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Os acordos de cooperação e facilitação de investimentos: análise quanto à potencial contribuição de tais instrumentos para a promoção do desenvolvimento nacional

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Academic year: 2021

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

ADRIANO SILVA DANTAS

OS ACORDOS DE COOPERAÇÃO E FACILITAÇÃO DE INVESTIMENTOS: ANÁLISE QUANTO À POTENCIAL CONTRIBUIÇÃO DE TAIS

INSTRUMENTOS PARA A PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL

NATAL/RN

2019

(2)

I

OS ACORDOS DE COOPERAÇÃO E FACILITAÇÃO DE INVESTIMENTOS: ANÁLISE QUANTO À POTENCIAL CONTRIBUIÇÃO DE TAIS

INSTRUMENTOS PARA A PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito - PPGD do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Doutor Jahyr Philippe Bichara.

NATAL/RN

2019

(3)

II

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Dantas, Adriano Silva.

Os acordos de cooperação e facilitação de investimentos: análise quanto à potencial contribuição de tais instrumentos para a promoção do desenvolvimento nacional / Adriano Silva Dantas. - 2019. 163f.: il.

Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Direito. Natal, RN, 2019.

Orientador: Prof. Dr. Jahyr-Philippe Bichara.

1. Direito internacional dos investimentos - Dissertação. 2. Desenvolvimento nacional - Dissertação. 3. Investimentos internacionais - Dissertação. 4. Acordos internacionais - Investimentos - Dissertação. 5. Segurança jurídica - Dissertação. I. Bichara, Jahyr-Philippe. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/Biblioteca do CCSA CDU 341.241.8

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IV

DEDICATÓRIA

(6)

V

AGRADECIMENTOS

(7)

VI RESUMO

O presente estudo tem por objetivo analisar os Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFIs) desenvolvidos e assinados pelo Brasil a partir de 2015, perquirindo quanto à utilidade, ainda que potencial, de tais instrumentos no que se refere aos objetivos que lhes são atribuídos: segurança jurídica, atração de investimentos e desenvolvimento econômico qualitativo. Nesse sentido, a primeira parte do trabalho, composta de seus dois capítulos iniciais, dedica-se à apresentação do modelo consagrado nos ACFIs, focando na análise do conteúdo de suas cláusulas, inclusive fazendo incursões na história do Direito Internacional dos Investimentos, de modo a esclarecer como se chegou ao referido modelo. Já a segunda parte do trabalho, também segmentada em dois capítulos, trata da implementação daquilo que se encontra previsto nos acordos e que foi objeto da primeira parte, oportunidade em que são analisados os órgãos gestores do acordo, bem como os mecanismos de prevenção e solução de controvérsias. O referido formato de abordagem foi concebido em função do objetivo principal do estudo, qual seja, a análise da potencial eficácia dos ACFIs no que se refere à promoção do desenvolvimento econômico nacional nos moldes previstos na Constituição Federal, notadamente no Capítulo I do seu Título VII. A conclusão à qual se chega é que, apesar de muitas das previsões contidas nos acordos já serem, em certa medida, atendidas pela legislação interna, sua existência é importante para os investidores brasileiros com ativos aplicados nos outros estados Contratantes, os quais, muitas das vezes, não contam com um ambiente de negócios confiável do ponto de vista institucional. Ademais, concluiu-se também pela insuficiência do modelo arbitral adotado, exclusivamente interestatal, dado que compromete a segurança jurídica, dado que o investidor estará sempre dependendo da atuação de seu Estado para poder acionar os mecanismos do acordo.

Palavras-chave: Direito Internacional dos Investimentos. Segurança jurídica. Acordo de Cooperação e Facilitação de investimentos. Desenvolvimento econômico.

(8)

VII ABSTRACT

The objective of this study is to analyze the Cooperation and Facilitation Agreements (ACFIs) developed and signed by Brazil from 2015 onwards, with a view to the usefulness, even if potential, of such instruments with regard to the objectives assigned to them : legal security, attraction of investments and qualitative economic development. In this sense, the first part of the paper, composed of its two initial chapters, is dedicated to the presentation of the model established in the ACFIs, focusing on the analysis of the content of its clauses, including making inroads in the history of International Investment Law, in order to clarify how the model was arrived at. The second part of the paper, which is also divided into two chapters, deals with the implementation of what is foreseen in the agreements and which was the object of the first part, where the managing bodies of the agreement are analyzed, as well as the mechanisms of prevention and solution of controversies. This format of approach was conceived in function of the main objective of the study, that is, the analysis of the potential effectiveness of the ACFIs with regard to the promotion of the national economic development in the molds foreseen in the Federal Constitution, notably in Chapter I of its Title VII. The conclusion reached is that, although many of the provisions contained in the agreements are already met to some extent by domestic legislation, their existence is important for Brazilian investors with assets applied in the other Contracting States, many of which sometimes do not have an institutionally trusted business environment. In addition, it was also concluded by the insufficiency of the arbitration model adopted, exclusively interstate, since it compromises legal certainty, since the investor will always be dependent on the action of his State to be able to trigger the mechanisms of the agreement.

Keywords: International Investment Law. Legal certainty. Agreement on Cooperation and Facilitation of Investments. Economic development.

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VIII SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 1

PRIMEIRA PARTE O advento dos ACFIs no Ordenamento Jurídico brasileiro 8 CAPÍTULO I. AXIOLOGIA E TELEOLOGIA DOS ACFIs A PARTIR DOS SEUS OBJETIVOS E DEFINIÇÕES... 10

Seção I. O Preâmbulo e os Objetivos: Veículos das diretrizes programáticas dos ACFIs... 10

§1. O papel orientador do preâmbulo... 11

§2. O perfil cooperativo presente nos objetivos pretendidos pelos ACFIs... 16

Seção II. O caráter inclusivo dos ACFIs presente nas cláusulas definidoras do seu âmbito de aplicação... 18

§1. Critério temporal na definição do âmbito de aplicação dos ACFIs... 19

§2. Critério material na definição do âmbito de aplicação dos ACFIs... 22

A. Rediscussão de demandas resolvidas antes da vigência... 22

B. Temas excluídos do âmbito de aplicação do acordo: questões tributárias e emissão de licenças compulsórias pelos Estados... 25

§3. Aplicação dos ACFIs e a relação com outras disposições normativas em matéria de investimentos... 26

Seção III. Definições em matéria de investimentos... 28

§1. A noção de investimento no Direito Internacional Econômico... 29

A. O conceito de investimentos trazido pelos ACFIs... 32

B. Ativos excluídos do conceito de investimento nos ACFIs... 35

§2. O significado de Investidor nos ACFIs... 38

A. O investidor pessoa física... 39

B. O investidor pessoa jurídica... 41

CAPÍTULO II. MEDIDAS NORMATIVAS DE TRATAMENTO E DE MITIGAÇÕES DE RISCOS PREVISTAS ENQUANTO INSTRUMENTOS EM PROL DO DESENVOLVIMENTO... 45

Seção I. Cláusulas padrão tradicionalmente presentes nos tratados de investimentos e mantidas nos ACFIs... 45

§1. Cláusulas de admissão e estabelecimento: normas básicas de internalização dos ativos nos países signatários... 47

§2. Não discriminação... 53

A. Tratamento nacional... 54

B. Tratamento da nação mais favorecida... 58

§3. Desapropriação e Compensação por perdas... 62

A. Desapropriação... 64

B. Compensação por perdas... 69

§4. Transparência na relação entre as partes... 71

§5. O direito do investidor quanto ao livre trânsito dos seus recursos e a proteção dos Estados em relação à instabilidade decorrentes de fugas de capitais... 73

