. O objeto de uma relação jurídica, como cediço, é o elemento em razão do qual a relação se constitui e sobre o qual recai tanto a exigência do credor, como a obirgação do devedor. O objeto desta prestação, este sim, será um produto ou serviço.

Desta maneira, a relação jurídica de consumo, em sentido estrito, será identificada pela presença de um consumidor, de um fornecedor e “pela existência de um vínculo jurídico de direito material decorrente da celebração de contrato de fornecimento de produto ou de prestação de serviços” (CAVALIERI FILHO, 2014, p. 82). Além disso, para Novais (2019, p. 121), “o que vai distinguir o produto do serviço será o núcleo da relação obrigacional: caso se trate de uma obrigação de dar, a hipótese é de produto; se a obrigação é de fazer, tem-se um serviço”. Assim, cabe classificar a definição de produto e serviço para melhor compreendê-los.

Produto, conforme definição literal do § 1º do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. Alguns doutrinadores defendem que o termo correto a ser utilizado no referido artigo seria “bens”, justificando tal tese por ser mais abrangente do que o vocábulo “produto”, uma vez que na esfera do Direito Civil bem é entendido como algo que proporciona uma utilidade ao homem. Entretanto, como bem explica Cavalieri Filho (2014, p. 82), “a opção pelo vocábulo produto – bastante difundido

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no mercado de consumo – indica a intenção do legislador de tornar a lei mais compreensível aos que nela atuam [...]”, razão pela qual se utiliza, no campo de atuação do Direito do Consumidor, a expressão “produto” para definir, em sentido econômico e universal, aquilo que resulta de um processo de fabricação ou produção.

O Código de Defesa do Consumidor faz referência aos produtos móveis, imóveis, materiais e imateriais. O produto móvel é aquele que pode ser consumível de forma jurídica ou material e que pode ser transportado sem prejuízo da sua integridade, seja por vontade própria ou por força alheia. Já o produto imóvel é aquele cujo transporte ou remoção são inviáveis, podendo implicar na sua destruição ou deterioração. Além dessa classificação por natureza, há outras divisões do campo civilista que demarcam os bens em bens móveis por determinação legal ou bens imóveis por acessão física artificial e por determinação legal, razão pela qual, no entender de Novais (2019) é evidente o vasto campo abrangido pelo produto como objeto da relação de consumo.

No que diz respeito à materialidade e imaterialidade dos produtos, para Neves e Tartuce (2015, p. 90), os produtos materiais são aqueles que possuem existência fática, ou seja, são corpóreos e tangíveis, enquanto os produtos imateriais não possuem a referida característica, sendo eles incorpóreos e intangíveis.

Além da classificação expressa no § 1º, do art. 3º, do CDC, o produto pode ser ainda, conforme o art. 26 do referido diploma legal, durável (inciso I) e não durável (inciso II). No primeiro caso, são os bens que, embora não sejam eternos, foram feitos para durar por um longo prazo, não se extinguindo após o seu uso; no segundo caso, os bens se acabam com o seu primeiro uso, ou com o uso regular em um curto período de tempo, podendo se dar de forma imediata ou paulatina. O produto também pode ser, conforme Novais (2019, p. 121), seguro ou inseguro, nos termos do artigo 12, § 1º, do CDC e adequado ou inadequado, conforme traz o caput do artigo 18 da lei consumerista. Porém, o mercado não se restringe somente ao fornecimento de produtos.

Os serviços, por sua vez, também são classificados como objeto da relação jurídica de consumo, e tem redação no §2º do art. 3º, que menciona serviço como qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. Assim, como bem esclarecem Leonardo Roscoe Bessa e Walter José Faiad de Moura (2014, p. 87), os serviços são atividades humanas desenvolvidas por fornecedores para atender às necessidades e interesses dos consumidores, bem como esclarecem que também se enquadram como serviços as atividades de natureza “bancária, financeira, de crédito e securitária”, as quais

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outrora foram objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.591/DF pelo Supremo Tribunal Federal, mas que hoje segue pacificada. Corroborando com tal entendimento, Novais (2019, p. 123) esclarece que o serviço corresponde à atividade e à prestação inserida no mercado de consumo, destinando-se a proporcionar uma vantagem ao consumidor.

