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Seção I. Cláusulas padrão tradicionalmente presentes nos tratados de investimentos

A. Desapropriação

Como se sabe, a segurança jurídica quanto à preservação de seus ativos é questão chave para os investidores e, como tal, uma das razões de ser dos tratados internacionais em matéria de investimentos e do próprio direito internacional dos investimentos enquanto capítulo da disciplina Direito Internacional Econômico.

Embora se trate de uma cláusula tradicionalmente presente nos acordos internacionais de investimento, é razoável afirmar que o respeito à propriedade do estrangeiro por parte do Estado receptor consubstancia um princípio básico de Direito Internacional159, integrante do chamado “nível padrão de tratamento”160, o que, por si só, independentemente da referida cláusula, obriga o Estado desapropriante a indenizar as perdas decorrentes da desapropriação. Em outras palavras, antes mesmo de qualquer regulamentação específica da matéria através de um tratado, é possível falar no direito do investidor estrangeiro de ser indenizado em caso de desapropriação de seus bens, com base nos princípios e costumes que informam o direito internacional, cuja a força normativa já fora expressamente reconhecida pelo art. 38, “b” e “c” do Estatuto da Corte Internacional de Justiça161.

159 RIBEIRO, Marilda Rosado de Sá. Expropriação: Revisitando o tema no contexto dos estudos sobre investimentos estrangeiros. In: RIBEIRO, Marilda Rosado de Sá (Org). Direito internacional dos

investimentos. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 141.

160 ARENHART, Fernando. Op. cit. p. 242.

161 Incorporada ao Ordenamento Jurídico brasileiro através do Decreto de promulgação nº 19.841/1945, disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D19841.htm>.

De toda sorte, a previsão expressa das diretrizes a serem observadas na hipótese de desapropriação é acertada, por conferir maior segurança jurídica tanto às partes signatárias, quanto aos investidores interessados.

Quanto a esse ponto, importa também esclarecer que, embora se trate de uma previsão consagrada, presente em praticamente todos os acordos internacionais sobre investimentos, não há uniformidade quanto à terminologia utilizada para nomina-la, podendo ser encontradas as mais variadas expressões, tais como expropriação, nacionalização, expropriação indireta, medida de efeito equivalente à expropriação, expropriação creeping, expropriação regulatória, entre outras162.

Nos ACFIs, é utilizado termo o “Desapropriação direta” (Suriname e Guiana), “Desapropriação” (Etiópia, Chile e Colômbia), “Expropriação, Nacionalização e Indenização (Angola e Moçambique), “Mitigação de riscos” (Maláui) e “Expropriação (México)”.

Todavia, apesar da referida variabilidade terminológica, a essência do instituto é mantida em todos os acordos, e que pode ser resumida nas seguintes linhas mestras: (i) que os atos sejam realizados me virtude do interesse público, (ii) que sejam não- discriminatórios, e (iii) que sejam acompanhados de adequada e justa indenização163.

Nesse diapasão, a leitura de tais dispositivos nos ACFIs revela que não há a intenção das Partes em suprimir a prerrogativa estatal de promover as desapropriações que entender necessárias, mas apenas estabelecer critérios que permitam verificar, na espécie, a ocorrência de abusos.

Assim, são empregadas expressões que sugerem que medidas dessa natureza devem ser adotadas de maneira excepcional, como no Artigo 8 do ACFI Maláui no qual é dito que “nenhuma Parte, em conformidade com seu ordenamento jurídico, expropriará ou nacionalizará diretamente um investimento coberto por este acordo, salvo que seja...”; ou no ACFI Angola, cujo Artigo 9 estabelece que “Os Investimentos realizados por investidores de uma das Partes no território da outra Parte não poderão ser expropriados ou nacionalizados, exceto...”.

Como se vê, o texto das cláusulas, inicialmente, sugere a vedação da medida, mas, ao final, através de expressões como “salvo que seja” ou “exceto”, esclarece que a medida expropriatória é possível, desde que sejam observados os requisitos correlatos:

162FONSECA. Karla Closs. Op cit. p. 115-116. 163 Op. cit. p. 141.

em razão de utilidade ou interesse público, não ser discriminatória, mediante o pagamento de justa indenização e observado o devido processo legal.

Tais pressupostos aparecem invariavelmente em todos os ACFIs.

Em relação ao Brasil, há um evidente alinhamento entre tais previsões e a Constituição Federal, que em seu art. 5º, XXIV prevê que a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização.

Ao mesmo tempo em que se identifica o alinhamento, também se verifica que os acordos, nesse ponto, têm pouco a acrescentar, em termos de segurança, em relação ao que já é garantido ao investidor internacional pelo Ordenamento Jurídico brasileiro. Por outro lado, tem-se nessa cláusula importante instrumento garantidor dos direitos dos investidores brasileiros em território estrangeiro, os quais, nesse caso, não dependerão das instituições ou da legislação daquele Estado, tendo assegurado seu direito à indenização por desapropriação de seus bens independentemente da previsão do instituto no outro país.

Conclui-se, portanto, que a previsão em comento guarda relação direta, intrínseca, com o objetivo de segurança jurídica ínsito aos acordos dessa natureza. Não custa lembrar, nesse sentido, que os acordos bilaterais de investimentos surgem para resolver a equação da segurança dos investimentos e a soberania dos Estados receptores164, de modo que a proteção ao direito de propriedade é um ponto central nesses instrumentos.