Seção II. Novas propostas regulatórias presentes no modelo ACFI... 78

§1. Medidas cautelares e exceções de segurança... 78

§2. Responsabilidade social corporativa: as obrigações do investidor decorrentes do ACFI... 83

(10)

IX

§3. Medidas sobre investimentos e luta contra a corrupção e a ilegalidade... 87

§4. Disposições sobre investimento e meio ambiente, assuntos trabalhistas, saúde e segurança... 89

SEGUNDA PARTE Mecanismos de implementação e aplicação dos ACFIs 92 CAPÍTULO III. O PAPEL DOS GESTORES INSTITUCIONAIS NA CONCRETIZAÇÃO DOS OBJETIVOS DE COOPERAÇÃO E FACILITAÇÃO DO FLUXO DE INVESTIMENTOS... 93

Seção I. Órgãos Gestores previstos nos ACFIs... 94

§1. Comitê Conjunto enquanto órgão central de gestão e condução dos ACFIs.... 94

§2. Pontos focais ou “ombudsmen”: a linha de frente da cooperação em matéria de investimentos internacionais... 97

§3. Troca de informações entre as partes e public policy space... 99

Seção II. Funcionamento dos órgãos gestores previstos nos Acordos e sua regulamentação em âmbito interno... 103

§1. A Câmara de Comércio Exterior – CAMEX... 103

§2. Comitê Nacional de Investimentos – CONINV... 105

§3. O Ombudsman de Investimentos Diretos e a Rede de Pontos Focais... 107

A. A descentralização das atribuições do OID através de uma ampla rede de Pontos Focais... 110

B. O processo de solução de questionamentos concebido para ser utilizado no âmbito do OID... 111

CAPÍTULO IV. PREVENÇÃO E SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS... 114

Seção I. A Prevenção de controvérsias enquanto via principal de tratamento dos conflitos surgidos no âmbito dos ACFIs... 115

§1. Procedimento prévio à arbitragem... 116

A. Consultas e negociações através dos Pontos Focais como fase preliminar às discussões no âmbito do Comitê Conjunto... 116

B. O Comitê Conjunto e seu papel central no procedimento de prevenção de controvérsias... 118

§2 As conclusões do Comitê Conjunto e seus desdobramentos... 121

Seção II. A arbitragem interestatal enquanto mecanismo de solução para as controvérsias entre o investidor e estado receptor... 122

§1. O modelo de procedimento arbitral estabelecido nos Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimentos... 122

A. Objetivos que pautaram o formato de arbitragem adotado nos ACFIs... 126

B. A politização das disputas em decorrência da vedação da arbitragem investidor-estado... 128

§2. Procedimento... 132

A. Definição do tribunal e nomeação dos árbitros... 134

B. Autonomia do tribunal na definição do procedimento... 138

C. Limites de cognição do Tribunal Arbitral... 140

CONCLUSÃO... 141

(11)

INTRODUÇÃO

A regulamentação dos investimentos estrangeiros é um tema sensível ao desenvolvimento nacional e que, não por acaso, foi tratado expressamente no art. 172 da Constituição Federal de 1988, cujo enunciado fixa que a “lei1 disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros2“.

O foco do Constituinte ao conceber a referida previsão foi, de maneira especial, preservar a soberania econômica (CF, Art. 170, I) e concretizar os objetivos fundamentais previstos na Carta Magna (CF, art. 3º)3, o que não quer significar isolamento econômico em relação à sociedade internacional, mas sim a preferência por um desenvolvimento nacional que conduza a autodeterminação também em termos econômicos.

Nesse ponto, importa lembrar o caráter dirigente e programático da Constituição Federal de 1988, a qual, nessa condição, não se contenta em conceber-se como mero instrumento de governo, indo além, traçando metas, programas de ação e objetivos para as atividades do Estado nos domínios social, cultural e econômico4.

Acrescente-se ainda a observação de Eros Grau, segundo a qual a Constituição Federal de 1988 define um modelo econômico que, desenhado desde o disposto nos seus arts. 1º e 3º, até o quanto enunciado no seu art. 170, não pode ser ignorado pelo Poder Executivo, cuja vinculação pelas definições constitucionais de caráter conformador e impositivo é óbvia5.

É a partir de tais premissas constitucionais que também deve ser pensada e definida a política externa brasileira, aí inseridos os tratados internacionais em matéria econômica. Em outras palavras, o Estado brasileiro, quando da celebração de acordos internacionais em matéria de direito internacional econômico deve

1 A norma a que se refere o enunciado constitucional é a Lei federal nº 4.131/1962, recepcionada pela Constituição Federal e que permanece disciplinando a aplicação do capital estrangeiro e as remessas de valores para o exterior em âmbito nacional.

2BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.Htm> Acesso em: 21 nov. 2018.

3 FADDA, Fernanda. Regime constitucional e legal dos investimentos estrangeiros no Brasil. In: RIBEIRO, Marilda Rosado de Sá (Org). Direito internacional dos investimentos. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 397.

4 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 63.

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necessariamente se pautar por aqueles objetivos e princípios previstos no texto constitucional, em especial a promoção do desenvolvimento nacional, pois só através deles se torna possível a concretização dos demais objetivos elencados no art. 3º da Carta Magna.

Atualmente é significativo tanto o volume de recursos investidos no Brasil, Investimentos Diretos no País (IDP), quanto o montante investido por brasileiros no exterior, Investimentos Diretos no Exterior (IDE). Para que se tenha uma ideia, o “Relatório de Investimentos Diretos”, publicado pelo Banco Central do Brasil (BACEN), informa que a posição do IDP no Brasil em 2017 foi de US$768 bilhões6 e o de IDE

US$387 bilhões7, cifras que, pela sua magnitude, não deixam dúvida quanto à relevância

do tema para a economia nacional.

Mais do que isso, o referido relatório evidencia que tal nível de IDP vem se mantendo neste patamar já há algum tempo, apresentando, nesse sentido, os dados referentes ao período compreendido entre 2014 e 2018. Aponta também que o IDE vem apresentando crescimento ainda mais consistente, tendo saltado de US$192 bilhões em 2010 para os já mencionados US$387 bilhões em 20178.

Tal quadro acabou por inserir a celebração dos acordos internacionais sobre investimentos na política externa do Brasil, fazendo com que, ao final de 2013, se iniciassem os trabalhos, no âmbito da CAMEX, através do Grupo Técnico de Estudos Estratégicos sobre Comércio Exterior (GTEX), na elaboração de um modelo de acordo de investimento sensível às necessidades e preocupações brasileiras no cenário econômico internacional9.

E que preocupações seriam essas?

Como destaca Bichara, no cenário atual a cooperação internacional não tem mais como único fim a mobilidade dos fatores de produção, mas também o estabelecimento de compensações às desigualdades econômicas, em uma dinâmica de liberalização dos intercâmbios mediante eliminação dos entraves à livre circulação de

6 BACEN. Relatório de Investimento Direto no País – 2018. Brasília: 2018, p. 8. Disponível em < https://www.bcb.gov.br/ftp/infecon/RelatorioID2017.pdf>

7 Ibid, p. 12. 8 Ibid, p. 12.

(13)

bens, serviços, capital e pessoas, para alcançar um desenvolvimento econômico necessário ao bem-estar das populações do hemisfério sul do planeta10.

Assim, surge a necessidade de novos mecanismos de promoção do desenvolvimento, pois, ainda de acordo com o referido autor, o objetivo de desenvolvimento fixado na Carta das Nações Unidas, em 1945, não muda, devendo mudar as modalidades do seu alcance, com mais ética nos intercâmbios11.