É importante destacar que, conforme Cavalieri Filho (2014, p. 84): “os serviços podem ser de natureza material, financeira ou intelectual, prestadas por entidades públicas ou privadas, mediante remuneração direta ou indireta”. Esses serviços, por sua vez, não se confundem com os decorrentes da esfera trabalhista, mediante contrato de trabalho e vínculo de subordinação e dependência com o contratante, pois, como bem apontado por Novais (2019, p. 128) a lei consumeirista foi clara em relação às relações trabalhistas e o legislador foi sábio ao exlcuí-las do previsto no CDC, uma vez que tais relações já são regradas por outro microssistema, qual seja, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Isto posto, além dos requisitos de profissionalidade, habitualidade e do recebimento de contratação em dinheiro, uma das características mais marcantes dos serviços é a de que estes devem ser prestados mediante remuneração para que possam incindir alguma proteção sob o consumidor. Nesse sentido, Novais (2019, p. 128) aponta que:

Diferentemente do que acontece com os produtos, que não precisam ser remunerados, o CDC estabelece como requisito essencial para a caracterização dos serviços a remuneração. A única exceção admitida corresponde à hipótese de o serviço ser prestado sem solicitação, razão pela qual equivale à amostra grátis, inexistindo a obrigação de pagamento, ex vi do disposto no art. 39, parágrafo único, da Lei 8.078/90.

O serviço pode ser remunerado observando-se três possibilidades. Primeiramente, a remuneração pode se dar de maneira direta, que é, conforme Cavalieri Filho (2014, p. 84) “quando o consumidor efetua o pagamento diretamente ao fornecedor”. A remuneração também pode ocorrer de maneira indireta quando o serviço não é oneroso ao consumidor e há a incidência de alguns benefícios comerciais indiretos ao fornecedor, não havendo, conforme Fabrício Bolzan (2014, p. 93), “enriquecimento ilícito do fornecedor, pois o seu enriquecimento tem causa no contrato de fornecimento de serviço, causa esta que é justamente a remuneração indireta do fornecedor”, ou seja, para Cavalieri Filho (2014, p. 85) a remuneração encontra-se diluída e distribuída em outros custos, como, por exemplo, hospitais beneficientes e transporte público gratuito aos idosos e deficientes físicos. Por fim, pode o serviço não ser oneroso de nenhuma maneira, isto é, um serviço gratuito integralmente, e o fornecedor não é remunerado de forma alguma, pois, se fosse, mesmo que indiretamente, conforme Bolzan (2014, p. 93),

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“haveria enriquecimento sem causa de uma das partes”. Portanto, não se pode confundir os serviços puramente gratuitos – os quais são afastados do campo de defesa da Lei nº 8.078/90 – com os serviços aparentemente gratuitos – aos quais se aplica a lei consumeirista.

Em relação aos serviços públicos, os quais podem ser prestados diretamente pelo Estado ou pelas concessionárias e permissionárias de serviços, estes serão abordados especificamente no item a seguir.

1.3 Serviços Públicos: o que são e no que consistem?

Após a análise dos fundamentos constitucionais e principiológicos abordados pelo Código de Defesa do Consumidor, bem como os elementos objetivos e subjetivos que caracterizam uma relação jurídica de consumo, passa-se à análise dos serviços públicos sob a ótica da legislação consumeirista, tendo em vista que os serviços além de serem muito utilizados pela população brasileira, estão presentes de forma direta e indireta no cotidiano dos mesmos. Inicialmente, a fim de melhor compreensão do conceito, para fins administrativos, serviços públicos são, conforme expõe Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 667):

[...] atividades materiais que o Estado, inadimitindo que possam ficar simplesmente relegadas à livre iniciativa, assume como próprias, por considerar de seu dever prestá-las ou patrocinar-lhes a prestação, a fim de satisfazer necessidades ou comodidades do todo social, reputadas como fundamentais em dado tempo e lugar. Por esta mesma razão as submete a uma disciplina jurídica específica, preordenada a garantir proteção aos interesses coletivos nela encarnados, de sorte a facilitar-lhes a viabilização, assim como defendê-las não apenas contra terceiros ou contra as pessoas que ele próprio haja habilitado a prestá-los, mas também contra omissões ou desvirtuamentos em que o próprio Estado possa incorrer ao propósito delas.

