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Seção III. Definições em matéria de investimentos

B. O investidor pessoa jurídica

No que se refere às pessoas jurídicas, os acordos apresentam um modelo bastante inclusivo, ou seja, voltado para a cobertura do maior número de hipóteses possíveis. Em outras palavras, é visível a intenção das partes de albergar nos acordos toda espécie de entidade através da qual se possa implementar o investimento.

Há, no entanto, como já apontado alhures, variação no texto utilizado na definição.

Os ACFIs Colômbia, Suriname e Chile apresentam definição extremamente concisa, se limitando a consignar que "Investidor" significa um nacional, residente permanente ou empresa de uma Parte, que tenha realizado um investimento no território da outra Parte108.

Já o ACFI Moçambique apresenta uma redação mais prolixa - e um tanto quanto confusa - que também contempla amplo leque de hipóteses: pessoa jurídica ou outra organização estruturada em conformidade com a lei aplicável no território da Parte em que o investimento for estabelecido; qualquer pessoa jurídica não estruturada em conformidade com a lei dessa Parte mas controlada por um investidor conforme definido na alínea i. e ii do dispositivo; e pessoa jurídica que possua sua sede em território dessa Parte e ali tenha o centro de suas atividades econômicas.

Para reforçar ainda mais a amplitude da definição, o referido ACFI ainda menciona a hipótese de qualquer pessoa física ou jurídica, conforme estabelecido nas alíneas anteriores, que realize um investimento autorizado na outra Parte, quando a legislação de cada uma das Partes assim o determinar.

107 Art. 31, item 1 da Convenção de Viena de 1969. 108 ACFI Chile, Artigo 1º, item 1.5.

Mais bem elaboradas, e que atingem o mesmo objetivo inclusivo pretendido nos dois formatos acima, são as cláusulas encontradas nos ACFIs Etiópia, México e Maláui, semelhantes em seus conteúdos, e que, portanto, podem ser exemplificadas através da transcrição do enunciado que consta do Artigo 2 do ACFI Maláui:

Investidor significa:

a) qualquer pessoa física que seja nacional ou residente permanente de uma Parte, de acordo com suas leis, que realize investimentos na outra Parte;

b) qualquer pessoa jurídica:

i) estabelecida em conformidade com a lei de uma Parte;

ii) que possua sua sede e o centro de suas atividades econômicas no território dessa Parte;

iii) cuja propriedade ou controle efetivo pertença, direta ou indiretamente, a nacionais ou residentes permanentes das Partes, de acordo com a legislação correspondente, e

iv) que realize um investimento na outra Parte.

Como se vê, o referido enunciado é estruturado de modo objetivo, estabelecendo de maneira clara os requisitos que precisam restar preenchidos para que a pessoa jurídica possa ser enquadrada como investidor para fins de aplicação do acordo.

Os ACFIs Etiópia e México ainda trazem uma hipótese a mais de investidor, consistente na pessoa jurídica não estruturada de acordo com a legislação de qualquer das Partes, mas controlada por um investidor de uma Parte e que faça um investimento em outra Parte. Tal previsão parece voltada ao atendimento das complexas relações societárias que geralmente se verifica nas estruturas das holdings internacionais109, o que

só evidencia a sua atualidade e pertinência.

Por fim, o ACFI Angola é o único que delega a definição de “investidor” ao direito interno das partes:

Artigo 3 Definições

Para efeitos do Presente Acordo, as definições sobre investimento, investidor e outras definições inerentes a esta matéria serão reguladas pelos respectivos ordenamentos jurídicos das Partes.

A previsão em questão é atípica, tendo em vista que, como aponta, Karla Fonseca, ao lado do termo investimento, praticamente todos os acordos de investimento

109 As holdings são sociedades operacionais, constituídas para o exercício do poder de controle ou para a participação relevante em outras sociedades (TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Teoria geral e direito societário. vol 1. São Paulo: Atlas, 2017, p. 770).

definem quem goza da proteção concedida110. No caso do ACFI Angola, a rigor não há a definição de investidor, assim como a de investimento, na medida em que o enunciado respectivo se restringe a fazer remissão à legislação interna do Estado parte onde se der o investimento.