É nesse contexto que surge o novo modelo de acordo em estudo, que vai além dos objetivos de proteção dos investimentos, preocupando-se também em assegurar meios de proporcionar benefícios amplos (além do campo econômico) e recíprocos para as partes signatárias12.

Nesse mesmo sentido, Fábio Morosini e Ely Caetano Xavier Junior acrescentam que o referido modelo se diferenciou por trazer previsões que vão além dos

standards13 encontrados nos BITs14, apresentando novas propostas em termos de mecanismos para a prevenção de controvérsias, estratégias de melhoria da governança institucional e cláusulas de responsabilidade social corporativa15.

Tais instrumentos foram nomeados Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimentos, passando a ser vistos pela doutrina como um marco regulatório alternativo aos tradicionais Acordos de Promoção e Proteção de Investimentos16.

10 BICHARA, Jahyr-Philippe. Considerações sobre a ordem econômica mundial no limiar do Século XXI à luz do Direito Internacional. Revista dos Tribunais. vol. 992. ano 107. p 383. São Paulo: Ed. RT, junho 2018.

11 Ibid. p. 383.

12 FERNANDES, Érika Capalla; FIORATI, Jete Jane. Os ACFIs e os BITs assinados pelo Brasil: Uma

análise comparada. RIL Brasília, n. 208, p. 249/251, out./dez. 2015.

13 Nas palavras de Alejandro Pastori, em Direito Internacional os standards podem ser definidos como “un instrumento legal flexible y capaz de gran adaptabilidad, que sirve para regir las relaciones internacionales constantemente cambiantes, pues el estándar no busca demarcar de forma objetiva qué es lo permitido y lo prohibido, sino más bien se erige como una fórmula para evaluar la conducta de los sujetos sobre la base de un modelo.” (PASTORI, Alejandro. Los estándares internacionales, ¿son fuentes de derecho internacional público? In: Revista Direito e Justiça: Reflexões Sociojurídicas. Santo Ângelo, v. 18, n. 32, p. 40-41.)

14 BITs ou TBIs (Tratados Bilaterais de Investimentos) são espécie de Acordos de Promoção e Proteção de Investimentos , celebrados com o escopo de conferir garantias de segurança jurídica aos titulares dos ativos investidos. São considerados demasiadamente protetivos, razão pela qual vêm sendo objeto de crítica pela doutrina especializada, já que, sob a justificativa de que funcionariam como instrumentos de atração de investimentos, acabavam servindo apenas para reduzir as possibilidades de quaisquer ingerências estatais no empreendimento, mesmo quando legítimas.

15 MOROSINI, Fabio; JÚNIOR, Ely Caetano Xavier. Regulação do investimento estrangeiro direto no Brasil: da resistência aos tratados bilaterais de investimento à emergência de um novo modelo regulatório. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 12, n. 2, 2015, p. 439.

16 BADIN, M., & MOROSINI, F.. Navigating between Resistance and Conformity with the International Investment Regime. In F. Morosini & M. Sanchez Badin (Coord.), Reconceptualizing International

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Os primeiros acordos nesse novo formato foram assinados em 2015 (Angola, Moçambique, Chile17, Colômbia, Maláui e México), com mais 03 sendo celebrados em 2018 (Etiópia, Suriname e Guiana) e o último em 2019 (Emirados Árabes Unidos)18,19.

Desses, apenas 02 tiveram seu processo de internalização concluídos: Angola, promulgado através do Decreto nº 9.167, de 11 de outubro de 201720, e México, promulgado através do Decreto nº 9.495, de 6 de setembro de 201821.

Nesse contexto, os ACFIs surgem não apenas com o propósito de regulamentar esses fluxos de capitais, garantindo a segurança jurídica e a calculabilidade econômica pretendida pelos agentes privados, sejam os estrangeiros que investem no Brasil, sejam os brasileiros que investem no exterior, mas também visando a concretização de valores outros, inerentes a noção de desenvolvimento sustentável, tais como a defesa do meio ambiente, combate à corrupção, respeito às normas de proteção do trabalhador, dentre outros.

Por tudo isso, é possível extrair dos aludidos acordos o objetivo de viabilização de um desenvolvimento que vá além do mero crescimento econômico, ou seja, que implique não só na expansão quantitativa da renda, mas sobretudo em mudanças na estrutura econômica do país, pois “uma vez transformada a estrutura de um país ou de

Investment Law from the Global South (pp. 218-250). Cambridge: Cambridge University Press.

doi:10.1017/9781316996812.007, p. 222.

17 O acordo com o Chile, que não chegou a ser ratificado, foi substituído pelo Acordo de Livre Comércio entre a República Federativa do Brasil e a República do Chile, que traz tópico específico sobre investimentos, mas que se restringe a reproduzir o conteúdo do ACFI Brasil-Chile.

18 Importante esclarecer que, além dos referidos pactos, foi também assinado o Acordo de Ampliação Econômico-Comercial entre a República Federativa do Brasil e a República do Peru (2016), que conta com seção específica sobre investimentos, nos moldes do que consta nos ACFIs, e, por fim, o Protocolo de Cooperação e Facilitação de Investimentos Intra-Mercosul, assinado pelos membros do grupo em 2017, e que também adotou o modelo ACFI.

19 Afora os Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimentos, o Brasil também assinou o Acordo de Ampliação Econômico-Comercial entre a República Federativa do Brasil e a República do Peru, que possui capítulo sobre investimentos, e o Protocolo de Cooperação e Facilitação de Investimentos – PFCI, no âmbito do Mercosul. Nos dois casos, é adotado integralmente o modelo ACFI, razão pela qual as considerações feitas no presente estudo a eles se aplicam integralmente.

20 BRASIL. Decreto nº 9.167, de 11 de outubro de 2017. Promulga o Acordo de Cooperação e Facilitação

de Investimentos entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República de Angola, firmado em Luanda, em 1º de abril de 2015.. . Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/D9167.htm>. Acesso em: 11 ago. 2018.

21 BRASIL. Decreto nº 9.495, de 6 de setembro de 2018. Promulga o Acordo de Cooperação e Facilitação

de Investimentos entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos estados Unidos Mexicanos, Cidade do México, em 26 de maio de 2015. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/Decreto/D9495.htm>. Acesso em: 11 ago. 2018.

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uma região, com a sua ascensão ao estágio de pleno desenvolvimento, aquilo que antes era um processo de evolução passa a ser uma situação, ou seja, ele agora integra o rol dos desenvolvidos.”22

Diante de tal quadro, o cerne do presente estudo é perquirir quanto à potencial contribuição de tais instrumentos para a concretização dos objetivos que lhes são atribuídos, notadamente segurança jurídica para os investidores e promoção do desenvolvimento econômico. Em outras palavras, é questionar se os tratados em análise, enquanto normas jurídicas, podem induzir os fluxos econômicos na direção do modelo de desenvolvimento delineado na Constituição Federal.

E que modelo seria esse?

Como aponta André Ramos Tavares23, a Constituição de 1988 define um modelo econômico que tem como objetivo garantir o desenvolvimento nacional, com este último devendo ser compreendido de maneira ampla, não se confundindo com o mero crescimento econômico, mas indo além dele, de modo a compreender o desenvolvimento como liberdade24 e contribuir para a melhoria da existência humana.

Desta forma, conforme aponta Eros Grau, a ordenação econômica prevista na Constituição, notadamente no art. 170, representa prescrição vinculadora de todos os agentes econômicos, de modo que “qualquer prática econômica (mundo do ser) incompatível com a valorização do trabalho humano e com a livre iniciativa, ou que conflite com a existência digna de todos, conforme os ditames da justiça social, será adversa a ordem constitucional”25.