Em linhas gerais, os 10 ACFIs traçam diretrizes básicas quanto à desapropriação, às quais, nessa condição, deverão ser observadas internamente, no âmbito dos respectivos processos desapropriatórios, através do qual serão formalizados os atos correlatos e definido o valor da indenização. Antes, todavia, de se tratar da compensação, cumpre analisar certas particularidades presentes em apenas alguns dos acordos.

Primeiramente, os ACFIs Chile, Suriname, Etiópia e Guiana excluem do âmbito de atuação da cláusula em comento as desapropriações indiretas. Nesse sentido, o Artigo 7, item 6, estabelece que o Acordo abrange apenas a desapropriação direta, que ocorre quando um investimento é nacionalizado ou de outra forma diretamente desapropriado por meio da transferência formal de título ou de direitos de propriedade, e não abrange desapropriação indireta.

Segundo Karla Fonseca, verifica-se a desapropriação indireta “quando a privação da propriedade decorre de uma série de atos ou de um “processo” que normalmente visa à consecução de objetivos regulatórios inteiramente legítimos, mas que produzem, como efeito a privação dos direitos fundamentais de propriedade do investidor”165.

Nesse caso, a desapropriação indireta não se confunde com a modalidade desapropriatória conceituada pelo Direito Administrativo como o “abusivo e irregular apossamento do imóvel particular pelo Poder Público, com sua consequente integração ao patrimônio público, sem obediência às formalidades e cautelas do procedimento expropriatório”166, pois, como advertido acima, a desapropriação indireta no contexto dos

acordos internacionais de investimentos decorre de alguma medida legitimada por objetivos regulatórios, e não de um ato abusivo e irregular.

Assim, ocorrerá desapropriação indireta quando alguma medida estatal de cunho regulatório acabe por inviabilizar o exercício das atividades desempenhadas pelo investidor ou a dificulte de maneira tal que os retornos fiquem muito abaixo do esperado. Tais ações de viés regulatório, portanto, não estão contempladas nos ACFIs mencionados, de modo que eventual controvérsia deverá ser resolvida em âmbito interno.

Ainda sobre esse tema da desapropriação enquanto ferramenta de regulação econômica, o ACFI Colômbia, em sentido contrário à previsão acima exposta, estabelece expressamente que “as Partes poderão estabelecer monopólios estatais ou reservar atividades estratégicas que privem um investidor de desenvolver uma atividade econômica, desde que seja por motivos de utilidade pública ou interesse social e se observe o disposto neste Artigo”. Como se vê, neste acordo as Partes cuidaram de deixar claro que esse tipo de expropriação mais ampla tem respaldo no próprio instrumento.

Por fim, o ACFI Colômbia e Chile são os únicos que, tratando das hipóteses desapropriação, excluem expressamente do acordo controvérsia relativa à concessão de licenças obrigatórias relacionadas à propriedade intelectual. Não obstante, importa lembrar que, como visto alhures, os ACFIs Suriname e Guiana estabelecem, na cláusula relativa ao âmbito de aplicação e cobertura, que o acordo não se aplicará à emissão de licenças compulsórias emitidas em relação aos direitos de propriedade intelectual em conformidade com o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual

165 FONSECA. Op. cit. p. 116.

166 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 33. ed. São Paulo SP: Malheiros, 2016, p. 906.

Relacionados com o Comércio da Organização Mundial do Comércio (Acordo de TRIPS), ou à revogação, limitação ou criação de direitos de propriedade intelectual na medida em que a sua emissão, revogação, limitação ou criação seja compatível com o Acordo de TRIPS.

Assim, é possível afirmar que, no que se refere aos ACFIs Colômbia, Chile, Suriname e Guiana, eventual medida expropriatória relacionada à propriedade intelectual não será alvo de indenização com fundamento nas previsões convencionais sobre desapropriação, desde que tenha sido efetivada em conformidade com o disposto no Acordo TRIPS.

Por fim, no que diz respeito à indenização, todos os 10 acordos trazem um disciplinamento semelhante, baseado nos seguintes pilares: (i) pagamento sem demora; (ii) valor justo de mercado; (iii) não refletir uma alteração no valor devido ao fato de que a intenção de desapropriar foi conhecida antes da data da desapropriação; (iv) ser livremente pagável e transferível.

Os referidos critérios são de fácil compreensão, devendo ser destacado, no que refere ao ordenamento interno do Brasil, à previsão, presente em quase todos esses acordos, quanto à aplicação da legislação do Estado anfitrião no que se refere à efetivação do pagamento da compensação.

Ocorre que o art. 100, caput, da Constituição Federal estabelece que “os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim”.

Assim, ressalvada a possibilidade das partes entrarem em acordo, a efetivação do pagamento ao investidor se dará através dos chamados precatórios, na forma prevista no referido enunciado constitucional, o que afronta de maneira muito clara a orientação do pagamento sem demora constante dos acordos internacionais, já que é notória a lentidão no adimplemento dos valores pagos através daquele tipo de instrumento.

De todo modo, na medida em que, como apontado, os próprios acordos fazem referência ao direito interno, a circunstância da reconhecida lentidão nos pagamentos através de precatórios, ainda que não se coadune com o preceito do pagamento sem

demora, não afastará a aplicação de tal sistemática, até porque qual formato alternativo colocaria o investidor estrangeiro em situação de vantagem em relação ao nacional.