Corroborando com tal alegação, Douglas Cunha (2019, p. 01) complementa ao dizer que serviço público é abrangido por três critérios de entendimento distintas: a material, a subjetiva e a formalista. Segundo a corrente material, o serviço público é aquele destinado a atender às necessidades do povo; a corrente subjetiva, por sua vez, entende que todo e qualquer tipo de serviço prestado pelo Estado seria entendido como serviço público; por fim, a corrente formalista, a qual é adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, tem um enfoque maior no direito administrativo, concluindo que: “serviço público é uma das atividades desenvolvidas na função administrativa, prestado à coletividade, sob regime de Direito Público, de acordo com a legislação” (CUNHA, 2019, p. 01). Ou seja, neste último critério, a lei estabelecerá quais são os serviços públicos e como eles devem ser regidos.

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Além disso, Mello (2010, p. 673) entende que a noção de serviços públicos é composta de um substrato material e um elemento formal. Quanto ao primeiro, traduz que todo serviço público deve proporcionar na sua concretude uma comodidade material que seja fruível pelo cidadão, tais como água, luz, gás, telefone e transporte coletivo. Em relação ao elemento formal, este diz respeito ao caráter de noção jurídica que o serviço público deve se ater, isto é, a previsão legal e a submissão a um regime de Direito Público. Somente com tais elementos é que o serviço público terá utilidade e lógica para solucionar questões jurídicas.

Feita essa primeira análise, a Lei nº 8.078/90 também em diversos momentos faz menção aos serviços públicos. Inicialmente está previsto no art. 3º da legislação em comento a inclusão de pessoas jurídicas de direito público no rol de possíveis fornecedores. O art. 4º da lei em evidência, por sua vez, trata da Política Nacional das Relações de Consumo, objetivando, entre diversos assuntos, a racionalização e melhoria dos serviços públicos (inciso IV). Também, no art. 6º, inciso X, da referida lei, prevê como direito básico do consumidor a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. Por fim, os serviços públicos estão expressamente previstos no art. 22 do CDC, o qual dispõe que:

Art. 22 Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código. (BRASIL, 1990).

Nesse sentido, a lei é expressa ao dizer que os serviços públicos estão sujeitos às normas consumeiristas e, complementando o raciocínio, como bem pontua Luiz Antônio Rizzatto Nunes (apud NEVES; TARTUCE, 2015, p. 103), “a existência do art. 22 do CDC, por si só, é de fundamental importância para impedir que prestadores de serviços públicos pudessem construir ‘teorias’, para tentar dizer que não estariam submetidos às normas do CDC.”

Ademais, Cavalieri Filho (2014, p. 85) explica que: “além dos serviços públicos da competência exclusiva de cada ente estatal da Administração Direta, União (art. 21, CF/88), Municípios (art. 30, inciso V), Estados (art. 25, §2º), há aqueles que são prestados pelo Poder Público”.

Estes serviços prestados pelo Poder Público quando designados a um grupo indeterminado, não podendo identificar a quantidade de destinatários, uma vez que são financiados por impostos, são denominados uti universi, como é o exemplo dos serviços de segurança pública, educação e saúde. De outra banda, existem serviços prestados pelo mesmo

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Poder Público onde se consegue mensurar a quantidade de usuários e destinatários individuais, além de comparar o quantum utilizado por cada consumidor, uma vez que tem como identificação a remuneração, são chamados de uti singuli, como por exemplo os serviços de telefonia, água, esgotamento sanitário, transporte público, gás e energia elétrica. Os referidos serviços uti universi e uti singuli, bem como a respectiva responsabilidade civil recaída ao Estado serão objeto de estudo mais aprofundado em capítulo futuro.

Inclusive, para Cavalieri Filho (2014, p. 86), os serviços uti singuli podem ser prestados pelo próprio Estado, onde a remuneração se dá através de tributo específico chamado de taxa, cujo pagamento é obrigatório, pois decorre de lei; ou via delegação, onde os serviços são remunerados através de tarifas ou preços públicos, mas se dá de forma facultativa, pois se está diante de uma relação contratual. Em relação à taxa e à tarifa, estas estão regulamentadas através da Súmula 545 do STF, contendo o seguinte teor: “Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu” (BRASIL, 2019). Portanto, conforme conclui Bolzan (2014, p. 128), “a principal diferença entre taxa e tarifa decorre do caráter facultativo – voluntariedade – presente nesta e ausente na espécie tributária que é compulsória”.