Embora a aludida passagem faça referência apenas à valorização do trabalho, à livre iniciativa e á justiça social, o mesmo raciocínio, evidentemente, se aplica a todos os demais princípios que informam a ordem econômica constitucional e se

22 NUSDEO, Fábio. Curso de economia: Introdução ao direito econômico. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 355.

23 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Método, 2011, p.133.

24 “O desenvolvimento que se pretende só pode ser um desenvolvimento amplo. Não apenas econômico, porque este decorrerá de outras variantes. É o que Armatya Sem (2000:28) observa: “sem desconsiderar a importância do crescimento econômico, precisamos enxergar muito além dele”. Deve se dirigir, como já apontava Oscar Dias Corrêa (1991: 26), “à melhoria das condições humana”. Ainda na esteira do pensamento sustentado por Amartya Sen (2000: 29), há de compreender o desenvolvimento como liberdade: “o crescimento econômico não pode sensatamente ser considerado um fim em si mesmo. O desenvolvimento tem de estar relacionado sobretudo com a melhoria da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos.” (TAVARES, p. 133)

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encontram previstos nos incisos do art. 170 da Constituição Federal26, sendo eles os

standards ou parâmetros constitucionais que balizam a Ordem Econômica nacional.

Nesse contexto, os acordos internacionais em matéria de direto econômico celebrados pelo Estado brasileiro também devem observância à soberania nacional; propriedade privada; função social da propriedade; livre concorrência; defesa do consumidor; defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; redução das desigualdades regionais e sociais; busca do pleno emprego; tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País, dentre outros preceitos implícitos no texto constitucional, tendo em vista que a promoção do modelo de desenvolvimento antes mencionado passa, necessariamente, pelo respeito aos referidos

standards constitucionais.

Em outras palavras, a concretização dos objetivos fundamentais previstos no art. 3º da Constituição Federal, aí incluso o desenvolvimento nacional, passa, necessariamente, pela observância daqueles princípios do art. 170 da Carta Magna, de forma que a verificação da potencial contribuição dos acordos objeto de análise neste trabalho para o desenvolvimento do país depende, igualmente, de sua adequação àqueles parâmetros constitucionais, pois, em não se verificando a compatibilidade em questão, não será possível cogitar de crescimento qualitativo, mas, no máximo, mero crescimento quantitativo.

Nesse diapasão, optou-se pela pesquisa do tipo descritiva, focada no texto dos ACFIs, objeto de perquirição, sem abrir mão, seja das críticas que se mostrem necessárias, seja da proposição de soluções ou alternativas para os problemas que eventualmente sejam identificados.

Foi utilizada a revisão bibliográfica no campo do Direito Constitucional, Direito Internacional, Direito Econômico, Direito Internacional

26 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte. IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

(17)

Econômico e Economia, assim como dados oficiais relacionados ao fluxo de capitais envolvendo o Brasil.

Quanto à sua organização, o trabalho é dividido em duas partes, cada uma com dois capítulos, mais a conclusão.

Na primeira parte são investigados os aspectos materiais dos ACFIs, com o primeiro capítulo tratando dos objetivos, âmbito de aplicação e definições fixados nos acordos e o segundo capítulo se debruçando sobre as medidas normativas neles previstas, separando as previsões tradicionalmente encontradas nos acordos internacionais dessa natureza, daquelas que se apresentam como inovações trazidas pelo novo modelo.

A segunda parte se dedica aos aspectos processuais dos Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimentos, analisando os órgãos gestores neles previstos, bem como os mecanismos de implementação e execução das medidas de cooperação e facilitação de investimentos analisadas na primeira parte desta pesquisa.

Nesse sentido, o Capítulo III trata dos Comitês Conjuntos e dos Pontos Focais, gestores institucionais dos acordos, analisando seus papeis e atribuições tanto na relação entre os Estados signatários, quanto, em âmbito interno, no trato com os investidores privados. Já o Capítulo IV aborda o sistema de prevenção e solução de controvérsia previsto nos ACFIs, apresentando e explicando suas fases, bem como identificando eventuais omissões ou imprecisões na regulamentação de tais mecanismos. Alerta-se, por fim, quanto à ainda incipiente execução dos Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimentos, uma vez que até Julho de 2019 apenas dois desses tratados, ACFI Brasil-México e ACFI Brasil-Angola, mas ainda sem casos concretos decididos pelos respetivos órgãos gestores. Por essa razão, o trabalho se concentra na análise do texto dos acordos e, a partir deles, refletir sobre as possíveis controvérsias que possam surgir quando da análise de casos concretos.

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PRIMEIRA PARTE

O advento dos ACFIs no Ordenamento Jurídico brasileiro

O modelo de acordo de investimentos consagrado no Direito Internacional dos Investimentos - APPIs e BITs – vem sendo alvo de fortes questionamentos, especialmente em razão das condenações que alguns países suportaram nos últimos anos no bojo de procedimentos arbitrais instalados com base nesses acordos internacionais de investimentos27.

Os Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFIs) foram concebidos com o objetivo de ser uma alternativa ao referido modelo, que têm como marca característica a proteção excessiva dos investimentos externos, muitas das vezes em detrimento até dos compromissos constitucionais dos Estados anfitriões. Nesse contexto, os ACFIs buscariam equilibrar essa relação, conferindo segurança aos ativos investidos, mas também preservando de maneira expressa certas prerrogativas dos Estados receptores, pois uma das principais críticas aos modelos tradicionais é a de que, em razão de seu viés marcadamente protetivo, os acordos acabavam por comprometer a implementação de determinadas políticas públicas pelos Estados.

Esse tipo de limitação, inclusive, tem levado muitos países a reverem seus posicionamentos quanto à celebração de acordos internacionais em matéria de investimentos, conforme retratado no World Investiment Report 201828, no qual é

apontado que o número de novos acordos internacionais de investimentos concluídos em 2017 foi o menor desde 1983, com o volume de encerramentos de tratados dessa espécie superando, pela primeira vez, o de novos acordos celebrados29.

É esse o contexto de concepção dos ACFIs, em que os acordos internacionais de investimentos passam a ser pensados não só como ferramenta de segurança jurídica e

27 Tal situação restou evidenciada, por exemplo, no caso que ficou conhecido como Foresti case, em que a África do Sul foi demandada por investidores estrangeiros no âmbito do Centro Internacional para Resolução de Controvérsias sobre Investimentos (CIRDI) sob o argumento de que teria expropriado ativos daqueles primeiros em decorrência de políticas públicas daquele Estado.

28 UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT (UNCTAD). World Investment Report 2018: Investment and New Policies. Suíça: United Nations Publication, 2018, p. xiii. Disponível em: https://unctad.org/en/PublicationsLibrary/wir2018_en.pdf.

29 O aludido estudo revela também que, desde 2012, cerca de 150 países têm caminhado no sentido de formular uma nova geração de acordos internacionais de investimentos orientados para a promoção do desenvolvimento sustentável.

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proteção dos investimentos, mas também como instrumento de busca de “un crecimiento

inclusivo y el desarrollo sostenible”30.

Essa primeira parte da pesquisa, segmentada em dois capítulos, tratará do conteúdo das disposições dos ACFIs relacionadas aos direitos e obrigações das partes signatárias, cujo conhecimento é fundamental tanto para aquilatar se os objetivos pretendidos (conciliação entre desenvolvimento nacional sustentável e proteção dos investimentos) se refletiram no texto dos acordos, quanto para possibilitar a compreensão dos mecanismos de implementação e execução do acordo, objeto da segunda parte da pesquisa.