Talvez esse tratamento diferenciado encontrado no ACFI Angola se deva ao fato das partes contarem com uma relação diplomática e comercial antiga, com o Brasil tendo sido o primeiro Estado a reconhecer a independência angolana (1975)111 e terem

celebrado seu primeiro tratado internacional já em 1980112,113.

Assim, dada a existência desse intercâmbio prévio, a observância da legislação local pelos agentes privados pode não ter parecido às partes um empecilho que justificasse o estabelecimento de definições prévias quanto a temas como investidor e investimentos no próprio acordo internacional.

Tal situação, no entanto, foge, como já dito, à tradição dessa espécie de instrumento.

Assim, com base em todo o exposto, conclui-se que o modelo ACFI, ao mesmo tempo em que opta pela adoção de conceitos amplos, tanto para investimentos, quanto para investidores, também prevê critérios que afastam determinados ativos dessa noção, a partir da sua representatividade em termos de contribuição para o desenvolvimento econômico nacional.

Como visto, aquisição de valores mobiliários, a não ser que impliquem em controle societário ou influência significativa na gestão de algum empreendimento produtivo situado no território de alguma das partes, não serão considerados investimentos para fins de aplicação dos acordos.

110 FONSECA, Karla Closs. Investimentos estrangeiros: Regulamentação internacional e acordos

bilaterais. Curitiba: Juruá Editora, 2008, p. 86.

111 BADIN, Michelle Ratton Sanchez; MOROSINI, Fabio. The Brazilian Approach to Its South-South Trade and Investment Relations: The Case of Angola. SSRN Electronic Journal. 2014. doi:10.2139/SSRN.2532584. p. 6.

112 ACORDO de Cooperação Econômica, Científica e Técnica entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Popular da Angola. 11 de junho de 1980. Disponível em: < https://concordia.itamaraty.gov.br/detalhamento/2732 >. Acessado em: 20 dez 2018.

113 Nesse sentido, Michelle Ratton Sanchez Badin e Fabio Morosini destacam a presença de empresas brasileiras atuando em Angola desde a década de 1980, notadamente a construtora Norberto Odebrecht, responsável, por exemplo, pela execução de uma das maiores obras de infraestrutura da história daquele país, a Capanda Hydropower Project.Ibid, (BADIN, Michelle Ratton Sanchez; MOROSINI, Fabio. The Brazilian Approach to Its South-South Trade and Investment Relations: The Case of Angola. SSRN Electronic Journal. 2014. doi:10.2139/SSRN.2532584. p. 11)

Tal divergência de tratamento decorre e se justifica nos objetivos pretendidos pelas partes ao celebrar os Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimentos, consignados nos preâmbulos dos instrumentos.

No caso do Brasil, a referida diferenciação encontra respaldo não só no preâmbulo dos acordos internacionais, mas sobretudo na Constituição Federal, que, conforme destacado alhures, confere ao Estado o poder-dever de atuar como agente normativo e regulador da atividade econômica114 e determina que os investimentos de

capital estrangeiro no Brasil sejam orientados para o atendimento do interesse nacional115.

Embora se trate de uma expressão pouco precisa em termos de significado, o interesse nacional pode, e deve, ser identificado a partir do próprio texto constitucional, notadamente de seu art. 3º.

A partir de tais objetivos, é possível concluir que a exclusão de determinados investimentos do bojo dos acordos internacionais está em conformidade com as referidas diretrizes constitucionais, na medida em que se tratam de ativos que, conforme apontado no decorrer do presente capítulo, não contribuem de maneira direta e efetiva para o desenvolvimento econômico nacional.

Em outras palavras, embora representem ingresso de recursos financeiros no país, investimentos em valores mobiliários e títulos de dívida pública, por exemplo, não implicam em geração de empregos, desenvolvimento de novas tecnologias ou qualquer espécie de incremento no setor produtivo nacional. São ativos puramente financeiros e que, como tal, não devem fazer jus aos benefícios previstos nos acordos de cooperação e facilitação de investimentos, devendo ser regulamentados tão somente pela legislação interna correlata.

Afora isso, as definições em análise auxiliam na convergência de conceitos, evitando que um investidor brasileiro atuando em Angola tenha um tratamento diferente, melhor ou pior, do que um angolano que esteja atuando no Brasil, por exemplo.

114 Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

115 Art. 172. A lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros.

CAPÍTULO II. MEDIDAS NORMATIVAS DE TRATAMENTO E DE