Outra característica acerca dos serviços públicos é de que, embora a titularidade dos serviços pertença ao Estado, a execução pode ser de forma direta ou indireta. Conforme dispõe Cavalieri Filho (2014, p. 86), será direta quando “o próprio Estado (ente federativo) presta serviços públicos através dos diversos órgãos que compõem a estrutura administrativa da pessoa prestadora, e será indireta quando for prestado por entidades diversas das pessoas federativas, ou seja, pelas autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas. Ocorre que, na década de 90, houve um esgotamento dos cofres públicos, mostrando a incapacidade do Poder Público de financiar todos os serviços. Então, por meio do artigo 175 da Constituição Federal de 1988, permitiu-se firmar parcerias com a iniciativa privada, delegando os serviços públicos ao particular, in verbis: “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre através da licitação, a prestação de serviços públicos” (BRASIL, 1998).

Além disso, é de se destacar a menção que o art. 22 faz aos serviços públicos essenciais, ainda que os mesmos não encontrem definição expressa no artigo supracitado, mas somente na Lei de Greve (Lei nº 7.783/89) que faz uma relação das atividades consideradas essenciais e também daquelas atividades inadiáveis que, se acaso não forem atendidas, causam risco à saúde e segurança da população. Por sua vez, a Lei nº 8.987/95 regulamenta acerca da prestação de

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serviços públicos sob o regime da concessão ou permissão e tem definição do que é um serviço adequado em seu art. 6, § 1º, in verbis: “serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade nas tarefas”. Concluindo, Cavalieri Filho (2014, p. 89) diz que:

[...] a continuidade consiste na indispensabilidade do serviço público essencial, devendo ser prestado sem interrupções. O já citado art. 22 do CDC é expresso ao indicar a continuidade como característica do serviço, impondo a reparação de dano em caso de descumprimento.

Quanto à interrupção do fornecimento do serviço público, tais como água, luz, telefone, etc, estes não podem ser interrompidos, mesmo no caso de inadimplementos, pois são entendidos como um princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Contudo, na Lei nº 8.987/95, em seu artigo 6º, § 3º, permite-se a interrupção em casos de emergência e quando houver inadimplemento por parte do usuário, após prévio aviso do fornecedor, a fim de que seja preservado o interesse da coletividade. Desta forma, cria-se um certo embate entre o art. 22 do CDC e o art. 6º da lei supramencionada, porém, como bem menciona Cavalieri Filho (2014, p. 89):

É preciso ter em mente, entretanto, no enfrentamento dessa questão, que na interpretação do art. 22 do CDC não se pode ter uma visão individual, voltada apenas para o consumidor que por algum infortúnio está inadimplente, pois o que importa é o interesse da coletividade, que não pode ser onerada pela inadimplência.

Nesse sentido, sabe-se que os serviços essenciais são prestados por empresas privadas – daí porque a Lei nº 8.987/95 regula acerca do regime de concessão e permissão –, os quais “recompõem os altos investimentos com o valor recebido dos usuários, através dos preços públicos ou tarifas” (CAVALIERI FILHO, 2014, p. 90), razão pela qual não pode a concessionária deixar de prestar o serviço, assim como não pode o consumidor deixar de pagá-lo se o consumiu. Portanto, repudia-se a interrupção abrupta, sem aviso prévio, como meio de pressão para que seja efetuado o pagamento das contas em atraso pelo consumidor.

Diante disso, a fim de contextualizar o exposto, colaciona-se decisão do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial 793.422/RS, DJ17-8-2006, relatado pela Ministra Eliana Calmon, o qual teve o seguinte entendimento:

ADMINISTRATIVO — SERVIÇO PÚBLICO CONCEDIDO — ENERGIA ELÉTRICA— INADIMPLÊNCIA.

1. Os serviços públicos podem ser próprios e gerais, sem possibilidade de identificação dos destinatários. São financiados pelos tributos e prestados pelo

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