Importante esclarecer, por fim, que, da análise dos 10 Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFIs) assinados pelo Brasil a partir de 2015 percebe-se que, apesar das diferenças existentes nos textos dos acordos - tanto na forma, quanto no conteúdo -, se trata de um mesmo modelo, baseado em idênticas premissas e diretrizes, de modo que – tais diferenças - não comprometem a forma escolhida para se tratar, neste trabalho, dos aspectos materiais que caracterizam os ACFIs.

30 LABORÍAS, Alexis Rodrigo. El Protocolo de Inversiones del MERCOSUR en el contexto del nuevo derecho internacional de las inversiones extranjeras. Revista de la Secretaría del Tribunal Permanente

de Revisión, [S.l.], p. 131, sep. 2018. ISSN 2304-7887. Disponible en: <http://www.revistastpr.com/index.php/rstpr/article/view/299/155180>. Acesso em: 14 nov. 2018.

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CAPÍTULO I. AXIOLOGIA E TELEOLOGIA DOS ACFIs A PARTIR DOS SEUS OBJETIVOS E DEFINIÇÕES.

É comum nos acordos internacionais que os primeiros enunciados sejam dedicados à exposição da intenção e objetivos pretendidos pelas Partes signatárias. Tais disposições possuem relevância especial no que se refere à interpretação e aplicação dos acordos.

Nesse sentido, os ACFIs são estruturados iniciando-se pelo preâmbulo, ao qual se seguem dispositivos detalhando os objetivos e definições que devem ser observados pelas Partes na interpretação e aplicação dos instrumentos.

Seção I. O Preâmbulo e os Objetivos: Veículos das diretrizes programáticas dos ACFIs.

Conforme já salientado, o preâmbulo e os objetivos expõem as diretrizes que motivaram as Partes a celebrarem o acordo.

No que se refere aos ACFIs, Fabio Morosini e Michelle Ratton Sanchez Badin informam que o seu arcabouço foi desenvolvido com base na revisão de acordos anteriores elaborados pelos formuladores de políticas brasileiros, considerando tando as limitações da regulamentação interna, quanto as contribuições do setor privado brasileiro em sua experiência mais recente como exportadores de capital. A combinação desses requisitos resultou em um modelo de acordo focado em facilitar investimentos e mitigar riscos. Embora essa estrutura não seja nova nos acordos internacionais de investimento, o ACFI introduziu novos componentes em seu conteúdo. A constante cooperação entre os órgãos do governo, a mediação diplomática intermediária e o respeito à legislação interna podem ser considerados como as principais noções subjacentes a esse modelo de acordo, que oferece uma alternativa ao atual regime internacional de investimento31.

31 BADIN, M., & MOROSINI, F. El Acuerdo brasilero de Cooperación y de Facilitación de las Inversiones (ACFI): ¿Una nueva fórmula para los acuerdos internacionales de inversión?. In: Investment treaty News:

Boletín trimestral sobre el derecho y la política de inversiones desde una perspectiva del desarrollo sustentable. Número 3. Tomo 6. Agosto 2015, p. 4. Disponível em < https://www.iisd.org/itn/2015/08/04/itn-quarterly-august-2015/>

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Essas noções ou diretrizes que subjazem ao texto do acordo se encontram expressas no preâmbulo e nos objetivos, possuindo importância fundamental para a adequada interpretação e aplicação das disposições convencionais.

Nesse contexto, importa analisar cada um deles em tópicos específicos.

§1. O papel orientador do preâmbulo.

O preâmbulo é uma marca característica dos acordos internacionais como um todo.

Nele são consignados os objetivos gerais, as intenções que levaram os Estados signatários a celebrar aquele instrumento, enunciando os princípios gerais e valores aceitos pelos Estados, podendo ser invocado para dirimir dúvidas de interpretação sobre dispositivos ou os anexos do tratado32.

A Convenção de Viena de 1969, em seu art. 31, item 2, faz referência expressa ao preâmbulo como vetor interpretativo dos tratados internacionais ao estabelecer que “para os fins de interpretação de um tratado, o contexto compreenderá, além do texto, seu preâmbulo e anexos” 33.

No caso dos ACFIs verifica-se que as partes fizeram questão de consignar o compromisso com valores outros que vão além da tradicional promoção e proteção dos investimentos, demonstrando, com isso, seu compromisso com o projeto de promoção do desenvolvimento sustentável.

Começando pelos acordos que já se encontram em vigor, México34 e Angola35,

verifica-se no primeiro a menção expressa à “necessidade de promover e proteger os investimentos devido ao seu papel essencial na promoção do desenvolvimento sustentável, do crescimento econômico, da redução da pobreza, da criação de empregos,

32 VARELLA, Marcelo Dias. Direito internacional público. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 57. 33 A Convenção de Viena entrou em vigor no Brasil através do Decreto de promulgação nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7030.htm. Acesso em: 15 dez. 2018.

34 BRASIL. Decreto nº 9.495, de 6 de setembro de 2018. Promulga o Acordo de Cooperação e

Facilitação de Investimentos entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos estados Unidos Mexicanos, Cidade do México, em 26 de maio de 2015. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/Decreto/D9495.htm>. Acesso em: 11 ago. 2018.

35 BRASIL. Decreto nº 9.167, de 11 de outubro de 2017. Promulga o Acordo de Cooperação e Facilitação

de Investimentos entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República de Angola, firmado em Luanda, em 1º de abril de 2015.. . Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/D9167.htm>. Acesso em: 11 ago. 2018.

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da expansão da capacidade produtiva e do desenvolvimento humano”36 e, no segundo, o

reconhecimento do “papel essencial do investimento na promoção do desenvolvimento sustentável, do crescimento econômico, da redução da pobreza, da criação de empregos, da expansão da capacidade produtiva e do desenvolvimento humano.”37

É possível, já aqui, perceber o alinhamento de tais diretrizes com os objetivos fundamentais previstos no art. 3º da Constituição Federal Brasileira38, o que revela a preocupação dos elaboradores dos instrumentos não só com os aspectos puramente econômicos dos acordos (proteção dos investimentos), mas também com o estímulo a um crescimento econômico qualitativo, este compreendido enquanto processo que deve levar a um salto de uma estrutura social para outra, acompanhado da elevação do nível econômico e do nível cultural-intelectual daquela sociedade39.

Ao fazer um comparativo entre os preâmbulos de seis dos tratados bilaterais de investimentos assinados pelo Brasil na década de 199040 e os dos ACFIs assinados a partir de 2015, Érika Fernandes e Jete Fiorati constataram que os acordos apresentam textos mais extensos, indo além da necessidade de criar condições favoráveis para a promoção e proteção do investimento estrangeiro e focando no desenvolvimento de parceria entre as partes a fim de proporcionar benefícios amplos e recíprocos41.

De fato, ao se observar o texto do preâmbulo do Acordo Entre a República Federativa Do Brasil e a República Federal da Alemanha Sobre Promoção e Proteção Recíproca de Investimentos42, assinado em 1995, constata-se que seu texto se restringe ao seguinte:

A República Federativa do Brasil e A República Federal da Alemanha

36 Preâmbulo, ACFI Brasil- México. 37 Preâmbulo, ACFI Brasil- Angola.

38 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

39 GRAU, Eros Roberto. Op cit. p. 216.

40 Na década de 1990 o Estado brasileiro chegou a assinar 14 tratados bilaterais de investimentos que tinham como objetivo regulamentar, no âmbito do direito internacional, os interesses dos investidores que viessem a aportar seus recursos no país ou dos brasileiros que investissem no outro país pactuante. No entanto, seja pela manifesta oposição dos Poderes Legislativo e Judiciário, seja pela falta de empenho do próprio governo da época, os processos de internalização dos referidos acordos não evoluíram e nenhum deles chegou a entrar em vigor.

41 FERNANDES, Érika Capalla; FIORATI, Jete Jane. Os ACFIs e os BITs assinados pelo Brasil: Uma

análise comparada. RIL Brasília, n. 208, p. 249, out./dez. 2015. p. 251.

42 ACORDO entre a República Federativa Do Brasil e a República Federal da Alemanha Sobre Promoção e Proteção Recíproca de Investimentos. 21 de setembro de 1995. Disponível em <https://concordia.itamaraty.gov.br/detalhamento/4161>. Acesso em: 15 dez. 2018.

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(doravante denominados "Partes Contratantes"),

Animados pelo desejo de intensificar a cooperação econômica entre os dois países;

Desejando criar condições favoráveis para investimentos de investidores de um país no território do outro;

Reconhecendo que a promoção e a proteção desses investimentos por meio de um acordo poderão, servir para estimular a iniciativa econômica privada e favorecer a prosperidade nos dois países,

Acordam o seguinte:

Esse mesmo padrão se repete nos outros 13 acordos dessa espécie assinados naquele período43.

Verifica-se, portanto, um movimento deliberado, quando da concepção do modelo ACFI, no sentido de deixar expressa a mudança de paradigma em relação aqueles acordos celebrados na década de 1990, pautados, como dito, pela priorização da proteção dos investimentos.

Tal diretriz é reforçada por outras previsões contidas nos ACFIs, tal como, novamente no Acordo Brasil-México, o reconhecimento expresso quanto ao “direito das Partes de legislar em matéria de investimentos e de adotar novas regulamentações sobre o tema, com a finalidade de cumprir os objetivos de sua política nacional”44, também

presente no ACFI Angola que menciona ainda a autonomia legislativa das partes em relação às políticas públicas.

Embora possa aparentar certa obviedade, a afirmação da autonomia estatal em relação à política pública nacional possui um significado interpretativo relevante, tendo em vista que, como no já citado Foresti case45, não é incomum o surgimento de questionamento de investidores quanto a prejuízos decorrentes de medidas adotadas em âmbito interno pelo governo local quando da implementação de políticas públicas.

Paradigmático, nesse sentido, foi o caso Philip Morris v. Oriental Republic of

Uruguay46, apreciado em julho de 2016 pelo Centro Internacional para Resolução de Controvérsias sobre Investimentos (CIRDI). Nesse caso, o investidor, o grupo Philip

Morris, considerou que sofreu expropriação indireta de seus ativos em razão de medidas

43 Todos os acordos estão disponíveis para consulta na plataforma Concórdia, do Ministério das Relações Exteriores, podendo ser acessada através do seguinte endereço eletrônico: https://concordia.itamaraty.gov.br/.

44 Preâmbulo, ACFI Brasil- México.

45 Piero Foresti, Laura de Carli and others v. Republic of South Africa (ICSID Case No. ARB(AF)/07/1). Disponível em < https://icsid.worldbank.org/en/Pages/cases/casedetail.aspx?CaseNo=ARB(AF)/07/1> 46 Philip Morris Brand Sàrl (Switzerland), Philip Morris Products S.A. (Switzerland) and Abal Hermanos S.A. (Uruguay) v. Oriental Republic of Uruguay (ICSID Case No. ARB/10/7). Disponível em <https://icsid.worldbank.org/en/Pages/cases/casedetail.aspx?CaseNo=ARB/10/7.>.

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internas adotadas pelo Estado Uruguaio no sentido de combater o tabagismo, tais como a obrigatoriedade de apresentação única das marcas de cigarro e aumento da área de embalagem destinada a informações de saúde, que passaram a ocupar 80% (oitenta por cento) de ambos os lados, conhecida como regulamento 80/8047.

O Estado uruguaio alegou que as referidas medidas se enquadravam no chamado

policy space, ou seja, consubstanciavam nada mais do que o regular exercício de sua

soberania para implementar as políticas internas que entendesse condizentes com o interesse nacional.

Destacou ainda que as medidas utilizadas no combate ao uso do tabaco foram adotadas em conformidade com as obrigações internacionais do Estado, sempre visando proteger a saúde de sua população e, dessa forma, no exercício razoável e de boa-fé das prerrogativas soberanas do Estado (ICSID, Case No. ARB/10/7, Para. 13).48

O CIRDI considerou regular a conduta do Estado uruguaio, reconhecendo que este agiu de boa-fé, apenas exercendo uma prerrogativa regulatória inerente à sua soberania, conforme apontado na análise do caso feita pela Havard Law Review em sua seção recente cases49.

Embora, no referido caso, tenha sido reconhecida a regularidade da conduta estatal, é razoável afirmar que a ausência de uma ressalva expressa, como as que se verifica no preâmbulo dos ACFIs, quanto às prerrogativas internas dos Estados receptores no que se refere ao seu policy space, pode ter contribuído para a instalação da disputa.

Em outras palavras, caso houvesse disposição expressa, no preâmbulo ou em outro ponto do tratado invocado pelo investidor no caso acima50, ressaltando que

47 GALIZA, Gabriela, FERREIRA, Igor Matheus Gomes. O poder regulatório dos estados e a proteção dos investimentos estrangeiros: o caso Uruguai versus Philip Morris. In: Revista Brasileira de Direito Internacional. p. 52. DOI: http://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2526-0219/2018.v4i1.4291. 48 GALIZA, Gabriela, FERREIRA, Igor Matheus Gomes. Ibid, p. 54.

49 Em tradução livre: “O painel do ICSID decidiu que as alegações de expropriação da Philip Morris fracassaram porque os regulamentos eram um exercício válido do poder policial do Uruguai, um princípio embutido no direito internacional consuetudinário. O painel forneceu uma história abrangente da doutrina do poder policial, desde seu início no direito internacional. através de suas aplicações em arbitragens anteriores. Recorreu a essa jurisprudência para concluir que a SPR e o Regulamento 80/80, como ações “tomadas de boa fé com o objetivo de proteger o bem público” que eram “não-discriminatórias e proporcionais”, satisfaziam as condições para o exercício de um marco regulatório por parte do Estado. poderes para não constituir uma expropriação indireta. O tribunal declarou que proteger a saúde pública era “uma manifestação essencial” do poder policial; ao fazê-lo, afirmou o poder das regulamentações de saúde pública de um estado sobre as reivindicações dos investidores.” (Philip Morris Brands Sarl v. Oriental Republic of Uruguay. Havard Law Review, Cambridge, v. 130, n. 7, maio 2017, p. 1.988. Disponível em: <https://harvardlawreview.org/>. Acesso em: 09 set. 2018.)

50 No caso Philip Morris Brands Sarl v. Oriental Republic of Uruguay foi invocado o TBI celebrado entre

Suécia e Uruguai. Disponível em <https://www.italaw.com/sites/default/files/laws/italaw6239.pdf>. É importante destacar que o Artigo 2, item 2, desse tratado menciona que as partes contratantes reconhecem

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permaneciam preservadas, a despeito da celebração daquele tratado, as prerrogativas estatais quanto à implementação de suas políticas públicas, ainda que venham a interferir no retorno esperado para os investimentos lá alocados, é possível que o investidor não tivesse acionado a corte arbitral.

Tal omissão é reflexo do perfil adotado nos BITs, centrado na proteção dos investimentos, circunstância que, como já ressaltado, não se verifica nos ACFIs51.

Nestes, são mantidas disposições preambulares preexistentes no BITs, tais como “reforçar e aprofundar os laços de amizade e o espírito de cooperação contínua entre as Parte”52, “estimular, agilizar e apoiar investimentos bilaterais”53, presentes, por exemplo,

no ACFI Colômbia54, juntamente com propósitos de cunho extraeconômico e viés

marcadamente social, como o reconhecimento do “papel essencial do investimento na promoção do desenvolvimento sustentável, do crescimento econômico, da redução da pobreza, da criação de empregos, da expansão da capacidade produtiva e do desenvolvimento humano”, presentes nos ACFIs Moçambique55, Maláui56 e Angola57.

Por tudo isso, é possível concluir que, nos ACFIs, o preâmbulo funciona como uma espécie de “cartão de visitas” no sentido de apresenta-lo como uma nova proposta de Acordo Internacional de Investimentos, preocupada não só com a geração de um ambiente de negócios seguro aos investidores externos, mas sobretudo com a promoção de investimentos que contribuam de maneira efetiva para o desenvolvimento nacional qualitativo.

o direito de cada uma de não permitir atividades econômicas por razões de ordem e segurança pública, saúde pública ou moralidade, assim como atividade que, pela lei, são reservadas para seus próprios investidores.

51 FERNANDES, Érika Capalla; FIORATI, Jete Jane. Op. cit. p. 251. 52 Preâmbulo, ACFI Brasil- Colômbia.

53 Preâmbulo, ACFI Brasil- Colômbia.

54 ACORDO de Cooperação e Facilitação de Investimentos entre a República da Colômbia e a República Federativa do Brasil. 09 de outubro de 2015. Disponível em <https://concordia.itamaraty.gov.br/detalhamento/4032.>. Acesso em: 15 dez. 2018.

55 ACORDO de Cooperação e Facilitação de Investimentos entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República de Moçambique. 30 de março de 2015. Disponível em <https://concordia.itamaraty.gov.br/detalhamento/11636>. Acesso em: 15 dez. 2018.

56 ACORDO de Cooperação e Facilitação de Investimentos entre a República Federativa do Brasil e a República do Maláui. 25 de junho de 2015. Disponível em < https://concordia.itamaraty.gov.br/detalhamento/11650>. Acesso em: 15 dez. 2018.

57 BRASIL. Decreto nº 9.167, de 11 de outubro de 2017. Promulga o Acordo de Cooperação e Facilitação

de Investimentos entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República de Angola, firmado em Luanda, em 1º de abril de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/D9167.htm>. Acesso em: 11 ago. 2018.

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§2. O perfil cooperativo presente nos objetivos pretendidos pelos ACFIs

É comum nos acordos internacionais de um modo geral a presença de uma cláusula dedicada à especificação dos objetivos das partes com a celebração daquele instrumento.

Tal cláusula está presente nos ACFIs e evidenciam a teleologia que informa o modelo. Embora apresentem alguma variação no texto de um instrumento para outro, é possível identificar um padrão no conteúdo normativo dos enunciados conforme é possível se extrair, por exemplo, da leitura dos Artigos 1.1 ACFI Brasil-Maláui, Artigo 1º ACFI Brasil-Colômbia, Artigos 1.1 e 1.2 do ACFI Brasil-México e Artigo 1 do ACFI Brasil-Guiana58.

Fogem um pouco do referido padrão apenas as cláusulas de objetivo dos ACFIs Chile59 e Moçambique60, mas sem deixar de lado a finalidade de cooperação na promoção mútua de investimentos.

É possível, portanto, identificar um perfil de objetivo para os ACFIs centrado em dois pilares: um primeiro, consistente no objetivo de promoção da cooperação entre as partes no sentido de fomentar o investimento mútuo; um segundo, consistente na meta de estabelecer um marco institucional que permita a implementação de Agenda para a

58 ACFI Brasil-Maláui: Artigo 1. Objetivo. 1. O objetivo deste Acordo é promover a cooperação entre as Partes a fim de facilitar e fomentar os investimentos recíprocos. Este objetivo será alcançado por meio da governança institucional, conforme estipulada neste Acordo, pelo estabelecimento de agendas temáticas para cooperação e facilitação dos investimentos e pelo desenvolvimento de mecanismos para mitigação de riscos e prevenção de controvérsias, entre outros instrumentos mutuamente acordados pelas Partes. ACFI Brasil-Colômbia. Artigo 1º - Objetivo: O objetivo deste Acordo é promover a cooperação entre as Partes com o fim de facilitar e promover o investimento mútuo, mediante o estabelecimento de um marco institucional para a gestão de uma agenda de cooperação e de facilitação de investimentos, bem como mecanismos para a mitigação de riscos e a prevenção de conflitos, entre outros instrumentos mutuamente acordados pelas Partes.

ACFI Brasil-México Artigo 1. Objetivo: 1. O objetivo do presente Acordo é promover a cooperação entre as Partes com o objetivo de facilitar e promover o investimento mútuo. 2. Para cumprir esse objetivo, o presente Acordo estabelece o marco institucional para facilitar os investimentos, estabelecer mecanismos para a mitigação de riscos e a prevenção de conflitos, e para a gestão de uma agenda de cooperação, entre outros instrumentos mutualmente acordados pelas Partes.

ACFI Brasil-Guiana. Artigo 1. Objetivo: O objetivo do presente Acordo é promover a cooperação entre as Partes de forma a facilitar e encorajar os investimentos mútuos por meio do estabelecimento de marco institucional para a implementação de Agenda para a Cooperação e Facilitação, regras para o tratamento adequado dos investidores e de seus investimentos, bem como medidas regulatórias e mecanismos para a prevenção de controvérsias, entre outros instrumentos acordados entre as Partes.

59 Com o objetivo de criar um mecanismo de diálogo técnico e iniciativas governamentais que contribuam para o aumento significativo de seus investimentos mútuos.

60 O presente Acordo tem por objeto a cooperação entre as Partes para facilitar e fomentar os investimentos recíprocos.

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Cooperação e Facilitação, regras para o tratamento adequado dos investidores e de seus investimentos, bem como medidas regulatórias e mecanismos para a prevenção de controvérsias.

A fixação expressa desses objetivos, juntamente com os já mencionados preâmbulos, dão a tônica dos ACFIs, ou seja, servem para reforçar a proposta desse modelo de acordo que, como já apontado, se caracteriza por buscar um desenvolvimento sustentável, que vá além da mera proteção dos investimentos.

Nesse diapasão, importa destacar que os BITs assinados na década de1990 pelo Brasil, por exemplo, não apresentavam esse tipo de cláusula, que, sob esse aspecto, representam certo ineditismo.

A análise daqueles tratados bilaterais de investimentos revela que, após um sucinto preâmbulo, já se passa ao tratamento de temas relativos à proteção propriamente dita dos investimentos, conforme se verifica no BIT Itália, em que ao preâmbulo se segue a cláusula das definições (artigo I) e promoção e proteção dos investimentos (artigo II)61.

Esse cuidado quanto à fixação dos objetivos da forma como se encontram postos no modelo ACFI deixa clara a intenção das partes de efetivamente constituir um novo modelo de acordo internacional de investimentos, que responda às críticas que sempre foram direcionadas aos BITs pela preponderância, neles, dos interesses dos investidores. É possível, portanto, concluir que a cláusula dos objetivos inseridas nos ACFIs funcionam como um norte do qual deve se valer o hermeneuta ao interpretar as disposições do acordo.

Em outras palavras, quando o ACFI México fala, por exemplo, que o Acordo consubstancia o marco institucional para facilitar os investimentos, estabelecer mecanismos para a mitigação de riscos e a prevenção de conflitos, e para a gestão de uma agenda de cooperação62, fica claro que tão importante quanto a proteção ou a facilitação dos investimentos é a construção de uma relação calcada em pautas e soluções conjuntas. Tal tomada de posição, inclusive, se encontra alinhada com os princípios que regem a República Federativa do Brasil (CF, art. 4º) nas suas relações internacionais, notadamente a independência nacional (CF, art. 4º, I), autodeterminação dos povos (CF, art. 4º, III), não-intervenção (CF, art. 4º, IV), igualdade entre os Estados (CF, art. 4º, V),

61 ACORDO para a Promoção e a Proteção Recíproca de Investimentos entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana. 3 de abril de 1995. Disponível em < https://concordia.itamaraty.gov.br/detalhamento/4107>. Acesso em: 17 dez. 2018.

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solução pacífica dos conflitos (CF, art. 4º, VII) e cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (CF, art. 4º, IX).

Não obstante, não deixa de ser uma manifestação de intensões, que não representarão desdobramentos práticos efetivos se não acompanhadas de medidas concretas por parte dos Estados Parte, os quais, como se verá ao longo deste Estudo, ocupam papel de destaque no que se refere à gestão e execução dos ACFIs.

Seção II. O caráter inclusivo dos ACFIs presente nas cláusulas definidoras do seu âmbito de aplicação

O âmbito de aplicação significa a delimitação das situações que se encontram albergadas pelo acordo, ou seja, que podem ser regidas pelas disposições neles previstas.

Com exceção do ACFI Maláui, todos os acordos contam com cláusula específica tratando dessa temática.

Conforme será a seguir detalhado, nessas cláusulas as partes não só pactuam os temas que estão cobertos pelo acordo, como também definem quais questões não poderão ser por eles regulamentadas. Quanto a esse ponto, se verifica uma estreita relação entre os enunciados convencionais que tratam do âmbito de aplicação e os que versam acerca das definições dos termos nele utilizados, ponto a ser analisado na Seção III deste Capítulo.

Por ora, cumpre detalhar o conteúdo das cláusulas que, nos ACFIs assinados pelo Brasil, definem o âmbito de aplicação das disposições daqueles instrumentos.

O ponto de partida é compreender que estão, em regra, contemplados no âmbito de aplicação dos acordos todos os investimentos oriundos de nacionais de uma Parte aplicados em empreendimentos localizados na outra parte. Destaque-se, quanto a esse ponto, que o modelo ACFI optou por uma postura inclusiva, no sentido de abranger da maneira mais ampla possível os investimentos oriundos de uma parte e alocados na outra.

Em outras palavras, desde que observados alguns requisitos básicos previstos nos acordos, notadamente nas cláusulas referentes às definições, o investimento estará por ele contemplado.

Nesse viés inclusivo e abragente, as cláusulas relativas ao âmbito de aplicação se dedicam mais a especificar o que não está albergado nos acordos, ou seja, a detalhar que situações não se encontram inseridas no escopo dos ACFIs, sendo possível, a partir dos seus conteúdos, a identificação de dois critérios básicos a partir dos quais se afasta

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ou não a aplicação das disposições convencionais a uma dada situação concreta: o temporal e o material.

Assim, serão analisados no decorrer da presente seção os dois critérios acima mencionados, assim como as previsões que, inseridas nos dispositivos que regulam o âmbito de aplicação desses tratados, definem como se dará a coexistência, no plano normativo, entre os ACFIs e as legislações interna e internacional que tratam da temática dos investimentos.

§1. Critério temporal na definição do âmbito de aplicação dos ACFIs.

O critério temporal, como o próprio nome sugere, refere-se à análise do âmbito de aplicação do ACFI no tempo.

Nesse diapasão, predomina nos acordos a previsão de aplicação a todos os investimentos realizados antes ou depois da respectiva vigência. Tal previsão se encontra consignada, por exemplo, no Artigo 3, item 1 do ACFI Etiópia; Artigo 2, item 1 do ACFI Guiana; Artigo 3º, item 1 do ACFI Chile; Artigo 2º, item 1, do ACFI Colômbia; Artigo 16, item 1 do ACFI Moçambique; Artigo 2, item 1, do ACFI México e Artigo 2, item 1 do ACFI Suriname.

O ACFI Maláui não traz disposição específica quanto ao âmbito de aplicação do acordo e o ACFI Angola, embora trate do tema aplicação do acordo em seu Artigo 16, não segue o padrão observado nos outros instrumentos, na medida em que não há nele a mencionada previsão de sua aplicação a todos os investimentos realizados antes ou depois de entrada em vigor.

A consequência prática que se pode antever a partir da análise dessa divergência de tratamento encontrada nos acordos assinados com Maláui e Angola é a aplicação do acordo tão somente em relação aos investimentos posteriores à vigência dos instrumentos, o que, embora não seja uma previsão incomum em tratados internacionais - como demonstra, por exemplo, o artigo 463 da Convenção de Viena de 196964, que prevê sua

63 Artigo 4: Sem prejuízo da aplicação de quaisquer regras enunciadas na presente Convenção a que os tratados estariam sujeitos em virtude do Direito Internacional, independentemente da Convenção, esta somente se aplicará aos tratados concluídos por Estados após sua entrada em vigor em relação a esses Estados.

64BRASIL. Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009. Promulga a Convenção de Viena sobre o

Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio de 1969, com reserva aos Artigos 25 e 66, concluída

em Viena em 23 de maio de 1969. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7030.htm>. Acesso em: 18 dez. 2018.

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irretroatividade -, foge do padrão dos pactos internacionais em matéria de investimentos, que, não raro, preveem sua incidência retroativa, conforme se verifica, por exemplo, no Artigo XII, item 1, do BIT assinado por Brasil e Itália em 1995, segundo o qual “as disposições do presente Acordo se aplicam aos investimentos efetuados antes ou depois de sua entrada em vigor.”

É passível de crítica o formato do tratamento conferido à matéria nos ACFIs Maláui e Angola, uma vez que a irretroatividade dos acordos limita de forma desarrazoada os objetivos do próprio instrumento.

Colocando de outra forma, se, como consta no preâmbulo do ACFI Maláui as partes desejam, com aquele instrumento, “reforçar e aprofundar os laços de amizade e o espírito de cooperação contínua entre as Partes”, por entenderem que “o estabelecimento de uma parceria estratégica entre as Partes, em matéria de investimentos, trará benefícios amplos e recíprocos” e também reconhecerem “a importância de se promover um ambiente transparente, ágil e amigável para os investimentos mútuos das Partes”, a exclusão dos investimentos anteriores à vigência do acordo se mostra um tanto quanto contraditória.

Do mesmo modo, o ACFI Angola se contradiz na medida em que, embora prevendo objetivos semelhantes aos acima expostos, se omite quanto aos efeitos retroativos das disposições do acordo.

A saída para tal incoerência, todavia, pode ser construída hermeneuticamente, a partir das disposições contidas na Convenção de Viena de 1969. Nesse sentido, vale mencionar inicialmente o disposto em seu Artigo 28, segundo o qual a não ser que uma intenção diferente se evidencie do tratado, ou seja estabelecida de outra forma, suas disposições não obrigam uma parte em relação a um ato ou fato anterior ou a uma situação que deixou de existir antes da entrada em vigor do tratado, em relação a essa parte.

Como se vê, de acordo com o referido enunciado, as disposições de um tratado, em regra, só obrigarão à parte em relação a atos e fatos que lhes sejam posteriores ou à situação que não tenha se exaurido antes da sua entrada em vigor. Não obstante, o dispositivo ressalva a hipótese de se concluir uma intenção diversa a partir da leitura sistemática de todo o tratado.

No caso dos ACFIs Angola e Maláui, o conteúdo das já mencionadas disposições do preâmbulo e dos objetivos dos acordos, autorizam concluir que, não havendo a vedação expressa de aplicação retroativa das previsões dos acordos a fatos anteriores, seu

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